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O bootleg e os direitos autorais no Brasil

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Agenda 08/02/2013 às 08:10

Bootlegging é o ato de realizar gravações não autorizadas de áudio ou vídeo do trabalho de um artista ou banda musical, podendo ser realizadas diretamente de um concerto ou de uma transmissão via rádio ou televisão. Defendemos que não há nenhuma ilicitude na prática.

Resumo: Este trabalho tem como objetivo geral um estudo acerca da prática chamada  bootlegging. São objetivos específicos: pesquisar sobre o histórico do bootleg; estudar o Código Penal, salientando ao que trata sobre os direitos autorais, e estudar o Código Civil, salientando ao que se trata sobre direitos intelectuais e contratos atípicos. Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica, adotando o método indutivo, partindo-se da leitura do conteúdo jurídico acerca do tema sobre os direitos intelectuais, bem como sobre comentários doutrinários e jurisprudências acerca da legislação Penal e Cível sobre os direitos autorais, para que no final se chegasse a uma resposta sobre o tema. Conclui-se através de tal pesquisa, que esta prática não fere os direitos autorais, bem como os intelectuais, por não haver nenhuma ilicitude na prática em questão. Desta forma, chega-se a uma resposta significativa sobre este tema que, apesar de tão utilizado e difundido, ainda não há um estudo apropriado deste.

Palavras- chave: Bootleg, Direitos Autorais, Direitos intelectuais.

Sumário: INTRODUÇÃO; 1 HISTÓRICO DO BOOTLEG; 2 O BOOTLEG NA ESFERA PENAL; 3 O BOOTLEG NA ESFERÁ CÍVEL; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Bootlegging é o ato de realizar gravações não autorizadas de áudio ou vídeo do trabalho de um artista ou banda musical, podendo ser realizadas diretamente de um concerto ou de uma transmissão via rádio/televisão. Estes últimos podem incluir entrevistas e materiais inéditos, que foram descartados por serem considerados inadequados para um produto comercial, bem como passagens de som e ensaios.

O bootleg também pode ser produzido pelo próprio artista, onde este produz de forma independente um trabalho, sem a colaboração de nenhuma gravadora, mesmo possuindo um contrato com esta.

Desta forma, o problema gerado é saber se quando da compra de um ingresso para um espetáculo, e consequentemente a sua gravação e distribuição, tanto gratuita quanto onerosa, há criminalização na prática do bootlegging.

Pretende-se, através do estudo realizado elencar os principais pontos tangentes entre no que se refere a criminalização ou não deste instituto, bem como o objetivo geral deste trabalho é demonstrar através da legislação em vigor, doutrina e jurisprudência que não há crime na prática do bootlegging, quando da compra de um ingresso para um espetáculo, e conseqüentemente a sua gravação e distribuição, tanto gratuita quanto onerosa.

E os objetivos específicos são estudar o histórico do Bootleg, estudar o Código Penal, salientando ao que trata sobre os direitos autorais e um estudo ao Código Civil, salientando ao que se trata sobre direitos intelectuais e contratos atípicos.

Para tanto, o método de pesquisa adotado foi o indutivo, realizando procedimento bibliográfico para a coleta de informações, utilizando fontes de pesquisas secundárias, como livros e artigos científicos disponíveis na internet que serviram de referencia para a conclusão deste trabalho.


1 HISTÓRICO DO BOOTLEG

Inicialmente, há de se frisar o surgimento do termo objetivo deste estudo. O nome Bootleg surgiu como inspiração da obra literária As Viagens de Gulliver, escrita no ano de 1726 pelo autor inglês Jonathan Swift[1], onde no mundo criado pelo autor, chamado de Smuggling, existiam os Smugglers, que se tratam de contrabandistas, que escondiam as suas mercadorias em botas, as boots, na tradução livre para o inglês. Com o advento das gravações de shows, apresentações televisionadas e a disponibilização de materiais inéditos para o público, surgiu a necessidade de nomear tal ato, sendo que este foi criado através da leitura desta obra.

