INTRODUÇÃO
A violência e a agressão constituem um grande problema de saúde pública dos últimos anos. Nos EUA, mais de 1 milhão de crimes violentos são cometidos por ano. No Brasil, de acordo com a SENASP, em 2003 os homicídios representaram mais de 40% do total de mortes por causas externas.
O problema da criminalidade e agressão pode ser diminuído pelo entendimento das raízes da violência. Uma estratégia que tem sido adotada mundialmente é o estudo da neurobiologia da agressão humana, abordada numa perspectiva interdisciplinar, em integração com os demais fatores criminogênicos relevantes.
Muitas das causas de disfunção cerebral provêm da vida diária normal: privação social e econômica, abuso físico, pobreza, stress, desequilíbrio familiar, exposição a drogas pré-natais e outras experiências negativas na infância têm um profundo impacto no funcionamento cerebral.
Uma política criminal baseada na atividade dos neurotransmissores deve ser direcionada para a prevenção do comportamento violento e a predição da reincidência de crimes violentos. Eles funcionam como indicadores de uma maior tendência para a impulsividade e a agressividade, enfatizando a necessidade de uma abordagem transdisciplinar, especialmente na infância e na adolescência, para evitar a ocorrência do comportamento violento, de maneira a permitir uma melhor interação social e desenvolvimento pessoal desses indivíduos.
I – Em Busca do Homem: Por Uma Visão Integradora
A epistemologia da complexidade pressupõe uma leitura transdisciplinar do fenômeno da violência. De acordo com o cientista político e criminologista Matthew Robinson [1], a perspectiva transdisciplinar envolve uma integração de contribuições de todas as disciplinas em busca da interação no estudo de determinado fenômeno. Transdisciplinariedade pressupõe integração e síntese do conhecimento, objetivando mais do que um simples somatório dos diversos aspectos de um mesmo fenômeno.
A epistemologia da complexidade vê o mundo como um todo indissociável, propondo uma abordagem multidisciplinar para a construção do conhecimento. De acordo com Fritjof Capra [2], tem surgido nos últimos anos uma nova linguagem voltada para o entendimento dos sistemas da vida, complexos e integrativos. Ela tem sido chamada de diversos nomes, tais como: “teoria dos sistemas dinâmicos”, “teoria da complexidade”, “dinâmica de rede”, etc., visando uma abordagem integrada da compreensão da vida.
Capra diz que, na moderna física, o universo é vislumbrado como um todo dinâmico e inseparável, que inclui também o observador, numa experiência em que os conceitos tradicionais de espaço e tempo, de objetos isolados e de causa e efeito perdem o seu significado. [3]
Essa visão é uma reviravolta na concepção do mundo estabelecida a partir dos séculos XVI e XVII, em que o universo é concebido como uma máquina, baseada nas descobertas de Copérnico, Galileu, Descartes, Bacon e Newton, no que viria a ser chamado de Revolução Científica.
Galileu restringiu a ciência ao estudo dos fenômenos que podem ser medidos e quantificados. Entre os anos de 1613 e 1616, Galileu realiza uma vigorosa defesa da liberdade da pesquisa científica e da universalidade da razão, visando à autonomia do estudo científico levando ao estabeleo indutivo.mundo.ta das causas e dos movimentos secretos de todas as coisas, e a expansminadores da natureza.
