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Defesa do executado no cumprimento de sentença.

Noções gerais

Agenda 30/09/2012 às 11:11

No cumprimento de sentença, a Lei n. 11.232/05 elegeu a “impugnação” como a via de defesa própria prevista para o devedor, no entanto, há outros meios de defesa, como a petição na etapa da “liquidação por cálculo do credor”, exceção de pré-executividade e a ação autônoma de impugnação.

Sumário: 1. Considerações gerais sobre a reforma do processo de execução. 2. O cumprimento de sentença e as execuções autônomas. 3. Considerações sobre o procedimento do cumprimento de sentença. 4. Da defesa do executado no cumprimento de sentença. 4.1. Impugnação ao cumprimento de sentença. 4.1.1 Notas gerais. 4.1.2 Efeito suspensivo à impugnação. 4.1.3. Limitação temática da impugnação. 4.1.4. Aplicação do art. 191 do CPC para contagem de prazo da impugnação. 4.2. Exceção de pré-executividade. 4.3. Ação autônoma de impugnação (defesa heterotópica). 4.4. Petição no curso da “liquidação por cálculo do credor” (art. 475-B do CPC).


1. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A REFORMA DO PROCESSO DE EXECUÇÃO

Antes da lei n. 11.232/05, havia, basicamente, três processos autônomos (deixando de lado o processo cautelar, irrelevante para o fim deste estudo):

a)  processo de conhecimento – ultimado por uma sentença (ou acórdão) e buscava a “jurisdição” (o acertamento jurídico da controvérsia);

b) processo de liquidação – destinava-se a apurar o quantum debeatur a fim de viabilizar a futura execução

c)  processo de execução – busca a “juris-satisfação”, segundo autorizada doutrina.

Com a Lei n. 11.232/05, buscou-se comprimir, em um único processo, os processos de conhecimento, de liquidação e de execução. A esse acoplamento de processos assina-se a denominação de “sincretismo processual”.

Em suma, com o novel diploma, tem-se apenas um único processo, com três fases distintas: (1) fase de conhecimento; (2) fase de liquidação e (3) fase de cumprimento de sentença.

É preciso destacar que esse sincretismo atingiu, basicamente, os casos de pedidos que envolva condenação a pagar quantia certa, sem a participação da Fazenda Pública.

Não se olvida, ainda, que similar sincretização do processo já havia sido trazida ao processo civil com as execuções de obrigações de fazer e não-fazer e de entregar coisa certa, conforme as Leis n.s 8.952/1994 e 10.444/2002, diplomas esses autores das redações atuais dos arts. 461 e 461-A do CPC. Nesses casos, já não havia mais necessidade do aparelhamento de um processo autônomo de execução.

Em termos de nomenclatura, cabe ressaltar que a Lei n. 11.232/05 preferiu utilizar-se do vocábulo “devedor” e “credor”, ao invés de “executado” e “exeqüente”. Todavia, não há qualquer atecnia em continuar utilizando esses termos de forma indistinta mesmo no cumprimento de sentença. Ademais, não há qualquer imprecisão terminológica em designar o cumprimento de sentença como uma execução. A única observação é a de que o cumprimento de sentença é uma execução enquanto mera etapa do processo, e não na qualidade de um processo de execução.


2. O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA E AS EXECUÇÕES AUTÔNOMAS

O cumprimento de sentença, como se viu, não configura um processo autônomo, e sim uma fase do processo. Ele é, na realidade, a fase executiva do processo.

É preciso destacar que o cumprimento de sentença somente é aplicável para os casos de execução de título judicial que preveja obrigação de pagar quantia certa, sem envolver a Fazenda Pública.

Com efeito, segue vigente – com algumas alterações não estruturais – o regime de execução como processo autônomo em outras hipóteses, como as seguintes:

a) execução de título extrajudicial

b) execução contra a Fazenda Pública (arts. 730 e 731 do CPC)


3. CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCEDIMENTO DO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

No cumprimento de sentença, o devedor tem a obrigação de adimplir espontaneamente dívida líquida prevista em sentença condenatória transitada em julgado.

Caso o devedor não pague espontaneamente em 15 dias do trânsito em julgado, a dívida será acrescida da multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC.

Além disso, poderá o credor apresentar o que a doutrina chamou de “requerimento executivo”, para dar início à nova fase do processo: a de cumprimento de sentença.

