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O Poder Judiciário como implementador de políticas públicas no combate ao trabalho infantil no lixo

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Agenda 05/11/2012 às 15:30

CONCLUSÃO

O trabalho infantil acompanha a humanidade desde suas origens, passando por diversas mudanças relativas aos motivos que levam as crianças a exercerem atividades laborais, as formas como estes trabalhos são prestados e as finalidades apontadas para este trabalho. Embora pareça, a princípio, algo natural entre a história da humanidade, o fato é que com o passar dos anos o trabalho infantil foi sendo visto como um gravame, tanto ao menor como à sociedade, razão pela qual os Estados passaram, quase que em sua totalidade, a proibir o trabalho infantil em determinada faixa etária.

E o Brasil não foi diferente, vindo de um marcante modelo escravagista, passou a vedar o trabalho infantil em todas as suas constituições, cada uma com uma idade diferente. Só então com a influência dos organismos internacionais, passou a conferir maior proteção às crianças e aos adolescentes, ampliando os seus direitos e os priorizando, a ponto de majorar a idade mínima para o trabalho ao nível de país desenvolvido e compromissado com a justiça social.

Em que pese esta guinada jurídica histórica em nosso país, atualmente ainda encontramos crianças trabalhadoras, em especial em atividades degradantes do universo informal. Dentro desta realidade, encontram-se os menores trabalhadores que sobrevivem da catação do lixo nos terrenos destinados ao depósito de lixo urbano, comercial e industrial de nossas cidades. Tais crianças são carentes de todos os direitos fundamentais à dignidade humana, razão pela qual o combate a este tipo de trabalho não se restringe ao impedimento do acesso destas crianças ao local destinado ao lixo, uma vez que a ausência do Estado em suas vidas os impedem de desfrutarem de todos os direitos que lhes foram assegurados pela Constituição da República.

Nessa esteira, inexistindo escola, lazer, cultura, esporte, alimentação, dentre outros bens jurídicos essenciais, é notório a perpetuação da pobreza e da marginalidade naquela localidade. Sendo assim, incumbe ao gestor público municipal destinar atenção especial às crianças que trabalham nos “lixões” quando da elaboração de suas políticas públicas, mormente em razão das diretrizes traçadas pela Constituição da República e pelo próprio ECA, reduzindo a esfera de discricionariedade do administrador público, o qual se vê vinculado às metas e prioridades descritas no texto legal.

Com efeito, a presença do Estado para garantir os direitos mínimos destes pequeninos é essencial na luta contra o trabalho infantil, necessitando de uma atuação articulada entre os três níveis de governo e a sociedade civil para que possamos conferir efetividade às normas constitucionais e cumprirmos os compromissos firmados perante a ordem internacional por meio de assinatura de tratados internacionais, a exemplo das convenções da OIT ratificadas pelo Brasil.

É inadmissível encontrarmos crianças que não estudam e que desenvolvem atividades insalubres e prejudiciais a sua dignidade, como é o caso das crianças catadoras de lixo, sem que o ente público municipal nada faça para mudar esta realidade, em nítida afronta direta ao texto constitucional, impondo-se a atuação ativa e concretizadora do Poder Judiciário quando provocado à implementar as aludidas políticas em atenção ao comando constitucional, pois em um Estado Democrático de Direito todos devem obediência à lei e não é dado ao Estado escusasse de suas obrigações.

Ademais, toda ordem jurídica conspira em favor da efetividade integral dos direitos das crianças e dos adolescentes, de sorte que não é aceitável limitarmos o papel jurisdicional do Estado no exercício de sua soberania, quando instado a prestar jurisdição à sociedade impondo ao Estado gestor a obrigação de atuar em prol dos interesses sociais tutelados. Isso porque, como foi visto, o arcabouço jurídico como um todo aponta as diretrizes que o poder público deve seguir, rumo a efetividade dos direitos fundamentais.

