Resumo: A extrafiscalidade se traduz como a prerrogativa do Estado de se valer de normas tributárias com o intuito de estimular ou desestimular comportamentos. O presente estudo tem por escopo a análise de tal instituto, especialmente à luz do papel do Estado Hodierno e do Sistema Constitucional Brasileiro. Objetiva-se, outrossim, tecer elucubrações acerca das normas tributárias indutoras e seu mecanismo de atuação na ordem econômica. No desenvolvimento do artigo são expostas as premissas relativas à extrafiscalidade, notoriamente em relação à principiologia da Constituição Econômica, destacando-se a relevância das normas tributárias indutoras na implementação de cada um dos seus princípios. Neste mister, o trabalho utiliza doutrina e jurisprudência atuais concernentes ao assunto. Conclui-se que as normas indutoras são ferramentas úteis para a implementação dos objetivos da República Federativa do Brasil e dos princípios resguardados pela ordem econômica.
Palavras-chave: Extrafiscalidade. Estado Hodierno. Normas tributárias indutoras. Princípios. Ordem Econômica.
1 INTRÓITO
A extrafiscalidade se traduz como a prerrogativa do Estado de se valer de normas tributárias com o fito de estimular ou desestimular comportamentos, mediante o fenômeno conhecido como indução. Nesse sentido são os ensinamentos de diversos doutrinadores, que ora lhe impingem conceitos mais amplos ora mais restritos. Para Ruy Barbosa Nogueira (1986, p. 197), a extrafiscalidade corresponde à intervenção no estado mediante tributos, a estimular ou a desestimular condutas. Casalta Nabais (1998, p. 629), por seu turno, entende a extrafiscalidade como normas tributárias que têm o "intuito de actuar directamente sobre os comportamentos económicos e sociais de seus destinatários".
Desta feita, o presente trabalho objetiva elucidar o tema em vergaste, esclarecendo em que consiste a extrafiscalidade, notoriamente à luz da análise do papel do Estado Hodierno, ponderando o que se espera do Poder Público brasileiro, quando se fala em Neoliberalismo e Estado Mínimo ao mesmo tempo em que a Carta Magna prevê dentre os objetivos da República Federativa do Brasil a garantia da justiça social e a formação de uma sociedade livre, justa e solidária, onde seja erradicada a pobreza e a marginalização e reduzidas as desigualdades sociais e regionais.
O estudo sob enfoque não pretende exaurir a temática alusiva à “Extrafiscalidade”, restringindo-se à análise de alguns pontos primordiais da temática, notoriamente a compreensão das normas tributárias indutoras e seu mecanismo de indução do comportamento dos indivíduos e o modo como exercem a intervenção sobre o domínio econômico.
Intenta-se ainda por meio deste trabalho, expor o campo constitucional que dominará a hermenêutica das normas tributárias extrafiscais. Com efeito, almeja-se perfilhar a extrafiscalidade à luz do Sistema Constitucional Brasileiro. Importa frisar, todavia, a clara opção pela predominância da Constituição Econômica na principiologia orientadora dessa espécie normativa, uma vez que a extrafiscalidade é um modo de intervenção por indução no domínio econômico. Nesse diapasão, tecer-se-á elucubrações acerca dos princípios constantes do Título VII da Constituição Federal que orientam a criação e a compatibilidade constitucional das normas tributárias indutoras. Denota-se, entrementes, a necessidade de adequação das normas tributárias indutoras aos demais princípios regentes da Lex Legum, dando-se destaque aqueles que compõem a ordem tributária.
Nesse diapasão, no deslinde deste artigo serão feitas considerações acerca da extrafiscalidade, a fim de despertar o interesse na matéria e, nesse ínterim, expor os pensamentos doutrinários e jurisprudenciais relacionados ao tema. Do mesmo modo, o estudo buscará expor a relação da extrafiscalidade com os diversos princípios da ordem econômica e os entendimentos adotados sobre a temática.