Apresentado o requerimento executivo, o juiz expedirá mandado de penhora e avaliação de bens do devedor.

Só depois de realizada a penhora e avaliação (ou seja, quando a ultimação do pagamento da dívida está iminente), o devedor é intimado (e não citado, pois não se trata de um processo autônomo) para, querendo, apresentar impugnação em 15 dias.

A propósito, segue a redação do art. 475-J do CPC:

Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação.

§ 1º Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias.

§ 2º Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo.

§ 3º O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados.

§ 4º Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante.

§ 5º Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte.”

É preciso destacar que, caso a dívida não seja líquida, será necessário que o credor requeira a liquidação da sentença. Nesse caso, ter-se-á início uma nova fase do processo: a fase de liquidação.

Anotação relevante é a de que, na hipótese de a apuração do quantum depender apenas de simples cálculos aritméticos, não se poderá falar que a dívida é ilíquida. A propósito, o STJ é pacífico nesse sentido. Confira-se: "A jurisprudência desta Corte Superior já se encontra pacificada no sentido de que não perde a liquidez a dívida cujo quantum debeatur dependa tão somente de cálculos aritméticos" (AgRg no Ag 688.202/BA, 6ª Turma, Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa, DJ 26.06.2006).

Ocorre que, nesse caso de simples cálculo aritmético, a Lei n. 11.232/06 reiterou, no art. 475-B do CPC, a regra do que a doutrina – mesmo reconhecendo a impropriedade terminológica – chama de “liquidação por cálculo do credor”, prevista no CPC desde 1994, com a Lei n. 8.898/1994, que alterara a redação do art. 604 do CPC.

À luz do art. 475-B do CPC (que, na prática, repete o art. 604 do CPC, revogado pela Lei n. 11.232/05), o credor deverá apresentar o “requerimento executivo” acompanhado de memória de cálculos.

O juiz, a seu turno, sob um juízo de cognição sumária, avaliará se há ou não uma aparente exorbitância do valor, a fim de poupar o devedor de ser surpreendido com uma penhora em importe superior ao devido.

Para realizar essa avaliação sumária, o juiz poderá servir-se da contadoria judicial.

Se o julgador averiguar a existência de “aparente excesso” no valor alegado pelo credor, ele, então, indicará o “valor verossímil”.

O credor, então, diante desse “valor verossímil”, poderá optar entre: (1) anuir com esse “valor verossímil”, hipótese em que o prosseguimento do cumprimento de sentença se dará com base nesse valor; (2) discordar do “valor verossímil”, caso em que o “valor verossímil” será utilizado para amparar a vindoura penhora e avaliação de bens, sem retirar os efeitos do “valor alegado pelo credor” para as demais providências da execução.

Como se vê, o devedor só será intimado depois de realizada a penhora e a avaliação. Assim, como não há previsão legal de sua intervenção antes desse momento, o CPC previu esse mecanismo de atuação ex officio do juiz para evitar a constrição de bens do devedor em valor fora da razoabilidade.

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Essa decisão do juiz de indicar um “valor verossímil” é uma verdadeira tutela antecipada da futura impugnação ao cumprimento de sentença.

É evidente que, caso o devedor deixe de apresentar impugnação ao cumprimento de sentença por excesso de execução, o “valor verossímil” deixará de ter qualquer efeito, razão por que o credor poderá, após esse momento, requerer o reforço de penhora até o “valor alegado”.


4. DA DEFESA DO EXECUTADO NO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA

No cumprimento de sentença, a Lei n. 11.232/05 elegeu a “impugnação” como a via de defesa própria prevista para o devedor.

Outros meios de defesa, no entanto, podem ser arrolados, como: a mera petição na etapa da “liquidação por cálculo do credor” (nome impróprio, como já visto); a exceção de pré-executividade; a ação autônoma de impugnação (esta última, classificada como defesa heterotópica).

À guisa de sistematização, tem-se os seguintes meios de defesa:

a) defesa incidental à diz respeito aos embargos do devedor. Quanto à impugnação, apesar de não ser uma ação autônoma, convém enquadrá-la como uma defesa incidental, visto que ela é um incidente processual suscitado para obstar o cumprimento de sentença.

b) defesa endoprocessual à representa as defesas internas à execução. Nesse ponto, inclui-se a exceção de pré-executividade;

c) defesa heterotópica à alude-se aí à defesa fora da execução (hetero (grego) – diferente, outro; topicu (latim) – lugar). Nesse campo, englobam-se as ações autônomas de impugnação, assim entendidas as ações autônomas que visam discutir o próprio título executivo. Ex.: ação anulatória do título, ação rescisória e etc.

