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A cidadania das mulheres, imigrantes e os direitos dos escravos no século XIX

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3. Mulheres

Quando pensamos na imagem da mulher do século XIX, vemos um ser submisso ao seu marido ou entidade patriarcal e preocupada com os afazeres domésticos, mas não é essa a real situação da mulher no século XIX, Emília Viotti da Costa explica essa visão:

Durante muito tempo, esses dois retratos – o da mulher dependente e o do poder patriarcal com seu inegável viés classista – ocultaram dos historiadores não só a complexidade e variedade da experiência feminina, como também as mudanças que estavam tendo lugar na vida das mulheres no decorrer do século XIX.31

Talvez isso se deva a analise da legislação da época, que de forma extremamente patriarcalista, subordinava a mulher em relação ao homem.

Em um livro publicado em 1869, o político liberal Lafayette Rodrigues Pereira, ilustre jurista e membro do Parlamento, observava que o marido tinha o direito de exigir obediência de sua mulher. Estava obrigada a moldar seus sentimentos aos dele em tudo o que fosse “honesto e justo”.32 Diante a lei, a mulher estava permanentemente num estado de menoridade.33 Mas nem todas as mulheres enquadravam-se nesse quadro, segundo Emília:

Dificilmente se enquadrariam nesse retrato patriarcal as escravas, mulheres que trabalhavam como empregadas e amas-de-leite na casa dos ricos, as trabalhadoras da indústria, as prostitutas e vendeiras nas ruas das cidades, assim como as que, na zona rural, trabalhavam de sol a sol ao lado dos homens, ou aquelas que apareciam desde o período colonial nos censos como chefes de família.34

Mas pensar que as mulheres na época permaneceram estáticas sob o domínio dos seus patriarcas é inconcebível, já que muitas mulheres – inclusive da alta sociedade – estavam recebendo influências “libertinas” inglesas e francesas.

Um número cada vez maior de mulheres passou a criticar a sociedade que dera aos homens mais direitos do que obrigações e às mulheres mais obrigações do que direitos.35

Mas os estreitos limites da sociedade local frustravam suas aspirações à independência econômica e à cidadania que aquela convivência alimentava.36

É bom lembrar que os avanços dos direitos femininos continuavam restritos aos grandes centros urbanos que adaptavam seus costumes aos cosmopolitas europeus, fora dessas áreas (no interior) continuava as mulheres submetidas ao julgo patriarcal.

Quanto aos direito da educação as mulheres, permaneciam nas escolas até os doze anos de idade quando saíam para se casar. Nas escolas, as meninas apreendiam rudimentos de história, geografia, aritmética, composição literária, doutrina cristã e trabalhos de agulha.37

Em razão da precária educação, poucas mulheres estavam preparadas para prestar os exames de seleção quando as Faculdades de Direito, Medicina, Farmácia e Arquitetura abriram finalmente suas portas às mulheres em 1879.38 Mas apesar disso, você pode encontrar ao findar do século algumas mulheres entre os advogados, dentistas e médicos. Foi destes quadros que saíram as principais feministas.39

A história dos direitos da mulher passa pela luta contra os abusos sexuais, que eram muito comuns naquela época; que pode ser muito bem visto em um processo, em que um senhor é acusado de estrupar uma de suas escravas, e por incrível que pareça em 1877 o tribunal declara o processo improcedente:

“se o legislador tivesse em mente punir [...] os estrupos praticados pelos senhores em seus escravos menores de dezessete anos, dando nesses casos o direito de queixa aos promotores públicos [...] seguir-se-ia que iguais direitos teriam os promotores [...] de se queixarem pelos escravos em referência aos senhores todas as vezes que se tratasse de alguma outra ação [...] criminosa [...] do que resultariam milhares de processos em perigo para a sociedade”.40

Mas, com o fim da escravidão essa onda de abusos sexuais, tão freqüentes nos primórdios da história brasileira, vai ficando para trás com os imigrantes e trabalhadores livres que vieram assumir as novas forças de trabalho. Segundo Robert W. Slenes:

Com as mulheres livres, pertencentes a famílias que migravam freqüentemente entre fazendas, não funcionavam mais nem a letra morta da alforria, a promessa de estabilidade, com prêmios, a ameaça de expulsão e separação da família, tampouco a insinuação de trabalho mais duro (que não cabia mais ao senhor impor, mas ao chefe da família da trabalhadora).41

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Podemos nessa mesma análise olhar o tráfico de pessoas (mulheres), que vinham se prostituir no Brasil.