2 VALORES FINALÍSTICOS DA LEI TRIBUTÁRIA: FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE
O tributo pode ser utilizado para diversas finalidades a depender do desiderato do legislador ao instituí-lo. De fato, impõe ao legislador delinear os valores finalísticos ao imprimir a lei tributária de forma a manipular as categorias jurídicas postas à sua disposição. A forma como utilizado o tributo é que define qual, dentre as funções, é a predominante no instrumento jurídico-tributário utilizado. Isto porque, de acordo com o propósito para o qual for instituído o tributo, pode ele apresentar gravame predominantemente fiscal ou extrafiscal.
A fiscalidade traduz o escopo do tributo de abastecimento dos cofres públicos, sem que os outros fatores econômicos, políticos e sociais atuem de modo preponderante. Assim, a função primordial nesse caso é a arrecadação de receitas. Paulo de Barros Carvalho (2005, p. 234) esclarece o que seja a fiscalidade, in fine:
Fala-se, assim, em fiscalidade sempre que a organização jurídica do tributo denuncie que os objetivos que presidiram sua instituição, ou que governam certos aspectos da sua estrutura, estejam voltados ao fim exclusivo de abastecer os cofres públicos, sem que outros interesses sociais, políticos ou econômicos – interfiram no direcionamento da atividade impositiva.
A realidade jurídica mostra, todavia, que a instituição dos tributos diversas vezes atua como modo de conformação do comportamento dos indivíduos, visando a provocar mudanças de ordem política, social e econômica. Dessa forma, há extrafiscalidade quando o tributo é utilizado para fins díspares que a mera arrecadação, mas guiados por fatores preponderantes de ordem social, econômica e política. Através da função extrafiscal a tributação age como um mecanismo de reforma social, atuando como meio de solução dos inúmeros problemas que assolam o país, com o intuito de provocar, outrossim, uma melhor distribuição de renda. O mesmo posicionamento é consagrado no magistério de Geraldo Ataliba (1990, p. 233), que ensina: “Consiste a extrafiscalidade no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadatórias, mas estimulantes, indutoras ou coibidoras de comportamentos, tendo em vista outros fins, a realização de outros valores constitucionalmente consagrados.”
Consoante leciona Cláudia de Rezende Machado de Araújo (1996, p. 331) “os impostos não estão sempre relacionados à despesa estatal: ao contrário, muitas vezes têm como finalidade impor ou coibir comportamentos aos particulares. Neste último caso, ocorre o fenômeno chamado de extrafiscalidade”.
Impende ressaltar que, na realidade, não se pode falar em tributo com função exclusivamente fiscal ou extrafiscal. O que se observa é que há uma concorrência entre ambas as funções, que sempre atuam de forma conjunta. Entretanto, em certos tributos predomina uma dessas funções, o que ressalta sua finalidade precípua.
José Casalta Nabais (1998, p. 234) discorre sobre o tema aludindo que a função econômica e a função fiscal dos impostos, em rigor, não se apresentam contrapostas, mas sim numa relação de recíproca dependência. Ressalta que o mero florescimento da economia preenche o pressuposto para o Estado obter as receitas fiscais necessárias ao financiamento das suas tarefas. Daí que esta “economização” da tributação esteja a serviço da própria obtenção de receitas e a função econômica da tributação prima facie extrafiscal apresente, outrossim, caráter fiscal.
3 O PAPEL DO ESTADO HODIERNO
Para entendermos a definição do papel do Estado na atualidade, faz-se mister uma análise do modelo liberal, bem como do sistema intervencionista, para conhecer seus males e os propósitos do Estado hodierno.
