Sumário: 1. Constituição de 1824. 2. Constituição de 1891. 3. Constituição de 1934. 4. Constituição de 1937. 5. Constituição de 1946. 6. Constituição de 1967/69. 7. Referências bibliográficas.
1. Constituição de 1824.
Na Constituição do Império, há previsão expressa da liberdade de imprensa no artigo 179. Esse artigo encontra-se inserido no Título 8º, último título do texto constitucional, denominado “Das disposições gerais e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros”. Em seu caput, há menção genérica ao direito de liberdade, nos seguintes termos:
A inviolabilidade dos Direitos Civis e Políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte.
Mais especificamente com relação à imprensa, nos termos do artigo 179, IV:
Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela Imprensa, sem dependência de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste Direito, nos casos e pela forma que a Lei determinar.
A liberdade de pensamento e sua comunicação, na lição de Pimenta Bueno, enquadra-se entre os direitos naturais ou individuais, que “são filhos da natureza, pertencem ao homem porque é homem, porque é um ente racional e moral, são propriedades suas e não criaturas da lei positiva, são atributos, dádivas do Criador”; em razão de sua natureza, pertencem indistintamente a nacionais ou a estrangeiros[1]. É clara a influência jusnaturalista sobre Pimenta Bueno.
O dispositivo constitucional refere-se, assim, à liberdade de pensamento, privada ou pública, em especial por meio da imprensa, que, na época, restringia-se à imprensa escrita (livros, jornais e textos esparsos, em estilo panfletário).
Após observar que a liberdade de pensamento encontra-se “fora de todo poder social” e que a comunicação privada desses seus pensamentos, por ser decorrente da própria natureza humana, por ser o homem um animal social, deve ser “perfeitamente livre”, sendo o estabelecimento contrário uma “hipocrisia” e uma “imbecilidade”, José Antonio Pimenta Bueno aponta duas espécies de publicidade do pensamento (comunicação ou expressão do pensamento a um público mais amplo): a imprensa literária ou industrial e a imprensa política[2].
A imprensa literária ou industrial, por promover a civilização e o desenvolvimento das faculdades humanas, fertilizando os conhecimentos, o trabalho, a indústria e a riqueza, concorre, ainda que indiretamente, para a liberdade dos homens. Dessa forma, Pimenta Bueno sustenta que “a liberdade da imprensa literária ou industrial deve ser amplamente franqueada, não só aos nacionais, como aos estrangeiros; a livre expressão da inteligência, desde que não se envolva no governo político do país, pertence ao homem porque é homem, qualquer que seja a sua nacionalidade”[3].
A imprensa política, por sua vez, ainda segundo Pimenta Bueno, é um direito político, e não natural ou individual, por se tratar de direito e também de dever de o cidadão participar e intervir no governo de seu país, expondo publicamente o que pensa sobre as grandes questões sociais. Ainda segundo o autor, “a imprensa política é a sentinela da liberdade, é um poder reformador dos abusos e defensor dos direitos individuais e coletivos” e “quando bem manejada pelo talento e pela verdade esclarece as questões, prepara a opinião, interessa a razão pública, triunfa necessariamente”. E adverte Pimenta Bueno, em conclusão, que, exatamente em razão da grande relevância da imprensa política, “é claro que se não deve abusar dela e transformá-la em instrumento de calúnia ou injúria, de desmoralização, de crime. Sua instituição tem por fim a verdade e o direito, não os ataques grosseiros, os sarcasmos, as perfídias, a desordem e anarquia. Em tais casos os próprios direitos individuais e públicos são os que clamam pela repressão” [4].
O dispositivo no artigo 179, IV, da Constituição de 1824 determina, assim, como regra geral a plena liberdade de imprensa, com previsão expressa, inclusive, da garantia de proibição de censura. O regime de responsabilidade pelo exercício da liberdade de imprensa adotado pela Constituição é o repressivo, vez que o exercício dessa liberdade é, em regra e em tese, pleno, punindo-se os abusos, na forma de lei regulamentar.
Pode-se extrair do texto constitucional, nesse tema, em seus artigos 151[5] e 152[6] (com previsão nas Leis de 18 de junho de 1822, de 22 de novembro de 1823, de 20 de setembro de 1830 e pelo Código de Processo Criminal de 1832), que o julgamento dos crimes praticados por meio da imprensa era de competência do júri.