Com a junção de duas palavras da língua inglesa, boot, que quer dizer bota, e dentro da obra literária citada, tal palavra tem a pejoração de definir material clandestino, e leg, que significa a parte inferior da calça, onde estas ficavam dentro das botas, para melhor prendê-las. Juntando-se as duas palavras, temos a formação de uma única apenas, ou seja, bootleg.

Dentro deste estudo, haverá dois termos para a palavra, o bootleg e o bootlegging. Vê-se que na segunda, há a acrescentarão do ing, que nada mais é que o gerúndio da língua inglesa, significando uma ação em andamento, e a dobra da letra G. A partir desta breve explanação, temos que o bootlegging é o ato de produzir o material, e o bootleg é o material já finalizado.

Sua prática iniciou-se no final da década de 1870, porém não tendo grande relevância, até pela precariedade dos equipamentos e sua tecnologia à época, ficando apenas condicionada a testes de gravações e materiais que eram descartados pela má qualidade.

Sua grande ascensão e popularização se deram na década de 1960, não se podendo apontar com exatidão qual foi o primeiro bootleg produzido, mas existem dois que foram os precursores, ambos do ano de 1969: o Kum Back, da banda inglesa The Beatles, que são diversas versões de mixagens gravadas e posteriormente não utilizadas para o famoso álbum Lei It Be; e o The Great White Wonder, do artista americano Bob Dylan, que foi uma gravação realizada entre ele e os músicos da banda The Band, que por motivos comerciais, nunca foi laçado pela gravadora destes artistas.

Na década seguinte, a prática do bootlegging se tornou muito famosa, sendo comum vários materiais não-oficiais, incluindo-se gravações de shows ao vivo, apresentações em televisão, de artistas famosos da época, principalmente do Rock n’ Roll e suas várias vertentes, como Rolling Stones (Inglaterra), Deep Purple (Inglaterra), Led Zeppelin (Inglaterra), Scorpions (Alemanha), Pink Floyd (Inglaterra), Ramones (Estados Unidos) entre muitos outros, sendo que um marco importante desta época foi o surgimento de duas gravadoras bootleg, a Swiging Pig e Yellow Dog, ambas no Reino Unido.

Nesta época, a gravação era realizada com gravadores de fita magnética, geralmente em meio ao público, e por este motivo, tinham uma péssima qualidade sonora. Raros são os que eram gravados diretamente das mesas de som, até pela desconfiança dos artistas na época, que aos poucos começaram a ceder, e desta forma, possuíam uma melhor qualidade. Ainda, nesta época eram raras as gravações em vídeo, pelo seu elevado custo, sendo que os que existem foram gravados em filmes de 8mm, de som e imagem também precárias e que corriam o risco, se não fossem bem armazenadas, de perder qualidade e tornar-se inutilizável.

Já na década de 80, houve um crescimento da gama de dispositivos para a criação do bootleg, como a popularização do vídeo cassete, que serviria para gravar apresentações da televisão, as famosas fitas K7, que tornaram os gravadores de fitas magnéticas cada vez menores e consequentemente mais portáteis e seguros, as câmeras de vídeo que utilizavam fitas magnéticas de menores proporções e maior qualidade, auxiliando na gravação de espetáculos ao vivo.

Na década de 90 não houveram grandes modificações ou inovações, havendo apenas a popularização dos meios para a produção do material em estudo.

O grande marco vem somente após 2000, com o advento da internet banda larga em vários países, sendo possível a disponibilização do bootleg através da internet, sem a necessidade de ir até um determinado local ou encontro para adquirir um material, bastando a simples consulta em um site que os disponibiliza, ou programas compartilhadores, sendo esta a forma mais comum atualmente.


