A reforma do Código de Defesa do Consumidor está tramitando no Senado Federal, e se debruça sobre três temáticas: (i) disposições gerais e comércio eletrônico (PLS nº 281/2012); (ii) ações coletivas (PLS nº 282/2012) e (iii) superendividamento (PLS nº 283/2012). Nesta oportunidade, trago aos leitores breves comentários sobre os principais aspectos da atualização do CDC no que se refere às disposições gerais e o comércio eletrônico.
Da leitura do PLS nº 281/2012, o primeiro aspecto que chama a atenção diz respeito à expressa utilização da teoria do diálogo das fontes, a qual foi trazida ao Brasil pela professora gaúcha, e integrante da comissão de reforma do CDC, Cláudia Lima Marques, e que se baseia nos estudos do professor alemão Erik Jayme. No texto apresentado ao Senado, a tese do diálogo das fontes está presente em quatro dispositivos, os quais prevêem a aplicação da norma mais favorável ao consumidor na solução dos conflitos de consumo. Vejamos cada um deles (grifos meus):
“Art. 1º ......................................................................
Parágrafo único. As normas e os negócios jurídicos devem ser interpretados e integrados da maneira mais favorável ao consumidor. (NR)”
“Art. 5° ..........................................................................
VII – a interpretação e a integração das normas e negócios jurídicos da maneira mais favorável ao consumidor.
“Art. 7º ...........................................................................
§ 1º ..................................................................................
§ 2º Aplica-se ao consumidor a norma mais favorável ao exercício de seus direitos e pretensões. (NR)”
“Art. 101 ........................................................................
Parágrafo único. Aos conflitos decorrentes do fornecimento a distância internacional, aplica-se a lei do domicílio do consumidor, ou a norma estatal escolhida pelas partes, desde que mais favorável ao consumidor, assegurando igualmente o seu acesso à Justiça. (NR)”
O diálogo das fontes há muito vem sendo efetivamente utilizado pela jurisprudência pátria para solucionar as lides de consumo, uma vez que sempre se mostrou afinado com a mentalidade da legislação protetiva do consumidor. Em apertada síntese, a técnica destina-se a escolher, entre duas ou mais fontes legislativas, aquela que se mostre mais adequada a proporcionar a defesa desse sujeito vulnerável.
Passando ao âmbito do comércio eletrônico, a matéria ocupará uma seção específica no código (Seção VII), prevendo que o fornecimento de produtos e serviços no ambiente virtual deverá ser desenvolvido observando três aspectos principais: (i) segurança nas transações; (ii) respeito à autodeterminação do consumidor e (iii) respeito à privacidade do consumidor. É o que prevê o caput do vindouro art. 45-A, assim redigido:
“Art. 45-A. Esta seção dispõe sobre normas gerais de proteção do consumidor no comércio eletrônico, visando a fortalecer a sua confiança e assegurar tutela efetiva, com a diminuição da assimetria de informações, a preservação da segurança nas transações, a proteção da autodeterminação e da privacidade dos dados pessoais” (grifei).
Segundo estatísticas recentes, o comércio eletrônico movimentou cerca R$30 bilhões no Brasil, sendo que esse número tende a aumentar, o que motivou o legislador a dar tratamento específico à matéria, já que há 22 anos, quando o CDC passou a integrar a ordem jurídica nacional, esse tipo de comércio sequer existia, sendo hoje um dos meios mais utilizados pelo consumidor.
No que diz respeito à segurança nas transações, é verdade que o comércio virtual trouxe conforto e comodidade a empresários e, principalmente, aos consumidores, que, no caso de aquisição de produtos, podem satisfazer suas necessidades de consumo sem enfrentar os transtornos envolvendo o deslocamento até o estabelecimento comercial, bastando que selecione os bens que melhor lhe atendam, através de um simples click no mouse. No caso de contratação de serviços, procede-se da mesma forma, bastando que o consumidor manifeste sua vontade de contratar, restando somente a fruição do serviço após a concretização do negócio.
No entanto, se é correto afirmar a existência de inúmeras vantagens a ambas as partes da relação de consumo nesse modelo negocial, não menos verdadeira é a afirmação de que sérias fraudes ocorrem em razão dessa prática, dadas as fragilidades que caracterizam a contratação à distância, especialmente no ambiente da internet, comprometendo sobremaneira a segurança nas transações.
De sua sorte, a proteção à autodeterminação do consumidor visa combater os abusos praticados pelo fornecedor na oferta de produtos e serviços. Sobre o tema, tivemos a oportunidade de tecer alguns comentários sobre o PLS nº 439/2011, também destinado a promover alterações no CDC, estatuindo normas a serem observadas pelo fornecedor no âmbito do comércio eletrônico. Em nosso texto destacamos:
“As vendas fora do estabelecimento comercial são consideradas extremamente agressivas pelos estudiosos do Direito do Consumidor, uma vez que fornecedores que exercem a empresa fora do estabelecimento acabam por gerar uma concorrência desleal, pois não incorrem nos mesmos ônus que incidem sobre os comerciantes tradicionais (encargos trabalhistas e fiscais), e assim tem condições de praticar preços bem mais baixos. Contudo, o mais importante nem é isso. A principal crítica feita sobre as vendas fora do estabelecimento é no sentido de que essa prática tira o consumidor de seu estado natural, que é o de não contratar” (http://atualidadesdodireito.com.br/vitorguglinski/2012/06/14/pls-4392011-ofertas-comerciais-por-telefone-ou-meios-eletronicos-podem-ser-proibidas/).