O júri, inclusive, foi introduzido ao direito brasileiro pela Lei de 18 de junho de 1822, com competência restrita aos delitos de imprensa; integrado por 24 cidadãos “bons, honrados, inteligentes e patriotas”, suas decisões poderiam ser revistas apenas pelo Príncipe Regente[7]. Segundo Nucci, a respeito do tratamento dado pela Constituição de 1824 ao júri, “os jurados, à época, poderiam julgar causas cíveis e criminais, conforme determinassem as leis, que, aliás, incluíram e excluíram espécies de delitos e causas do júri, várias vezes”[8].
A propósito, sustenta Pimenta Bueno sobre a instituição do júri que, “considerando em relação à liberdade política, o júri é o mais firme baluarte dela, a mais sólida garantia da independência judiciária. Nem todos os juízes, embora perpétuos ou inamovíveis, se olvidam que o governo é quem verifica as promoções e distribui as graças, as honras e as gratificações pecuniárias; nem todos têm a coragem civil, o caráter firme, a consciência do dever, que não se curva às insinuações, às simpatias, aos desejos de punição, aos ódios dos partidos políticos ou à sua parcialidade. O júri é uma barreira contra tais abusos, é uma instituição nesse sentido tão valiosa que devemos considerá-lo como um tesouro que nos cumpre legar aos nossos descendentes, que com a ação do tempo o aperfeiçoarão de todo”[9].
Importante, ainda, comentar o disposto no artigo 179, XXXIV e XXXV, da Constituição do Império. Os referidos incisos não tratam diretamente da liberdade de imprensa, mas apresentam permissão constitucional para a suspensão de garantias dos direitos individuais.
O artigo 179, XXXIV, apresenta regra geral, segundo a qual “os Poderes Constitucionais não podem suspender a Constituição no que diz respeito aos direitos individuais, salvo nos casos e circunstâncias especificadas no parágrafo seguinte”. Como previsto já no final do dispositivo mencionado, o inciso XXXV apresenta exceção à regra geral de impossibilidade de suspensão, nos seguintes termos: “nos casos de rebelião ou invasão de inimigos, pedindo a segurança do Estado, que se dispensem por tempo determinado algumas das formalidades que garantem a liberdade individual, poder-se-á fazer por ato especial do Poder Legislativo. Não se achando porém a esse tempo reunida a Assembleia, e correndo a Pátria perigo iminente, poderá o Governo exercer esta mesma providência, como medida provisória e indispensável, suspendendo-a imediatamente que cesse a necessidade urgente que a motivou; devendo num e noutro caso remeter à Assembleia, logo que reunida for, uma relação motivada das prisões e de outras medidas de prevenção tomadas; e quaisquer autoridades que tiverem mandado proceder a elas serão responsáveis pelos abusos que tiverem praticado a respeito”. Essa possibilidade encontra-se estendida às Assembleias Legislativas Provinciais, por força do artigo 11, § 8º, do Ato Adicional (Lei nº 16, de 12 de agosto de 1834).
O texto constitucional é de fácil leitura e de claro entendimento. Deve-se observar, contudo, que não há limitação à suspensão prevista no dispositivo constitucional: em tese, observado o procedimento previsto no inciso XXXV do artigo 179, qualquer direito pode ter suas garantias suspensas. A principal garantia dos indivíduos frente a essa ampla possibilidade de suspensão é a previsão de responsabilidade ulterior das autoridades, na hipótese de abuso praticado na adoção de medidas.
2. Constituição de 1891.
Na Constituição Republicana de 1891, o artigo 72, inserido na Seção II (“Declaração de Direitos”) do Título IV (“Dos Cidadãos Brasileiros”), apresenta extenso rol de direitos e garantias; na análise de Aliomar Baleeiro, os direitos previstos não se diferenciam muito dos inscritos na Constituição de 1824, “nem são muito menores dos que figuraram nas Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e na Emenda nº 1/1969”[10].
No caput do artigo 72, assim como na Constituição do Império, há menção ao direito à liberdade, nos seguintes termos:
A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade nos termos seguintes.
Mais especificamente com relação à liberdade de imprensa, prescreve o artigo 72, § 12, literalmente:
Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento pela imprensa, ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato.
João Barbalho, após ressaltar a importância da imprensa para a instrução cívica e como veículo de reclamações e queixas dos que se sintam prejudicados em seus direitos, afirma que “a imprensa constitui-se a garantia das liberdades públicas” (“a garantia das garantias”)[11]. Apesar da grande importância atribuída por Barbalho à liberdade de imprensa com relação às demais liberdades públicas, o autor, seguindo a lição de Pimenta Bueno, adverte que, enquanto a imprensa literária ou industrial deve ser amplamente franqueada a nacionais e estrangeiros, a imprensa política deve ser restrita aos nacionais[12].
