2. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
Através do recurso extraordinário o Supremo Tribunal Federal promove o controle difuso de constitucionalidade das normas no direito brasileiro. Sendo assim, neste capítulo serão estudadas, para o que nos interessa desenvolver na presente pesquisa, as particularidades das formas de controle de constitucionalidade consagradas pela doutrina e pela jurisprudência do STF.
2.1. Introdução
O controle de constitucionalidade pode ser exercido sobre atos legislativos, executivos e jurisdicionais. O requisito para existência do controle de constitucionalidade é a exigência de que seja preservada a supremacia formal e material da Constituição como norma fundamental no escalonamento normativo.
Ademais, o exercício do contrato de constitucionalidade é uma forma de se promover os direitos fundamentais, dada sua perspectiva objetiva, quando sua eficácia se irradia para todas as partes do ordenamento jurídico.
Só podemos falar propriamente em controle de constitucionalidade nos ordenamentos jurídicos erigidos a partir de Cartas Constitucionais rígidas, colocadas no ápice do ordenamento jurídico e dotadas de supremacia formal e material, cujas normas servem de parâmetro para elaboração das demais leis do sistema.
Assim, a necessidade de manter a unidade e prevalência da ordem constitucional possibilita o exercício do controle de constitucionalidade. Normas de inferior hierarquia devem guardar relação de conformidade com a Constituição.
Nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
O repúdio ao ato inconstitucional decorre, em essência, do princípio que, fundado na necessidade de preservar a unidade da ordem jurídica nacional, consagra a supremacia da Constituição. Esse postulado fundamental de nosso ordenamento impõe que preceitos revestidos de menor grau de positividade jurídica guardem, necessariamente, relação de conformidade vertical com as regras inscritas na Carta Política, sob pena de ineficácia e consequente inaplicabilidade. Atos inconstitucionais são, por isso mesmo, nulos e destituídos, em consequência, de qualquer carga de eficácia jurídica. (STF, Pleno, ADI 652-5-QO/MA, Rel. Min. Celso de Mello, v.u., j. 2-4-1992, DJ 02-04-1993)
Inconstitucionalidade não se confunde com ilegalidade: normas são declaradas inconstitucionais quando estão em desconformidade com a CF; já as normas ilegais são aquelas em descompasso com preceitos legais, são geralmente normas administrativas de menor hierarquia no sistema que não poderiam inovar o ordenamento jurídico. Uadi Lammêgo Bulos classifica a inconstitucionalidade como uma “forma qualificada de ilegalidade” (2011, p.135).
O Estado, como atualmente o conhecemos, foi concebido limitado em seu início, uma vez que fora constituído somente para proporcionar segurança e proteção à propriedade privada e à integridade física daquelas pessoas que o compunham, restringindo-se a manter a paz e o status quo através do combate às invasões estrangeiras. Assim evoluiu, a titularidade do poder mudou de mãos – do monarca para o povo – e o Estado foi do feudalismo ao absolutismo monárquico, daí ao liberalismo e ao socialismo, chegando ao modelo socialdemocrata hodierno.
Veio o constitucionalismo e o reconhecimento de direitos fundamentais aos cidadãos, assim como a tripartição das funções ou “poderes” estatais, isto é, as prerrogativas de administrar, legislar e julgar, antes concentradas em uma única pessoa ou instituição, passaram a ser conferidas a entidades distintas, que são os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, incumbindo ao primeiro a administração pública, ao segundo a elaboração das leis e ao terceiro assegurar o cumprimento delas. A partir de então surgiram os Estados Democráticos de Direito, que conforme o caput do art. 1º da Constituição Federal é o modelo de poder sobre o qual o Brasil se encontra atualmente estruturado.
Sob esse aspecto, ao nos constituirmos sob a forma de Estado Democrático de Direito, devemos ter em mente sua principal característica, que é a submissão do próprio Estado ao ordenamento jurídico pátrio, ao qual estão igualmente sujeitos os demais membros da coletividade, cuja base é a Constituição Federal. Nesse modelo, não há privilégios nem exceções de qualquer sorte, a não ser as prerrogativas funcionais e institucionais asseguradas constitucionalmente. Dessa forma, tanto os cidadãos, quanto o próprio Estado estão sujeitos ao império da lei.
Como o Brasil é constituído sob a forma de Estado Democrático de Direito regido pelos princípios da legalidade, reserva legal e segurança jurídica, é comum sejam declaradas inconstitucionais leis e atos normativos diversos.