O período do liberalismo é aquele no qual a atividade econômica se desenvolve autonomamente, sem interferência dos poderes públicos. O Estado limita-se a definir o quadro jurídico que a atividade econômica deve respeitar. Nesse momento, almeja-se, por meio da tributação, primordialmente, arrecadar recursos para o custeio da estrutura básica estatal necessária à manutenção da ordem pública e das liberdades individuais. Como a missão do Estado é mais simples e menos dispendiosa, não se faz necessária grande arrecadação de tributos. Estes, por sua vez, quando são exigidos, não o são com finalidades funcionais; vale dizer, não se almeja qualquer propósito que não o fiscal, pois que não se pretende qualquer alteração do status econômico ou social vigente. Nesse sentido, anota Antônio José da Costa (1985, p. 172):
Não obstante essa afirmativa, outrora o comportamento ideal preconizado para o Estado era a ingerência mínima, limitando a arrecadar os recursos necessários ao Tesouro, sem intervenção na estrutura econômica. Neste caso, a moeda deveria ser neutra, o orçamento público equilibrado e às finanças era reservada a função meramente arrecadatória dos meios financeiros. É o que consta dos tratados do século XIX e meados do XX. Era a consagração das finanças públicas neutras, minimizadoras da influência da ação estatal na economia. Esse conceito, caracterizado durante longo tempo como uma atuação imobilista, com a evolução do pensamento transformou-se, obviamente. (Grifos acrescidos)
Com efeito, o Estado Liberal não intervém na vida econômica, utilizando os tributos com a função apenas de conservar a máquina estatal com o intuito de manter a ordem pública e as liberdades individuais. Apesar da existência do fenômeno extrafiscal nesse momento, percebe-se que não havia espaço para a atuação extrafiscal do Estado. De fato, a extrafiscalidade somente se converteu num fator de maior relevância durante o Estado Intervencionista, no qual o tributo passou a ter outras finalidades que não a de meramente suprir as necessidades financeiras do Poder Público.
A falta de uma atuação mais profunda por parte do Estado deu origem a inúmeros problemas sociais, gerando ainda grande desigualdade econômica, surgindo, desse modo, o Estado Intervencionista para findar os males causados à sociedade pela política liberal não intervencionista e encarar a nova realidade que exsurgia como consequência da má administração ou mesmo da falta de administração do Estado.
O Estado Intervencionista, ao contrário do Liberal, tem uma atuação mais direta, tomando medidas de natureza econômica tendo em vista os objetivos políticos, econômicos e sociais que pretende ver alcançados. Comprometido com a justiça social, o Estado Intervencionista tem sua atuação bastante alargada, interferindo em todos os campos sociais.
Esse modelo é identificado historicamente como o Estado do Bem-Estar Social ou Welfare State. Nesse período, a tributação, além de mais excessiva, apresentava a finalidade fiscal, arrecadatória de recursos para a cobertura dos gastos públicos cada vez mais crescentes; e contornos extrafiscais, consistentes no direcionamento da atividade econômica da iniciativa privada. Esclareça-se, no Estado Social, tanto a fiscalidade aumenta seu âmbito de atuação, como a extrafiscalidade adquire destaque. As finanças estatais, então, deixam de ser neutras, desprovidas de finalidades extrafiscais, para se tornar finanças funcionais, isto é, relacionadas à atuação político-econômica e social do tributo .
Impende ressaltar, no entanto, que o Estado Intervencionista, por ter atuação mais abrangente, é mais oneroso, o que facilita a corrupção e lhe retira a eficiência imprescindível para o cumprimento do seu papel. Nesse contexto, observa-se que esse modelo estatal não se mostra consentâneo com a atualidade, buscando-se, conforme assevera Cláudia de Rezende Machado de Araújo (1996, p. 330), “um terceiro modelo de Estado mais eficiente que os outros dois já conhecidos.” Consoante leciona a mencionada autora, este novo Estado não poderia perder seu compromisso com a justiça social, mas ao mesmo tempo deveria ser menos oneroso e mais eficiente, garantindo as liberdades individuais.
Fala-se na existência de um Estado Mínimo, o qual transfere parte de suas competências à iniciativa privada, minorando seu papel e, dessarte, intervindo menos na economia, apesar de ao mesmo tempo dever garantir a justiça social e as liberdades individuais. Alguns autores mencionam a existência de um Estado Subsidiário.
Almeja-se um Estado que não intervenha de forma profunda na economia e, por outro lado, que garanta a justiça social e as liberdades públicas. Nesse contexto, a extrafiscalidade ganha inusitados contornos, traduzindo-se em um importante mecanismo para a atuação do Estado na luta contra a desigualdade social.
No caso do Brasil, o que se observa é que os meios de prestação direta dos direitos sociais pelo Estado devem ser complementados por outros modos de intervenção estatal indireta na garantia de direitos sociais. Dentre essas maneiras de atuação indireta está a tributação extrafiscal.