Essa ideia é desenvolvida por Barbalho, com mais vagar, em seus comentários sobre a aplicação do caput desse artigo 72. Nesse ponto, o autor analisa a extensão dos direitos previstos em seus parágrafos aos estrangeiros, adotando, para tanto, distinção entre liberdades que decorrem da natureza humana e liberdades que se vinculam à qualidade de cidadão (de caráter político). Com relação a estas liberdades de caráter político, Barbalho faz observação, no mínimo, interessante, utilizando-se da liberdade de manifestação do pensamento pela imprensa como exemplo: o exercício dessas liberdades deve ser garantido apenas aos nacionais, vez que “os estrangeiros na qualidade de hóspedes nada têm a ver com o governo da casa; se este não lhes agrada, ou procurem outro país que entendam ser melhor governado, ou calem-se e não se intrometam nem procurem influir na direção do que não lhes toca”[13].
Em suma, o dispositivo, em grande parte, é equivalente ao previsto na Constituição Imperial. Há prescrição geral sobre a livre manifestação do pensamento, com o reforço de garantias de inexistência de censura e de responsabilidade pelos abusos cometidos em seu exercício. A garantia de inexistência de censura, no entendimento de Barbalho, é desnecessária, vez que decorre diretamente da prescrição de geral de livre manifestação de pensamento; a cláusula de responsabilidade pelos abusos, por sua vez, é inerente ao exercício de todo e qualquer direito[14]. Há, contudo, com relação ao texto da Constituição do Império, acréscimo de proibição expressa do anonimato. Essa proibição claramente visa a viabilizar a responsabilização daqueles que cometerem abuso no exercício dessa liberdade. Essa restrição, segundo João Barbalho, abrange os pseudônimos[15].
Há, ainda no mesmo artigo 72, § 26, dispositivo acerca da imprensa. Nos termos desse dispositivo, “aos autores de obras literárias e artísticas é garantido o direito exclusivo de reproduzi-las pela imprensa ou por qualquer outro processo mecânico. Os herdeiros dos autores gozarão desse direito pelo tempo que a lei determinar”.
Não importa aos limites deste trabalho o estudo sobre os direitos autorais[16]; basta a referência ao dispositivo, a fim de que se registre a relação existente entre a imprensa e a divulgação de conhecimento, por meio da publicação de obras literárias e artísticas, o que, inclusive, já havia sido objeto de observações no texto de Pimenta Bueno.
Por fim, ainda com relação ao artigo 72, deve-se observar que a reforma de 1926 acrescentou o § 33, por força do qual “é permitido ao Poder Executivo expulsar do território nacional os súditos estrangeiros perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses da República”; com fundamento nesse dispositivo constitucional, estrangeiros que, por meio da imprensa operária ou anarquista, mostraram-se perigosos à ordem pública ou nocivos aos interesses da República, foram expulsos do território nacional[17].
Deve-se registrar, ainda, que outros relevantes dispositivos constitucionais tratam, ainda que indiretamente, da liberdade de imprensa. Não se pretende neste trabalho analisar detalhadamente esses dispositivos, mas apenas apresentá-los como relacionados ao tema central deste trabalho.
Com relação ao estado de sítio, nos termos do artigo 80 da Constituição, “poder-se-á declarar em estado de sítio qualquer parte do território da União, suspendendo-se aí as garantias constitucionais por tempo determinado, quando a segurança da República o exigir, em caso de agressão estrangeira, ou comoção intestina (art. 34, nº 21)”.
Assim, como regra geral, para declaração do estado de sítio, exige-se a participação do Congresso Nacional[18]; por meio desse procedimento que envolve a participação do Congresso, pode-se suspender garantias constitucionais por tempo determinado, inclusive as relacionadas à liberdade de imprensa. Excepcionalmente, nos termos dos parágrafos do mesmo artigo 80, não estando reunido o Congresso e correndo a Pátria iminente perigo, exercerá essa atribuição o Poder Executivo Federal[19], restringindo-se as medidas que podem ser adotadas às expressamente previstas ainda no artigo 80, § 2º; dentre elas, nos termos do texto constitucional, não se encontra a possibilidade de suspensão das garantias relacionadas à liberdade de imprensa. Importante registrar, ainda, a existência de cláusula geral de responsabilidade, nos termos do artigo 80, em seu § 4º, segundo o qual “as autoridades que tenham ordenado tais medidas são responsáveis pelos abusos cometidos”.