Vejamos esses meios de defesa, aplicáveis ao cumprimento de sentença.

4.1. Impugnação ao cumprimento de sentença

4.1.1 Notas gerais

A impugnação ao cumprimento de sentença constitui um mero incidente processual, e não uma ação autônoma. Nisso reside uma diferença relevante entre os embargos do devedor e a impugnação.

Ademais, é certo que os embargos do devedor constituem a defesa do executado no curso de uma ação autônoma de execução. Já a impugnação é a via defensiva de que o executado pode valer-se no bojo de um cumprimento de sentença.

4.1.2 Efeito suspensivo à impugnação

Quanto à atribuição de efeito suspensivo à impugnação ao cumprimento de sentença, bem de ver que o art. 475-M do CPC exige a presença de dois requisitos: (1) a verossimilhança das alegações e (2) o periculum in mora. A idéia é impedir a suspensão do cumprimento de sentença, quando o devedor vale-se da impugnação como mero instrumento procrastinatório.

Nesse diapasão, interessante é observar que, mesmo quando atribuído efeito suspensivo à impugnação, a Lei n. 11.232/05 permitiu que o credor prosseguisse no cumprimento de sentença mediante prestação de caução idônea arbitrada pelo juiz.

Convém a transcrição do art. 475-M do CPC:

“Art. 475-M. A impugnação não terá efeito suspensivo, podendo o juiz atribuir-lhe tal efeito desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação.

§ 1º Ainda que atribuído efeito suspensivo à impugnação, é lícito ao exeqüente requerer o prosseguimento da execução, oferecendo e prestando caução suficiente e idônea, arbitrada pelo juiz e prestada nos próprios autos.

§ 2º Deferido efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos e, caso contrário, em autos apartados.

§ 3º A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação.”

Destaque-se que, no caso de impugnação, a dívida já está garantida em razão da anterior penhora e avaliação de bens. Recorde-se que o devedor só é intimado a impugnar quando já feita a penhora e a avaliação de seus bens. Por isso, o CPC, ao versar sobre a atribuição de efeito suspensivo da impugnação, não exige a garantia do juízo, pois esta já ocorreu em momento anterior à própria intimação do devedor.

Apenas a título de comparação (sem pretender fugir ao objeto deste estudo, que é a defesa do executado no cumprimento de sentença), diga-se que os embargos do devedor (ainda existentes para os casos remanescentes de execuções autônomas) sofreram alterações com a Lei n. 11.382/06 (outra lei inserida no contexto da recente Reforma do Processo Civil). De fato, após esse novel diploma, os embargos do devedor deixaram de exigir, como requisito de procedibilidade, a garantia do juízo. Assim, é plenamente possível a oposição de embargos do devedor, mesmo quando o devedor não garantir a dívida com um bem ou dinheiro. Todavia, para que haja a atribuição de efeito suspensivo aos embargos do devedor, é necessário que haja três requisitos: (1) a garantia do juízo; (2) a verossimilhança das alegações do devedor e (3) o periculum in mora. A propósito, confira-se o art. 739-A do CPC:

“Art. 739-A.  Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.

§ 1º  O juiz poderá, a requerimento do embargante, atribuir efeito suspensivo aos embargos quando, sendo relevantes seus fundamentos, o prosseguimento da execução manifestamente possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.

§ 2º  A decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada, cessando as circunstâncias que a motivaram.

§ 3º  Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, essa prosseguirá quanto à parte restante.

§ 4º  A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram, quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante.

§ 5º  Quando o excesso de execução for fundamento dos embargos, o embargante deverá declarar na petição inicial o valor que entende correto, apresentando memória do cálculo, sob pena de rejeição liminar dos embargos ou de não conhecimento desse fundamento.

§ 6º  A concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens.”

4.1.3. Limitação temática da impugnação

É importante anotar que a impugnação ao cumprimento de sentença está sujeita a uma limitação temática, visto que só pode ser apresentada quando o devedor argüir algumas das hipóteses taxativamente previstas no art. 475-L do CPC. Confira-se:

Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre:

 I – falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia;

II – inexigibilidade do título;

III – penhora incorreta ou avaliação errônea;

 IV – ilegitimidade das partes;

V – excesso de execução;

VI – qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença.

