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Os limites jurídicos da publicidade nas relações de consumo brasileiras: as manipulações de desejo nas relações pré-contratuais consumeristas.

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Agenda 12/09/2012 às 10:44

Analisa-se a responsabilidade civil quando da utilização das técnicas publicitárias na manipulação do desejo do consumidor, fazendo com que este adquira produtos ou serviços que, muitas das vezes, não necessita de fato, afetando sua dignidade e sua consciente autonomia da vontade.

Resumo: A presente pesquisa sócio-jurídica analisa a responsabilidade civil, o dano moral e os direitos consumeristas ante a prática de publicidade. Seguramente são explorados artigos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) para averiguar a existência e quais os limites de tal responsabilidade. Nisto, tivemos a oportunidade de estudar áreas múltiplas do Direito, principalmente de Civil (Responsabilidade Civil, Contratos, Consumidor), Direito Constitucional e, assim, viabilizar soluções éticas e legais para os problemas formulados. E na área das ciências sociais aplicadas, a Comunicação Social e da Sociologia. Deste modo, esperamos que, com a utilização do material pesquisado, demonstremos que cabe ao Direito (ordem jurídica) conter o avanço do consumo e da publicidade (ordem social) em respeito à autonomia da vontade do consumidor.

Palavras-chave: consumo, publicidade, responsabilidade civil, autonomia da vontade, dano moral.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. A PUBLICIDADE. 1.1 Aspectos gerais. 1.2 A psicologia e as técnicas de persuasão. 1.3 O estímulo para o consumo. 1.4 Duas técnicas de vendas. 2 O CÓDIGO DE DEFESA E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR. 2.1 Prelúdio. 2.2 Da sua origem nos direitos fundamentais. 2.3 Dos direitos básicos dos consumidores. 2.4 A relação jurídica de consumo. 2.5 A publicidade no Código de Direito do Consumidor. 2.6 A vulnerabilidade do consumidor. 3 A PUBLICIDADE NOCIVA. 3.1 Publicidade nociva na Lei nº 8.078/90. 3.2 Publicidade abusiva. 3.3 Publicidade enganosa. 4. RESPONSABILIDADE CIVIL NA PUBLICIDADE. 4.1 Noções gerais da responsabilidade jurídica civil. 4.2 A publicidade atual na ótica da responsabilidade civil. 4.3 Dano moral decorrente de publicidade nociva. CONCLUSÃO. Referências Bibliográficas


INTRODUÇÃO

A publicidade a cada ano tem se munido de táticas psicológicas para vender as marcas e produtos de seus clientes como se fossem intrínsecos à necessidade humana ou mesmo tragam algum benefício imaterial, tais como beleza, segurança, status. Tal atividade humana que, inicialmente surgiu para informar a existência de um produto ou serviço para o mercado, transformou o consumo em um conceito de vida. Todos, independentemente de idade, escolaridade, classe social e/ou econômica, estamos sujeitos a esta indução.

Para tanto, este tema interdisciplinar investiga, no direito, a responsabilidade civil por parte da publicidade (tendo como principal executor a agência publicitária) quando da utilização das técnicas publicitárias na manipulação do desejo do consumidor, fazendo com que este adquira produtos ou serviços que, muitas das vezes, não necessita de fato, afetando sua dignidade e sua consciente autonomia da vontade.

Com o intuito de unir duas formações acadêmicas (a primeira em Comunicação Social com habilitação em publicidade e propaganda, e a segunda em Direito), a autora almeja acrescentar à pesquisa acadêmica esta análise crítica da publicidade frente ao direito do consumidor. Deste modo, o conhecimento em ambas as áreas do conhecimento trazem familiaridade suficiente com o tema proposto.