Diante da análise de nossa Lei Maior, percebe-se que dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil estão os “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. Ademais, constitui objetivo fundamental construir uma “sociedade livre, justa e solidária” e “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Ora, depreende-se desses dispositivos que o Estado Hodierno deve ter sua atividade complementada pela da sociedade civil, suprindo esta as falhas daquele. Nesse novo modelo de Estado, este deve continuar muito influente na sociedade e no mercado, porém, de modo mais indireto do que direto, de forma mais supervisora e normativa do que provedora e interventiva. Aí que está a primordial importância da extrafiscalidade no Estado hodierno, a concepção de um Estado Participativo permitindo a utilização da tributação para uma finalidade que foi pouco utilizada na História: a efetivação de direitos fundamentais, por meio da indução dos agentes privados.
Hoje, um novo horizonte se abre, permitindo que a tributação, para além dessa função fiscal, permita ainda influir no comportamento dos agentes privados e induzi-los a realizar práticas plenamente preenchidas de responsabilidade social.
Nessa nova perspectiva, o Estado Brasileiro tem forte atuação extrafiscal, de modo que passa a induzir comportamentos, sinalizando contrariamente ao ato socialmente indesejado, mediante a tributação proibitiva, e positivamente ao ato socialmente desejável, através da tributação promocional. Nesse pórtico, o indivíduo tem a liberdade de se conformar ao intuito estatal, acolhendo o que lhe aponta o Estado ou, de modo diverso, suportar uma carga tributária majorada. Este é o entendimento consagrado por Lise Vieira da Costa Tupiassu (2006, p. 122), a qual assere: "a extrafiscalidade é uma forma de tributação que permite a valorização da liberdade do contribuinte, que deve optar por um agravamento da carga tributária, ou alteração da conduta socialmente indesejada”.
Destarte, tem-se que o Estado Brasileiro não pode estar alheio à vida econômica e política, devendo atuar de modo a promover a justiça social, ressaltando a importância da extrafiscalidade como instrumento capaz de estabelecer um equilíbrio entre os ideais estatais e a diminuição de seu papel na sociedade atual.
4 O “PODER DE TRIBUTAR” E O “PODER DE POLÍCIA”: A TRIBUTAÇÃO E O FATOR POLÍTICO
A tributação é exercida tendo em mira o fator político. Traduz-se, desse modo, em opção política do Estado o modo de impor seu poder de tributar. Assim elucida Aliomar Balleiro (1973, p. 189): “Por outro lado, o exercício do poder de tributar é fenômeno de caráter iniludivelmente político, como todos que se acham vinculados à natureza e às atribuições do Estado. A escolha dos instrumentos de imposição, na prática, tem obedecido menos a inspirações econômicas do que a considerações políticas”. Esse mesmo entendimento é compartilhado por Alfredo Augusto Becker (1998, p. 596):
(...) como todo o Direito Positivo, o Direito Tributário tem natureza instrumental e seu “objetivo próprio” (razão de existir) é ser um instrumento a serviço de uma Política.. Esta (a Política) é que tem os seus próprios e específicos objetivos econômico-sociais. Por isso, cumpre lembrar que a tributação extrafiscal serve tanto para a reforma social, como para impedi-la. (Grifos do autor)
Os constitucionalistas norte-americanos, seguindo o entendimento sedimentado jurisprudencialmente pelos seus Tribunais, estabeleceram uma distinção entre os tributos cobrados com fundamento no “poder de tributar” e os exigidos sob o amparo do “poder de polícia”, ambos inerentes e inseparáveis do Estado. Esta diferença diz respeito ao aspecto fiscal e extrafiscal dos tributos, respectivamente.
Isto porque a tributação embasada no “poder de polícia” teria por fim impedir e até mesmo punir determinados comportamentos. Não se fala, nessa hipótese, em tributo com função meramente arrecadatória ou fiscal, decorrente do “poder de tributar”, mas tão-somente em função extrafiscal.
A separação dessas categorias supracitadas permite que, em se falando em tributo cujo fim almejado seja o poder de polícia e este se encontra dentro da competência da pessoa de direito público que o exige, ele é tolerado no interesse da proteção à vida, à segurança, à liberdade, à saúde, à higiene, ao bem-estar, à moralidade dos cidadãos, enfim, na proteção de outras cláusulas constitucionais.
