A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, aloca como um dos princípios basilares da Administração Publica a publicidade. Tal referência aponta para a necessidade de que os atos administrativos sejam expostos, residindo na premissa de os agentes públicos não praticarem seu mister para satisfação pessoal ou mesmo da própria Administração, mas sim tão-somente do interesse público.
Nesse sentido, os ajustes efetivados pela Administração, fundamentados diretamente na Lei nº 8.666/93 seja pela utilização do procedimento licitatório lá previsto ou na utilização subsidiária da norma, prevê a publicação do instrumento como condição para sua eficácia. Vejamos:
Art. 61. (...)
Parágrafo único. A publicação resumida do instrumento de contrato ou de seus aditamentos na imprensa oficial, que é condição indispensável para sua eficácia, será providenciada pela Administração até o quinto dia útil do mês seguinte ao de sua assinatura, para ocorrer no prazo de vinte dias daquela data, qualquer que seja o seu valor, ainda que sem ônus, ressalvado o disposto no art. 26 desta Lei.
Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração.
Igual dispositivo é costumeiramente colocada nas próprias minutas dos contratos e acordos. Acontece que, não poucas vezes, a Administração deixa de publicar o extrato no período estipulado pelo parágrafo único do art. 61 da Lei nº 8.666/93. Surge, assim, uma dúvida: é possível promover mencionada publicação, mesmo que fora do prazo previsto na norma?
Ora, sendo certo que a publicação dá azo ao princípio da publicidade dos atos administrativos, além de ser condição de eficácia do ajuste, inegável que a publicação extemporânea deva ocorrer, sob pena de ver tornado nulo o ajuste assinado, em evidente prejuízo ao interesse público.
Nessa senda, é se de fazer uso do instituto da convalidação, previsto no art. 50, VIII e art. 55, todos da Lei nº 9.784/99, in verbis:
“Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
(...)
VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.
(...)
Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração.
A doutrina, quanto ao tema, é bastante clara. Oportuno, nesse ponto, as lições de José dos Santos Carvalho Filho[1]:
Convalidação é o processo de que se vale a Administração para aproveitar atos administrativos com vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte (...).
Nem todos os vícios do ato permitem seja este convalidado. Os vícios insanáveis impedem o aproveitamento do ato, ao passo que os vícios sanáveis possibilitam a convalidação. São convalidáveis os atos que tenham vício de competência e de forma, nesta incluindo-se os aspectos formais dos procedimentos administrativos.
O magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello[2] nos ensina que a “convalidação é o suprimento da invalidade de um ato com efeitos retroativos”. Esclarece, ainda, que “não brigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe ao espírito, as soluções que se inspirem na tranquilização das relações que não comprometem insuprivelmente o interesse público, conquanto tenham sido produzidas de maneira inválida. É que a convalidação é uma forma de recomposição de legalidade ferida”.
Há de se ater que a doutrina, ao aceitar a atribuição de efeitos ao ato administrativo viciado, mormente quando referente a sua forma, chega a defender a obrigatoriedade da convalidação quando presentes seus pressupostos, nos seguintes termos:
Sendo certo, pois, que invalidação ou convalidação terão de ser obrigatoriamente pronunciadas, restaria apenas saber se é discricionária a opção por uma ou outra nos casos em que o ato comporta convalidação. A resposta é que não há, aí, opção livre entre tais alternativas. Isto porque, sendo cabível a convalidação, o Direito certamente a exigiria, pois, sobre ser uma dentre as duas formas de restauração da legalidade, é predicada, demais disso, pelos dois outros princípios referidos: o da segurança jurídica e o da boa-fé, se existente. Logo, em prol dela afluem mais razões jurídicas do que em favor da invalidação. Acresce que discricionariedade decorre de lei, e não há lei alguma que confira ao administrador livre eleição entre convalidar ou invalidar, conforme oportuna advertência sublinhada de Weida Zancaner, em seu estudo precitado.²
Diante do acima exposto, verifica-se que o instituto da convalidação encontra respaldo tanto na doutrina como nas decisões dos Tribunais Superiores. A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no RESP45522/SP, decidiu por unanimidade, que:
(...) II - Na avaliação da nulidade do ato administrativo, é necessário temperar a rigidez do Princípio da Legalidade, para que se coloque em harmonia com os cânones da estabilidade das relações jurídicas de boa-fé e outros valores necessários à perpetuação do Estado de Direito.
III - A regra enunciada no verbete 473 da Súmula do STF deve ser entendida com algum temperamento. “A Administração pode declarar a nulidade de seus atos, mas não deve transformar esta faculdade no império do arbítrio”.
Nessa linha de entendimento há de se observar o Parecer AGU/RB-03/96, de 10 de dezembro de 1996, aprovado pelo Parecer GQ-118, do Advogado-Geral da União, e pelo Presidente da República, aonde consta a seguinte manifestação:
Como se vê, tanto a doutrina como a jurisprudência dominante orientam, de modo firme e consensual, no sentido de que, em face de algum caso concreto, pode acontecer que a situação resultante do ato administrativo, embora nascido irregularmente, torne-se útil ao interesse público.
Além disso, não se encontra, via de regra, nenhuma impugnação ou resistência em relação à publicação do ato. Muito pelo contrário. A usual intenção do Gestor é corrigir defeito sanável, o que concretiza a boa fé em conferir publicidade ao ajuste não publicado.
Reitere-se: a publicação, ainda que extemporânea, é providência que deve ser realizada com supedâneo na égide e primazia do princípio da publicidade, postulado de índole constitucional, facultando a Administração que os cidadãos possam verificar a regularidade dos seus atos.
Acresça-se que prazo para a publicação foi estabelecido em Lei com vistas a fixar a data a partir da qual se operará a eficácia do instrumento. Assim, a validade dos acordos subsiste incólume a despeito do descumprimento deste prazo. Neste sentido a orientação abaixo transcrita:
A publicação na imprensa é condição suspensiva da eficácia do contrato. A lei determina que a publicação deverá ocorrer no prazo de vinte dias, contados do quinto dia útil do mês seguinte ao da assinatura (conforme redação introduzida pela Lei nº 8.883). A Administração tem o dever de promover a publicação dentro desse prazo. Nada impede que o faça em prazo menor, até mesmo pelo interesse em que os prazos contratuais iniciem seu curso imediatamente. E se o fizer em prazo superior? O descumprimento desse prazo não vicia a contratação, nem desfaz o vínculo. Acarreta a responsabilidade dos agentes administrativos que descumpriram tal dever e adia o início do cômputo dos prazos contratuais.
Não é despiciendo acrescentar que a inobservância reiterada e inescusável da Lei, prática temerária a ser evitada pelo Gestor, enseja a responsabilidade de quem não acatou a sua prescrição. Ademais, assinatura de ajustes sem colocação da data também constitui prática de todo repudiável.
Notas
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 2005. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, p. 131.
[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 13ª ed. São Paulo: 2001, p. 419-420.