Este estudo teve início com a tese “A Publicidade e a dignidade do consumidor”, trabalho selecionado e aprovado no Seminário de Teses Independentes, realizado na ocasião do IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO DO CONSUMIDOR (2008). O professor e jurista português Mário Frota, um dos convidados do evento e componente da Mesa Examinadora, publicou o livro “A publicidade infanto-juvenil: perversões e perspectivas” (2007). Houve uma enriquecedora discussão sobre o poder persuasivo da publicidade. E é exultante com a receptividade da proposta exposta que, nessa temática, o presente trabalho analisa a possibilidade de responsabilização civil na publicidade.

Para contextualizar, vejamos o caso hipotético: um consumidor médio adquire um produto que realmente não necessitava achando que o mesmo o traria status. Ao se conscientizar (por intermédio da educação para o consumo) que isso não passa de uma estratégia de marketing, pode ele requerer dano moral em juízo? Mas há dano moral? Há de fato autonomia da vontade com tantas técnicas de persuasão? Enquadraria em publicidade enganosa ou abusiva? E quais seriam as consequências jurídicas para as situações pré-contratuais? Um delas certamente é que iriam surgir muitas outras pessoas requerendo uma indenização, alegando terem sidas ludibriadas pela publicidade, criando um intricado caos no mercado econômico.

Até o ano de 1990 não havia regramento jurídico específico para regular os agentes publicitários e o mercado de consumo no Brasil. Os próprios órgãos corporativos limitavam com exclusividade a atuação da classe. O CONAR, Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária, é uma entidade privada, cujo Código define os limites da publicidade, no intuito de evitar abusos do mercado. Mas não tem coercividade, consistindo tão somente no controle interno da publicidade. Portanto, foi após a publicação do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC, Lei nº 8.078/90), que se tem início o controle jurídico das relações de consumo especificadas.[1]

Ademais, o Código de Defesa do Consumidor se ocupa também da publicidade, pois é esta que traz ao público produtos e serviços, incentivando o consumo.

Importante frisar que a figura jurídica em destaque desse regramento é o consumidor, sujeito do dever de proteção do Código de Defesa do Consumidor, que é sempre suscetível às táticas das mensagens publicitárias cada vez mais capciosas. E o consumidor brasileiro, além de suscetível, é inerte. E pelo fato dessa passividade, não exige apenas a proteção, mas, sobretudo, a tutela de seus direitos por intermédio do Estado. Vale ressaltar que tutela e proteção não são termos sinônimos. Proteção é a solução que substitui o interesse e resguarda o indivíduo a partir da incapacidade do tutelado em se manifestar, enquanto tutela abrange apenas as medidas necessárias para o freio das vontades ou atos volitivos. E os dois devidamente foram recepcionados pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei Nº 8.078/90).

Conforme já explanado, a publicidade, com sua finalidade de vender, cria ilusões de que produtos ou serviços irão satisfazer todas as necessidades dos consumidores, manipulando assim seus desejos de consumo. A incutir a idéia do “ter” em detrimento do “ser”, desenvolve pessoas sempre insatisfeitas, que buscam no consumo a realização pessoal.

Interessante citar o comentário do juiz federal William Douglas, em um de seus populares livros, a respeito da sociedade de consumo atual:

Parece que somos educados para não nos amarmos, para acharmos que devíamos ou podíamos ser mais inteligentes, mais bonitos, mais amados, mais simpáticos ou mais ricos do que realmente somos. Existe todo um arsenal de frases feitas, chavões e preconceitos que nos forçam a querer mais, esperar mais, etc. Ao lado disso, as propagandas de rádio, TV, impressas etc, sempre procuram nos vender a imagem de que algo está faltando, algo precisa ser feito, admirado ou adquirido para que a vida seja perfeita. Além disso, vivemos em uma sociedade que de cristã tem apenas o nome, pois é, no âmago, materialista, frívola e consumista, valendo para ela as pessoas pelo o que têm e não pelo o que são.[2] (grifo nosso)

