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Atuação de empresas estatais no exterior: o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos

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Agenda 12/12/2012 às 14:52

Procura-se dirimir a dúvida sobre a possibilidade jurídica de a ECT prestar serviços postais no exterior, estudando-se, para tal desiderato, o significado do princípio da especialidade no Direito Administrativo.

Olhando para a história, vemos o mensageiro Paulo Bregaro, que levou para o príncipe D. Pedro as notícias de Portugal que ensejaram a Independência do Brasil. As palavras proferidas pelo Conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, ao recomendar pressa na entrega das correspondências, ainda hoje sintetizam a mística do trabalho responsável do carteiro: "Arrebente e estafe quantos cavalos necessários, mas entregue a carta com toda a urgência”. (AIRTON DIPP).

O presente artigo é fruto de reflexões realizadas quando do exercício da função de advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Procura-se dirimir a dúvida sobre a possibilidade jurídica de a ECT prestar serviços postais no exterior, estudando-se, para tal desiderato, o significado do princípio da especialidade no Direito Administrativo.

Para elucidar tal questão, deve-se averiguar a natureza jurídica da ECT e os efeitos jurídicos desencadeados por tal natureza.

A ECT é uma empresa pública federal instituída pelo Decreto-Lei nº 509/1969 para a prestação de serviços postais, que constituem serviço público de grande relevância.

“Deve-se entender que empresa pública federal é a pessoa jurídica criada por força de autorização legal como instrumento de ação do Estado, dotada de personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes de ser coadjuvante da ação governamental, constituída sob quaisquer das formas admitidas em Direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de Direito Público interno ou de pessoas de suas Administrações indiretas, com predominância acionária residente na esfera federal”.[i]

Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles:

“Empresas públicas são pessoas jurídicas de Direito Privado criadas por lei específica, com capital exclusivamente público, para realizar atividades de interesse da Administração instituidora nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial”[ii]

No mesmo sentido José dos Santos Carvalho Filho:

“Empresas Públicas são pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Indireta do Estado, criadas por autorização legal, sob qualquer forma jurídica adequada a sua natureza, para que o Governo exerça atividades gerais de caráter econômico ou, em certas situações, execute a prestação de serviços públicos.”[iii]

Dos conceitos acima transcritos, depreende-se que as empresas públicas têm personalidade jurídica de direito privado e podem ser instituídas com o escopo de prestar serviço público ou realizar atividade econômica em sentido estrito.

De salientar, porém, que o fato de serem dotadas de personalidade de direito privado não lhes confere o direito de agir livremente como qualquer empresa privada.

Aplica-se, também às empresas públicas, o princípio da legalidade estrita. Isso quer dizer que elas só podem agir conforme expressa permissão legal, ao passo que as demais pessoas de direito privado podem agir com maior liberdade, desde que não haja vedação legal.

A respeito asseverou Hely Lopes Meirelles:

“Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.[iv]

É a adoção, pelo sistema jurídico pátrio, da doutrina do positive Bindung em oposição ao negative Bindung:

“(...)

É necessário não esquecermos a fórmula de Meyer-Anschutz: “A Administração não é uma mera aplicação da lei, mas uma atividade dentro dos limites legais... A lei não é pressuposto (Voraussetzung), mas limite para atividade administrativa. A administração pode fazer não meramente aquilo a que a lei expressamente a habilite, mas tudo quanto a lei expressamente não lhe proíba” (cf. Eduardo García de Enterría, Legislaión Delegada, Potestad Regulamentary y Control Judicial, p. 286) – na qual se consagra o primeiro apotegma e se dá sustentação à doutrina do negative Bindung. Apenas na medida em que parte ponderável da doutrina insurgiu-se contra tal entendimento é que se deu a substituição daquela doutrina  - na consagração do segundo apotegma – pelo do positive Bindung: a Administração não pode atuar neste ou naquele sentido senão quando a lei expressamente a tanto a autorize. Na expressão de Wikler (cf. Eduardo García de Enterría, ob. Cit., p. 289) “Keine Handlung ohne Gesetz”- nenhuma atuação sem lei. (...) Se pretendermos, portanto, relacionar o princípio da legalidade ao regime de Direito Público, forçoso seria referirmo-lo, rigorosamente, como princípio da legalidade sob conteúdo de comprometimento positivo .”[v]

Destarte, tendo a assertiva supra como premissa, a doutrina desenvolveu o princípio da especialidade.

