8. EFEITOS DAS MEDIDAS LIMINARES
As conseqüências das medidas liminares deferidas, contra o instituto da substituição tributária, e posteriormente reformadas (suspensas/cassadas) por decisão subsequente no processo, apresentam inúmeras questões, dentre as quais escolhemos algumas para trazer à reflexão neste estudo.
Registramos que esta matéria abarca conceitos tanto de Direito Tributário quanto de Direito Processual Civil, e uma melhor análise deve considerar aspectos e figuras de ambas as áreas. No presente trabalho abordaremos uma análise voltada, mais especificamente, para a área tributária.
Analisaremos os efeitos das liminares considerando duas situações diversas, ou seja, quando a medida judicial é proposta pelo substituto e quando é pelo substituído.
Cumpre observar, que neste tópico iremos nos referir especificamente as espécies de substituição tributária – antecipação e retenção na fonte – posto que desconhecemos a existência de liminares contrárias ao mecanismo do diferimento.
Medida judicial proposta pelo substituto
O substituto (na antecipação e retenção na fonte) é responsável pelo recolhimento do imposto referente às operações subsequentes, ou seja, é o responsável pelo imposto do substituído. Quando o autor da medida judicial é o substituto, ele tem como objetivo afastar de si, a imputação de responsabilidade contida na norma de substituição tributária. Em outras palavras, visa a não realização da retenção na fonte ou não antecipação do imposto.
O substituto é legítimo para ingressar com a medida judicial, haja vista que está legalmente vinculado ao cumprimento de um determinado ato (retenção na fonte ou antecipação do imposto), cuja a inocorrência sujeita-o à cobrança pelo Fisco, com os respectivos acréscimos legais. Assim, pleiteando a não aplicação da substituição tributária, e sendo posteriormente vencido na demanda, é o substituto totalmente responsável pelo imposto que deixou de recolher no período, neste sentido o Supremo Tribunal Federal possui a Súmula 405, segundo a qual retroagem os efeitos da decisão posterior que cassa a liminar.
Nestes casos, o ponto polêmico consiste na cobrança pelo Fisco, do imposto devido, mediante lavratura de auto de infração, o que corresponde à aplicação de penalidade pecuniária (multa), além de juros de mora e correção monetária. Alguns juristas entendem que se o contribuinte deixa de recolher o imposto com amparo em liminar, caso revogada ou cassada a medida, com reconhecimento expresso da legalidade do regime de substituição tributária, deve recolher o imposto sem qualquer penalidade ou agravamento da exação por multa. Nesse particular, sustentamos que se o contribuinte recolher o imposto antes da ação do Fisco, com certeza não caberá ao Fisco a aplicação de penalidade. Contudo, se o contribuinte não recolher espontaneamente o imposto devido (acrescido de juros de mora e correção monetária), ou seja, antes da ação do Fisco, correta será a cobrança do imposto com os acréscimos legais, pois é legal a aplicação de penalidade quando o contribuinte apresenta-se inadimplente perante o Fisco.
Medida judicial proposta pelo substituído
Situação bastante complexa é quando a propositura da medida judicial é de iniciativa do substituído. Neste caso, o objetivo do substituído é ser liberado do desembolso antecipado do imposto, impedindo que o contribuinte substituto proceda a efetiva retenção na fonte ou antecipação do imposto.
Considerando que o provimento judicial pleiteado pelo substituído, tenha sido deferido sem garantias (depósitos, etc.), deve o substituto agir com bastante cautela, pois se deixar de operacionalizar a substituição (retenção ou antecipação), poderá ser responsabilizado pelo Fisco, sob a alegação de não ser ele o autor da medida judicial e, se continuar operacionalizando, o substituído poderá alegar que estará havendo desobediência a determinação judicial. Assim, o que se verifica é a existência de duas situações distintas conforme sejam as providências e determinações emanadas da autoridade judicial competente. Se o substituto está ou não vinculado ao processo. Se não vejamos:
Inicialmente, convém observarmos que a ocorrência da figura da desobediência em relação ao Poder Judiciário supõe a existência de uma ordem judicial voltada ao destinatário. Assim, se não houver um ato judicial em relação ao substituto que determine sua abstenção de realizar a "retenção na fonte", ele deve seguir a determinação da lei.