Segundo José Afonso da Silva (2006, p.114) a submissão dos atos do Estado ao Poder Judiciário é elemento fundamental num Estado de Direito, asseverando o renomado constitucionalista que “Estado submetido ao juiz é Estado cujos atos legislativos, executivos, administrativos e também judiciais ficam sujeitos ao controle jurisdicional no que tange à legitimidade constitucional e legal”.
Desse modo, serão sindicáveis perante o Poder Judiciário, não só a atuação abusiva dos particulares e os conflitos entre estes, mas também todas as desavenças surgidas entre aqueles e o próprio Estado, corporificado pela Administração Pública, quando editar normas contrárias à Constituição Federal.
Esse entendimento é confirmado pelo disposto no artigo 5°, incisos II e XXXV e artigo 37, caput, da C/88, que trazem respectivamente os postulados da inafastabilidade da garantia jurisdicional e o princípio da legalidade, aplicáveis tanto aos jurisdicionados quanto à Administração Pública.
2.2. Inconstitucionalidade formal e material
Existem certos requisitos de forma, de natureza procedimental, temporal, orgânico, etc., para a elaboração das diversas espécies normativas. Assim, diz-se que uma lei é formalmente inconstitucional quando é elaborada em desacordo com o procedimento previamente traçado pela Constituição, quando se origina de órgão incompetente, ou quando não observa requisitos de ordem cronológica.
Como exemplo podemos citar a elaboração de medidas provisórias que não observem os requisitos constitucionais de relevância e urgência; propostas de lei e de emenda à Constituição que não obedeçam ao devido processo legislativo; iniciativa de projeto de lei por quem não detém competência para dispor sobre a matéria, etc.
A inconstitucionalidade material ocorre quando uma norma legal afeta o próprio conteúdo da Constituição, sua substância, as normas que estabelecem direitos, fixam competências, dividem funções, etc. Exemplo são leis que atentem contra a liberdade religiosa, a vida privada, o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco se posicionam sobre o que vem a ser a inconstitucionalidade material:
Os vícios materiais dizem respeito ao próprio conteúdo ou ao aspecto substantivo do ato, originando-se de um conflito com regras ou princípios estabelecidos na Constituição. A inconstitucionalidade material envolve, porém, não só o contraste direto do ato legislativo com o parâmetro constitucional, mas também a aferição do desvio de poder ou do excesso de poder legislativo. É possível que o vício de inconstitucionalidade substancial decorrente do excesso de poder legislativo constitua um dos mais tormentosos temas do controle de constitucionalidade hodierno. Cuida-se de aferir a compatibilidade da lei com os fins constitucionalmente previstos ou de constatar a observância do princípio da proporcionalidade, isto é, de se proceder à censura sobre a adequação e a necessidade do ato legislativo.[5]
Em síntese, a inconstitucionalidade pode resultar ora da desconformidade do conteúdo da norma com a Constituição, ora da desconformidade da mesma norma com algum processo de elaboração previsto constitucionalmente.
2.3. Inconstitucionalidade por ação e por omissão
A inconstitucionalidade pode resultar ainda da ação ou da omissão do Estado, dando causa a inconstitucionalidade por ação e a inconstitucionalidade por omissão, ou negativa.
Temos a inconstitucionalidade por ação quando o Estado edita uma norma em desconformidade com a Constituição, incidindo em uma conduta positiva. Já a inconstitucionalidade por omissão ocorre quando a ofensa à Constituição decorre de um não fazer o que ela manda, ou seja, o legislador se omite em editar determinado comando requerido expressamente pela Carta Constitucional. É uma conduta omissiva em face do dever institucional de legislar.
Os casos mais comuns de inconstitucionalidade por omissão ocorrem quando a conduta omissiva do legislador se dá diante de normas constitucionais de eficácia limitada, nas quais a Carta Magna exige uma produção normativa posterior para tornar viável o exercício de determinado direito nela assegurado, sendo que o Poder Legislativo permanece inerte, frustrando o pleno exercício daquele direito.
O Supremo Tribunal Federal reconhece tanto a inconstitucionalidade por ação quanto a inconstitucionalidade por omissão:
O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. Se o Estado deixa de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exequíveis, abstendo-se, em consequência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere, ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando nenhuma é a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público (STF, ADI 1.458/DF, Rel. Min. Celso de Mello, RDA, 206:248)
Assim, a inconstitucionalidade por ação é a que ofende a Constituição pela prática de um comportamento positivo, enquanto que a inconstitucionalidade por omissão a ofende por um comportamento negativo.
2.4. Controle difuso de constitucionalidade
Sem dúvida a classificação de maior importância no estudo do controle de constitucionalidade das leis é a que o divide em controle difuso e controle abstrato ou concentrado.