A respeito salientou Edmir Netto de Araújo, citando os ensinamentos de José Cretella Jr. e Maria Sylvia Zanela di Pietro:

“(...)

A finalidade geral da empresa pública é sua própria causa determinante, examinada no tópico anterior: segurança nacional, relevante interesse coletivo, serviço público. É indispensável, entretanto, que a própria lei autorizativa descreva expressamente os fins da empresa, enquadrados em tais hipóteses, e que constituirão seu objeto social, em nível adequado de detalhamento, pois somente por lei poderão ser alterados.

Se a lei os definiu expressamente, só em objetivos que neles se enquadrem (princípio da especialidade) pode a empresa utilizar seu patrimônio, recursos, pessoal e serviços, pois a Administração só pode fazer o que a lei determina ou permite (princípio da restritividade). Sua capacidade, portanto, é específica, ao contrário da Administração direta, que tem capacidade genérica no âmbito de sua jurisdição.”.[vi]

 Assim, como salientado por Roberto Santos Pessoa, “a lei, ao autorizar a instituição de determinada empresa pública ou sociedade de economia mista, deverá fixar-lhes as finalidades, seja ela exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público.” [vii]

Neste diapasão, é preciso deixar bem claro que, conforme já dito, a empresa pública, apesar de sua personalidade jurídica de direito privado, não está autorizada a agir fora dos limites permitidos pelo legislador, mesmo que a atividade importe em lucro.

E assim o é porque, como observado por Celso Antônio Bandeira de Melo, o traço nuclear das empresas estatais reside no fato de serem coadjuvantes de misteres estatais. São instrumentos de ação do Estado, verdadeiros auxiliares do Poder Público. Esta natureza representa o mais certeiro norte para a intelecção destas entidades. Aí está o critério seguro para interpretação dos princípios jurídicos que lhe são aplicáveis, sob pena de converter-se o acidental – suas personalidades de direito privado – em essencial, e o essencial – seu caráter de sujeitos auxiliares do Estado – em acidental.

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Modesto Carvalhosa analisa bem a contraposição entre o interesse público e a lucratividade, ao discorrer sobre as sociedades de economia mista, às quais tem natureza jurídica de entidade paraestatal, tal como as empresas públicas, valendo, pois, os ensinamentos do douto comercialista também para o caso em estudo.

“Como referido, o conceito fundamental, para se entender a função da sociedade de economia mista e sua forma capitalista, com a participação de acionistas privados minoritários, é de que ela precipuamente deve atender ao interesse público primário, e não ao interesse público secundário ou à finalidade de lucro. Por outro lado, para que se concilie a atividade econômica com a finalidade pública, deve-se distinguir atividade-fim da atividade-meio. Assim, a atividade-fim visa à prestação de serviços no campo do interesse público primário. E a atividade-meio será a prestação de serviços de natureza econômica, que se faz através de meios empresariais que gerem excedentes de capital , ou seja, lucros. Esse excedente é pressuposto da eficiência dos agentes públicos que administram capitais mistos (público ou privado). Desse modo, a lucratividade da sociedade de economia mista constitui meio necessário para a consecução de seu fim, que é o de prestação de serviço público do interesse primário.