Galileu, a partir da demonstração das manchas solares, estabelece que os corpos celestes sofrem alterações. Com isso, ele refuta o princípio aristotélico cosmológico da incorruptibilidade, imutabilidade e inalterabilidade do mundo celeste. A partir daí, baseado na concepção de cientificidade e superioridade da matemática, Galileu estabelece um programa matemático em busca da matematização da natureza. [4]
Galileu se baseia no trabalho de Copérnico, que desestabilizou a crença de que a Terra seria o centro do universo. No seu livro, Galileu contrapõe o universo copernicano ao universo ptolomaico. Neste último, o lugar central do observador terrestre imóvel é a lei daquilo que é. Copérnico, ao descentralizar o observador e colocá-lo em movimento introduz a subjetividade e relatividade do saber, opondo-se diretamente ao conjunto organizado do saber, da ciência, da religião e do senso comum da época. Diz Copérnico: “Que outra coisa é a Terra, continente ou globo terrestre, senão uma ilha maior do que as outras?” Como o comenta Pablo Mariconda:
Se é verdade que, como supõe Copérnico, a Terra é um planeta e o Sol é o centro do sistema do qual ela faz parte, então pode-se por em dúvida a existência do centro do universo. Isso significa que não apenas o homem é retirado do centro e posto em movimento, mas agora nem mesmo se sabe se existe um centro do universo. É o aumento da incerteza da cosmologia. Não se sabe mais se o universo tem centro; se tem forma; qual é o seu tamanho; e, em suma, se ele constitui um sistema. [5]
Galileu associa a perfeição e completude do método científico com a universalidade do juízo científico. De acordo com Mariconda:
Galileu não pretende reformar o Organon, como o faz Bacon, nem dar ao método um domínio próprio e um tratamento sistemático, propondo-o como propedêutica ao conhecimento científico, como o fará Descartes. O que Galileu faz é reinvindicar a suficiência do método científico para decidir acerca das questões naturais, para as quais se pode usar a experiência, o discurso e o intelecto, em suma, para as quais se pode empregar a razão natural. [6]
De acordo com Baumer, Galileu chegou próximo de elaborar o dualismo do século XVII, ou teoria das duas substâncias, a qual foi desenvolvida por Descartes. ient René Descartes criou o método do pensamento analítico, no qual se fragmentam fenômenos complexos em pedaços, no intuito de entender o comportamento do todo a partir das propriedades das suas partes. Escreveu Descartes, no Discurso do Método, que, com o uso da razão, poderia ser encontrada uma filosofia prática, que ensinasse como conhecer o funcionamento da natureza, levando os homens a tornarem-se mestres e dominadores da natureza.
Descartes foi quem primeiro tentou uma sistematização da teoria do conhecimento, no seu livro Discurso do Método. Ele baseou o seu método em dois reinos independentes e separados: o reino do espírito e o reino da matéria, ou o reino do pensamento e o reino da extensão. Era a antiga dicotomia corpo/espírito de Platão, que fôra apropriada na visão religiosa da teologia cristã da Idade Média, transformada então em método do conhecimento científico.
Descartes enfatizava a separação entre razão e emoção, a qual deve ser controlada pela razão. No seu livro As Paixões da Alma, ele conclui: “Não há alma tão fraca que não seja capaz, se bem dirigida, de adquirir um poder absoluto sobre as suas paixões”. “O principal uso da prudência ou do autodomínio é que ele nos ensina a sermos senhores das nossas paixões” [7].
Descartes vê a religião separada do estudo da natureza, vendo Deus como ausente, ou transcendente. Nesse sentido, diz Baumer:
No interesse da ciência, Descartes reduziu a actividade divina no mundo, embora não a tivesse eliminado por completo. O quadro que descreve no quinto capítulo do Discurso do Método é de um universo que se movimenta sozinho, uma vez que Deus criou originalmente a matéria, o movimento e as leis naturais, incluindo a lei da inércia. Na filosofia de Descartes, Deus tem primariamente a função de garantir a máquina do mundo, de lhe dar segurança e confiança. [8]
No seu livro Novum Organum, Bacon estabeleceu ser a filosofia natural a grande mãe das ciências, a partir da qual as outras nasceriam. A filosofia natural tinha como objeto de estudo a natureza, referindo-se principalmente à física e à mecânica. Bacon afirmava o direito do homem sobre a natureza e pregava a extensão do poder e domínio do homem sobre todo o universo. O fim do conhecimento seria a descoberta das causas e dos movimentos secretos de todas as coisas, e a expansão do senhorio do homem sobre o mundo. Para Francis Bacon, o conhecimento científico tem por objetivo servir o homem e dar-lhe poder sobre a natureza. Saber é poder. O conhecimento resulta da observação e experimentação regulada pelo raciocínio indutivo.
Como resultado, o mundo passou a ser visto como uma máquina perfeita governada por leis matemáticas exatas. Isso foi completado por Newton, na mecânica, e William Harvey, na biologia, para explicar o fenômeno da circulação sanguínea.
