DA PROPOSTA DE CRITÉRIOS PARA ESCOLHA DAS MODALIDADES DE DELEGAÇÃO
Em linhas gerais, os critérios para a escolha das modalidades de delegação da exploração, por terceiros, das atividades e serviços de apoio ao uso público em unidades de conservação são constituídos por autorização de uso, permissão de uso ou concessão de uso.
Por autorização de uso entende-se o ato administrativo por meio do qual o Poder Público consente que determinado indivíduo utilize bem público de modo privativo. É ato unilateral, discricionário e precário, motivo pelo qual não gera direito de indenização para o particular quando da sua cessação. Note que autorização para uso de bem público não se confunde com autorização para a prestação de serviço público.
Por sua vez, a permissão de uso também consiste em ato unilateral, discricionário e precário para utilização de certo bem por particular. A distinção entre os institutos, todavia, não é unânime na doutrina, tendo sido demonstrada por Lucas Rocha Furtado[12], in verbis:
Em termos conceituais, são apresentados dois critérios básicos para distinguir a autorização de uso da permissão de uso.
De acordo com Maria Sylvia Zanella Di Pietro e José dos Santos Carvalho Filho, a principal distinção entre dois institutos reside no fim a ser dado ao bem, que no caso da autorização de uso seria privado, ou seja, que seria transferido o uso privativo do bem a determinado particular tendo em vista o interesse deste, ao passo que na permissão de uso ocorreria o trepasse do bem ao particular tendo por objeto a satisfação do interesse público.
Critério distinto è utilizado por Celso Antônio Bandeira de Mello e Marçal Justen Filho. Esses dois últimos autores defendem que o critério discriminatório entre os institutos residiria no prazo de utilização do bem público. No caso da autorização de uso, o bem seria utilizado por breves períodos (comícios, eventos esportivos, culturais etc.), enquanto a permissão envolveria utilização por longos períodos (bancas de jornal, quiosques, lanchonetes etc.).
Assim como Lucas Rocha Furtado, pensamos ser mais acertado o critério da distinção por prazo de utilização do bem, pois, seja um ou outro, o interesse particular é latente. Nessa linha, vejamos o que dispôs Marçal Justen Filho[13]:
Não se afigura cabível estabelecer distinção entre autorização de uso e permissão de uso fundada no interesse do particular. É problemático afirmar que a autorização é aplicável nos casos em que o bem público se destina a satisfazer o interesse do autorizado e que a permissão é instrumento de produção do interesse coletivo. Em todos os casos, o particular busca realizar um interesse predominantemente não estatal, ainda que a atuação por ele pretendida deva ser compatível com o bem comum.
Assim, quem solicita autorização para promover um comício em praga pública nutre interesses similares aquele que pleiteia permissão para instalar uma banca de revistas.
O ponto nodal da diferença reside na natureza transitória ou não da utilizarão pretendida pelo particular. Quanto menos transitória for a utilização pretendida, tanto maior deverá ser o grau de compatibilidade entre a fruição privativa e as necessidades coletivas.
Assim, pode-se admitir que uma instituição pleiteie autorização para realizar festividade que impeça o tráfego em uma via pública durante algumas horas. Mas é pouco concebível admitir permissão para instalar um restaurante numa rua e impedir o tráfego na via pública durante meses.
Importante atentar que a permissão de uso “deve ser precedida de procedimento que assegure aos possíveis interessados no uso do bem idêntica oportunidade de obter a permissão”[14]. Dessa feita, a licitação será exigível sempre que for possível e houver mais de um interessado na utilização do bem, evitando-se favorecimentos ou preterições ilegítimas, tese que se filia Justen Filho[15] quando se refere à autorização de uso e, ao mesmo tempo, não faz qualquer distinção para a permissão.
Nessa linha, o posicionamento aqui firmado diverge daquele que entende ser necessária licitação para a permissão. Impende destacar inexistir ofensa à Lei nº 8.666/93 na intelecção aqui efetuada. Para melhor entendimento, importa aclarar que o principal objetivo do Estatuto das Licitações é a obtenção de proposta mais vantajosa para a Administração, assim como garantir oportunidade isonômica a todos os particulares que queiram contratar com o Poder Público.
Por conseguinte, somente o caso concreto pode trazer os elementos indispensáveis a aferir a imprescindibilidade ou não de licitação. Se, v. g., a permissão de uso não traz qualquer vantagem financeira para a Administração ou mesmo se todos os interessados puderem obter a qualidade de permissionários para determinada atividade, não há que se falar em licitação.