Não obstante, esse consumo desenfreado para a satisfação das necessidades pessoais, estas que nunca serão completamente atendidas, traz à tona uma espécie de publicidade abusiva, na medida em que induz a compra como solução para problemas de valores morais e sociais. Seu consumo promete preencher desejos, faltas, vazios, gerando uma sociedade superficial e, pior, sem responsabilidade de consumo. Uma sociedade composta de consumidores expostos às práticas abusivas que, no Código de Defesa e Proteção do Consumidor, podem muito bem serem definidos como consumidores por equiparação.[3]

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Para desenvolver esta pesquisa, as fontes foram bibliográficas e documentais, desde livros e jurisprudências, a periódicos e páginas na internet. Dentre os livros jurídicos utilizados, foram estudados doutrinadores consagrados como Antônio Herman V. Benjamin, Rizzardo Nunes, Paulo Roberto Roque Khouri, Hector Valverde Santana, Sérgio Cavalieri Filho. A obra “Publicidade abusiva”, de Suzana M. Pimenta Catta Preta Federigui, contribuiu como referência básica para a análise do tema aqui proposto. Os fichamentos de diversas obras apresentaram os conceitos e questionamentos necessários para a monografia. Não há obrigação de se conhecer os pormenores de toda a estrutura publicitária ou mesmo a estratégia de marketing; não é oportuno tornar isto uma pesquisa de comunicação. Contudo, faz-se necessário discutir aspectos da atuação das campanhas publicitárias.

De tal modo, este trabalho foi dividido em quatro capítulos. No primeiro, conheceremos em sucinto texto aspectos gerais da publicidade e seus mecanismos de persuasão para o consumo no primeiro capítulo. O segundo abrange o próprio Código de Defesa do Consumidor (CDC), tratando de sua existência, a influência dos direitos fundamentais, quais os direitos básicos dos consumidores, a relação jurídica, qual o foco é dado à publicidade, e à temática da vulnerabilidade.

Os dois últimos são mais específicos. O terceiro analisa a publicidade nociva, que é dividida primariamente em abusiva e enganosa. E o quarto, a incidência da responsabilidade civil na publicidade, as noções gerais, o tratamento dado nos casos de relações de consumo pré-contratuais, e a aplicação do dano moral.

Enfim, a finalidade deste trabalho é social, analisando os aspectos subjetivos do consumo e, em seguida, trazer soluções para tutelar os cidadãos e também torná-los consumidores mais conscientes. Estes últimos são a resposta para uma sociedade equilibrada. Consumidores conscientes e bem informados são aqueles que não se deixam influenciar por produtos ou serviços que, para a manutenção do mercado econômico, devem ser vendidos. O intento é proporcionar à publicidade um controle mais estatal e jurídico que limite sua atividade, sem prejudicar os consumidores e nem o mercado econômico.

Destarte, esperamos que, com a utilização do material pesquisado, possamos estimular o estudo sobre os limites para o avanço da publicidade em respeito à dignidade do consumidor. E se for o caso, responsabilizar quem os violar.


1. A PUBLICIDADE

1.1 Aspectos gerais

Segundo Sant’Anna, “comunicar bem é um dos grandes segredos do êxito em nossa sociedade. E a propaganda é, por excelência, a técnica de comunicar”.[4]

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP), redigido pelo CONAR, não faz distinção entre publicidade e propaganda, definindo ambos termos como “toda atividade destinada e estimular o consumo de bens e serviços, bem como promover instituições, conceitos e idéias”.[5] Os meios utilizados são os mesmos, o que as diferencia é somente o objeto. Ensina Antônio Herman Benjamin que a diferença reside no que diz respeito ao lucro: este é o objetivo da publicidade; na propaganda, isso não é obrigatório.[6]

A concepção jurídico-doutrinária segue esta linha, não se ocupando da diferenciação léxica, mas do objeto. Assim, publicidade – ou propaganda[7]- nos dizeres do professor Eugênio Malanga, além de comunicar, “é a arte de despertar, no público, o desejo de compra, levando-o à ação”. Portanto, ela é um poderoso instrumento de venda, posto que “através de sua técnica e da arte de bem anunciar que se aumenta, vertiginosamente, o consumo de milhares de produtos”.[8] Em resumo, a publicidade torna conhecido um produto, serviço ou uma marca, com o objetivo de despertar o desejo de consumo, destacando qualidades e diferenciando-o dos demais concorrentes.