Por fim, com relação à possibilidade de intervenção do Governo Federal “em negócios peculiares aos Estado”, que se constitui em exceção ao princípio da autonomia dos entes federativos, a reforma de 1926 inseriu o inciso II, j, ao artigo 6º do texto original. Por força desse dispositivo, passou a ser possível a intervenção para assegurar o respeito aos “direitos políticos e individuais assegurados pela Constituição”. Insere-se nessa cláusula a proteção à liberdade de imprensa.
3. Constituição de 1934.
A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 modificou significativamente o tratamento da liberdade de imprensa.
Assim como nas Constituições anteriores, o artigo 113, inserido no Capítulo II (“Dos Direitos e das Garantias Individuais”) do Título III (“Da Declaração de Direitos”), há menção ao direito à liberdade, nos seguintes termos:
A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguinte.
Mais especificamente com relação à liberdade de imprensa, prescreve o artigo 113, nº 9:
Em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e na forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem política ou social.
Apesar de não se repetir expressamente, como no texto constitucional anterior, que é livre a manifestação de pensamento pela imprensa, mantém-se a regra geral de liberdade de manifestação, assim como a regra de inexistência de censura, de responsabilização pelos abusos do exercício da liberdade e de proibição do anonimato.
Há, contudo, algumas alterações no texto constitucional com relação ao anterior. Há ressalva, por exemplo, no que diz respeito à possibilidade de censura quanto a espetáculos e diversões públicas. Nesse tema, necessária a transcrição de trecho em que Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ao comentar a Constituição de 1967, faz a distinção entre diversões e espetáculos:
A diferença entre diversões e espetáculos, sujeitos ambos, todavia, à censura, está em que aquelas não têm e estes necessariamente possuem conteúdo intelectual. Os espetáculos, sem dúvida, podem divertir mas o fazem ao mesmo tempo que transmitem uma mensagem; servem, portanto, para a expressão do pensamento. É o caso típico do teatro, ao qual se pode associar, sem dificuldade, o cinema. Já as diversões não importam, ao menos diretamente, na comunicação de um pensamento, faltando-lhes o conteúdo intelectual. Correspondem ao que os franceses denominam de spetacles de curiosité, como as exibições em feiras etc. Note-se que a censura é autorizada no concernente a espetáculos públicos, ou seja, abertos indiscriminadamente a todos os que por eles se interessarem. Espetáculos realizados para círculos fechados escapam da censura, consequentemente[20].
As observações finais de Ferreira Filho, especificamente com relação à limitação da censura aos espetáculos públicos aplicam-se integralmente à Constituição de 1934.
Seguindo a análise, observa Araújo Castro que a Constituição de 1934 manteve a opção constitucional anterior pelo sistema repressivo, com relação à liberdade de imprensa, “salvo quanto a espetáculos e diversões públicas”. Segue o autor afirmando que a Constituição “tornou, além disso, explícito que não seria tolerada propaganda de guerra ou de processos violentos para subverter a ordem política ou social”[21].
Manteve-se, ainda, no artigo 113, nº 20, dispositivo relacionado a direitos autorais, sem, contudo, menção expressa à imprensa, assim como ocorreu com o disposto no artigo 113, nº 9. Nos termos daquele dispositivo, “aos autores de obras literárias, artísticas e científicas é assegurado o direito exclusivo de produzi-las. Esse direito transmitir-se-á aos seus herdeiros pelo tempo que a lei determinar”. Extrapolaria os limites deste trabalho analisar detidamente os direitos autorais; basta registrar que a relação estabelecida expressamente pelo legislador constituinte no texto constitucional de 1891 não aparece no texto de 1934, nem nos dispositivos dos textos constitucionais posteriores.
Outros dispositivos relacionados à liberdade de imprensa podem ser encontrados no mesmo artigo 113 da Constituição. Relacionados ao exercício da profissão de jornalista, podem ser mencionados os dispositivos previstos no artigo 113, nº 13, segundo o qual “é livre o exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade técnica e outras que a lei estabelecer, ditadas pelo interesse público”, e no artigo 113, nº 36, por força do qual “nenhum imposto gravará diretamente a profissão de escritor, jornalista ou professor”. Complementa o disposto no artigo 113, nº 13, a prescrição contida no artigo 5º, XIX, j, pela qual se atribui à União a competência para legislar sobre “condições de capacidade para o exercício de profissões liberais e técnico-científicas, assim como a do jornalismo”. Salta aos olhos a relevância dada pelo legislador constituinte à imprensa.
