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Contexto histórico da evolução dos direitos sociais

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Agenda 26/01/2013 às 16:14

O estado a que nós chegamos, de reconhecimento dos direitos sociais, foi fruto de um logo processo de maturação histórica.

1. INTRODUÇÃO

Os Direitos Humanos Fundamentais são essenciais a todos os cidadãos. A consolidação desses direitos como normas obrigatórias é fruto de um longo processo histórico, sendo incontestável a importância que assumiram. Conforme Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “no direito contemporâneo certamente não existe tema mais importante que o dos direitos humanos fundamentais. É ele, incontestavelmente, uma das magnas questões sobre as quais se debruçam a filosofia, a teoria do Estado, o direito internacional e, evidentemente, o direito constitucional[1]”.

Tendo em vista a importância do tema, o trabalho buscou fazer uma análise acerca do surgimento e desenvolvimento desses direitos, em especial os direitos sociais, explicitando os fatores históricos relevantes da passagem do Estado Liberal, cuja preocupação era a garantia das liberdades individuais, para o Estado Social, momento em que o Estado passa a ter uma postura ativa, devendo promover prestações positiva para garantir o bem-estar social. Esse é, pois, o objetivo do presente trabalho.


2. DIREITOS FUNDAMENTAIS: EVOLUÇÃO E CLASSIFICAÇÃO

A consolidação dos direitos humanos fundamentais como normas obrigatórias é fruto de um longo processo histórico. Essa maturação histórica “permite compreender que os direitos fundamentais não sejam sempre os mesmos em todas as épocas, não correspondendo, além disso, invariavelmente, na sua formulação, a imperativos de coerência lógica[2]”. Norberto Bobbio, em célebre obra, ressalta que a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical mudança de perspectiva, característica marcante da formação do Estado moderno:

No plano histórico sustento que a afirmação dos direitos do homem deriva de uma radical mudança de perspectiva, característica da formação do estado moderno, na representação da relação política, ou seja, na relação Estado/cidadão ou soberano/súdito: relação que é encarada, cada vez mais, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos não mais súditos, e não do ponto de vista do direito do soberano, em correspondência com a visão individualista da sociedade (…) no início da idade moderna[3].

Nesse sentido, destaca-se a lição de Paulo Branco:

Os direitos fundamentais assumem posição de definitivo realce na sociedade quando se inverte a tradicional relação entre Estado e indivíduo e se reconhece que o indivíduo tem, primeiro, direitos, e, depois, deveres perante o Estado. E que os direitos que o Estado tem em relação ao indivíduo se ordenam ao objetivo de melhor cuidar das necessidades dos cidadãos[4].

A importância que os direitos fundamentais assumiram é algo incontestável. No brotar do constitucionalismo[5], cujas origens remontam ao século XVII/XVIII, direitos fundamentais (nesse período falava-se em “direitos do homem”[6]) e constituição estavam umbilicalmente ligados. Nasceu, então, a idéia de que o Estado[7] deve servir aos cidadãos, garantindo-lhes direitos básicos, para que se tenha uma vida digna. Esse foi o ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos fundamentais, que ao longo do tempo se tornaram positivados nas constituições nacionais. Nesse ponto, Paulo Branco assevera que:

Essas idéias tiveram decisiva influência sobre a Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776, e sobre a Declaração Francesa, de 1789. Talvez, por isso, com maior frequência, situa-se o ponto fulcral de desenvolvimento dos direitos fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobretudo com o Bill of Rights de Vigínia (1776), quando se dá a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem, até ali mais afeiçoados a reivindicações políticas e filosóficas do que normas política filosóficas, exigíveis judicialmente[8].

Conforme salienta Hartmut Maurer, a Virgina Bill of Rights, votado em 12 de junho de 1776, foi a primeira declaração de direitos fundamentais de enformação moderna. Essa declaração estava diretamente ligada à separação das colônias norte-americanas da metrópole inglesa e à fundação dos Estados Unidos da América (A declaração de independência americana veio em 4 de julho de 1776). Destaca o autor que “o Bill of Rights iniciava com a proposição que todas as pessoas, por natureza, são igualmente livres e independentes e possuem direitos inatos determinados, ou seja, o direito à vida e liberdade, o direito de adquirir e conservar propriedade e a possibilidade de aspirar e obter fortuna e segurança (...)[9]”.

Mais adiante, com a Revolução Francesa[10], foram duras as investidas contra o absolutismo, os privilégios da nobreza e do clero. Assim, sob o lema igualdade, liberdade e fraternidade, foi promovido o conjunto amplo de reformas anti-aristocráticas, que, segundo Luis Roberto Barroso, incluíram: a) abolição do sistema feudal; b) promulgação da Declaração dos Direitos do Homem e Cidadão; c) elaboração de uma nova Constituição, concluída em 1791; d) denominada constituição civil do clero. Essa primeira fase da revolução, que consumou com o antigo regime, foi de 1789 a 1792[11]. Nesse ponto, precisas são as palavras de Hartmut Maurer:

A Revolução Francesa dirigiu-se, pois também, primariamente, contra a ordem feudal estamental com seus privilégios para a nobreza e o clero. Seu objetivo era a produção de uma sociedade burguesa orientada na liberdade e igualdade de todas as pessoas. Sobre essa base pôde e teve de ser eliminada, então também, a ordem de domínio estatal até agora, a monarquia absoluta[12].

A partir dessa Revolução, que, como se vê, promoveu uma eficaz e profunda ruptura com o antigo regime – absolutista -, as declarações de direitos têm sido um traço marcante do constitucionalismo. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho "a opressão absolutista foi a causa próxima do surgimento das Declarações. Destas a primeira foi a do Estado da Virgínia, votada em junho de 1776, que serviu de modelo para as demais na América do Norte embora a mais conhecida e influente seja a dos "Direitos do Homem e do Cidadão", editada em 1789 pela Revolução Francesa[13]”. Com isso, desencadeou-se um processo de reconhecimento das novas exigências econômicas e sociais, que, em pouco tempo, se espalhou por toda a Europa.

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Como é possível entender-se, pelo que se escreveu até então, os direitos fundamentais passaram por inúmeras transformações ao longo da história. Como explica Ingo Wolfgang Sarlet, “costuma-se, nesse contexto marcado pela autêntica mutação histórica experimentada pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações de direitos, havendo, inclusive, quem defenda a existência de uma quarta e até uma quinta e sexta gerações[14]”. O termo “gerações” é severamente criticado pela doutrina, sob o argumento de que a expressão pode ensejar a falsa impressão de uma substituição gradativa de uma geração por outra. Atualmente, ganha cada vez mais força o termo “dimensões”.

Nesse sentido, Ingo Sarlet salienta que “não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância (...)[15]”. Dessa forma, muitos doutrinadores[16] preferem adotar o termo “dimensões” dos direitos fundamentais, mas é importante salientar que essa discussão é única e exclusivamente terminológica. Quanto ao conteúdo desses direitos – sejam eles chamados de “gerações” ou “dimensões” – há um consenso. No presente trabalho, opta-se por adotar o termo “dimensões”.

Quanto ao conteúdo, os direitos fundamentais foram classificados em dimensões, tendo como base a ordem cronológica em que foram reconhecidos constitucionalmente. Tradicionalmente, esses direitos são divididos em três dimensões (já se fala em quarta e quinta dimensão[17]), que significam a conquista da liberdade, igualdade e fraternidade.

Nesse ponto, Alexandre de Moraes[18] destaca voto do Ministro Celso de Mello, quando do julgamento do MS nº 22.164/SP, julgado em 1995: 

(...) enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no progresso de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos dos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade (grifou-se).


3. CONSOLIDAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS: DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL

Superada essa parte inicial, da contextualização da evolução histórica dos direitos fundamentais, passa-se, então, a análise específica dos direitos fundamentais sociais (direitos de segunda dimensão).

Conforme Paulo Branco, antes lembrado, os direitos de segunda dimensão surgiram com as pressões decorrentes da industrialização, crescimento populacional, bem como das disparidades sociais existentes. O descaso  com os problemas sociais geraram reivindicações, forçando o Estado a um papel mais ativo na realização de uma justiça social[19].

Segundo o autor, esse contexto de reivindicação foi essencial para que os direitos sociais pudessem ganhar espaço no rol dos direitos fundamentais. Nesse entendimento, acrescenta: 

O ideal absenteísta do Estado liberal não respondia, satisfatoriamente, as exigências do momento. Uma nova compreensão do relacionamento Estado/sociedade levou os Poderes Públicos a assumir o dever de operar para que a sociedade lograsse superar suas angústias estruturais. Daí o progressivo estabelecimento pelos Estados de seguros sociais variados, importando intervenção intensa na vida econômica e a orientação das ações estatais por objetivos de justiça social[20].

O surgimento do Estado Social[21], em contraposição ao então vigente Estado liberal, que tinha como principal preocupação a garantia das liberdades individuais, deu novo sentido/feição às Constituições, implicando na inserção de uma nova espécie de direitos dentre as normas constitucionais. A partir desse momento, as normas deixaram de ter um caráter meramente protetivo do indivíduo contra as ingerências estatais em sua esfera jurídica, para adquirir uma natureza exigente de condutas do Estado. Este deixa, assim, de ter um papel meramente passivo, do lassez faire[22], para assumir uma postura ativa, sendo-lhe atribuídas novas funções.

Nesse contexto, as Constituições passaram a abordar não apenas os direitos individuais, que buscavam minimizar a atuação estatal na esfera particular dos indivíduos, mas também os direitos sociais, que se constituíam, predominantemente, em garantias que exigiam condutas estatais positivas. No âmbito do Estado Social, as normas constitucionais passaram a traduzir programas de ação para os Estados, buscando assim o bem-estar social e dando uma feição dirigente às Constituições, no sentido de orientar a atividade estatal.

Ingo Wolfgang Sarlet explica que:

Estes direitos fundamentais, que embrionária e isoladamente já haviam sido contemplados nas Constituições Francesas de 1793 e 1848, na Constituição Brasileira de 1824 e na Constituição Alemã de 1849 (que não chegou a entrar efetivamente em vigor, caracterizam-se, ainda hoje, por outorgarem aos indivíduos direitos a prestações sociais estatais, como assistência social, saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, utilizando-se a formulação preferida na doutrina francesa. É, contudo, no século XX, de modo especial nas Constituições do segundo pós-guerra, que estes novos direitos fundamentais acabaram sendo consagrados em um número significativo de Constituições, além de serem objetos de diversos pactos internacionais[23].

Em outras palavras, nesta segunda dimensão dos direitos fundamentais, diferentemente da concepção liberal, de cunho individualista, o Estado passa a intervir na sociedade, no intuito de criar as condições materiais que foram suprimidas pelo formalismo estrito da liberdade.  José Afonso da Silva conceitua esses direitos da seguinte forma: “são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade[24]

Com essa nova perspectiva, as primeiras declarações solenes foram: Constituição Mexicana (1917), a de Weimar (1919), e a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918). Surge, então, o que se chama de Constitucionalismo Social, ou seja, o Estado passa a interferir diretamente na ordem econômica e social, a fim de solucionar, através de prestações positivas, os problemas do homem moderno.

A Constituição de Weimar, de 11 de agosto de 1919, bem como a Constituição Mexicana, de 05 de fevereiro de 1917, representam um importante marco na consolidação dos direitos sociais, rompendo, dessa forma, com a tradição liberal burguesa até então vigente. Robert Alexy, fazendo referência à Carta alemã destaca:

“com isso, é abandonada a tradição liberal burguesa, segundo a qual direitos fundamentais, só ou, pelo menos, em primeiro lugar, são direitos de defesa do cidadão contra o estado. Para o asseguramento da liberdade individual associam-se a participação política e social e o asseguramento social. O sistema dos direitos fundamentais é ampliado em um sistema amplo de uma ordem social justa[25]”.

Assim, inicia-se a concretização do Welfare State (Estado do Bem-Estar Social. Também chamado de Estado Providência). Isso significou, se reitera, o compromisso com o social.

No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a inscrever um título sobre a ordem econômica e social, sob forte influência da Constituição de Weimar. No seu preâmbulo fazia a seguinte referência: “Nós, os representantes do povo brasileiro, pondo a nossa confiança em Deus, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para organizar um regime democrático, que assegure à Nação a unidade, a liberdade, a justiça e o bem-estar social e econômico, decretamos e promulgamos a seguinte”(grifou-se).

Desde então, todas as constituições brasileiras trataram dos direitos sociais. Nesse ponto, Denise Souza Costa destaca a importância da carta de 1934 para os direitos sociais:

A Carta Constitucional de 1934, por sua vez, influenciada pela Carta Constitucional de Weimar, inaugura, com a nova Declaração de Direitos, o Estado social brasileiro com a inserção de títulos relativos à ordem econômica e social, à família, à educação e à cultura, enfim, à positivação de direitos sociais[26].

Com a Constituição de 1988, a chamada “Constituição Cidadã”, os direitos sociais[27] ganham uma atenção especial. O constituinte resolveu, por bem, dedicar um capítulo próprio para esses direitos de segunda dimensão, é o capítulo II do título II, estabelecendo, no artigo 6º, que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.

José Afonso da Silva, por seu turno, agrupa os direitos sociais elencados na Constituição de 1988 da seguinte forma: “a) direitos sociais relativos ao trabalhador; b) direitos sociais relativos à seguridade, compreendendo os direitos à saúde, à previdência e assistência social; c) direitos sociais relativos à educação[28] e à cultura; d) direito social relativo à família, criança, adolescente e idoso; e) direitos sociais relativos ao meio ambiente[29]”.

Essa é uma classificação didática, que mostra o caráter dirigente de nossa Constituição, orientando a atuação estatal. A implementação desses direitos sociais, acima elencados, torna-se imprescindível para a promoção do bem-estar social e da melhoria da qualidade de vida de todos.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente texto não pretendeu ser uma análise totalmente exaustiva do tema. O trabalho buscou analisar o processo de consolidação dos direitos fundamentais, em especial os sociais, sendo abordados os fatores históricos relevantes da passagem do Estado Liberal para o Estado Social. Também foi destacado o processo de positivação desses direitos nas constituições nacionais, bem como a importância que assumiram no cenário contemporâneo.

Superada essa parte inicial, buscou-se demonstrar o estado a que nós chegamos, de reconhecimento dos direitos sociais, que foi fruto de um logo processo de maturação histórica. No Brasil, esse reconhecimento não é recente, mas foi a partir da Constituição Federal de 1988 que se observou um considerável avanço nesse campo, conforme acima destacado. Destaca-se, novamente, que os direitos sociais elencados na Constituição são prestações materiais (orientam a atuação estatal) que devem ser patrocinadas pelo Estado, não podendo se furtar de tal dever.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

Sobre o autor
Pablo Augusto Lima Mourão

Estudante do Curso de Direito da Universidade Federal de Santa Maria/RS (UFSM)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURÃO, Pablo Augusto Lima. Contexto histórico da evolução dos direitos sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3496, 26 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23540. Acesso em: 22 dez. 2024.

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