Dentre as principais práticas consideradas invasivas pelo consumidor está o que conhecemos comumente como spam, que consiste no envio acintoso de mensagens publicitárias, principalmente via e-mail, fazendo com que a caixa de mensagens eletrônicas do consumidor fique abarrotada de ofertas de produtos e serviços que ele sequer sabe que existiam. No que diz respeito ao PLS nº 281, a vedação de spams consta do art. 45-E e seus incisos. Vejamos:
“Art. 45-E. É vedado enviar mensagem eletrônica não solicitada a destinatário que:
I - não possua relação de consumo anterior com o fornecedor e não tenha manifestado consentimento prévio em recebê-la;
II - esteja inscrito em cadastro de bloqueio de oferta; ou
III - tenha manifestado diretamente ao fornecedor a opção de não recebê-la”.
No tocante à privacidade do consumidor, o mesmo dispositivo prevê em seu § 2º, II, que ao lhe enviar a mensagem, o fornecedor deve informá-lo o modo como obteve seus dados. Sobre isso, recentemente foi noticiado na internet que o microblog Twitter vendeu informações de seus usuários a duas empresas de marketing online, o que por si só já demonstra o quanto o indivíduo está exposto no ambiente virtual (http://blogs.estadao.com.br/jt-seu-bolso/twitter-vende-dados-de-seus-usuarios/). Ao que nos parece, o CDC pretende vedar essa prática, sem que haja autorização expressa do consumidor, prevendo no § 5º, II, do mesmo dispositivo:
“§ 5º É também vedado:
(...)
II- veicular, hospedar, exibir, licenciar, alienar, utilizar, compartilhar, doar ou de qualquer forma ceder ou transferir dados, informações ou identificadores pessoais, sem expressa autorização e consentimento informado do seu titular, salvo exceções legais.”
Além disso, a conduta acima descrita será também tipificada como crime, segundo idêntica redação do art. 72-A do código, punida com “reclusão de um a quatro anos e multa”.
Adiante, o projeto traz inovações no que diz respeito ao exercício do direito de arrependimento conferido ao consumidor nas contratações à distância. O texto esclarece que, para fins de proteção do consumidor, será equiparada à contratação à distância aquela que, mesmo realizada dentro do estabelecimento do fornecedor, não for capaz de possibilitar ao consumidor o contato direto com o produto ou serviço. É o que prevê o § 3º do art. 49, cujo caput foi alterado:
“Art. 49. O consumidor pode desistir da contratação a distância, no prazo de sete dias a contar da aceitação da oferta ou do recebimento ou disponibilidade do produto ou serviço, o que ocorrer por último.
(...)
§ 3º Equipara-se à modalidade de contratação prevista no § 2º deste artigo aquela em que, embora realizada no estabelecimento, o consumidor não teve a prévia oportunidade de conhecer o produto ou serviço, por não se encontrar em exposição ou pela impossibilidade ou dificuldade de acesso a seu conteúdo.
A regra acima é coerente com o sistema protetivo consumerista, uma vez que, não tendo o consumidor a oportunidade de exercer contato físico com o produto ou serviço, de modo a verificar suas características, se o bem de consumo atende às suas expectativas etc., poderá desistir da contratação dentro do chamado prazo de reflexão, que é de sete dias. Quanto a esse ponto, indaga-se se não seria melhor o código seguir a diretriz européia, estatuindo prazo maior, que seria de 14 dias, consoante proposto discutida no Parlamento Europeu na Seção Plenária realizada em março deste ano, em Bruxelas – Bélgica.
No campo sancionatório, caso o fornecedor descumpra os deveres que lhes serão impostos, caso o texto do projeto seja aprovado, poderá sofrer sanções de ordem civil, administrativa e penal. Dentre as sanções de ordem administrativa, está prevista a suspensão temporária ou proibição de oferta e de comércio eletrônico (art. 56, inciso XIII). Contudo, o projeto vai além, prevendo no art. 59 que o descumprimento da pena de suspensão poderá acarretar em sanção ainda mais severa ao fornecedor, a ser aplicada pelo Poder Judiciário, a pedido da autoridade administrativa ou do MP, consistentes na suspensão dos pagamentos e transferências financeiras ou até mesmo o bloqueio das contas bancárias do fornecedor atuante no comércio eletrônico.
Concluindo, projetos são bastante prolixos, motivo pelo qual procurei destacar os aspectos mais relevantes da reforma do código, no que diz respeito ao comércio eletrônico, de modo a fornecer ao leitor uma visão sistêmica.