Ainda sobre essa distinção, Toshio Mukai: “Em verdade, nos serviços públicos comerciais e industriais (que prefiro denominar de econômicos) o Estado não pode ter a finalidade de lucro, mas, sim, a consecução de um interesse público, sendo lucro legítimo, se for apenas uma conseqüência daquele objetivo. Esta é uma característica importante dos serviços públicos econômicos (...) os serviços de que estamos tratando são submetidos a título principal a um regime jurídico de Direito Privado, sendo submetidos, porém, a certas regras de Direito Público.”[viii]

E prossegue o insigne mestre:

“Para que se possa entender a atuação operacional do Estado no setor empresarial há que, desde logo, entender-se que nele o Poder Público não deve agir por parâmetros econômicos, mas sim de economicidade. Essa diferença é fundamental.

A economicidade é a técnica econômica aplicada no tratamento do fato e do dado econômico, tendo como objetivo a realização do justo socioeconômico.

Assim, atrelando as sociedades de economia mista aos fins sociais que justificaram a sua criação, o critério da economicidade deve imprimir – em termos de técnica econômica – os módulos de sua eficiência empresarial. Desse modo, o conteúdo de economicidade da atuação da sociedade de economia mista distingue-se do conteúdo meramente econômico, porque o critério da economicidade tem um fundamento ético-político e não meramente econômico. Juridicamente, a lei que cria a sociedade de economia mista indica os caminhos da sua atividade produtiva para direções que interessam precipuamente à coletividade e não aos interesses dos aparelhos do Estado (interesse público secundário) ou aos interesses de lucro.

A economicidade constitui, assim, um método diretivo para as atividades das sociedades de economia mista, dispondo sobre o mérito do comportamento econômico destas. A economicidade, portanto, outorga à atividade das sociedades de economia mista a necessária instrumentalidade para a realização dos fins socioeconômicos para os quais foi criada. Assim, embora o fundamento da economicidade seja sempre ético-político, a sua formulação não pode prescindir da racionalidade econômica.

(...)

O critério de economicidade, portanto, instrumentaliza a atividade específica da sociedade de economia mista para o atendimento das necessidades da coletividade.

(...)

Essa finalidade socioeconômica da sociedade de economia mista (leia-se empresa pública) distancia-se inteiramente da perspectiva do homem liberal, que age de acordo com os seus padrões individuais.”[ix]

Toda esta extensa citação doutrinária é necessária para deixar claro que a empresa pública não pode agir como um empresário liberal. Não basta que o negócio a ser realizado seja vantajoso economicamente e gere lucros, por maiores que estes sejam.

As empresas públicas, tal como as sociedades de economia mista, têm função social. São longa manus do Estado. Devem agir de acordo com o interesse coletivo (interesse primário). Devem, pois, obedecer ao princípio da especialidade (legalidade estrita), sob pena de ocorrência de desvio de finalidade.[x]

Neste passo, cumpre verificar se a legislação pátria autoriza a ECT a participar de atividade no exterior nos moldes da consulta formulada.

O Decreto-Lei nº 509, de 20 de março de 1969, prevê em seu artigo 2º:

“Art. 2º À ECT compete:

I – executar e controlar, em regime de monopólio, os serviços postais em todo o território nacional;”

A Lei nº 6.538, de 22 de junho de 1978, dispõe sobre o serviço postal a ser prestado pela ECT, nos seguintes termos:

“Art. 2º - O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações.

§ 1º - Compreende-se no objeto da empresa exploradora dos serviços:

a)  planejar, implantar e explorar o serviço postal e o serviço de telegrama;

b) explorar atividades correlatas;

c) promover a formação e o treinamento de pessoal necessário ao desempenho de suas atribuições;

d)  exercer outras atividades afins, autorizadas pelo Ministério das Comunicações”.

Assim, conforme a doutrina exaustivamente analisada em linhas pretéritas, a primeira conclusão, que se transfigura em um imperativo categórico, é a de que quaisquer atividades da ECT devem ater-se ao objeto da empresa, previsto na legislação pátria.

Com efeito, o cerne da questão é saber se a prestação de serviços postais no exterior está inserida no rol das atividades elencadas pela legislação como pertinentes à ECT.

A resposta é afirmativa. Vejamos.