Seu desenvolvimento ao que hoje conhecemos como publicidade comercial deve-se ao crescimento industrial do século retrasado. As primeiras fábricas limitavam-se a produzir o que o consumidor necessitava e o que este tinha condições de adquirir. O avanço da tecnologia trouxe a produção em massa. Nisso, os industriais precisavam escoar o excesso de produção, surgindo assim a publicidade. A partir dela, o mercado o consumidor não consumia apenas o que necessitava: a publicidade contribuiria para promover novos hábitos de consumo além das necessidades básicas (cite-se vestuário, alimentação, moradia, saúde). Como parte integrante do processo de desenvolvimento econômico, é por ela disseminada a ideia de status ao se adquirir objetos ligados ao conforto e lazer.[9]

As empresas anunciantes simplesmente justificam seus gastos publicitários em campanhas e ações bem elaboradas devido ao aumento da concorrência.[10] Porém, mais do que a produção, hoje é o consumo o objetivo mais importante nas ações de comunicação, levando o consumidor ao produto:

A criação de uma massa de consumidores por meio da incessante e avassaladora indução ao consumo acarreta a necessidade de um maior controle por parte das legislações especiais, notadamente no que se refere à oferta, uma vez essa aparente “democratização” do consumo significou, em última análise, que passaram a ser potenciais consumidores todas as pessoas, estejam elas capacitadas, ou não, para agir com discernimento no mercado, bastando que, para isso, liguem a TV, o rádio, leiam um jornal ou revista, observem um outdoor, recebam a visita de um representante etc.[11] [grifo nosso]

Seguindo o raciocínio de Sant’Anna, uma das principais características da sociedade contemporânea é o hedonismo. O professor Francisco Gracioso a cita em um de seus artigos como “a busca frenética pelo prazer que leva à obsessão pelo espetáculo”.[12] Soma-se a isso o surgimento de tribos urbanas, que na necessidade de se diferenciarem do restante da sociedade, acabam por consumir produtos criados exclusivos para elas. Desta forma, e no geral, as campanhas publicitárias de hoje vão além de vender um produto ou serviço: vendem uma ideia a todos de que é possível ser alguém bastando ter algo. O que conta é a experiência, é o ser alguma coisa por intermédio do objeto adquirido.

Com tudo isso, o que se percebe atualmente é certo destrato com o consumidor quando, no intuito de fazer vender, o mercado publicitário utiliza imagens de crianças, adolescentes, velhos, mulheres. Aliás, crianças e adolescentes também são as principais “vítimas” dos anúncios publicitários. Na faixa etária em que encontram, estes têm a necessidade de se adequar em seus grupos sociais. Nisso, sobejam mensagens publicitárias de que o biscoito tal é o melhor porque “traz energia”, ou a roupa ou o produto tal “torna-o mais bonito, interessante”. O jurista português Mário Frota aborda essas questões em seu livro, explicando a fragilidade do público infantil.[13]

Mas adultos também são influenciados com essa abordagem. No mais, a publicidade deveria se ater a mostrar o produto, divulgar sua marca, mas nunca apresentá-lo como solução abstrata de problemas. É racional saber que usar o xampu ‘x’ não trará felicidade, ou comprar o perfume “y” não tornará alguém atraente. Contudo, o emocional, ou o “leão” dos consumidores os levam a consumir por motivos de carência emocional. Augusto Cury, famoso psiquiatra e autor de livros de auto-ajuda, explica muito bem essa situação:

Esse sistema não tem por objetivo produzir pessoas resolvidas, saudáveis e felizes; a ele interessa as insatisfeitas consigo mesmas, pois quanto mais ansiosas, mais consumistas se tornam. [grifo nosso] [14]

Todavia, a publicidade também não deve ser encarada como um “monstro social”, visto que bem utilizada, é uma fonte de economia para os produtores e de também de benefícios para os consumidores. No primeiro caso, por estimular o mercado e, no segundo, por informar. A publicidade voltada para a venda de produtos ou serviços proporciona os seguintes efeitos na economia das empresas: cria e amplia mercados, regula o consumo, reduz custos industriais (por intermédio de uma produção em série de itens padronizados aos consumidores), age sobre os preços, regula os estoques, e melhora a qualidade do que é oferecido (para não comprometer o fabricante e o prestígio da empresa com produtos de má qualidade), entre outros, o que também favorece os consumidores.[15]

Por todas essas peculiaridades, Sant´Anna ainda instiga com os seguintes questionamentos:

A publicidade é uma das maiores forças da atualidade. Para seus defensores, a propaganda vende, educa e estimula o progresso; para muitos dos críticos, induz as pessoas a consumirem o que não necessitam. E para nós? E para a nossa realidade brasileira? E para a sua realidade regional? Como a propaganda pode realmente desempenhar a sua vocação de desenvolvimento social e econômico? Essas são as perguntas que todo profissional consciente sempre se faz cotidianamente para atuar com coerência e ética.[16]

Há um meio termo a ser encontrado para manter uma atividade publicitária ética. No meio publicitário é comum sustentar o dogma do princípio da liberdade de expressão. Também conhecido como manifestação do pensamento, é elencado no artigo 5º, “dos Direitos e Deveres Fundamentais”, na Constituição Federal brasileira. Contido, não existe direito ou garantia ilimitados, mesmo que amparados pela Carta Magna. Quando em conflito, baliza-se pelo princípio da dignidade humana, que veremos adiante.[17]

No mais, é imprescindível lembrar que existem outros princípios, e o que nos interessa é o que mais preserva o direito a uma vida com qualidade, e respeita tanto a integridade física quanto psíquica do indivíduo. E a prática publicitária deve se adequar a essa visão.

1.2 A psicologia e as técnicas de persuasão

Por trás da mensagem publicitária, há a psicologia. Quem estuda Publicidade certamente teve aulas de psicologia. A importância é precisamente entender o consumidor e torná-lo suscetível às mensagens.[18] Afinal, como as pessoas não são máquinas programáveis, são necessários estudos ininterruptos de psicologia, e também de sociologia, para garantir o impacto da publicidade no público alvo.[19]

Como bem orienta o pioneiro publicitário Hopkins:

o publicitário competente deve entender de psicologia. Quanto mais conhecer sobre ela, melhor. Deve aprender que determinados efeitos levam a determinadas reações e, usar tal conhecimento para melhorar resultados e evitar erros. [20]

Segundo os estudos psicológicos de Weil e Tompakow, os seres humanos são comparados à Esfinge egípcia: corpo de boi, tórax de leão, asas de água e cabeça de homem. Qual a importância dessa alegoria? O boi representa a vida instintiva e vegetariana. O leão, a vida emocional. A águia, a vida mental (intelectual e espiritual). O arremate é que o homem é o conjunto desses três animais. A parte “águia” é a única que detém conscientemente o controle do corpo sobre a mente, enquanto o “boi” e o “leão” são claramente as partes humanas as quais a publicidade atua, a fim de que o consumidor ceda aos apelos persuasivos e subliminares.[21] Conforme Malanga, há ainda a publicidade subliminar, que embora seja proibido seu uso, é “um tipo da publicidade que consiste em influenciar o subconsciente, evidentemente sem a percepção consciente”.[22]