2 O BOOTLEG NA ESFERA PENAL

Com o advento do atual Código Penal Brasileiro, através do Decreto nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, também surgia em seu art. 184 a defesa dos direitos do autor, que com o tempo foi sendo atualizado com as mais novidades tecnológicas que ocorrem, como o surgimento da comunicação em massa através da Internet, bem como o compartilhamento de vários materiais pela rede. Já em 2003, o legislador brasileiro se vê obrigado em dar novo dispositivo ao artigo 184 do Código Penal, que vem com inovações trazidas pela Lei Federal nº 10.695, de 1 de julho de 2003:

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Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

§ 1º Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.

§ 3º Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

§ 4º O disposto nos §§ 1º, 2º e 3º não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro direto ou indireto.[2]

Compulsando-se a atual redação deste artigo, vemos que a principal vontade do legislador foi de coibir a distribuição através da Internet, uma ferramenta que tem se tornado cada vez mais popular para o compartilhamento de diversos arquivos. Ainda podemos observar que ao contrário das antigas redações, foi retirado o valor de unidade de moeda para a aplicação da multa, sendo que esta será definida pelo magistrado quando da aplicação da pena.

Como se vislumbra, o principal foco deste artigo é assegurar os direitos do autor. Sobre os direitos do autor, Guilherme de Souza Nucci, citando Carlos Alberto Bittar conceitua direito autoral:

É o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utilização econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências. (...) As relações regidas por esse Direito nascem com a criação da obra, exsurgindo, do próprio ato criador, direitos respeitantes à sua face pessoal (como os direitos de paternidade, de nominação, de integridade da obra) e, de outro lado, com sua comunicação ao público, os direitos patrimoniais (distribuídos por dois grupos de processos, a saber, os de representação e os de reprodução da obra, como, por exemplo, para as músicas, os direitos de fixação gráfica, de gravação, de inserção em fita, de inserção em filme, de execução e outros).[3]

Imperioso para a configuração do crime previsto no parágrafo segundo deste ditame, se faz a questão da obtenção de lucro para configurar o delito do tipificado parágrafo, pois necessário para a violação e dano moral do artista. Neste prisma, novamente Guilherme de Souza Nucci nos diz:

Além do dolo, presente na violação de direito autoral, exige-se o elemento subjetivo do tipo específico, consistente no “intuito de lucro”, que pode ser direto (quando o agente obtém ganho, sem rodeios ou intermediários, na violação do direito de autor);[4]

Este é o entendimento dominante da doutrina, não só compartilhado por Nucci, mas também por outros doutrinadores, como o ensinamento de Fernando Capez:

Punem-se aqui as condutas realizadas posteriormente à produção ou reprodução de obra intelectual ou fonograma com violação de direito autoral, desde que o agente aja com a finalidade de lucro (elemento subjetivo do tipo).[5]

Também neste contexto há a lição de Julio Fabrini Mirabete:

A conduta é a de violar direito autoral mediante o oferecimento, no sentido de disponibilização, da obra a terceiros, sem autorização do titular do direito e com intuito de lucro, facultando-lhes a seleção ou produção e o seu recebimento pelos meios citados.[6]

Neste concerne, a jurisprudência de vários tribunais vem se solidificando neste entendimento:

APELAÇÃO - VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL - ART. 184, § 2º , DO CÓDIGO PENAL - DOLO ESPECÍFICO -INTUITO DE LUCRO.

- Necessidade: As figuras previstas no art. 184, § 2o, do CP dependem, para a configuração do crime, do elemento subjetivo específico consistente no intuito lucrativo, inocorrente no presente caso em que os fonogramas e videofonogramas eram mantidos na residência do acusado apenas para uso pessoal. Recurso não provido.[7]

APELAÇÃO CRIME. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. EXAME PERICIAL DOS CDS E DVDS. SUA APTIDÃO PARA DEMONSTRAÇÃO DA INAUTENCIDADE DO PRODUTO.