Como diz o físico João Magueijo, a visão do mundo de Newton é determinista e causal. Seria caracterizada por um sistema de equações que permitiria determinar de forma exata o futuro de cada partícula do universo, a partir do seu comportamento no instante presente, unindo causa e efeito numa cadeia mecânica perfeita. Disse Newton: “Tempo absoluto, verdadeiro e matemático, de si mesmo e por sua própria natureza, fluindo uniformemente, sem consideração por qualquer coisa externa” [9]. Para Magueijo, “o mundo newtoniano tem tanto significado e tanta finalidade como uma boneca mecânica, no que não podia ser mais diferente de um acto de amor.” [10]
Seguindo o modelo mecanicista da ciência de Newton, Laplace enfatiza:
Um intelecto que, num dado instante, conheça todas as forças que estejam atuando na natureza, e as posições de todas as coisas das quais o mundo é constituído... abraçaria, na mesma fórmula, os movimentos dos maiores corpos do universo e os dos menores átomos; nada seria incerto para ele, e o futuro, assim como o passado, estaria presente aos seus olhos. [11]
É importante ressaltar a estrutura não-linear da história. No séc. XIX, o movimento romântico de Blake e Goethe, que via a natureza como “um grande todo harmonioso” [12] e a filosofia de Kant, que foi o primeiro a falar de auto-organização dos seres vivos, surgiu como contraponto à visão mecanicista do mundo, embora Kant ainda se mantivesse preso às concepções espaço-temporais desenvolvidas por Newton. Humboldt via o Globo como um grande todo, tendo o clima como grande força unificadora, em interação com os seres vivos e a crosta da terra, surgindo a partir daí a idéia da Terra como Gaia, um planeta vivo.
Porém o mecanicismo retorna na segunda metade do século XIX, com o aperfeiçoamento do microscópio, a evolução darwiniana e as leis da hereditariedade, culminando no reducionismo de uma causa microbiana para todas as doenças, a partir das descobertas de Pasteur. A própria criminologia retrocede com as idéias deterministas de Lombroso. Cesare Lombroso tentou relacionar certas características físicas, tais como o tamanho da mandíbula, à psicopatologia criminal, estabelecendo a existência de carcterísticas inatas de indivíduos sociopatas e com comportamento criminal.
Assim, a abordagem de Lombroso é produto da frenologia, criada pelo físico alemão Franz Joseph Gall no começo do século XIX e estreitamente relacionada a outros campos da caracterologia e fisiognomia (estudo das propriedades mentais a partir da fisionomia do indivíduo). Sua teoria foi cientificamente desacreditada, mas Lombroso tinha em mente chamar a atenção para a importância de estudos científicos da mente criminosa, um campo que se tornou conhecido como antropologia criminal.
Tudo isso cai por terra no século XX com as descobertas da própria ciência, que sacodem as idéias de juízo de certeza e busca da verdade dentro do conhecimento científico. E a grande propulsora da mudança do paradigma científico é a física quântica, com a descoberta de que os objetos materiais sólidos da física clássica se dissolvem, no nível subatômico, em padrões de probabilidade semelhantes a ondas. E mais, os padrões não são de probabilidades de coisas, mas probabilidades de interconexões. As partículas só têm significado como interconexões ou correlações e não como entidades isoladas.
Essa visão do mundo relembra o pensamento filosófico de Spinoza, ainda no século XVII, contemporâneo de Descartes, que relaciona a identidade de cada ser por meio das relações. Ele diz que o indivíduo é constituído por outros corpos que entram na sua composição, e que esses corpos são partículas infinitamente pequenas, que só se distinguem umas das outras através das relações. A distinção das coisas (a identidade) vem a partir das relações, e não da matéria em si. [13]
Fritjof Capra, comentando a relação entre estrutura e mudança nos seres vivos, diz:
Desde os primeiros dias da biologia, filósofos e cientistas têm notado que as formas vivas, de muitas maneiras aparentemente misteriosas, combinam a estabilidade da estrutura com a fluidez da mudança. Como redemoinhos de água, elas dependem de um fluxo constante de matéria através delas; como chamas, transformam os materiais de que se nutrem para manter sua atividade e para crescer; mas, diferentemente dos redemoinhos ou das chamas, as estruturas vivas também se desenvolvem, reproduzem e evoluem. [14]
Na década de 40, Ludwig von Bertalanffy deu a essas estruturas o nome de “sistemas abertos”, para demonstrar o fato de precisarem de fluxos contínuos de energia e de recursos, de troca com o mundo exterior. E criou o termo Fliessgleichgewicht (“equilíbrio fluente”), para expressar a simultaneidade de equilíbrio e fluxo, estrutura e mudança, nas formas vivas.