Com efeito, se o substituído ingressar, sozinho, com mandado de segurança, sendo deferida a medida liminar (sem garantias), o substituto, nesta hipótese, é um terceiro não vinculado à relação processual, logo essa liminar não o atingirá. Caso o substituto deixe de proceder a "retenção" estará agindo por sua conta e risco, vez que não está caracterizada à desobediência judicial, pois este não está vinculado ao processo. Destarte, neste caso, o Fisco pode, a qualquer momento, exigir do substituto o cumprimento de sua obrigação tributária (recolhimento do imposto) com os respectivos acréscimos legais.
Situação diferente ocorre, quando o substituto é um terceiro vinculado ao processo, ou seja, ainda que não seja parte na relação processual, contudo a autoridade judicial quando do deferimento do provimento cautelar, também procede a intimação do substituto, obrigando este a se abstrair da operacionalização do regime de substituição tributária. Neste caso, a não retenção/antecipação, se dá em virtude de obediência a determinação judicial, pois o substituto recebe do Judiciário uma ordem direta, através de um ato judicial específico (intimação). Logo, o Fisco não poderá exigir do substituto o cumprimento do regime de substituição tributária, vez que este está resguardado por decisão judicial.
Se o substituído for vencido na demanda, ou seja, sendo a liminar cassada e a decisão final concluindo pela legalidade da operacionalização do regime de substituição tributária, em princípio, o único responsável pelo recolhimento do imposto devido é o próprio autor da demanda, no caso, o substituído, conforme prevê a regra geral contida no artigo 811 do Código de Processo Civil, que imputa ao autor da demanda judicial a responsabilidade pelos danos que causam ao réu, se vir a ser vencido na demanda.(12)
Entretanto, na prática o que constatamos é que o Fisco ao tomar ciência da cessação da eficácia da medida liminar, exigi do contribuinte substituto o imposto (e seus acréscimos legais: juros de mora, correção monetária e multa pecuniária) devido por substituição tributária, relativo aos fatos ocorridos sob a vigência da medida liminar que afastava a operacionalização do regime de substituição tributária.
É objeto de grande discussão, à cobrança do imposto, pelo Fisco, diretamente do substituto, quando o impetrante do mandado de segurança foi o substituído e o substituto foi mero terceiro vinculado ao processo, haja vista que nestes casos, o substituto, apenas, cumpriu ordem judicial. Quem causou prejuízo ao erário público foi o substituído, e não o substituto, pois o imposto é decorrente de fato gerador efetuado pelo substituído, tendo o substituto na substituição tributária, somente a responsabilidade pelo recolhimento.
Nestes casos, nos posicionamos no sentido de que a medida liminar apenas afasta, temporariamente, a operacionalização do regime de substituição tributária. Destarte, sendo o substituído vencedor na demanda, ou seja, a decisão final lhe foi favorável, caberá a ele, somente, o recolhimento do imposto incidente sobre a sua operação, aplicando-se a sistemática do regime normal de operação (débito e crédito).
Outro caso, é se o substituído for vencido na demanda, com a confirmação da legitimidade e a correspondente manutenção do regime de substituição tributária. Nestes casos, caberá ao contribuinte substituído apurar e recolher o imposto mediante aplicação das regras previstas para a substituição tributária, sendo garantido a ele o aproveitamento de todos os crédito existentes para os produtos comercializados durante o tempo em que a medida liminar perdurou.
Compartilhamos do entendimento de que, nestes casos, é aplicável a Súmula 405 do STF, bem como o artigo 811 do CPC, vez que o substituído é responsável pelos prejuízos que causou ao erário público em razão da demanda judicial, em que foi vencido.
9. CONCLUSÃO
Não há dúvida da importância do regime de substituição tributária para os Estados da federação, sob o ponto de vista, sobretudo, do ingresso antecipado de receita e da racionalidade fiscal.
Os tribunais superiores, principalmente, após o advento da Emenda Constitucional nº 03/93 e da Lei Complementar nº 87/96, vem se posicionando pela legitimidade do instituto. Contudo, o mesmo não ocorre com a doutrina majoritária que vislumbra flagrantes abusos aos direitos dos contribuintes por ferir conceitos e princípios tradicionais do direito tributário brasileiro.
No que pertine ao aspecto da responsabilidade tributária, o instituto não oferece grandes resistências na doutrina, como bem se observa nas palavras do mestre Paulo de Barros Carvalho(13), "no episódio da retenção na fonte, acontecimento bem conhecido entre nós, vê-se uma forma de substituição em que uma terceira pessoa, vinculada a ocorrência do fato jurídico tributário, deve reter parcela da importância paga a outrem para subsequente recolhimento aos cofres públicos".