Perceba-se, inicialmente, que as atividades (postais) a serem desempenhadas no exterior já são realizadas no território nacional, estando, pois, dentro das atividades afetas à ECT.

E não se diga que a ECT só teria autorização legal para realizar tal mister no território nacional em razão do disposto no artigo 2º, inciso I, do Decreto-Lei nº 509/69.

Este dispositivo legal deve ser compreendido nos seus exatos contornos, em conjunto com as outras normas do ordenamento jurídico.

Nada impede que ECT participe de empreendimentos com o fito de prestar serviços postais no exterior.

Pelo contrário. O ordenamento prevê esta possibilidade, não havendo que se falar, portanto, em mácula ao princípio da especialidade. A Lei nº 12.490/11 alterou a redação do artigo 1º do Decreto-Lei nº 509/69, dispondo, em seu parágrafo segundo, que “A ECT tem atuação no território nacional e no exterior”.

Mesmo antes do advento desta inovação legislativa, já se poderia permitir a atuação da ECT no exterior. Com efeito, o parágrafo único do artigo 1º, da Lei nº 6538/78 reza que “o serviço postal e o serviço de telegrama internacionais são regidos também pelas convenções e acordos internacionais ratificados ou aprovados pelo Brasil”.

Neste passo, necessário verificar como as normas de direito internacional cuidam da matéria sob exame.

A Constituição da União Postal Universal dispõe, em seu preâmbulo, que seu fim é desenvolver a comunicação entre os povos, através do funcionamento eficaz dos serviços postais, bem como contribuir para atingir os elevados objetivos de colaboração internacional nos campos cultural, social e econômico.

Os itens 1, 2 e 3 do artigo 1º, da Constituição da União Postal Universal estipulam que “os países que adoptam a presente Constituição formam sob a denominação de União Postal Universal um único território postal para a permuta recíproca dos objectos de correspondência. A liberdade de trânsito é garantida em todo o território da União.”, e que “a União tem como objectivo assegurar a organização e o aperfeiçoamento dos serviços postais e de favorecer, nessa área, o desenvolvimento da colaboração internacional”.

Veja-se, portanto, que a União Postal Universal, na qual o Brasil está inserido, tem como um de seus objetivos principais propiciar a cooperação mútua entre os povos para o aprimoramento na prestação dos serviços postais, serviço de extrema relevância aos cidadãos de todos os países.

Sendo assim, a participação da ECT em atividades postais no exterior é, a princípio, perfeitamente possível, por estar em consonância com a Constituição da União Postal Universal, aderida pelo Brasil, tornando-se, destarte, parte do nosso ordenamento jurídico.

Tanto isso é verdade que outras empresas de correios de países membros da UPU estão realizando atividades semelhantes.

À guisa de ilustração vale mencionar que, nos últimos anos, o Correio alemão – Deutsche Post AG – comunicou publicamente sua estratégia de tornar-se líder no mercado europeu de encomendas. No mesmo sentido, o Correio da Grã-Bretanha, o Correio francês, dentre outros.

Outrossim, o artigo 1º da Lei nº 6538/78, dispõe:

“Art. 1º - Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal e ao serviço de telegrama em todo o território do País, incluídos as águas territoriais e o espaço aéreo, assim como nos lugares em que princípios e convenções internacionais lhes reconheçam extraterritorialidade.

Parágrafo único – O serviço postal e o serviço de telegrama internacionais são regidos também pelas convenções e acordos internacionais ratificados ou aprovados pelo Brasil.”

Da leitura deste comando normativo se depreende que é possível a ECT alcançar direitos e obrigações fora da jurisdição do País.  

Neste passo, conclui-se que a ECT pode participar de empreendimentos no exterior, porquanto o serviço a ser prestado está inserido dentre daqueles elencados pelo ordenamento jurídico pátrio como objetivo da ECT, respeitando-se, pois, o princípio da especialidade.

Não obstante os argumentos expostos acima, quanto à possibilidade da ECT atuar no exterior é possível que alguns entendam que a atividade-fim da ECT seria apenas realizar o serviço postal em território nacional.