A seguir, Ilya Prigogine desenvolve a teoria das estruturas dissipativas, combinando as idéias de estrutura e dissipativa para expressar as tendências aparentemente contraditórias que existem nos seres vivos, e inclui em conjunto com a idéia de equilíbrio a presença de pontos de instabilidade, de onde novas estruturas e novas formas de ordem podem emergir. Com isso, muda a perspectiva da ordem para a desordem, do ser para o devir (o vir-a-ser).
Prigogine demonstra que as características de uma estrutura dissipativa não podem ser derivadas das propriedades de suas partes, mas decorrem do que chamou de “organização supramolecular”. A indeterminação é outra característica da sua teoria. Qual caminho o sistema tomará depende da sua história e das condições externas, e nunca pode ser previsto. Diz Prigogine: “o conhecimento científico nos oferece apenas uma janela limitada para o universo”.
Outra característica importante dos sistemas é a sua irreversibilidade, que para Prigogine “é o mecanismo que produz ordem a partir do caos”. Ao contrário do mundo determinista de Newton, onde não existe história nem criatividade, no mundo de Prigogine “o futuro é incerto e essa incerteza está no cerne da criatividade”. [15]
A física quântica mostra que não se pode decompor o mundo em unidades elementares independentes. A natureza aparece como uma complexa teia de relações entre as várias partes de um todo unificado. Heisenberg, um dos pais da física quântica, diz: “O mundo aparece assim como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam, se sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo.” [16]
É partindo do mesmo conceito de complexidade e textura do todo que Edgar Morin cria a teoria da complexidade. A palavra complexidade significa: o que é tecido em conjunto. Para Morin, a complexidade é um tecido que associa o uno e o múltiplo e a convivência com a ambivalência. O conhecimento serve para interpretar os aspectos ambíguos (os paradoxos) da realidade, sem desconsiderar sua multidimensionalidade. [17] O conhecimento seria por ordem na desordem, clarificar, distinguir, evitando porém o reducionismo e a cegueira intelectual, abrindo espaço para a criatividade e o caos.
Complexidade não se traduz em inalcançabilidade, mas em abertura. Atitude esta que se traduz em uma ética da alteridade, pelo contato entre os diversos campos do saber além de uma simples inclusão hierárquica, em busca de uma integração harmônica, onde nenhuma disciplina per se é detentora da verdade.
A ética da alteridade, como proposta por Levinas, é a ética da responsabilidade, que se contrapõe à neutralidade e à indiferença. Responsabilidade que vai além do que é produto da minha falta ou da minha ação, numa anterioridade de “um passado irredutível a um presente que teria sido” [18], ou seja, significância de um passado fora de toda representação, “de toda referência ao presente rememorado”. “Significância de um passado que me concerne, que ‘me diz respeito’ (‘me regarde’), que é ‘meu negócio.’” E ainda responsabilidade por um futuro que rompe o tempo sincronizável da representação, que permanece durante toda a minha duração, para além do que me acontece.
II – Violência e Criminalidade
A violência e a agressão são consideradas alguns dos maiores problemas sociais e de saúde pública dos últimos anos. Nos Estados Unidos, em 2005, foram praticados 1.360.695 crimes violentos, conforme o Uniform Crime Report, do FBI [19], resultando em sofrimento humano e o gasto de bilhões de dólares à sociedade. Na América Latina, de acordo com o estudo de Briceño-Leon [20], as mortes após um fim de semana normal em Caracas, Medellin ou São Paulo são em maior quantidade do que as que ocorriam no Kosovo durante a guerra. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), a violência é a primeira causa de morte entre as pessoas de 15 a 44 anos de idade.
No Brasil, segundo relatório da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), em 1980 os homicídios representavam 19,8% do total de mortes por causa externas. Em 2003, passaram a representar 40,3% do total de mortes [21].
A violência costuma ser confundida com criminalidade, porém, além do comportamento violento nem sempre corresponder a comportamento criminoso, o crime em si não existe na natureza, categorizado de maneira automática. Crime é o que o sistema jurídico diz que é. Para o nosso sistema penal, crime é todo ato típico, ilícito e culpável, e o Código Penal tipifica as condutas que são categorizadas como tal.
A violência, por seu turno, também se apresenta de várias formas. Uma maneira de dividi-la nos seus múltiplos aspectos seria [22]:
Violência social (em seus dois aspectos: delinqüência de rua e crime organizado).
Violência interpessoal (incluídos aí os crimes passionais, a violência contra a mulher, o abuso infantil, etc.)
Violência civil (como no caso dos sem-terra, sem-teto, mobilizações localizadas da sociedade, etc. – é a violência esparsa e difusa).