Não obstante esta conclusão, devemos admitir que os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público possuem formação jurídica, e não administrativa, o que interfere, sobremaneira, na concretização dos direitos dos pequeninos. Todavia, este fato não deve jamais ser obstáculo à concretização do mínimo existencial destas crianças, devendo o profissional jurídico não se envergonhar acaso não entenda as técnicas da administração municipal e de outros ramos necessários à implementação das políticas públicas. Nesse caso deverá lançar mão de todo aparato necessário, tais como: esclarecimentos de experts, audiências públicas, laudos periciais, dentre outros. Sem, contudo, esquivar-se do dever que lhe foi atribuído pela Magna Carta de garantidor dos direitos.

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Conclui-se, pois, pela possibilidade da judicialização dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes que trabalham em meio ao lixo, por meio da implementação de políticas públicas sociais pelo Poder Judiciário, a quem cabe socorrer, em última análise, toda lesão ou ameaça a direito, nos termos da Constituição da República. Logo, inexiste razão para que se impeça este tipo de atuação judicial, haja vista que o mesmo estará exercendo o papel que lhe foi constitucionalmente conferido.


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Notas

[1] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 24 ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 591.

[2] SÜSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de direito do trabalho. Vol.2, 22. ed. São Paulo: Ltr, 2005, p. 1007.

[3] João de Lima Texeira Filho (2005, p.1007) relata que “na Grécia e em Roma, os filhos dos escravos pertenciam aos senhores destes e eram obrigados a trabalhar, quer diretamente para seus proprietários, quer a soldo de terceiros, em benefício dos seus donos”.

[4] MARTINS, Sérgio Pinto. Op. Cit., p. 4 e 5.

[5] Ibidem, p. 4 e 5.

[6] VILANI, Jane Araújo dos Santos. A questão do trabalho infantil: mitos e verdades. Disponível em <http://www.brapci.ufpr.br/download.php?dd0=10208>. Acesso em 15 de fev. 2010.

[7] Ibidem.

[8] MARTINS, Sérgio Pinto Op. Cit., p. 591.

[9]VILANI, Jane Araújo dos Santos. Op Cit.

[10] MARTINS, Sérgio Pinto.Op. Cit., p. 591

[11] VILANI, Jane Araújo dos Santos. Op Cit.

[12]Há quem discorde do benefício de tal alteração, como é o caso de João de Lima Teixeira Filho (2005, p. 1008), para quem a Emenda violentou o art. 60, §4º, IV, da CRFB, uma vez que suprimiu direito fundamental ao trabalho do menor entre 14 e 16 anos e do aprendiz entre os 12 e 14 anos, em um momento em que a delinqüência juvenil é crescente. Alerta o autor que a vedação do trabalho do menor de 16 anos adveio de uma Emenda destinada a reformular o sistema previdenciário.

[13] SAAD, Eduardo Gabriel. CLT Comentada. 39. ed. atual. e rev. e ampl. por José Eduardo Duarte Saad, Ana Maria Saad Castello Branco. São Paulo: Ltr, 2006, p. 345.

[14] DELGADO, Maurício Goudinho. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. São Paulo: Ltr, 2008, p. 785.

[15] Sabe-se que o princípio da igualdade, tal qual ocorre com o princípio do devido processo legal, se divide em duas formas, quais sejam, a igualdade formal e a material. Na primeira o que se busca é a igualdade perante a lei (art. 5º, I. CF), já na segunda se busca a igualdade concreta, ou seja, desiguala-se os desiguais na medida de suas desigualdades. Pertinente a leitura de Humberto Àvila, in Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, no qual o autor discorre acerca da isonomia como regra, princípio e postulado, tudo a depender do critério diferenciador e de um fim a ser alcançado.

[16] GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho. 18. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2007, p. 421.

[17] SAAD, Eduardo Gabriel. Op. Cit., p. 345.

[18] SÜSSEKIND, Arnaldo. et al. Op. Cit., p. 1013 e 1014.

[19]Art.203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice.

[20]Tese adotada pelo STF em julgamento do RE 466.343-SP, onde se discutia a possibilidade de prisão civil do depositário infiel, ante a proibição do Pacto de São José da Costa Rica. Julgamento que culminou com vitória da tese de status de supralegalidade dos tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, defendido pelo Ministro Gilmar Ferreira Mendes.