A leitura isolada das normas constitucionais apresentadas poderia levar à conclusão de que o exercício da profissão de jornalista encontrava-se franqueado a qualquer nacional ou estrangeiro, atendidos simples requisitos legais, como a conclusão de curso superior ou a revalidação de diploma obtido em instituições de ensino estrangeiras. Essas normas, todavia, devem ser interpretadas em conjunto com o disposto no artigo 133 da Constituição, por força do qual “excetuados quantos exerçam legitimamente profissões liberais na data da Constituição, e os casos de reciprocidade internacional admitidos em lei, somente poderão exercê-las os brasileiros natos e os naturalizados que tenham prestado serviço militar no Brasil; não sendo permitida, exceto aos brasileiros natos, a revalidação de diplomas profissionais expedidos por institutos estrangeiros de ensino”. Fica evidente, assim, que, já por força do texto constitucional, o exercício da profissão de jornalista estava sujeito a uma série de condicionantes, pelo que fica mais uma vez evidenciada a especial atenção dada pelo texto constitucional à imprensa.
Surgiram igualmente dispositivos constitucionais diretamente relacionados à liberdade de imprensa, mas não inseridos no rol de direitos individuais. Considerando os avanços tecnológicos dos meios de comunicação e o consequente aumento de sua importância na formação da opinião pública, preocupou-se o legislador constituinte com a regulamentação da exploração dos serviços relacionados à imprensa.
Uma dessas normas constitucionais decorre diretamente da percepção do legislador constituinte sobre a intensa relação existente entre imprensa e opinião pública e sobre a necessidade de positivação dos direitos sociais[22], em especial dos profissionais da imprensa. Nesse sentido, prescreve o artigo 131 da Constituição, literalmente:
É vedada a propriedade de empresas jornalísticas políticas ou noticiosas a sociedades anônimas por ações ao portador e estrangeiros. Estes e as pessoas jurídicas não podem ser acionistas das sociedades anônimas proprietárias de tais empresas. A responsabilidade principal e de orientação intelectual ou administrativa da imprensa política ou noticiosa só por brasileiros natos pode ser exercida. A lei orgânica de imprensa estabelecerá regras relativas ao trabalho dos redatores, operários e demais empregados, assegurando-lhes estabilidade, férias e aposentadoria.
Com relação à positivação dos direitos sociais, sustenta Maurício Godinho Delgado que, a partir de 1930, passa-se a uma fase de construção do sistema sindical brasileiro, principalmente em razão do caráter “largamente intervencionista” do Estado, que passa a atuar igualmente na “área da chamada questão social”. Segundo Godinho Delgado, o Estado getulista “nesta área implementa vasto e profundo conjunto de ações diversificadas mas nitidamente combinadas: de um lado, através de profunda repressão sobre quaisquer manifestações autonomistas do movimento operário; de um outro, por meio de minuciosa legislação instaurando um abrangente novo modelo de organização do sistema justrabalhista, estreitamente controlado pelo Estado”[23]. Esses objetivos ficam escancarados com o início do Estado Novo, a partir de 1937.
Outros dispositivos constitucionais evidenciam a importância dada especialmente aos serviços de radiocomunicação pelo legislador constituinte. Nos termos do artigo 5º, VIII, compete à União explorar ou dar em concessão os serviços de telégrafos e de radiocomunicação, entre outros[24]. Nessa mesma linha, nos termos dos artigos 5º, § 3º, e 7º, III, compete aos Estados elaborar leis supletivas ou complementares da legislação federal sobre radiocomunicação, entre outros assuntos; as legislações estaduais, segundo o artigo 5º, § 3º, “nestes casos, poderão, atendendo às peculiaridades locais, suprir as lacunas ou deficiências da legislação federal, sem dispensar as exigências desta”. Complementam essa sistemática de atribuição de competências os artigos 5º, § 4º, 39, nº 8, e, e 91, I, l[25], assim como regulamentam alguns aspectos relevantes de eventuais concessões dos serviços de radiocomunicação os artigos 17, X e parágrafo único, 135, 136 e 137[26]. Essa sistemática decorre da adoção pela Constituição de 1934 do modelo cooperativo de Estado federal. Sobre o assunto, aduz Fernanda Dias Menezes de Almeida:
Em ordem cronológica praticamente coincidente com a norte-americana, transmudou-se em cooperativo o nosso federalismo, basicamente a partir da Constituição de 1934. De um lado, devido à iniciativa dos próprios Estados, mais precisamente por força do apelo dos Estados mais pobres que, como visto, não conseguiam prover às suas necessidades sem o concurso da União. De outro lado, como era da época, em razão da ascendência do intervencionismo estatal, com sensível acréscimo das competências da União, principalmente no plano econômico, e com paralela restrição das competências estaduais, comprimidas, em outra frente, pelo reconhecimento constitucional de um campo de autonomia própria aos Municípios[27].