Com efeito, uma estatística da polícia observava, em 1859, que na Freguesia do Sacramento, no centro do Rio, havia perto de mil prostitutas, das quais novecentas eram estrangeiras.42

Em última análise a mulher imigrante, em especial a alemã, que tinha hábitos muito controversos à realidade feminina brasileira.

Segundo Luiz Felipe de Alencastro e Maria Luiza Renaux, consegue-se ver o retrato claro da mulher alemã no segundo reinado:

As mulheres que permaneceram isoladas nas colônias – muitas das quais embarcaram na aventura da imigração para o Império por escolha do marido, estabelecia um contraste entre o papel da dona de casa alemã e o da brasileira, gerando o preconceito de que “brasileira é má dona de casa”.43

Dentro da família alemã apresentava-se como uma pequena empresa e, enquanto os filhos cresciam, o maior número de tarefas repousava sobre os ombros das mães.44


Considerações Finais

Dentre os fatos analisados nota-se uma diferenciação classista e uma luta constante entre elas dentro do processo imigratório e abolicionista; a retenção do direito fica a cargo do poder coercitivo dos senhores, que dispunham de recursos e gerenciavam a economia do país. A equidade legal esta longe de ser alcançada dentro do Brasil Império, mas no adentrar no Brasil oitocentista, uma graduação de conquista de direitos efetivasse; por parte dos escravos com tardias evoluções, mas inevitáveis.

Nota-se claramente nesse espaço que os direitos sociais eram restringidos ao gênero, cor, etnia e classe social; ficando os senhores (grandes fazendeiros) com o controle do poder da lei e fazê-la, ou até mesmo distorcê-la em seu favor. Criando no Brasil Império o cidadão e o sub-cidadãos (mulher, cativo e imigrante), mesmo o escravo, pois apresentavam na sociedade alguns direitos tácitos e as próprias leis abolicionistas garantiam certas prerrogativas; é claro que em regiões interioranas, onde potentados rurais prevaleciam, as seguranças jurídicas até mesmo do cidadão livre eram balizadas pelos fazendeiros latifundiários.

Esses cidadãos do século XIX foram o princípio para conquistas ulteriores, tendo cada um deles suas formas de gradualmente livrarem-se dessas contradições características do segundo reinado.


Bibliografia

ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997

HOBSBAWN, Eric J. A Era do Capital: 1848 – 1875. 15. ed. São Paulo : Paz e Terra, 1917

SCHWARCZ, Lilia M. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. ed. São Paulo : Companhia das Letras, 1998.

NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Leya, 2011.

CASTRO, Flávia L. História do Direito: Geral e Brasil 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

NARLOCH, Leandro. Guerra do Paraguai. Aventuras na História: Grandes Guerras, São Paulo : Abril, vol. 10. p. 26-43. março. 2006.

DEZEM, Rogério. A Propaganda e Contrapropaganda na Imigração. História Viva, São Paulo : Duetto, ano II, vol. 19. p. 82-86. maio. 2005

FISHER, Luís A. O Maníaco do Açougue. Aventuras na História, São Paulo : Abril, vol. 12, p. 72-75. agosto. 2004.

COSTA, Emília Viotti. Da Monarquia à República. 8. ed. São Paulo : Unesp, 2007.


Notas

1 MATOSO, Katia M. Q. A opulência na província da Bahia In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 169.

2 HOBSBAWN, Eric J. A Era do Capital: 1848 – 1875. 15. ed. São Paulo : Paz e Terra, 1917. p. 222

3 CASTRO, Hebe M. Mattos. Laços de família e direitos no final da escravidão In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 357.

4 CASTRO, Hebe M. Mattos. Laços de família e direitos no final da escravidão In: História da vida privada no Brasil II: Império: a corte e a modernidade nacional, São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 355.