Contudo, mesmo que se adote tal posicionamento, a ECT poderia, ainda assim, prestar os serviços em tela em território alienígena. Neste caso, a atividade não estaria enquadrada nas alíneas “a” e “b”, do § 1º, do artigo 2º, da Lei n. 6538/78, porquanto tal desiderato estaria restrito ao território nacional (segundo esta segunda interpretação restritiva, que só é tratada aqui a título de argumentação); mas nada impediria que a realização destas atividades fosse enquadrada na alínea “d” da mencionada norma legal (atividade afim).

Explicando melhor. Se considerarmos que a ECT somente poderia prestar os serviços postais e correlatos em território nacional, a sua prestação no exterior seria considerada atividade afim da empresa, podendo ser realizada, desde que precedida de autorização expressa do Ministério das Comunicações, tal como preconizado pela Lei Postal.

Ou seja, a Lei averbou que a ECT tem por objetivo prestar os serviços nela descritos primordialmente em território nacional. Esta é a sua atividade-fim, porquanto a empresa foi criada para, precipuamente, prestar serviços ao povo brasileiro (isso,repita-se, segundo uma segunda linha interpretativa – mais restritiva - que poderia ser aventada). Destarte, a atuação no estrangeiro não estaria dentre as suas atividades-fim, mas poderia ser perfeitamente enquadrada como atividade afim.[xi]

Ante o exposto, a ECT pode prestar os serviços em análise no exterior, quer considere-se atividade-fim, quer considere-se atividade afim.

Por outro lado, e sem olvidar os ensinamentos de Modesto Carvalhosa no sentido de que a empresa pública não deve agir apenas em busca de lucro, mas sim em busca do interesse coletivo, força reconhecer que a ECT, não obstante suas peculiaridades, é empresa[xii] e, por isso, deve buscar atividades lucrativas, mormente quando estas são diretamente ligadas ao seu mister, qual seja, a prestação de serviços postais.

Vale repetir o magistério de Modesto Carvalhosa segundo o qual “a lucratividade da sociedade de economia mista (leia-se empresa pública) constitui meio necessário para a consecução de seu fim, que é o de prestação de serviço público de interesse primário”.

Afinal, tendo em vista o cenário contemporâneo, onde os Correios do mundo inteiro estão buscando expandir os seus horizontes de atuação, a iniciativa de prestar serviços no exterior se afigura como imperativo para a própria subsistência da ECT, para que esta possa continuar prestando o serviço postal no Brasil com qualidade e eficiência.

Ademais, a experiência adquirida quando do exercício de atividades postais em outro território certamente subsidiará a empresa com novos conhecimentos e know-how, enriquecendo, por corolário, seus conceitos e métodos, o que acarretará, indubitavelmente, em uma melhoria na prestação dos seus serviços em território nacional.

Em outros termos, uma empresa pública não pode almejar lucro sem que este esteja relacionado com a melhoria na execução de suas atividades ou com o seu fim legal. Assim, no caso em tela, é possível e recomendável que a ECT, no esteio das novas tendências mundiais do serviço postal, busque novos mercados com o escopo mediato de melhorar e defender (sob a ótica concorrencial) a prestação dos seus serviços em território nacional.

Ou seja, o implemento de atividades da ECT no exterior permitirá, futuramente, a melhoria dos serviços prestados no Brasil, e, conforme alertava Bilac Pinto em 1941, já se falava, muito antes da determinação do art. 175 e seus incisos I, II, e III, da Constituição Federal atual, da tríplice finalidade da Administração na prestação dos serviços públicos:“a) assegurar serviço adequado; b)fixar tarifas razoáveis, e c) garantir a estabilidade financeira”.[xiii]

Realmente, diante da realidade fática do momento, a ampliação dos horizontes da ECT em busca de novos mercados viabilizará, em território nacional, a obtenção desta tríplice finalidade salientada há décadas pelo gênio de Bilac Pinto.

Com efeito, o direito não pode se alijar dos fatores sociais e do contexto histórico. Por esta razão, o princípio da especialidade não pode ser concebido de forma absoluta, sem se sopesar as necessidades atuais da coletividade, bem como os escassos meios que a Administração detém para tentar satisfazer tais anseios sociais. Não pode o intérprete, sob o pretexto de respeitar-se o princípio da especialidade, cercear ainda mais as já limitadas alternativas da Administração em propiciar o bem comum, em total inobservância à realidade social.

“Já os antigos juristas romanos, longe de se aterem à letra dos textos, porfiavam em lhes adaptar o sentido às necessidades da vida e às exigências da época.

Não pode o Direito isolar-se do ambiente em que vigora, deixar de atender às outras manifestações da vida social e econômica; e esta não há de corresponder imutavelmente às regras formuladas pelos legisladores. Se as normas positivas se não alteram à proporção que envolve a coletividade, consciente ou inconscientemente a magistratura adapta o texto preciso às condições emergentes, imprevistas. A jurisprudência constitui, ela própria, uma fator do processo de desenvolvimento geral; por isso a hermenêutica se não pode furtar à influência do meio no sentido estrito e na acepção lata; atende às conseqüências de determinada exegese: quanto possível a evita, se vai causar dano, econômico ou moral, à comunidade. O intuito de imprimir efetividade jurídica às aspirações, tendências e necessidades da vida de relação constitui um caminho mais seguro para atingir a interpretação correta do que o tradicional apego às palavras, o sistema silogístico de exegese.

Desapareceu nas trevas do passado o método lógico, rígido, imobilizador do Direito: tratava todas as questões como se foram problemas de Geometria. O julgador hodierno preocupa-se com o bem e o mal resultantes do seu veredictum. Se é certo que o juiz deve buscar o verdadeiro sentido e alcance do texto; todavia o alcance e aquele sentido não podem estar em desacordo com o fim colimado pela legislação – o bem social.

“Toda ciência que se limita aos textos de um livro e despreza as realidades é ferida de esterilidade”[xiv]. “Cumpre ao magistrado ter em mira um ideal superior de justiça, condicionado por todos os elementos que informam a vida do homem em comunidade”[xv]. “Não se pode conceber o Direito a não ser no seu momento dinâmico, isto é, como desdobramento constante da vida dos povos”[xvi]. A própria evolução desta ciência realiza-se no sentido de fazer prevalecer o interesse coletivo, embora timbre a magistratura em o conciliar com o do indivíduo. (...) Eis porque os fatores sociais passaram a ter grande valor para a Hermenêutica, e atende o intérprete hodierno, com especial cuidado, às conseqüências prováveis de uma ou outra exegese.”

Ludwig Enneccerus, apoiado em Francesco Ferrara, asseverou[xvii]:

“O Direito constitui apenas um fragmento da nossa cultura geral, que é particular e inseparavelmente ligada às correntes de idéias e necessidades éticas e econômicas. Não basta conhecer os elementos lógicos tradicionais: opte-se, na dúvida, pelo sentido mais consentâneo com as exigências da vida em coletividade e o desenvolvimento cultural de um povo; atenda-se também à praticabilidade do Direito”

Assim, à guisa de conclusão, a incursão da ECT no exterior, em última análise, e em face da realidade contemporânea, tem objetivo amplo e mediato de aprimorar a prestação de serviços postais inclusive em solo pátrio, estando, também por isso, em consonância com o ordenamento jurídico nacional.

Sobre o autor
Marcelo Lopes Santos

Procurador da Fazenda Nacional, lotado na Coordenação Jurídica de Licitações e Contratos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional em Brasília/DF. Especialista em Direito Público. Ex-Procurador Federal, ex-Analista Judiciário do Superior Tribunal de Justiça, ex-Advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marcelo Lopes. Atuação de empresas estatais no exterior: o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3451, 12 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23242. Acesso em: 22 dez. 2024.

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