O controle difuso existe no ordenamento brasileiro desde a Constituição de 1891 e permite a todo e qualquer juiz ou tribunal apreciar a compatibilidade das leis e atos normativos com a Constituição no caso concreto.
Aqui a inconstitucionalidade da norma não é o principal objeto da ação, mas mera questão prejudicial que deve ser decidida pelo juiz antes de ser resolvida a questão principal (o mérito da demanda). Ocorre quando uma das partes pretende seja aplicada uma lei e a outra busca seu afastamento alegando ser inconstitucional, ou seja, incompatível com a Constituição. Daí porque a decisão do Poder Judiciário no controle difuso de constitucionalidade não se reporta ao mérito da causa, pois a sentença a ser proferida no caso concreto é voltada a resolver a questão prévia da inconstitucionalidade, e não o litígio principal.
O STF exerce tanto o controle difuso quanto o controle concentrado de constitucionalidade, como será visto. O controle difuso é exercido na generalidade dos processos submetidos á sua apreciação, enquanto que o controle concentrado é exercido somente quando julga Ação Direta de Inconstitucionalidade por ação ou omissão, Ação Declaratória de Constitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.
Questão polêmica é a referente a possibilidade de controle difuso de constitucionalidade em Ação Civil Pública, regulada pela Lei nº 7.347/85.
O Supremo Tribunal Federal aceita que seja declarada pelos juízes e tribunais a inconstitucionalidade lei em ação civil pública desde que essa declaração não seja o objetivo principal da ação, e ainda que os efeitos sejam restritos às partes da demanda.
Como a ação civil pública, em virtude dos limites objetivos e subjetivos da coisa julgada, só surte efeito entre as partes, nada impede que seja utilizada no âmbito do controle difuso de constitucionalidade para efeito de defender um determinando direito subjetivo do interessado no curso de uma questão meramente prejudicial que se repute contrária à Constituição.
Observe que os efeitos da declaração de inconstitucionalidade de norma no julgamento de Ação Civil Pública devem ser restritos às partes no processo, pois do contrário estaria sendo usurpada a competência do STF, vez que somente ele, como órgão do topo do Poder Judiciário nacional, tem competência para exercer o controle concentrado de constitucionalidade das leis.
Ainda pelo controle difuso, todo e qualquer juiz poderá vir a decretar a inconstitucionalidade de lei ou outro ato normativo qualquer, de nível municipal, em face da Constituição estadual, ou seja, tomando como parâmetro a Carta estadual.
No que se refere a lei ou ato normativo municipal cujo parâmetro seja a Constituição Federal, a situação é diferente, pois só há duas formas de se realizar o controle de constitucionalidade: ou pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (CF, art. 102, §1º e Lei nº 9.882/99) ou no caso concreto, quando qualquer juiz ou tribunal apreciar determinado feito.
Isso porque quando o parâmetro são as normas da Constituição Federal o seu artigo 102, inciso I, letra “a” só admite Ações Diretas de Inconstitucionalidade e Ações Declaratórias de Constitucionalidade em face de lei ou ato normativo federal ou estadual, ficando de fora as leis municipais, obviamente por uma razão prática: a absurda quantidade de ações que potencialmente poderia chegar ao Supremo, inviabilizando o próprio funcionamento da Corte.
Segundo afirma o próprio STF, o único controle de constitucionalidade de lei e de ato normativo municipal em face da Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido incidenter tantum por todos os órgãos do Poder Judiciário quando do julgamento de dada caso concreto (STF, Pleno, Recl. 337/DF, Rel. Min. Paulo Brossard, 18-8-1994, Ementário de Jurisprudência n. 1772-01, p. 50, DJ 01, de 19-12-1994, p. 35178).
Importante questão do controle difuso de constitucionalidade é a análise do artigo 52, inciso X da CF/88, onde a Constituição diz competir privativamente ao Senado Federal suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal.
O campo de aplicação dessa norma é somente o controle difuso de constitucionalidade, já que no controle concentrado, como será visto adiante, as decisões do STF tem efeito vinculante e geral (erga omnes) para todo o Poder Judiciário e para a Administração Pública, sendo desnecessária qualquer declaração posterior para produção de eficácia (STF, RTJ, 151:331).