 § 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

§ 2º Quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação.“

Alguns destaques merecem ser feitos.

No caso de a impugnação basear-se na alegação de excesso de execução, a Lei n. 11.232/05, visando à maior celeridade, exigiu que o credor apresente, incontinenti, o valor tido como correto, sob pena de rejeição liminar.

Outra previsão relevante é a do § 1º do art. 475-L do CPC, o qual mune o devedor da possibilidade de, na via da impugnação, buscar a nulidade de sentença fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Essa previsão normativa, na realidade, remonta à Medida Provisória n. 2.180-35/2001, que trouxe essa permissão para o parágrafo único do art. 741 do CPC.

A discussão acerca de “coisa julgada inconstitucional” renderia uma monografia, dada a multiplicidade de controvérsias decorrentes da lacônica previsão legal. Em linhas gerais, é possível discutir se:

(1) a declaração de inconstitucionalidade pelo STF pode ter sido feito em sede de controle difuso? O STJ possui entendimento no sentido de ser possível a utilização de decisões do STF em sede de controle difuso. A propósito, confira-se este julgado:

“TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. CONCEITO DE RECEITA BRUTA E FATURAMENTO. ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 9.718/98. COMPENSAÇÃO. TRIBUTOS DE DIFERENTES ESPÉCIES. SUCESSIVOS REGIMES DE COMPENSAÇÃO. TAXA SELIC. LEGALIDADE.

1. Não podem ser desconsideradas as decisões do Plenário do STF que reconhecem constitucionalidade ou a inconstitucionalidade de diploma normativo. Mesmo quando tomadas em controle difuso, são decisões de incontestável e natural vocação expansiva, com eficácia imediatamente vinculante para os demais tribunais, inclusive o STJ (CPC, art. 481, § único: "Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão"), e, no caso das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, com força de inibir a execução de sentenças judiciais contrárias, que se tornam inexigíveis (CPC, art. 741, § único; art. 475-L, § 1º, redação da Lei 11.232/05).

(...)

11. Recurso especial a que se nega provimento.”

(REsp 1028724/CE, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 15/05/2008)

(2) a impugnação poderá desconstituir a coisa julgada inconstitucional mesmo quando a impugnação só for apresentada após o biênio previsto para a ação rescisória? É questão controversa. Encontram-se ensanchas para ambos os lados, seja pela possibilidade, seja pela impossibilidade. Os que defendem a possibilidade escudam-se, basicamente, na idéia de que a lei inconstitucional padece de vício congênito insanável, por ter afrontado a Norma Fundante do Estado de Direito (Constituição Federal), de maneira que a declaração de nulidade pode dar-se a qualquer tempo. Os que, todavia, advogam o contrário atêm-se às noções de segurança jurídica e de coisa soberanamente julgada, que surge após o biênio rescisório.

4.1.4. Aplicação do art. 191 do CPC para contagem de prazo da impugnação

O art. 191 do CPC confere prazo em dobro para os casos de litisconsortes, com procuradores distintos. Veja-se:

“Art. 191. Quando os litisconsortes tiverem diferentes procuradores, ser-lhes-ão contados em dobro os prazos para contestar, para recorrer e, de modo geral, para falar nos autos.”

A rigor, esse dispositivo seria aplicável a qualquer processo executivo. Todavia, para o caso de oposição de embargos do devedor, o CPC é explícito em afastar a incidência dessa dobra de prazo, consoante se lê no art. 738, § 3º, do CPC:

“Art. 738.  Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação.

§ 1º  Quando houver mais de um executado, o prazo para cada um deles embargar conta-se a partir da juntada do respectivo mandado citatório, salvo tratando-se de cônjuges.

§ 2º  Nas execuções por carta precatória, a citação do executado será imediatamente comunicada pelo juiz deprecado ao juiz deprecante, inclusive por meios eletrônicos, contando-se o prazo para embargos a partir da juntada aos autos de tal comunicação.

§ 3º  Aos embargos do executado não se aplica o disposto no art. 191 desta Lei.”

Não há, todavia, semelhante dispositivo para a novel fase do cumprimento de sentença, donde surgir a controvérsia acerca da aplicabilidade ou não da dobra de prazo do art. 191 do CPC para o prazo de apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença.