A tributação fundada em critérios político-econômicos baseia-se nos efeitos da tributação sobre a repartição de encargos públicos e sobre a redistribuição da renda nacional.
Alguns doutrinadores entendem ser incompatíveis determinados princípios tributários com a tributação extrafiscal. O aspecto supracitado traz à baila a questão da tributação exacerbada por razões extrafiscais, que poderia violar, entre outros, o princípio da capacidade contributiva. Entrementes, a tributação excessiva faz-se muitas vezes necessária com vistas a atingir determinados fins diferentes da simples arrecadação de verbas, objetivando incentivar e desestimular determinados comportamentos dos contribuintes.
Assim, tem-se que a política fiscal é uma opção política do Estado, mediante a qual determinados comportamentos são incentivados pela concessão de isenções, pela previsão constitucional de imunidades, enquanto outros são coibidos através de uma alta carga tributária. Muda-se tal política tendo em vista os interesses políticos a se resguardarem, dentre os quais, a distribuição de renda, a justiça social, a redução das desigualdades, a distribuição de terras, dentre outros.
5 A EXTRAFISCALIDADE E AS NORMAS TRIBUTÁRIAS INDUTORAS
A função extrafiscal, consoante exposto ao longo deste estudo, coexiste com a função fiscal da norma tributária, prevalecendo uma ou outra função de acordo com a opção política adotada por aquele que detém o Poder Soberano. Sendo assim, as finanças deixam de ser puramente neutras, passando a ser funcionais, na qual a política fiscal é orientada de modo a influir na esfera econômica.
Destarte, a tributação é utilizada com o fito de estimular ou desestimular comportamentos, interferindo na conjuntura econômica. Hodiernamente, existem inúmeras condutas que atentam contra existência do bem comum ou causam perturbações de ordem econômica e social. Para coibir tais práticas o Estado pode preferir não estabelecer de pronto uma regra jurídica que taxe tal comportamento como ilícito, mas, ao contrário, instituir um tributo com funções extrafiscais, o que se transforma em um ótimo instrumento para a consecução desses objetivos.
Com efeito, para impedir ou desestimular comportamentos, o Estado tem dois caminhos a escolher que, de acordo com Alfredo Augusto Becker (1998, p. 592) seriam: através de uma norma jurídica que declare o fato social como ilícito; ou mediante um tributo extrafiscal “proibitivo”. É nessa última situação que entra a noção de norma tributária indutora.
As normas tributárias indutoras são normas indutoras de comportamentos e que pretendem exercer intervenção sobre o domínio econômico, as quais se alocam exatamente na indutividade de comportamentos, ou seja, é o modo do Estado intervir sobre o domínio econômico por indução. Luís Eduardo Schoueri (2005, p. 40) tece considerações acerca desta espécie normativa aduzindo que se caracteriza como um aspecto das normas tributárias identificado a partir de uma de suas funções, qual seja, a indutora. Ressalta ainda o mencionado autor que (2005, p. 34), in verbis:
A expressão “normas tributárias indutoras”, por outro lado, tem o firme propósito de não deixar escapar a evidência de, conquanto se tratando de instrumentos a serviço do Estado na intervenção por indução, não perderam tais normas a característica de serem elas, ao mesmo tempo, relativas a tributos e portanto sujeitas a princípios e regras próprias do campo tributário.
Oportuno mencionar que a intervenção do Estado sobre o domínio econômico pode se dar de duas formas: por indução ou por direção. A intervenção sobre o domínio econômico por direção é realizada através de normas imperativas, cogentes, normas que tornam a realização de uma conduta obrigatória ou proibida. Dessarte, o agente deve a ela obedecer, sob pena de sofrer as sanções previstas na legislação. Tratam-se de verdadeiras imposições estatais.