Comete o crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, o agente que, com intuito de lucro, expõe à venda cópias de CDs e DVDs, reproduzidos com violação dos direitos dos autores, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente. A determinação de que "pirateados" os DVDs e CDs bem pode se dar a partir da análise de suas características externas, emergentes de suas embalagens. Apelo não provido.[8]

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - APELAÇÃO CRIMINAL - OMISSÃO - OCORRÊNCIA - ALEGADA ATIPICIDADE DA CONDUTA - BENS QUE SE ENCONTRAM FORA DO MERCADO - IRRELEVÂNCIA - ACOLHIMENTO APENAS PARA SANAR OMISSÃO.

I - Os embargos declaratórios constituem-se no meio idôneo a ensejar o esclarecimento da obscuridade, a solucionar contradição ou a suprir omissão verificada no decisum embargado.

II - O delito de violação de direito autoral, tipificado no art. 184, § 2º, do CP, configura-se quando o acusado, com a finalidade de lucro, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta ou tem em depósito a obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação de direito autoral. Neste diapasão, não há falar-se em atipicidade da conduta do agente, em razão de os bens apreendidos no estabelecimento comercial se encontrarem fora do mercado.[9]

Com tais enunciações, percebesse que para a ocorrência da violação dos direitos autorais se faz que esta ocorra com a obtenção de lucro, pois senão não há no que se falar em violação de direito do autor. Como tratado no bootleg, este não tem o fim comercial de lucro, sendo disponibilizado, na maioria das vezes, gratuitamente para quem quiser.

Para a configuração do crime previsto no caput deste artigo, há outro requisito para a sua configuração, onde a doutrina nos diz que o objetivo material é a obra violada, desde que inédita, justamente o que lhe confere o caráter de individualizada.[10]

Também acrescenta a doutrina acerca do material fora de mercado ou escasso:

No mais, também podem ser resolvidas algumas situações peculiares por outros mecanismos, como ocorre, v.g., no caso de reprodução de um livro esgotado, para uso privado do copista, até porque o direito autoral estaria preservado, pois o exemplar está fora do comércio, o que caracterizaria fato atípico. Em outras hipóteses, pode-se levantar a tese do crime de bagatela, quando alguém copia um CD musical de um amigo para uso doméstico e exclusivo seu, sem qualquer ânimo de lucro.[11]

Como comentado, a principal novidade que o legislador traz foi a inserção do parágrafo quarto, que trata da disponibilização de diversas obras autorais através da internet. Sobre esta, nos comenta Julio Fabrini Mirabete:

O objetivo do legislador foi o de ampliar a proteção do direito autoral e dos conexos contra sua crescente violação, inclusive por práticas de comércio ilegal por meios modernos, baseados em inovações recentes não previstas em leis anteriores. Coíbem-se, nesses termos, as formas de pirataria viabilizadas por modernos processos tecnológicos que permitem a transmissão de informações por sinais eletrônicos (por meio de cabo) ou por ondas eletromagnéticas, dispersas na atmosfera, retransmitidas por satélite ou propagadas em meio sólido (como fibra ótica), ou, ainda, por qualquer outro sistema que torne dispensáveis os suportes físicos tradicionalmente utilizados para a entrega de uma obra ilegalmente produzida ou reproduzida.[12]

Porém, a doutrina novamente nos traz excludentes de ilicitude, amparadas na Lei de Direitos Autorais:

Não constitui crime, porém, a simples imitação, em que “não há reprodução, mas utilização de idéias, métodos, formas ou sistemas”. Não há, ainda, violação de direito de autor, na reprodução, na imprensa diária ou periódica, de notícia ou de artigo informativo, publicado em diários ou periódicos, com a menção do nome do autor, se assinados, e da publicação de onde foram transcritos; em diários ou periódicos, de discursos pronunciados em reuniões públicas ou de qualquer natureza; de retratos, ou de outra forma de representação de imagem, feitos sob encomenda, quando realizada pelo proprietário do objeto encomendado, não havendo a oposição de pessoa neles representada ou de seus herdeiros etc. (art. 46 da Lei nº 9.610, de 12-2-98).[13]

Várias são as excludentes de ilicitude que não configuram o crime de violação de direito autoral no tangente ao Código Penal Brasileiro, sendo que partes destas excludentes são definidas na lei específica.