Em suas pesquisas, W. J. Thomaz estabeleceu quatro desejos humanos fundamentais, quais sejam, o desejo de atividade, segurança, reciprocidade e aprovação. Esses desejos são constantemente inseridos nas campanhas publicitárias.[23] E são cinco os fundamentos psicológicos, conforme cita Malanga, utilizados para acionar tais desejos: chamar a atenção (visual ou auditiva) do consumidor, provocar seu interesse, desencadear emoções para estimular o desejo de compra, criar a convicção de que tal artigo anunciado (produto, serviço ou marca) é o ideal e, por último, impor sugestivamente a necessidade de comprá-lo, transformando então o desejo vago em ação.[24]

Nesse sentido, explana a socióloga Vera Aldrighi que o consumidor tem necessidades, crenças, sentimentos. E é por meio dos estímulos da publicidade (visuais, emotivos, persuasivos etc), a promessa de benefícios de um produto o faz gerar expectativas de desempenho. Essas despertam o desejo e o interesse em usar o produto, comprando-o. Tudo com base em pesquisas de comportamento e de mercado.[25] E a comunicação de massa, em especial a eletrônica (televisão, rádio, internet) tem enorme apelo e penetração na sociedade, criando um estilo de vida, aproveitando da vulnerabilidade do consumidor.[26]

O objetivo da ação publicitária, seja ela qual for, é intrinsecamente difundir hábitos de consumo, atitudes e valores na sociedade, utilizando-se da linguagem conativa para alterar os padrões do mercado, mesmo os antigos.[27]

Quanto à redação das campanhas, o livro de Carrascoza que trata do texto publicitário demonstra bem a mudança na forma apelativa (função conativa da linguagem) da publicidade ao longo dos anos.[28] Sua função de linguagem sempre será a conativa. Contudo, até meados dos anos 70, os textos publicitários continham expressões diretas como “compre”, “adquira”, sempre focalizados em apresentar as qualidades extrínsecas dos produtos e serviços. Atualmente está, em geral, mais discreta. Ainda conforme Carrascoza, para se construir um texto persuasivo, há cuidadosa escolha lexical como recurso expressivo.[29] Discursos persuasivos “aconselham” o destinatário a comprar, ou seja, discursos deliberativos, direcionando a mensagem aos benefícios intrínsecos que o produto oferece para a satisfação pessoal do consumidor. É um jogo de palavras que cria uma imagem atraente na mente do consumidor.

No mais, fatores de ordem física, fisiológica e psicológica influem no comportamento de compra.[30] Por exemplo, além do texto especialmente elaborado, o uso de determinada cor ou um ritmo musical pode impactar o consumidor, aumentando o poder da mensagem publicitária. Se esta mensagem é a ideia a ser propagada pela publicidade, as cores e sons são como molduras, preparadas com o intuito de reforçar tal mensagem.

Ressalte-se, ainda, o uso das propagandas ou mensagens subliminares. Embora vedadas em diversos países (no Brasil, o artigo 36 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor proíbe implicitamente seu uso), são divulgadas regularmente, seja na forma de anúncios, odores (por exemplo, o “perfume de carro novo”), sons. Afinal, como se trata de mensagem sutil, abaixo no limiar de percepção, é complexo detectá-la. São estímulos que passam despercebidos pelo consciente das pessoas.[31]

As ditas propagandas subliminares são mensagens subconscientes elaboradas para envolver os consumidores, e é uma das técnicas de persuasão mais predominante do que se imagina.

Nisso tudo, percebe-se que a publicidade não é simplesmente um texto com uma imagem e/ou música agradável, mas um elaborado processo de comunicação, permeado por pesquisas de comportamento, carências humanas, ligações emocionais com produtos e serviços, persuasão psicológica, estímulos sensitivos etc. Tudo para gerar o consumo.