5 Robert W. SLENES. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 277-8.

6 Ibidem, p. 276.

7 Ibidem, p.276.

8 SCHWARCZ, Lilia M. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. 2. ed. São Paulo : Companhia das Letras, 1998. p. 428-9.

9 NARLOCH, Leandro. Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Leya, 2011. p. 94.

10 CASTRO, Flávia L. História do Direito: Geral e Brasil 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 405-6

11 ALENCASTRO, Luiz Felipe. Vida privada e ordem privada no Império In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 79-80

12 Jornal Comercial, 8/11/1851 In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 76-7

13 ALENCASTRO, Luiz Felipe. Vida privada e ordem privada no Império In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.78.

14 Joaquim Manuel de MACEDO, A Moreninha. cap. II, p. 22. Apud ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 32.

15 Robert W. SLENES. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 282.

16 NARLOCH, Leandro. Guerra do Paraguai. Aventuras na História: Grandes Guerras, São Paulo : Abril, vol. 10. março. 2006, p. 40.

17 O Monitor Campista, 28/3/1888. apud ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 372.

18 CASTRO, Hebe M. Mattos. Laços de família e direitos no final da escravidão In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 374.

19 DEZEM, Rogério. A Propaganda e Contrapropaganda na Imigração. História Viva, São Paulo : Duetto, ano II, vol.19. maio. 2005, p. 85.

20 Ibidem, p.84.

21 ALENCASTRO, L. F. e RENAUX, M. L. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 314.

22 ALENCASTRO, L. F. e RENAUX, M. L. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 . p. 318-9.

23 Emílio WILLEMS, A aculturação dos alemães no Brasil, pp. 55. e 61-4. apud ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 321.

24 Robert W. SLENES. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 236.

25 Robert W. SLENES. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 284

26 ALENCASTRO, L. F. e RENAUX, M. L. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 325.

27 FISHER, Luís A. O Maníaco do Açougue. Aventuras na História, São Paulo : Abril, vol. 12. agosto. 2004, p. 75.

28 ALENCASTRO, L. F. e RENAUX, M. L. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 321.

29 DP, Amparo, ao CP, 13/12/1872, pasta: “Delegados, dezembro, 1872”, cx. 2542-107 (Polícia, 1872), APESP. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 283.

30 Robert W. SLENES. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 284-5.

31 COSTA, Emília Viotti.Da Monarquia à República. 8. ed. São Paulo : Unesp, 2007. p. 496.

32 Ibidem, p. 494-5.

33 Ibidem, p. 495.

34 Ibidem, p. 497.

35 Ibidem, p. 501.

36 Ibidem, p. 501.

37 Ibidem, p. 504

38 Ibidem, p. 505.

39 Ibidem, p. 507.

40 Acórdão de 11/5/1883 do Tribunal da Relação de Pernambuco, cit. em Lenine NEQUETE, “As relações entre senhor e escravo no século XIX – o caso da escrava Honorata”, Revista Brasileira de Estudos Políticos, jul. 1981, n° 53, p. 231. apud ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 262.

41 Robert W. SLENES. Senhores e subalternos no oeste paulista. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 288.

42 MELLO MORAES, Corographia histórica, vol. II, p. 444. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 73-4

43 ALENCASTRO, L. F. e RENAUX, M. L. Caras e modos dos migrantes e imigrantes. In: ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p.324

44 Arthur RAMBO, Jornal de Santa Catarina, 28/11/96, Cad. A, Destaque “Colonização” (2), p. 3A. apud ALENCASTRO, L. F. (org.) História da Vida Privada no Brasil: Império – a corte e a modernidade nacional. 9. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 322.

Sobre os autores
Carlos Daniel Rodrigues de Oliveira

Bacharel em Teologia pela Universidade Aventista de São Paulo - Unasp Estudante de Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MICHELON, Mateus Rodrigues Oliveira; OLIVEIRA, Carlos Daniel Rodrigues. A cidadania das mulheres, imigrantes e os direitos dos escravos no século XIX. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3411, 2 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22914. Acesso em: 25 dez. 2024.

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