2 O BOOTLEG NA ESFERA CÍVEL

Preliminarmente, a base dos direitos autorais, segundo Silvio Rodrigues, está estabelecido na Constituição Federal, bem como em legislações ordinárias e convenções, onde comenta:

A proteção ao direito autoral encontra sua fonte no art. 5º, XXVII e XXVIII, a e b, da Constituição Federal de 1988, que reconhece aos autores de obras literárias, científicas e artísticas, a prerrogativa exclusiva de utilizá-las. Além do dispositivo constitucional e da lei de 1973 (esta revogada e substituída pela citada Lei n. 9.610/98), não foram poucas as leis que direta ou indiretamente trouxeram modificações ao regime estabelecido pela codificação de 1916 (hoje consolidada na mesma lei de 1998). Ademais, algumas convenções internacionais, dentre as quais se destacam a de Berna, de 1886, a de Washington, de 1946, e a de Genebra, de 1948, aprovadas pelo legislador brasileiro, também alteraram, por sua vez, o sistema de proteção ao direito autoral.[14]

O principal foco no Direito Civil no que concerne aos direitos autorais se faz com base na criação intelectual, que segundo Silvo de Salvo Venosa, há duas espécies:

Há, no entanto, que se distinguirem duas espécies de criação intelectual. Uma destinada à estética, às artes, à ciência, à educação e à elevação cultural da coletividade. Outra destinada a fins utilitaristas, técnicos e de produção. Daí a definição de duas disciplinas: o Direito de Autor e Direito da Propriedade Industrial. Embora com substrato comum, esses dois direitos possuem regulamentação diversa, porque diversas são suas finalidades, ainda que por vezes interpenetrem-se.[15]

Para a sua proteção, a doutrina assevera sobre seus direitos, nos trazendo três requisitos que devem ser preenchidos para sua real proteção, frente as grandes inovações tecnológicas e de costumes que vem a cada dia se aprimorando:

Três são os requisitos fundamentais para que a criação intelectual seja albergada: criatividade, originalidade e exteriorização. Não há obra intelectual sem criação. Reside na criatividade o aspecto mais profundo do direito de autor. O segundo atributo é o da originalidade, ou seja, obra de espírito diversa de qualquer outra manifestação anterior. Finalmente, a exteriorização da obra é essencial. Obra desconhecida ou inédita não existe para a esfera jurídica ou para a defesa de direitos morais ou patrimoniais. É claro, porém, que os princípios gerais podem sofrer mitigação a serem examinados caso a caso. Destarte, não basta que o escultor crie mentalmente a obra, nem que conclua a escultura e a guarde em um escaninho. Deve divulgá-la, expô-la, torná-la publicamente conhecida. O mesmo ocorre com o escritor, o compositor, o pintor, o programador de informática etc. que não divulgam o produto de seu trabalho intelectual. Isto se aplica, com as devidas particularidades de cada modalidade, a todas as manifestações intelectuais no campo autoral.[16]

Segundo a doutrina, o contrato é um negócio jurídico por meio do qual as partes declarantes, limitadas pelos princípios da função social e da boa-fé objetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a autonomia das suas próprias vontades.[17]

Ainda no ramo contratual, os contratos são divididos por espécies, sendo eles típicos, ou nominados, e atípicos, ou inominados. Sobre os típicos, a doutrina assevera:

Por contratos típicos entendam-se aqueles que têm previsibilidade legal, ou seja, que são regulados pelo Direito Positivo, como a compra e venda, a doação, a locação, o depósito, o seguro, o comodato, o mútuo etc. São, portanto, figuras com assento na legislação em vigor.[18]

Os ingressos que são adquiridos para espetáculos e shows, via de regra, são contratos atípicos, pois a legislação cível vigente não os nomina em seu rol legal.

Sobre tais, os autores nos definem:

Os contratos inominados ou atípicos afastam-se dos modelos legais, haja vista que não são disciplinados ou regulados expressamente pelo Código Civil, pelo Código Comercial ou por qualquer lei extravagante, sendo, todavia, permitidos juridicamente, desde que não contrariem a lei, os bons costumes e os princípios gerais de direito.

Os contratos atípicos decorrem da necessidade das partes na atividade negocial, já que impossível seria a regulamentação de todas as formas de relações intersubjetivas. Em decorrência disso, é certa a assertiva antes formulada de que os contratos atípicos decorrem da autonomia da vontade privada.[19]

Orlando Gomes nos traz uma breve definição da atipicidade:

No direito moderno, é facultado ao sujeito de direito criar, mediante vínculo contratual, quaisquer obrigações. As pessoas que querem obrigar-se não estão adstritas, com efeito, a usar os tipos contratuais definidos em lei. Desfrutam, numa palavra, a liberdade de contratar ou de abrigar-se.

As relações econômicas habituais travam-se sob as formas jurídicas que, por sua freqüência, adquirem tipicidade. As espécies mais comuns são objeto de regulamentação legal, configurando-se por trações inconfundíveis e individualizando-se por denominação privativa. É compreensível que a cada forma de estrutura econômica da sociedade correspondam espécies contratuais que satisfaçam às necessidades mais instantes da vida social. Em razão dessa correspondência, determinados tipos de contrato preponderam em cada fase da evolução econômica, mas outros se impõem em qualquer regime, embora sem a mesma importância. Esses tipos esquematizados pela lei chamam-se contratos nominados ou típicos. Os que se formam á margem dos paradigmas estabelecidos – como fruto da liberdade de obrigar-se – denominam-se contratos inominados ou atípicos.[20]

Antônio Riccitelli, citando Francesco Messineo  comenta:

Francesco Messineo classifica os contratos atípicos em contratos inominados em sentido estrito, ou puros. Inclui entre eles aqueles que contenham conteúdo completamente estranho aos tipos legais, por exemplo, contrato de garantia, e aqueles que contenham apenas alguns elementos estranhos aos legais, enquanto outros, com função prevalente, são legais, por exemplo, contrato de bolsa simples. Outro tipo considerado por Messineo são os contratos inominados mistos, formados por elementos legais todos conhecidos, dispostos em combinações distintas considerando-se várias figuras contratuais nominadas, podem estar entre si em relações de coordenação ou subordinação. Considerada esta última, segundo o autor italiano, a variação mais numerosa, e é composta por contratos unitários. Messineo apresenta também uma sistematização elaborada por Ludwing Enneccerus e acrescida por contribuições de Heinrich Lehmann, que de acordo com Messineo é a classificação mais rigorosa original e mais aceita.[21]

Apesar de não estarem devidamente nominados no Código Civil, estes seguem em suas especificidades a regra geral dos outros contratos:

Por tais características de mutação e complexidade dos Contratos Atípicos e as variadas formas que podem assumir, alguns doutrinadores defendem que esses acordos devem ser regulados em lei de maneira geral, enfatizando os princípios que devem sempre reger qualquer espécie de contratos atípicos, as formas de sua manifestação e um ulterior reconhecimento da autonomia privada. Com essa conjectura, pretende-se proteger os contratantes em situação mais frágil dentro da relação contratual privada estabelecida e, com isso, evitar o locupletamento ilícito, visando principalmente as novas relações contratuais que surgem em contratos atípicos mistos, nos quais não se tem a possibilidade de empreender definições, princípios e fundamentos dos contratos típicos.[22]

Sobre a divisão dos contratos atípicos, a doutrina nos diz:

Os contratos atípicos formam-se de elementos originais ou resultam da fusão de elementos próprios de outros contratos. Dividem-se em contratos atípicos propriamente ditos e mistos. Ordenados a atender interesses não disciplinados especificamente na lei, os contratos atípicos caracterizam-se pela originalidade, constituindo-se, não raro, pela modificação de elemento característico de contrato típico, sob forma que o desfigura, dando lugar a um tipo novo. Outras vezes, pela eliminação de elementos secundários de um contrato típico. Por fim, interesses novos, oriundos da crescente complexidade da vida econômica, reclamam disciplina uniforme que as próprias partes estabelecem livremente, sem terem padrão para observar.

Os contratos mistos compõem-se de prestações típicas de outros contratos, ou de elementos mais simples, combinados pelas partes. A conexão econômica entre as diversas prestações forma, por subordinação ou coordenação, nova unidade. Os elementos que podem ser combinados são: contratos completos, prestações típicas inteiras ou elementos mais simples. Nesses arranjos cabem: um contrato completo e um elemento mais simples de outro; um contrato completo e uma prestação típica de outro; prestações típicas de dois ou mais contratos; prestações típicas de contratos diversos e elementos simples de outros.

Uma vez que os contratos mistos constituem subdivisão dos contratos atípicos, não se incluem na categoria os que se formam de elementos de outros contratos, mas já se tornam típicos.[23]

Há muito tempo já há a existência dos contratos atípicos, sendo que mesmo com o atual Código Civil de 2002 não há uma regulamentação específica sobre estes, até porque há uma infinidade enorme de acordos que podem ser realizados, sendo que a legislação não poderia ordenar a todos. Neste ponto, Álvaro Villaça de Azevedo comenta:

A lei não pode, como sabemos, conter todas as soluções dos problemas humanos, mas há que regular os que existem de longa data, já do conhecimento geral e quase totalmente regulados pelos usos e costumes e reconhecidos pela jurisprudência.

Se, em face do extremo primitivo formalismo romano, foi dada real importância aos contratos inominados, que arrefeceram aquele excesso, por outro lado, a mesma importância se nos é devida, no mundo contemporâneo, pela razão contrária de não levarmos a conquista da liberdade contratual à inglória situação de desarmonia social, em que homens, libertados em seus instintos naturais, têm as portas para a tentação e facilidade de abusar de outros homens mais fracos, que esperarão o dia se serem fortes, numa progressão selvagem de regresso ao mundo primitivo.

Por isso, o legislador há que voltar-se para a sociedade, para que a lei nasça da sociedade, informada para minorar os problemas desta, sendo, assim, sempre, atual e tendente à justiça.

O grande lema da atualidade é sem dúvida o maior respeito à dignidade do ser, com o intuito sempre de evitar o enriquecimento indevido, sem causa.

O papel do legislador assemelha-se ao do julgador; ambos devem sentir os reclamos da sociedade, o primeiro para ditar-lhes suas normas de conduta, o segundo para aplicá-las na solução dos casos concretos.

Entretanto, quando a lei regulamenta o contrato, ou o faz inadequadamente, cabe ao juiz a árdua tarefa de buscar o sentido da Justiça para solver a pendência, de tal sorte que sua decisão faça retornar o equilíbrio à relação jurídica lesada.[24]

Esta é a finalidade do contrato, para que as partes realizem seus negócios, independente de eles estarem expressos ou tácitos, coligados ou principais, sendo a sua finalidade social imprescindível para o direito.

Sobre o autor
Alann Almeida Melotti

Graduado em Direito pela Uniarp. Especialista Pós Graduado em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera. Especialista Pós Graduado em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB - Subseção de Caçador/SC. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial - IBRADEMP. Membro da Associação Brasileira de Direito Tributário - ABRADT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELOTTI, Alann Almeida. O bootleg e os direitos autorais no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3509, 8 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23675. Acesso em: 23 nov. 2024.

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