A intervenção por meio da indução, por seu turno, ocorre com a utilização de normas dispositivas, ou seja, que admitem a possibilidade de escolha por parte do agente quanto ao seu cumprimento ou não. Desse modo, cabe aos agentes econômicos se abster da recomendação normativa, sem que haja uma sanção. Elas atuam através de estímulos e desestímulos à prática de determinadas condutas. Observa-se, assim, que as normas indutoras e diretoras distinguem-se pela intensidade de afetação da liberdade dos agentes econômicos.
A intervenção por indução é justamente aquela na qual se observa a extrafiscalidade. Este instituto jurídico constitui-se na utilização do tributo como instrumento de atuação do Estado na economia, incentivando ou desestimulando determinada atividade econômica ou determinada conduta.
Os incentivos podem ser realizados através da diminuição ou supressão da carga tributária, quando o Estado reconhece o esforço do cidadão em amoldar sua conduta aos ideais estatais mediante a instituição de incentivos fiscais. Os desestímulos, por sua vez, se dão mediante um tributo extrafiscal proibitivo, quando o Poder Público utiliza uma regra jurídica para impedir ou desestimular indiretamente um ato ou fato que é permitido pela ordem jurídica.
Inobstante não ser objetivo desse estudo expender maiores considerações acerca da temática, impende trazer à colação o que lecionam André Elali, Ives Gandra da Silva Martins e Marcelo Magalhães Peixoto (2006, p. 46) acerca dos elementos relacionados à figura dos incentivos fiscais, ipsis literis:
i) as subvenções, que constituem um benefício de natureza financeira; ii) os créditos presumidos, que têm natureza complexa, ora apresentando-se como subsídio, ora como subvenção, ora como mera redução da base de cálculo dos tributos; iii) os subsídios, que podem ser estímulos de natureza fiscal ou comercial, para promover determinadas atividades econômicas por períodos transitórios; iv) as isenções tributárias, que evitam o nascimento, por lei, da própria obrigação tributária; e v) o diferimento, que representa uma isenção condicionada, na linguagem usada, dentre outros, por Roque Antonio Carrazza.
O que há de ser reafirmado é que todas as figuras, não obstante possíveis diferenças em seus regimes jurídicos, são instrumentos hábeis para a intervenção estatal sobre o domínio econômico, incentivando determinados comportamentos por parte dos agentes econômicos, vinculadas, é óbvio, aos interesses públicos.
Diante do exposto, tem-se que a norma tributária indutora atua justamente como instrumento de intervenção por indução, através do manejo de incentivos fiscais e agravamentos, haja vista a impossibilidade da atribuição do caráter diretivo às normas tributárias.
Nesse ponto, depreende-se que a espécie tributária indutora pode atuar por meio de agravamento ou por beneficiamento. O agravamento ocorre quando a norma torna mais gravosa a conduta indesejada, implicando, assim, em aumento da carga tributária. Então, o contribuinte fica propenso a adotar conduta diversa à indesejada, sob pena de pagar maior tributo se agir de modo contrário ao intento da norma.
O beneficiamento ocorre quando a norma tributária incentiva os contribuintes a adotar determinado comportamento desejado pelo legislador. Nesse contexto, a isenção tributária é um modo de beneficiamento, que se dá com a dispensa de pagamento do tributo ou de incidência negativa, premiando o contribuinte que tem sua conduta conforme os intentos do legislador, colocando-o em situação mais benéfica que aquela em que estaria na falta de incidência da norma isencional, o que se dá especialmente através dos incentivos fiscais.
Por derradeiro, cumpre ressaltar que Luis Eduardo Schoueri (2005, p. 32) enfatiza que a expressão “extrafiscalidade” refere-se tanto a um gênero quanto a uma espécie. A espécie seria o caso de atuação por indução sobre a economia, alhures mencionado. O gênero, por ser mais abrangente, engloba além das normas extrafiscais em sentido restrito, aquelas que não possuem razões fiscais, relacionadas à política social.
Diante do exposto, percebe-se a importância das normas tributárias indutoras como instrumentos de conformação da atuação dos indivíduos e o modo como se dá a atuação dessa espécie normativa, notoriamente através de beneficiamentos e agravamentos. Frise-se ainda a existência de normas tributárias que visam interferir na ordem social e no domínio econômico, sendo estas últimas as normas tributárias indutoras em sentido estrito.