É cediço que o CTN prescreve em seu artigo 128 a responsabilidade pelo crédito tributário a terceiros vinculados ao fato gerador da respectiva obrigação, contudo, a questão ganha complexidade e uma legião de críticos quanto a tributação por substituição tributária, quando ocorre sobre o valor presumido.
Há realmente procedência em relação as críticas a alguns aspectos do regime, sobretudo, quanto ao surgimento da obrigação tributária e a composição da base de cálculo para efeito de retenção na fonte, por não definir com precisão o valor do imposto a ser recolhido e o momento correto da nascimento obrigação tributária.
Outrossim, podemos destacar que a substituição tributária não é privilégio exclusivo do ICMS, portanto, ocorre, também, em outras modalidades tributárias, a grande diferença é que pela peculiaridade do imposto que incide em todo o ciclo econômico, criou-se a tributação sobre o fato gerador presumido, por meio de margem de agregação.
Assim, a solução que nos parece mais razoável, para solucionar os problemas apresentados, seria a figura da substituição tributária da forma como ocorre nas outras modalidades tributárias, sem considerar a tributação por meio de margem de agregação, evitando assim a presunção no direito tributário, que deve sempre que possível ser afastada.
Desse modo, poderíamos ter a figura da sujeição passiva no ICMS, preservando o interesse dos estados e tornando mais racional a cobrança do imposto atendendo também, os requisitos de segurança quanto a determinação do crédito tributário, fundamental em qualquer sistema tributário.
Notas
1. CASSONE, Vittorio. Responsabilidade tributária e suas espécies. In: Repertório IOB de Jurisprudência, 1. quinzena de jul/95. n. 13/95, p. 237.
2. CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2000. p. 72.
3. MATTOS, Aroldo Gomes. ICMS – comentários à LC 87/96. São Paulo: Dialética, 1997, p.263.
4. XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade da tipicidade da tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 178, p.8, apud LUIS EMIDIO F. DA ROSA JUNIOR. Manual de direito financeiro e direito tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 1997.
5. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 4º ed. Rio de Janeiro: Forense, p.2, apud, LUIS EMIDIO F. DA ROSA J., op.cit., p.267.
6. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Aspectos da substituição tributária na lei complementar 87/96. O ICMS e a LC 87/96. São Paulo: Dialética. p. 63.
7. Op. cit. 61.
8. MARTINS, Ives Gandra da Silva. ICMS – lei complementar n° 87/96. Palestra proferida em 10/12/96, no Tribunal de Impostos e Taxas da São Paulo, editado por IOB, 1997.
9. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 366.
10 BARRETO, Aires F. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 53.
11. GRECO, Marco Aurélio. Substituição tributária. IOB informações objetivas. São Paulo: Gráfica Editora Ltda.. p. 93.
12. Observa-se que no caso de mandado de segurança impetrado com vistas a afastar a operacionalização do regime de substituição tributária, o réu/coator é o Fisco, na pessoa do Secretário de Fazenda.
13. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva. 1998. p. 161.
BIBLIOGRAFIA
BARRETO, Aires F. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 1998.
BUENO, Cassio Scarpinella. Liminar em mandado de segurança: um tema com variações. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 1999.
CARRAZA, Roque Antônio. ICMS. 6ª ed. São Paulo: Malheiros Editores. 2000.
CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva. 1998.
CASSONE, Vittorio. ICMS lei complementar n° 87/96. IOB informações objetivas. São Paulo: Gráfica Editora Ltda.
____________ Responsabilidade tributária e suas espécies. In: Repertório IOB de Jurisprudência, 1. quinzena de jul/95. p. 233-237.
GRECO, Marco Aurélio. Substituição Tributária ICMS. PIS. COFINS. IOB informações objetivas. São Paulo: Gráfica Editora Ltda.
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____________ ICMS – lei complementar n° 87/96. Palestra proferida em 10/12/96, no Tribunal de Impostos e Taxas da São Paulo, editado por IOB, 1997.
MATTOS, Aroldo Gomes de. ICMS – comentários à LC 87/96. São Paulo: Dialética. 1997.
____________ ICMS – substituição tributária "para frente" e a lei complementar n° 87/96. São Paulo: Dialética. p. 9-31. 1997.
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo: Revista dos Tribunais.