Ademais, é oportuno destacar que pela leitura do art. 178 do Regimento Interno do STF, somente as decisões do Tribunal proferidas no caso concreto em análise, na via de exceção, é que se inserem no campo normativo do art. 52, X da CF. Vejamos a seguinte decisão do Supremo sobre o tema:
Entre nós, como se adota o sistema misto de controle judiciário de inconstitucionalidade, se esta for declarada, no caso concreto, pelo Supremo Tribunal Federal, sua eficácia se limita às partes da lide, podendo o Senado Federal apenas suspender a execução, no todo ou em parte, da lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (CF/88, art. 52, X). Já, em se tratando de declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo por meio de ação direta de inconstitucionalidade, a eficácia dessa decisão é erga omnes e ocorre, refletindo-se sobre o passado, com o trânsito em julgado do aresto desta Corte. (STF, RTJ 151:331-335, Rel. Min. Moreira Alves)
2.5. Controle concentrado de constitucionalidade
Atualmente regem o controle concentrado dispositivos da própria CF/88 e as Leis nº 9.868/99 (ADI e ADC) e 9.882/99 (ADPF). O controle concentrado de constitucionalidade, também chamado de objetivo ou abstrato, foi implantado no Brasil pela Emenda Constitucional nº 16/1965, e permite que apenas o órgão máximo na hierarquia do Poder Judiciário aprecie a constitucionalidade ou a inconstitucionalidade das leis através da via de ação direta.
Como dito anteriormente, é sabido que a Constituição Federal é a norma suprema e incontestável num Estado Democrático de Direito. Sua supremacia e sua rigidez são pressupostos da legitimidade estatal e que possibilitam ao órgão máximo do Poder Judiciário, na qualidade de instituição encarregada de preservar a ordem jurídica, exercer o controle de constitucionalidade dos atos administrativos, legislativos e jurisdicionais praticados no âmbito do Estado.
Considerando esses aspectos, o próprio Estado é submetido às normas constitucionais, e deve, sem dúvida, observar os mandamentos que dela fluem quando legisla positivamente, dada a superioridade e a rigidez normativa da Constituição. Isso posto, o jurista Paulo Bonavides tece os seguintes comentários:
O sistema das Constituições rígidas assenta numa distinção primacial entre poder constituinte e poderes constituídos. Disso resulta a superioridade da lei constitucional, obra do poder constituinte, sobre a lei ordinária, simples ato do poder constituído, um poder inferior, de competência limitada pela Constituição mesma. As constituições rígidas, sendo constituições em sentido formal, demandam um processo especial de revisão. Esse processo lhes confere estabilidade ou rigidez bem superior àquela que as leis ordinárias desfrutam. Daqui procede pois a supremacia incontrastável da lei constitucional sobre as demais regras de direito vigente num determinado ordenamento. Compõe-se assim uma hierarquia jurídica, que se estende da norma constitucional às normas inferiores (leis, decretos-leis, regulamentos etc.), e a que corresponde por igual uma hierarquia de órgãos.A conseqüência dessa hierarquia é o reconhecimento da superlegalidade constitucional, que faz da Constituição a lei das leis, a lex legum, ou seja, a mais alta expressão jurídica da soberania[6].
Tais considerações demonstram que a Administração Pública não poderá desvencilhar-se de cumprir, quer os postulados legais, quer as normas traçadas constitucionalmente.
Pela via de ação direta somente o STF tem legitimidade para fiscalizar a constitucionalidade das leis e atos normativos do poder público, podendo ser provocado pelos meios disponíveis na própria CF/88, adiante nominados. Assim, favorece-se a jurisdição abstrata.
O controle concentrado de constitucionalidade é caracterizado como sendo um processo de natureza eminentemente objetiva, ou seja, segue regras próprias, não sendo regulado pelas disposições processuais do processo civil ordinário. No processo objetivo o intuito maior é a defesa e preservação da ordem constitucional. Nesse sentido entende o Supremo Tribunal Federal:
O controle normativo abstrato constitui processo de natureza objetiva. A importância de qualificar o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo – vocacionado, exclusivamente, à defesa, em tese da harmonia do sistema constitucional – encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que por mais de uma vez já enfatizou a objetividade desse instrumento de proteção in abstracto da ordem constitucional. Precedentes. Admitido o perfil objetivo que tipifica a fiscalização abstrata de constitucionalidade, torna-se essencial concluir que, em regra, não se deve reconhecer, como pauta usual de comportamento hermenêutico, a possibilidade de aplicação sistemática, em caráter supletivo, das normas concernentes aos processos de índole subjetiva, especialmente daquelas regras meramente legais que disciplinam a intervenção de terceiros na relação processual. Precedentes. Não se discutem situações individuais no âmbito do controle abstrato de normas, precisamente em face do caráter objetivo de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade. O círculo de sujeitos processuais legitimados a intervir na ação direta de inconstitucionalidade revela-se extremante limitado, pois nela só podem atuar aqueles agentes ou instituições referidos no art. 103 da Constituição, além dos órgãos de que emanaram os atos normativos questionados. A tutela jurisdicional de situações – uma vez suscitada controvérsia de índole constitucional – há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionalidade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de legítimo interesse (STF, AgRg em ADI 1.254-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19-9-1997, p. 455300)
Importante destacar os principais mecanismos do controle concentrado de constitucionalidade, quais sejam, (i) Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica (CF, art. 102, I, “a”, primeira parte); (ii) Ação Declaratória de Constitucionalidade (CF, art. 102, I “a”, segunda parte); (iii) Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (CF, art. 102, §1º) e (iv) Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (CF, art. 103, §2º).
Devido à natureza desse trabalho faremos apenas breves esclarecimentos com o intuito de situar a matéria e diferenciar o controle concentrado do controle difuso de constitucionalidade, sobretudo o controle difuso exercido pelo STF através de Recurso Extraordinário, pois este sim é o objeto principal desse estudo.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade genérica surgiu no Brasil com a EC 16/1965. Atualmente é o mecanismo mais utilizado no âmbito do controle abstrato de normas de natureza processual objetiva. Somente o STF tem competência para apreciar a ADI cuja norma impugnada seja federal ou estadual e o parâmetro de controle seja a CF.
O objetivo da ADI é a tutela global da ordem constitucional, e não a defesa de um determinado direito subjetivo. Desta forma, ofensas indiretas ou oblíquas a direitos subjetivos não autorizam a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade Genérica, uma vez que ela consiste em instrumento abstrato de garantia e tutela da ordem constitucional. Sua finalidade é excluir do ordenamento jurídico leis e atos normativos incompatíveis com a CF. Uma vez julgada procedente, a norma é declarada inconstitucional.
A Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) foi introduzida no ordenamento jurídico nacional através da EC 03/1993, e sua finalidade é banir o estado de incerteza e de insegurança jurídica oriundo de interpretações e aplicações contrárias ao texto constitucional, confirmando assim a presunção de que a lei é compatível com a Constituição. Cabe exclusivamente ao STF apreciá-la e julgá-la, e seu objeto é lei ou ato normativo apenas federal.
A ADC busca, segundo ensina Uadi Lammêgo Bulos, coferir orientação homogênea às controvérsias, evitando que pronunciamentos díspares de câmaras, turmas, grupos ou seções de um mesmo tribunal, proferidos em sede de controle difuso de normas, gerem polêmicas intermináveis, em detrimento da justiça[7].
A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) é inovação na CF e que permite aos legitimados para sua propositura levarem ao conhecimento do STF a ocorrência de desrespeito grave a normas importantes da Carta Magna. Assim, a finalidade da ADPF é manter o alicerce em que se edifica o arcabouço constitucional, visando dar coerência, racionalidade e segurança jurídica ao ordenamento.
Através dela é possível suspender liminarmente ações judiciais e de natureza administrativa em curso, que ao final deverão observar a decisão do STF, único órgão do Poder Judiciário com competência para apreciar e julgar a Arguição.
Como suas hipóteses de cabimento são bastante reduzidas, vigora para a ADPF o princípio da subsidiariedade, previsto no art. 4º, §1º da Lei nº 9.882/99, de forma que a Arguição só será cabível se não houver outro meio igualmente eficaz de sanar a lesão a preceito fundamental.
Segundo a disciplina normativa e a jurisprudência do STF os atos que são passíveis de impugnação pela via da ADPF são (a) atos do poder público; (b) ato privados equiparados aos atos praticados por autoridades públicas; (c) atos municipais; (d) atos normativos anteriores à Constituição Federal; (e) atos omissivos inconstitucionais.
Por fim, cumpre tecer breve esclarecimento acerca da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. É prevista no art. 103, §2º da CF/88, sendo ação que visa combater a inércia legislativa em processo marcadamente objetivo.
Sua finalidade é cientificar o Poder Legislativo que adote medida normativa suficiente a dar plena eficácia a dispositivo constitucional. Assim, apenas as normas de eficácia limitada e programáticas, em princípio, é que podem ser objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão.
O STF já decidiu que normas constitucionais de eficácia plena, que independem de providência legislativa ulterior, não são passíveis de sofrer Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (STF, Pleno, ADI 480-8, Rel. Min. Paulo Brossard, DJU 1, de 25-11-1994). Assim como na ADI, ADC, e APDF, a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão deve ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “a” da CF).