1.3 O estímulo para o consumo

Compreende-se que a função da publicidade é mista: por um lado, é disseminar ideias e informações sobre produtos e serviços existentes, e de outro, aumentar os negócios dos anunciantes com a conquista de mais consumidores. Mas seu objetivo é claro e único: gerar consumo:[32]

[...] o mercado da oferta parece-nos comandar o da procura em certa medida, uma vez que, sendo detentor dos meios de comunicação, das informações e de mecanismos cada vez mais modernos de propaganda e publicidade, faz chegar ao público a idéia da necessidade e da conveniência da aquisição de produtos e serviços postos à disposição no mercado de consumo.[33]

Roberto Corrêa remata que a publicidade se apóia em três necessidades. A primeira é difundir produtor, marca ou serviço, associando-o a uma imagem positiva. A segunda é persuadir, convencendo o consumidor de que é que está sendo oferecido é a melhor opção para suas necessidades. E por fim, motivar o consumidor, levando-o à ação de compra.[34]

As pessoas tendem a comprar (ou usar) os produtos (e serviços) que mais conhecem, nos quais acreditam mais e sobre os quais estão mais bem informadas. Ademais, com o intuito de se identificarem em um grupo social desejado, o comportamento de outras pessoas afeta a experiência de compra.

Este é mote do fenômeno do “neurônio-espelho”, citado por Lindstrom. O cérebro, movido por hormônios, em especial a dopamina (hormônio do prazer) é um dos motivos pelos quais se imita o comportamento alheio, subjugando o pensamento racional, e finalmente, comprando.[35] Assim, em síntese, o consumidor vê uma imagem, se identifica com ela e com o que ela transmite. Ao adquirir o produto oferecido, é como se estivesse comprando uma imagem que gostaria de ser, uma atitude que almeja ter. Ele acredita que se tornou aquilo que viu, se espelhando em algo que aprova.

Essa imitação regida pelo subconsciente - e muito utilizada pela publicidade como um dos recursos de vendas - é responsável também pelo que se chama “moda” ou “modismo”. Quando se vê um produto repetidamente em uso por muitas pessoas, esse se torna mais desejável, um objeto de inclusão social. É uma técnica associativa muito aplicada pela publicidade, em conjunto com as mensagens subliminares.

Destarte, uma característica positiva de nosso cérebro, que é a responsável pela empatia humana, tem sido empregada para despertar o desejo no consumidor e a motivação para a compra.

Infelizmente, é também por intermédio dessa conexão cerebral que muitos jovens ainda fumam, mesmo sabendo dos perigos do cigarro à saúde, e muitas mulheres (jovens ou adultas) estão com anorexia e bulimia, na conquista de corpos magérrimos e pouco saudáveis. Estes são exemplos extremamente negativos da força do fenômeno da imitação, ou dos “neurônios-espelho”. Nessa análise, Lindstrom finaliza o capítulo alertando que o futuro da publicidade não é necessariamente a propaganda enganosa, mas justamente o uso dos “neurônios-espelho” de forma indevida.[36]

1.4 Duas técnicas de vendas

Importa exemplificar as duas técnicas de apresentação de produtos e serviços que são bastante utilizadas nas veiculações publicitárias e que podem, e muito, induzir o consumidor a desejar algo além do objeto em si: o testemunho e o merchandising.

Entre inúmeras outras eficientes técnicas de vendas, a testemunhal é uma das que mais induzem o consumidor (pois os “neurônios-espelho” são bem estimulados). Nesta, utiliza-se do depoimento de pessoas conhecidas do público consumidor (ou então técnicos, peritos, profissionais ou consumidores comuns) para vender, enaltecer as qualidades, fazer acreditar nos resultados.

Por ser uma técnica tão influenciadora, o CONAR reservou um capítulo exclusivo para em seu Código Brasileiro de Autoorregulamentação Publicitária (CBAP). Esta norma extrajudicial permite às agências publicitárias o uso de testemunhas em seus anúncios, desde que tais depoimentos sejam ligados à experiência passada ou presente do depoente e seja passível de comprovação (art. 27, § 9º, alínea a, CBAP) dentre outras regras para o sistema publicitário:

Parágrafo 9.º - Testemunhais

a) O anúncio abrigara apenas depoimentos personalizados e genuínos, ligados a experiência passada ou presente de quem presta o depoimento, ou daquele a quem o depoente personificar;

b) O testemunho utilizado deve ser sempre comprovável;

c) Quando se usam modelos sem personalização, permite-se o depoimento como "licença Publicitária" que, em nenhuma hipótese, se procurará confundir com um testemunhal;

d) O uso de modelos trajados com uniformes, fardas ou vestimentas características de uma profissão não deverá induzir o Consumidor a erro e será sempre limitado pelas normas éticas da profissão retratada;

e) O uso de sósias depende de autorização da pessoa retratada ou imitada e não deverá induzir a confusão.

Evidente que “a autorregulamentação reconhece no testemunho, em qualquer de suas modalidades, técnica capaz de conferir maior força de comunicação, persuasão e credibilidade à mensagem publicitária”.[37]

Outra técnica que merece destaque é o merchandising. Define-se como “a técnica utilizada para veicular produtos e serviços de forma indireta por meio de inserções em programas e filmes”.[38] Os produtos são anunciados discretamente e os consumidores muitas vezes não percebem esta artifício, consubstanciando uma potencial publicidade enganosa Ora, o merchandising passa despercebido, contrariando a norma do CDC, para a qual a publicidade deve ser de fácil identificação, ostensiva.

A alegação do meio publicitário é que os filmes, os programas e as novelas refletem o cotidiano do consumidor. No entanto, ao mesmo tempo, “passam informações sobre comportamento que podem ou não servir de inspiração ao telespectador-consumidor”.[39]

O problema com esse tipo de merchandising está relacionado a sua própria natureza: ele se traduz numa técnica de ocultação que não permite a avaliação crítica do consumidor.

Pelo uso desta técnica o consumidor é levado a acreditar em situações que em princípio não corresponderiam à realidade. Por exemplo: uma personagem na novela das 8 torna-se famosíssima e muito querida dos telespectadores-consumidores. Isso faz com que estes passem a olhar para ela, para seu comportamento, com muito carinho e a acreditar em muitas das coisas que ela diz e faz. Prova disso é o inevitável lançamento de “modas” por esses personagens das novelas. Pois bem, aprisionada a crença do consumidor pela personagem que se tornou querida, há a possibilidade inevitável de esse personagem vender o que anuncia.

Quando esse personagem é incorporado num anúncio publicitário, sua influência é atenuada, pois o consumidor está assistindo a uma publicidade e sabe disso, podendo atuar criticamente. Contudo, quando a personagem “dentro” da novela, isto é, enquanto ainda é personagem e, portanto, fazendo parte da ficção, utiliza-se de um produto, o consumidor não percebe o “detalhe” e é induzido a gostar desse produto. Em outras palavras, toma a ficção por realidade, perde o senso crítico e a capacidade de escolha.[40]

É por intermédio da influência inicial na admiração da personagem que o consumidor se identifica e quer se tranformar no seu ícone, adquirindo o que for necessário.

Uma solução plausível para que o merchadising não seja uma publicidade clandestina tem sido a inclusão, no início do programa, de um aviso de que será usado tal técnica. Até assim, o público consumidor ainda é atingido por seus efeitos.[41]

Sobre a autora
Luciana Gomes Bittencourt

Profissional graduada em Direito, com habilitação em Civil (UniCEUB, 2008) e pós-graduada em Contratos e Responsabilidade Civil (IDP, 2012). Advogada pela Seccional do DF (OAB/DF), atua em Direito Contratual (elaboração/análise/revisão de contratos diversos) e Direito do Consumidor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BITTENCOURT, Luciana Gomes. Os limites jurídicos da publicidade nas relações de consumo brasileiras: as manipulações de desejo nas relações pré-contratuais consumeristas.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3360, 12 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22585. Acesso em: 23 dez. 2024.

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