A melhor corrente pauta-se na idéia de que, à luz do art. 475-R do CPC, deve-se aplicar a vedação da dobra do art. 191 do CPC à fase do cumprimento de sentença as regras previstas para a execução de título extrajudicial. Confira-se o referido dispositivo:

“Art. 475-R. Aplicam-se subsidiariamente ao cumprimento da sentença, no que couber, as normas que regem o processo de execução de título extrajudicial.”

Nesse ponto, é preciso acrescentar que a norma do art. 738, § 3º, do CPC é prevista para os embargos do devedor opostos em execução fundada em título extrajudicial. A celeuma é definir se essa regra proibitiva da dobra de prazo seria também extensível à impugnação ao cumprimento de sentença. Ora, é certo que a impugnação e os embargos do devedor, apesar de possuírem uma parte de suas naturezas processuais distintas (aquela é um incidente processual, ao passo que estes são uma ação autônoma incidental), igualam-se quanto à outra parte da natureza processual: ambas representam meios de defesa do devedor em face de um rito executivo. Assim, parece mais coerente a corrente que entende pela inaplicabilidade da dobra de prazo do art. 191 do CPC para a impugnação ao cumprimento de sentença, por força dos arts. 475-R e 738, § 3º, do CPC.

4.2. Exceção de pré-executividade

Houve quem, com o advento da reforma, tenha-se arvorado a entender que a exceção de pré-executividade perdeu sua utilidade com o advento da impugnação ao cumprimento de sentença.

Todavia, tal não prospera.

Com efeito, a impugnação ao cumprimento de sentença, de acordo com o rito legal, somente pode ser apresentada após a intimação do devedor do auto de penhora e avaliação. Em outras palavras, a impugnação só é apresentada quando o devedor já teve seus bens constritos.

Nesse contexto, a doutrina divide-se em duas vertentes: uma a propugnar que o devedor poderia antecipar a impugnação antes mesmo da realização da penhora; outra a proclamar que a impugnação só tem cabimento após o auto de penhora e avaliação.

Para essa última corrente, a exceção de pré-executividade seria a via adequada para que o devedor apresentasse eventuais objeções ou exceções ao cumprimento de sentença. Nesse contexto, como anota Freddie Diddier, a exceção de pré-executividade seria útil para “quem não aceite a apresentação de impugnação sem prévia penhora”  (DIDDIER, Freddie. Curso de Processo Civil: execução. Salvador: Editora Podivm, vol. 05, 2009. Pp. 394). Araken de Assis completa: “Ao executado interessa impedir a penhora; ora, a impugnação pressupõe semelhante constrição, notando-se que o prazo para impugnar (art. 475-J, § 1º) fluirá da intimação que porventura se faça desse ato executivo” (ASSIS, Araken. Cumprimento de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Pp. 307-308).

Outra hipótese de sobrevivência da exceção de pré-executivida no curso do cumprimento de sentença diz respeito à sua apresentação após transcurso in albis do prazo da impugnação. Como anota eminente Araken de Assis, “vencido o prazo para impugnar, por qualquer motivo, subsistem objeções (por exemplo, a ilegitimidade) e as exceções (por exemplo, a prescrição, a teor do art. 193 do CC de 2002) imunes ao fenômeno da preclusão”  (ASSIS, Araken. Cumprimento de sentença. Rio de Janeiro: Forense, 2006. Pp. 308).

4.3. Ação autônoma de impugnação (defesa heterotópica)

Nada impede que o devedor valha-se de uma ação autônoma para questionar o próprio título em que se funda a execução. Assim, poder-se-ia cogitar de diversas ações, como: rescisórias da sentença; anulatória do título executivo; revisional do contrato em que se funda a execução; consignação em pagamento.

Essas ações autônomas de impugnação se enquadram no rol das conhecidas defesas heterotópicas, assim entendidas as defesas que se dão fora do ambiente do processo de execução.

Deveras, é mais comum verificar as ações autônomas de impugnação nos casos de execuções fundadas em títulos extrajudiciais.

Em caso de cumprimento de sentença, como anota Diddier, “a possibilidade de revisão de títulos judiciais é escassa” (DIDDIER, Freddie. Curso de Processo Civil: execução. Salvador: Editora Podivm, vol. 05, 2009. Pp. 395).

De qualquer forma, é possível cogitar de ações autônomas em sede cumprimento de sentença. Assim, por exemplo, poder-se-iam invocar a ação rescisória (a destinada a desconstituição de coisa julgada nas hipóteses do art. 485 do CPC) e a querela nullitatis (aquela destinada à declaração de nulidades absolutas insanáveis).