Uma saída que se vislumbra para saber a existência ou não de um número maior de interessados que possa gerar competição e obrigar a elaboração de certame licitatório é a ampla publicidade. Para tanto, sugere-se a publicação de um edital de chamamento público.
Por chamamento público entende-se a comunicação do interesse da Administração em conferir a pessoas físicas que satisfaçam os requisitos definidos no edital o fornecimento de bens, a contratação de serviços ou a utilização de espaço público[16]. Portanto, a Administração adota o credenciamento para situações em que o mesmo objeto possa ser realizado simultaneamente por diversas pessoas.
Todavia, alerta-se que a ilação aqui esposada somente possui cabimento se toda e qualquer pessoa que satisfizer os requisitos tenha direito à obtenção da permissão. Na eventualidade de grande quantidade de pessoas que inviabilizem sua utilização, deverá ser feita, obrigatoriamente, a licitação.
Por sua vez, a concessão de uso público é formalizada por contrato administrativo, não precário, despontando o caráter da bilateralidade. Aqui, por se referir a atividades de maior vulto, o concessionário “assume obrigações perante terceiros e encargos financeiros elevados, que somente se justificam se ele for beneficiado com a fixação de prazos mais prolongados que assegurem um mínimo de estabilidade no exercício de suas atividades”[17].
Para maior aclaramento da questão, insta trazer ao lume definição do instituto da concessão de uso, de lavra do insigne jurista José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:
Concessão de uso é o contrato administrativo pelo qual o Poder Público confere a pessoa determinada o uso privativo de bem público, independentemente do maior ou menor interesse público da pessoa concedente.[18]
Em remate, deve-se evitar a utilização da expressão “terceirização de serviços” para que não haja confusão com as terceirizações amplamente contestadas pelos órgãos de controle, em especial, o Tribunal de Contas da União. Por ser matéria relativamente nova e não legislada, a confusão de ideias seria inevitável.
CONCLUSÃO
Eis, em suma, breves considerações sobre o uso público e suas modalidades de delegação. Importa frisar, como se disse em linhas precedentes, que não estamos a falar em serviço público, motivo pelo qual os procedimentos licitatórios eventuais deverão ser regulamentados pela Lei nº 8.666/93, com aplicação subsidiária da Lei 8.987/1995.
Assim é que a incipiência da legislação leva o intérprete a se valer de outras normas correlatas, quando o ideal seria a edição de minuta de decreto presidencial ou até mesmo uma lei, a depender do que se almeja abraçar na referida normatização, a fim de regulamentar a concessão de uso privativo de bens públicos para a realização de serviços e atividades de apoio ao uso público em unidades de conservação, tudo com espeque no art. 33 da Lei nº 9.985/2000.
Por derradeiro, todas as considerações aqui esposadas o foram de forma abstrata. Certamente outras dúvidas surgirão com as hipóteses concretas trazidas ao lume, devendo este trabalho apenas constituir um ponto de partida para escolha das modalidades, nada impedindo que os entendimentos jurídicos e técnicos evoluam na medida em que os procedimentos forem sendo adotados.
Notas
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1237.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 551.
[3] MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Bens públicos: função social e exploração econômica: o regime jurídico das utilidades públicas. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p.217.
[4] CARVALHO FILHO, Op. Cit., p. 1264.
[5] Embora a distinção entre taxa e preço público refuja à questão central tratada neste Parecer, necessário esclarecer que a contrapartida pecuniária pelo ingresso em unidade de conservação não possui natureza tributária. Sem embargo, tendo em vista que esse serviço não é compulsório nem tampouco configura atividade eminentemente estatal, eis que a própria Lei nº 9.985/2000, em seu art. 33, permite sua exploração por terceiro, a única conclusão possível é que se trate de preço público.
[6] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente. 6. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 525.
[7] “Art. 25 É passível de autorização a exploração de produtos, sub-produtos ou serviços inerentes às unidades de conservação, de acordo com os objetivos de cada categoria de unidade.”. (grifos nossos)
[8] CARVALHO FILHO, Op. Cit., p. 350.
[9] ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 16. ed. São Paulo: Método, 2008, p. 564-565.
[10] Idem, Ibidem, p.564.
[11] MEIRELLES, Hely Lopes, Op. Cit., p. 558-559.
[12] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 863.
[13] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1088.
[14] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 865.
[15] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1086.
[16] À obviedade, a contratação somente poderá ser feita se for precedida de licitação para os casos em que a Lei nº 8.666/93 preveja.
[17] PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, Atlas, São Paulo, p. 391
[18] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 14ª ed., Lumen Juris Editora, Rio de Janeiro, 2005, p. 903.