[21]3. A idade mínima fixada nos termos do parágrafo 1º deste artigo não será inferior à idade de conclusão da escolaridade compulsória ou, em qualquer hipótese, não inferior a 15 anos. 4. Não obstante o disposto no parágrafo 3º deste artigo, o Estado-membro, cuja economia e condições do ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, poderá, após consulta com as organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, se as houver, definir, inicialmente, uma idade mínima de 14 anos.

[22]Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[23]Cumpre assinalar que a nomenclatura “menor” era usualmente correta à época da edição da CLT, o que atualmente é tecnicamente incorreto, em razão do advento do ECA e do tratamento constitucional. Vale à pena informar que mesmo assim o legislador ordinário não se atentou à questão, pois poderia corrigir a nomenclatura quando da alteração engendrada pela Lei n. 10.097, de 19.12.00, a qual alterou o caput do art. 402 da CLT e revogou outros artigos do Capítulo IV da referida lei.

[24]Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

[25]Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

[26] LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.57.

[27] FILHO, Ives Gandra Martins. Direito Comparado do Trabalho. Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasilia, DF, ano IX, nº 17, p. 77, mar. 1999.

[28] Idem, p. 77.

[29] Idem, p.77.

[30] DÁVALOS, José. p. 85.

[31] FILHO, Ives Gandra Martins.

[32] Idem.

[33] Idem.

[34] SILVA, José Afonso da. P. 13.

[35] BARROSO, Luis Roberto. P. 79.

[36] SILVA, José Afonso da. P. 24.

[37] Idem, p. 24.

[38] COELHO, Inocêncio Martires. P. 50.

[39] SILVA, José Afonso da. Op Cit. P. 28-29.

[40] Idem, p. 29-30.

[41] Idem, p. 36.

[42] SILVA, José Afonso da. Op. Cit.  P. 52.

[43] Idem, p. 152-153.

[44] Idem, p. 163-164.

[45] GRAU, Eros Roberto. P. 341.

[46] Idem, p. 325.

[47] Rcl 2319 MC / RS. Presidente em exercício: Min. Celso de Mello. Rel. do processo: Min. Sydney Sanches. DJ 3/6/2003, p. 1. Julgamento 27/5/2003.

[48] LENZA, Pedro. P. 13.

[49] SILVA, José Afonso da. Op Cit, p. 145.

[50] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, p. 774.

[51] ARENHART, Sérgio Cruz.

[52] STF, AI 396973 / RS, Rel. Min. Celso de Mello.

[53] BUCCI, Ana Paula Barcelos, p. 175.

[54] FACCHINI, Nicole Mazzoleni.

[55] STJ, REsp 1.041.197-MS, Rel. Min. Humberto Martins.

[56] ARENHART, Sérgio Cruz.

[57] Idem.

[58] FACCHINI, Nicole Mazzoleni.

[59] ARENHART, Sérgio Cruz.

[60] Não se mostrará lícito, no entanto, ao Poder Público, em tal hipótese - mediante indevida manipulação de sua atividade financeira e/ou político-administrativa - criar obstáculo artificial que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar o estabelecimento e a preservação, em favor da pessoa e dos cidadãos, de condições materiais mínimas de existência.  Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade (STF, ADPF nº 45, rel. Min. Celso de Melo).

[61] LENZA, Pedro. Op cit, p. 765-766.

[62] A legitimidade dos juízes, nesse sentido, tem sua fonte diretamente na Constituição. Trata-se de uma legitimação técnica, auferida através de concurso público acessível a qualquer bacharel em direito; e de uma legitimação substancial, qual seja, a de serem eles os guardiões da Constituição, zelando para que o horizonte ali traçado seja fielmente observando por todos os poderes (FACCHINI, Nicole Mazzoleni).

[63] STJ, Resp 753565/MS, 1ª Turma, Rel. Luiz Fux.

[64] KRELL, Andreas Joachim. Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fábris Editor, 2002, p. 22-23.

[65] GRAU, Eros Roberto, Op. Cit, p. 335.

Sobre o autor
Pedro Ivo Lima Nascimento

Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela EMATRA XIX. Assessor jurídico do gabinete da Procuradora-chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da 19ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Pedro Ivo Lima. O Poder Judiciário como implementador de políticas públicas no combate ao trabalho infantil no lixo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3414, 5 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22948. Acesso em: 20 dez. 2024.

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