Violência estatal (por exemplo, a violência policial)
Deve-se evitar qualquer tipo de determinismo para explicar a violência e a criminalidade, seja este embasado no indivíduo (determinismo biológico ou psicológico), seja o mesmo fundamentado no ambiente (determinismo econômico e social). Como dizem Strueber, Lueck e Roth [23], “o comportamento violento nunca resulta de uma única causa. Porém ele deriva de uma rede complexa de fatores relacionados, alguns genéticos e outros ambientais”.
Briceño-Leon [24] demonstra que os próprios fatores sociais tomados isoladamente constituem uma complexa combinação de empobrecimento, baixa educação, cultura de consumo, desigualdade, sensação geral de impunidade, deficiências no sistema penal, perda da função dissuasiva da pena, etc., para além de uma análise simplista da pobreza ou miséria como causa única da violência.
A violência pode ser definida como a falha do comportamento humano em reconhecer os limites entre agressão aceitável e inaceitável. A violência é um elemento estrutural, intrínseco ao fato social, aparecendo em todas as sociedades.
A violência pode tomar múltiplas formas. A sua definição mais simples consiste no ato de inflingir dano físico ou injúria a uma pessoa. A Organização Mundial da Saúde caracteriza violência como incluindo o homicídio, suicídio, comportamentos de risco, como beber e dirigir, além da violência social e coletiva, como guerra, genocídio e terrorismo. Uma definição mais abrangente inclui atos de bullying ou intimidação e negligência que possam gerar comportamento violento, além da violência estrutural na forma de discriminação econômica, política ou social. [25]
Como enfatiza Gauer [26], a gênese da violência é multifatorial. A violência social deriva da interconexão de fatores biológicos, psicológicos e sociais, e qualquer abordagem fragmentária está longe de se realizar.
Estudos recentes têm demonstrado que as experiências violentas alteram a neurobiologia do cérebro, conforme o psicofarmacologista e pesquisador Klaus Miczek. “Os genes podem se expressar, os genes podem ser suprimidos, dependendo das experiências violentas. O estudo da biologia e agressão inclui muito mais do que se buscar uma predisposição genética isolada.” [27]
Durante muito tempo, a prevenção da violência tem se realizado através de preceitos morais e a ameaça da punição. A despeito disso, a violência tem sido uma das principais causas de morte em todo mundo. O atual sistema de justiça criminal não evita o crime, mas reforça a carreira criminal.
De acordo com a escola do interacionismo simbólico, as pessoas se auto-definem de acordo com o modo como os outros os vêem. Os indivíduos constroem o significado para as suas vidas baseado nas interações com os outros, formando a sua identidade ou auto-imagem através do papel que ocupam dentro dos seus grupos de referência.
Um cuidado necessário em qualquer estudo individual é evitar a rotulação ou o etiquetamento prévio, de maneira a não se produzir o “sel-fulfilling prophecy”, a profecia auto-cumprida, que produz precisamente o que se está tentando evitar. Tem-se que reconhecer que não existem delinqüentes por natureza, e que a próprio conceito de desvio é socialmente produzido. A sociedade cria o desvio ao elaborar as normas e então rotula as pessoas por violarem essas mesmas normas.
Isso não significa que para prevenir o comportamento anti-social basta deixar de reconhecê-lo. Isso apenas eliminaria o conceito de anti-social, ou desviante, mas os comportamentos continuarão ocorrendo. O estudo criminológico fundado tão-somente em fatores sociais assume erradamente que todas as pessoas são afetadas de igual maneira e que as diferenças individuais não contam para o fato de alguns indivíduos produzirem comportamentos anti-sociais e outros não, dentro do mesmo ambiente social.
Qualquer abordagem individual deve ser restaurativa e holística, e não destrutiva. A ciência tem buscado outras formas mais adequadas de se lidar com o comportamento agressivo e anti-social além da atuação clássica do direito penal de punição e repressão, que tem se revelado ineficaz. Intenta-se aprimorar o potencial e a qualidade de vida, contrapondo os fatores de risco com fatores protetores correspondentes.
Sabe-se que a punição, em vez de reprimir a violência, torna-se o mais forte estímulo para o comportamento violento. Como disse Gilligan, psicólogo do sistema prisional americano: “Hoje as prisões tratam os homens como animais, e então nos surpreendemos quando os detentos agem como animais” [28]