O certo é que essas ações autônomas de impugnação devem receber, no que couber, tratamento similar ao dispensado para a impugnação ao cumprimento de sentença (ou aos embargos do devedor).

Nesse passo, é de defender-se que a propositura da ação autônoma de impugnação somente poderá implicar a suspensão do cumprimento de sentença, na hipótese de estarem presentes os requisitos exigidos para a concessão de efeito suspensivo à impugnação.

Assim, não bastaria, para a atribuição de antecipação de tutela ou de medida cautelar no bojo da ação autônoma de impugnação, o preenchimento dos requisitos usualmente previstos para essas tutelas de urgência. É imprescindível o atendimento de todos os requisitos previstos para a atribuição de efeito suspensivo à impugnação, sob pena de desprestigiar os veículos de defesa do executado previstos legalmente (os embargos do devedor e a impugnação). Destarte, seria necessário, para a suspensão da execução por força de uma ação autônoma de impugnação, a presença destes 3 requisitos:

a)a garantia do juízo

b)a verossimilhança das alegações

c)periculum in mora

4.4. Petição no curso da “liquidação por cálculo do credor” (art. 475-B do CPC)

Forçoso é observar, por oportuno, que, de acordo com o modelo ideal desenhado pelo CPC, o devedor somente será convidado a manifestar inconformismo, por meio da impugnação ao cumprimento de sentença, após a penhora e avaliação de seus bens.

Todavia, é inequívoco que, antes desse momento processual, é de admitir-se a intervenção do devedor nos autos, embora não para apresentar a impugnação ao cumprimento de sentença. Especificamente, quer-se anotar que aquela aferição do art. 475-B do CPC, feita pelo Juiz acerca da aparente exorbitância do valor alegado como devido pelo credor, poderá ser, indubitavelmente, subsidiada por petição do devedor. Isso não significa que o devedor deva ser intimado antes da fase de expedição de mandado de penhora e avaliação, e sim que ele - caso se cientifique do início do cumprimento de sentença - poderá atravessar petição aos autos para acusar eventuais erronias na memória de cálculos apresentada pelo credor.

Advirta-se, no entanto, que jamais será admissível que, com essa petição, o devedor traga ao julgador uma verdadeira antecipação de análise exauriente acerca de suposto excesso de execução, porquanto a sede reservada para tal elucubração aprofundada é a impugnação ao cumprimento. Na realidade, o devedor apenas poderá elevar ao julgador considerações que evidencie a aparente exorbitância do valor alegado pelo credor, a fim de que o magistrado, no seu juízo cognitivo de prelibação previsto na forma do art. 475-B, § 3º, do CPC, determine o prosseguimento do rito executivo sob a dualidade de valores prevista no § 4º do art. 475-B do CPC.

Recorde-se que, nesse momento da "liquidação por cálculo do credor", o julgador promove a aferição de eventuais excessos detectáveis independentemente de prova, mediante análise dos cálculos realizados pelo credor. A propósito, como anotou o processualista Eduardo Talamini, "se o 'mero cálculo' independe de prova para ser elaborado (...), por insuprimível lógica não tem como depender de prova a averiguação de um defeito nele" (TALAMINI, Eduardo apud DIDDIER Jr., Fredie e outros. Curso de Direito Processual Civil: Execução. Salvador: Editora Jus Podivm, volume 5, 2009. Pp. 132).

Assim, tendo em vista a índole desse controle judicial perfunctório do valor alegado pelo credor e considerando, ainda, o grande potencial lesivo dessa quantia aparentemente excessiva (que poderá surpreender o devedor com uma repentina penhora exorbitante), é inafastável admitir que o devedor possa apresentar petição para subsidiar o juízo de verossimilhança do julgador no curso do procedimento incidental de "liquidação por cálculo do credor".

Sobre o autor
Carlos Eduardo Elias de Oliveira

Consultor Legislativo do Senado Federal em Direito Civil, Advogado, ex-Advogado da União e ex-assessor de ministro STJ. Professor de Direito Civil, Notarial e de Registros Públicos na Universidade de Brasília – UnB. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual, do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário e do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Carlos Eduardo Elias. Defesa do executado no cumprimento de sentença.: Noções gerais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3378, 30 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22704. Acesso em: 2 nov. 2024.

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