Pode-se observar que, nos termos da Constituição de 1934, foram adotados dois modelos distintos de exploração para a imprensa escrita e para a imprensa não escrita. Enquanto a imprensa escrita continuou, em princípio, franqueada à exploração pelos particulares (pelas empresas jornalísticas, mas com limitações, em especial, dirigidas à exploração por estrangeiros), a imprensa não escrita deveria ser explorada, direta ou indiretamente, pelo Estado. Esse quadro, adotado inicialmente pela Constituição de 1934, segue, grosso modo, até os dias atuais.
Com relação à declaração de estado de sítio, houve mudanças significativas no que tange à liberdade de imprensa. Ao contrário do texto constitucional anterior, no qual não havia limites expressos à possibilidade de suspensão das garantias dos direitos individuais, a Constituição de 1934, em seu artigo 175, apresenta regulamentação mais explícita.
Por força do artigo 175, nº 2, c, o Poder Legislativo, na iminência de agressão estrangeira ou na imergência de insurreição armada, pode autorizar o Presidente da República a declarar em estado de sítio qualquer parte do território nacional, sendo admitidas, na sua vigência, entre outras exceções arroladas no dispositivo, a “censura da correspondência de qualquer natureza, e das publicações em geral”. Complementam o referido dispositivo as normas contidas nos parágrafos 5º e 6º do mesmo artigo 175; nos termos desses parágrafos, “não será obstada a circulação de livros, jornais ou de quaisquer publicações, desde que os seus autores, diretores ou editores os submetam a censura”, bem como “não será censurada a publicação dos atos de qualquer dos poderes federais, salvo os que respeitem a medidas de caráter militar”. No mais, o texto constitucional de 1934, com relação ao texto anterior, regulamentou de forma mais detalhada o procedimento de declaração (inclusive, pelo Presidente da República, na hipótese de não estarem reunidos Câmara e Senado), de prorrogação e de responsabilização civil e criminal nos casos de abusos.
Se, por um lado, regulamentou-se melhor a declaração do estado de sítio, conforme acima analisado, conferindo-se maior segurança ao indivíduo, por outro, passou a existir, por força do artigo 161 do texto constitucional, a possibilidade de declaração do estado de guerra, que “implicará a suspensão das garantias constitucionais que possam prejudicar direta ou indiretamente a segurança nacional”; todas as medidas relacionadas à segurança nacional, inclusive a declaração do estado de guerra, são coordenadas pelo Conselho Superior de Segurança Nacional (e por outros órgãos especiais criados para atender às necessidades da mobilização), órgão integrado pelo Presidente da República, pelos Ministros de Estado, pelo Chefe do Estado-Maior do Exército e pelo Chefe do Estado-Maior da Armada, com organização, funcionamento e competência regulados por lei. Completa esse quadro a Emenda nº 1, publicada por força do decreto legislativo nº 6, de 18 de dezembro de 1935, segundo a qual “a Câmara dos Deputados, com a colaboração do Senado Federal, poderá autorizar o Presidente da República a declarar a comoção intestina grave, com finalidades subversivas das instituições políticas e sociais, equiparada ao estado de guerra, em qualquer parte do território nacional, observando-se o disposto no art. 175, nº 1, §§ 7º, 12 e 13, e devendo o decreto de declaração da equiparação indicar as garantias constitucionais que não ficarão suspensas”[28].
Por fim, com relação à intervenção da União “em negócios particulares aos Estados”, o texto constitucional de 1934 deixou de prever a hipótese introduzida na Constituição de 1891 pela reforma de 1926, relativa à proteção dos direitos individuais. Por outro lado, passou a constar no texto constitucional a possibilidade de responsabilização do Presidente da República e de seus Ministros por atos que atentarem contra “o gozo ou o exercício legal dos direitos políticos, sociais ou individuais”, nos termos dos artigos 57, d, e 61 da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil.