CAPÍTULO II: A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE GENÉRICA À LUZ DA MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
2.1.Concepção, objeto e generalidades
Antes de adentrar na concepção da modulação dos efeitos temporais das decisões da Suprema Corte pátria, imprescindível se faz tecer considerações acerca das Ações Diretas de Inconstitucionalidade ou ADI Genéricas. Contudo, merece menção o fato de que o presente trabalho não apresenta o escopo de exaurir o fenômeno processual objetivo da ADI detalhadamente, mas, meramente, relevar os pontos primordiais com o fim de trazer à tona uma compreensão contextualizada dos efeitos decisórios e da ação constitucional propriamente combinados.
Tratando na generalidade, podemos elencar que tal controle por via de ações não passa de um expediente de inspeção prática judicial, questionador da inconstitucionalidade, com intenção de retirar a norma jurídica inconveniente. O mestre Paulo Bonavides cria, a partir desse raciocínio, que o controle de constitucionalidade exercido pelas ações diretas de inconstitucionalidade forma um estado de especificações, vejamos:
O sistema de controle por via de ação permite o controle da norma in abstracto por meio de uma ação de inconstitucionalidade prevista formalmente no texto constitucional. Trata-se, como se vê, ao contrário da via de exceção, de um controle direto. Nesse caso, impugna-se perante determinado tribunal uma lei, que poderá perder sua validade constitucional e conseqüentemente ser anulada erga omnes. ”[28]
Nessa marcha, instamos que o método de controle judicial de constitucionalidade, exercido mediante as ações diretas de inconstitucionalidade, possui teor vigoroso, face sua eficiência e radicalismo na atitude de retirada ou confirmação da norma anômala ou semelhante, dada a natureza dúplice desses pleitos.
Em outros dizeres, a ação de direta de inconstitucionalidade é voltada para promoção de um ato muito mais grandioso do que a simples fiscalização de compatibilidade vertical, mas:
[...] visa a assegurar a supremacia constitucional, promovendo a invalidação de lei e atos normativos incompatíveis com a Constituição. Tendo em vista que os atos inconstitucionais não se convalidam pelo mero decurso de tempo, o ajuizamento desta ação não se sujeita a qualquer prazo prescricional ou decadencial, conforme entendimento sumulado pelo STF ainda sob a égide da Constituição anterior.[29]
Vale dizer, ainda, que para a doutrina e a jurisprudência, a formação embriológica da ação direta de inconstitucionalidade, especialmente para Gilmar Mendes e Ives Gandra, está na prática da representação interventiva, ou seja, para o intento dessas ações não bastam remotas dúvidas ou meras articulações quanto à ilegalidade de uma lei ou ato normativo - pelo contrário -, é necessária límpida e fundada controvérsia capaz de desequilibrar os princípios enumerados no documento magno. [30]
Retomando a sustentação de concepção e/ou objeto da ação direta de inconstitucionalidade, trazemos que a natureza dessas ações carrega sentido nítido quanto à finalidade que, conforme o art. 102, I, a, da Constituição Federal de 1988:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; [...]
Assim, trata-se de uma demanda de controle concentrado-principal de constitucionalidade firmada para a defesa genérica de todas as normas constitucionais, sempre que maculadas por alguma ou ato normativo do poder público. Por isso mesmo é também conhecida como ação genérica.[31]
Essa ação direta genérica, portanto, busca o parecer judiciário sobre a inconstitucionalidade ou não da lei (lato sensu), por ser o objeto principal da demanda tal declaração.
Nesse liame, cravamos o entendimento de que o objeto da ação direta de inconstitucionalidade é a defesa da constituição como um todo através do princípio hierárquico da supremacia constitucional, em consideração ao que aduz o autor acima e estabelecendo uma inspeção contemplativa, vejamos:
[...] instaura-se no Supremo Tribunal Federal uma fiscalização abstrata, em virtude da qual a Corte examina, diante do pedido de inconstitucionalidade formulado, se a lei ou ato normativo federal ou estadual impugnado contraria ou não uma norma constitucional. Essa apreciação do Supremo, longe de envolver a análise de caso concreto, limita-se a investigar a existência da antinomia normativa apontada. ”[32]
Em sentido paralelo, podemos levantar que essas ações estão para o Estado como um escudo está para algo que se deseja proteger e não somente para decretar a incompatibilidade de leis com a Constituição, retirando-as do ordenamento por estarem eivadas de algum vício.
É nessa escola de pensamento que residem as brilhantes conclusões do eminente Paulo Bonavides acerca de Montesquieu e as técnicas de controle como corretivos para o rigor e rigidez da separação de poderes relativas à atuação do Judiciário, em síntese:
Sua faculdade de impedir porém só se manifesta concretamente quando esse poder – o judiciário – frente às câmaras decide sobre inconstitucionalidade de atos do legislativo e frente ao ramo do poder executivo profere a ilegalidade de certas medidas administrativas.[33]
Diante desse traço, nos voltamos para a concepção de que a ADI tem por objeto os atos de o próprio Poder Público carregados de inconstitucionalidade arbitrária, pois incidem nesta má qualidade todos os atos que contrários ou exagerados às ordens constitucionais. Fazendo uma analogia da atividade legislativa inconstitucional aos conceitos primordiais da teoria geral dos poderes administrativos, ressaltamos que arbitrariedade “é a atuação contrária ou excedente à lei.” [34]
Entretanto, que espécies normativas podem gerar uma suscitação de inconstitucionalidade mediante as ações diretas de inconstitucionalidade? Para responder, a doutrina[35] e jurisprudência, pacificamente, se valem de 11 (onze) criaturas legais passíveis desse controle de qualidade, são elas:
· Emendas à Constituição;
· Leis ordinárias e complementares;
· Medidas provisórias;
· Decretos legislativos editados pata aprovar tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional e autorizar o Presidente da República a ratificá-los em nome do Brasil (CF, art. 49, I), bem como para sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa (CF, art. 49, V);
· Resoluções da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Congresso Nacional;
· Resoluções de tribunais, do Conselho Nacional de Justiça ou do Conselho Nacional do Ministério Público, desde que dotadas de caráter normativo e ligadas diretamente à Constituição;
· Regimento interno dos tribunais e órgãos legislativos, desde que a violação à Constituição seja direta;
· Atos do Poder Executivo com força normativa, inclusive decretos, instruções normativas, ordens de serviço ou portarias, quando violarem diretamente a Constituição;
· Decretos autônomos, de promulgação de tratados e convenções internacionais ou que veiculem atos normativos;
· Tratados e convenções internacionais;
· Atos normativos primários editados por pessoas jurídicas de direito público.
Bem acertada a idéia moderna que traduz as diversas criaturas normativas suscetíveis de controle da compatibilidade constitucional por meio das ADI’s, tendo em vista que o sistema jurídico pátrio pauta-se no regime continental ou civil Law. Aloca-se, dessa forma, pois presente nesses sistemas, do civil Law, grande atividade de produção legislativa, inclusive desenfreada – diga-se de passagem -, a exemplo do Brasil. É o que o notável Rosmar Rodrigues Alencar expõe em sua tese de mestrado, percorramos:
São basicamente dois os grandes sistemas jurídicos: o sistema continental (civil Law) e o sistema anglo-saxão (common Law). O primeiro põe ênfase na atividade legislativa e o segundo nos precedentes judiciais. Um sistema seria, em princípio, refratário aos fundamentos do outro.[36]
Podemos mencionar, então, a ação direta de inconstitucionalidade genérica como um remédio sanativo de inconveniências advindas de leis ou atos normativos (lato sensu) federais ou estaduais que não se coadunam com o texto constitucional direta (matéria/conteúdo) ou indiretamente (forma) e que mantém o respeito à supremacia constitucional. Vale citar as palavras do mestre Luis Roberto Barroso, que classifica o objeto da ADI como os atos normativos primários, federais ou estaduais, inovadores da ordem jurídica. Excluindo, assim, as espécies normativas secundárias, as de efeitos concretos, as anteriores à Constituição ou já revogadas, as que ainda estejam em processo de formação e as que não têm suficiente grau de normatividade.[37]
2.2. Efeitos da decisão
Inicialmente, questão capital que aqui se cristaliza é: qual papel assume a eficácia e, por conseguinte, a efetividade da decisão proferida no pleito das ações diretas de inconstitucionalidade?
Para replicar, contudo, devemos recordar de que, antes do advento da Emenda Constitucional n°. 45 de 2004, o cenário dos efeitos emanados por uma decisão desta linhagem era um tanto quanto distinto, uma vez que o reformado conteúdo legal elencava ter a decisão eficácia genérica e obrigatória, deixando lacuna quanto aos destinatários no que concerne a este último adjetivo.
Tal dificuldade, todavia, fora resolvida, substituindo-se, com o advento da supra mencionada emenda, a expressão “obrigatória” por “vinculante”, prevalecendo que todas as autoridades aí indicadas devem obedecer ao comando decisório, sob pena de arrostar os elementos básicos da coisa julgada constitucional. Aditada a essa discussão, contemos, igualmente, que as decisões em sede de ADI genérica analisam os parâmetros temporais dos reflexos da deliberação sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade.
Nessa esteira, é que surgem os efeitos retroativos (ex tunc) e irretroativos (ex nunc), perfazendo que a declaração de inconstitucionalidade proferida no controle concentrado, via de regra, produz efeitos retroativos ou ex tunc, sendo meramente declaratório, pois reconhece uma situação pré-existente. Vamos aprofundar um pouco mais.
2.2.1. Efeito Erga Omnes
Em vista do que foi relatado, o efeito erga omnes é aquele que se apresenta para afiançar que nenhuma pessoa se escuse de desempenhar seus direitos dentro dos parâmetros constitucionais adotados, ou seja, reconhecida ou não a constitucionalidade, haverá a mutação indiscriminada da efetividade legal para todos. Por isso, estabelece tal efeito que as decisões proferidas em ações diretas de inconstitucionalidade terão serão eficácia “contra todos”, devendo ser seguidas sem privilégios, conforme preconiza o art. 28, parágrafo único, da Lei n°. 9.868 de 10 de novembro de 1999, vejamos:
Art. 28. Dentro do prazo de dez dias após o trânsito em julgado da decisão, o Supremo Tribunal Federal fará publicar em seção especial do Diário da Justiça e do Diário Oficial da União a parte dispositiva do acórdão.
Parágrafo único. A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.[38]
Há, ai, uma necessidade de previsão expressa do indistinto fundamento da coisa julgada constitucional. Nessa ala, o notável Professor José Afonso ensina: “O objeto do julgamento consiste em desfazer os efeitos normativos (efeitos gerais) da lei ou ato – a eficácia da sentença tem exatamente esse efeito, e isto tem valor geral, evidentemente [...].” [39]
Conforme aduzimos em momentos anteriores, o julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade de controle concentrado, salvo nos casos de ação de descumprimento de preceito fundamental incidental, são voltados para o exame do mérito e não de questões prejudiciais e incidentais, logo tendemos a raciocinar que o efeito erga omnes é mais do que uma mera carga de eficácia geral emanada a cada julgado do STF, mas, sim, um instituto refletido pela coisa julgada material, sua real fonte a nosso ver.
Entendamos.
O fenômeno da coisa julgada material é “[...] a imutabilidade decorrente de sentença de mérito, que impede sua discussão posterior” [40]. Sendo assim, em adequação à matéria do controle de constitucionalidade, entendemos que o efeito erga omnes é o maior reflexo direto da coisa julgada material em processo constitucional de ação direta de inconstitucionalidade. Defende-se assim, pois, além de resolver e, se for o caso, determinar o futuro da norma questionada (caso haja a inconstitucionalidade), instaura-se a impossibilidade de rediscutir a matéria, dado o teor do art. 26 da Lei 9.868/99, que impõe a impossibilidade de recurso em decisão de ADI, inclusive quanto à ação rescisória, salvo o caso Embargos de Declaração.
2.2.2. Efeito vinculante
Não diferente dos diversos institutos jurídicos dúplices, porém distintos, a exemplo do contraditório e da ampla defesa (esta sendo dimensão substancial do próprio contraditório), o efeito vinculante é – deveras -, administrado e, por vezes, confundido com o efeito erga omnes ou “contra todos”. Apesar de já termos estabelecido o que vem a ser a qualidade erga omnes dada a um julgado, cumpre-nos fazer uma crítica precavida da implicação “vinculante”, corroborando sua independência.
Distintamente da conotação de questão resolvida emanada pelo efeito erga omnes, o efeito vinculante opera, nas linhas gerais de Manoel Jorge e Silva Neto uma:
“[...] submissão generalizada ao conteúdo da decisão prolatada pelo STF, seja pela inconstitucionalidade ou não, impedindo-se que órgãos do Poder Judiciário decidam diferentemente e que a Administração Pública – federal, estadual e municipal – edite atos administrativos em rota de colisão como que decidido pelo Supremo Tribunal Federal.”
Nesse desenho é que inserimos o contexto trazido pela própria lei regulatória das ações diretas de inconstitucionalidade genérica, Lei n°. 9.868/1999, cuja clareza salta aos olhos ao definir exaustivamente quem estará, compulsoriamente, sincronizado pelo teor do provimento jurisdicional nos julgamentos dessa natureza. Em sentido mais explicito, parafraseando o conteúdo do art. 28, parágrafo único da mencionada lei, temos que o provimento de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade terá efeito de amarração em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública em esferas federal, estadual, municipal, bem como distrital por ter possuir natureza híbrida.
Numa análise sintética, todavia completa, o egrégio Professor Pedro Lenza ensina:
Logo, para as provas de concurso, adotar o entendimento de que a declaração de inconstitucionalidade no controle concentrado, em abstrato, em tese, marcada pela generalidade, impessoalidade e abstração, faz instaurar um processo objetivo, sem partes, no qual inexiste litígio referente a situações concretas ou individuais (RTJ 147/31, Rel. Min. Celso de Mello), tornando os atos inconstitucionais nulos e, por consequência, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, com alcance, de modo vinculado e para todos, sobre os atos pretéritos, fazendo com que, para se ter uma ideia da amplitude desses efeitos, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade do referido ato normativo que tenha ‘revogado’ outro ato normativo (nossa análise nesse ponto refere-se à ADI perante o STF, de lei ou ato normativo federal ou estadual, ou distrital, desde que no exercício da competência estadual) provoque o restabelecimento do ato normativo anterior. [...] [41]
Diante disso, igualmente, paira conveniente dúvida: a Lei n°. 9.868/99, expressamente, deprecou o efeito vinculante aos órgãos do judiciário e à administração pública em todas as esferas, não obstante tal diploma se declinou com relação ao poder legislativo, dando, ainda, ambiguidade se tal efeito atingiria ou não a própria Suprema Corte. Qual será o porquê de tal atitude legislativa?
Na visão da doutrina, a exemplo do notável Marcelo Novelino, tal efeito não atinge o próprio Supremo Tribunal Federal que, em determinados casos, poderá rever suas decisões, tampouco o legislador, tendo em vista que poderá editar novas leis com o conteúdo material, inclusive idêntico, ao do texto normativo declarado inconstitucional.[42]
Ainda assim, poder-se-ia indagar a respeito de qual justificativa localiza a doutrina e a jurisprudência em afirmar a plausibilidade de o legislativo permanecer tecendo atividades normativas já definidas como inconstitucionais pela Corte Suprema pátria? É o que se define pelo inconcebível fenômeno da fossilização da Constituição, avistemos o que pacificou o Supremo Tribunal Federal, por meio do Informativo 386, in albis:
A eficácia geral e o efeito vinculante de decisão proferida pelo STF em ação declaratória de constitucionalidade ou direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal não alcançam o Poder Legislativo, que pode editar nova lei com idêntico teor ao texto anteriormente censurado pela Corte. Perfilhando esse entendimento, e tendo em conta o disposto no § 2º do art. 102 da CF e no parágrafo único do art. 28 da Lei 9.868/99, o Plenário negou provimento a agravo regimental em reclamação na qual se alegava que a edição da Lei 14.938/2003, do Estado de Minas Gerais, que instituiu taxa de segurança pública, afrontava a decisão do STF na ADI 2424 MC/CE (acórdão pendente de publicação), em que se suspendera a eficácia de artigos da Lei 13.084/2000, do Estado do Ceará, que criara semelhante tributo. Ressaltou-se que entender de forma contrária afetaria a relação de equilíbrio entre o tribunal constitucional e o legislador, reduzindo o último a papel subordinado perante o poder incontrolável do primeiro, acarretando prejuízo do espaço democrático-representativo da legitimidade política do órgão legislativo, bem como criando mais um fator de resistência a produzir o inaceitável fenômeno da chamada fossilização da Constituição.Rcl 2617 AgR/MG, rel. Min. Cezar Peluso, 23.2.2005. (Rcl-2617) (grifo nosso) [43]
Dito isso, ficam claras as diretrizes características do fenômeno vinculante das decisões proferidas em sede das ações diretas de inconstitucionalidade genéricas, bem como a evidente distinção do sintoma erga omnes destas. O que, adiante, remete-nos à apreciação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade.
2.2.3. Efeito temporal regra da declaração de inconstitucionalidade
Dirimiu-se que a declaração de inconstitucionalidade se compõe não somente para fiscalizar a compatibilidade vertical dos conteúdos normativos infralegais com a Constituição, porém se concebe para, aditando a isso, efetivar a supremacia constitucional, bem como garantir o equilíbrio respeitoso e harmônico entre os poderes políticos estatais por intermédio das atividades típicas de cada qual.
Fora isso, num julgamento mais objetivo, a declaração de inconstitucionalidade pretende, em suma, a retirar, simplesmente, do ordenamento jurídico aquela norma que não se coaduna com os padrões constitucionais. Todavia, é aí que reside nosso estudo: a retirada de uma norma tida como inconstitucional faz surgir muito mais do que uma revogação, entretanto ergue uma mutação na legislatura quanto a direitos ou situações aos destinatários específicos, refletindo, obviamente, consequências temporais do início da incidência da decisão.
Fazemos essa cautelosa introdução para, enfim, iniciarmos o magma de nossa tese que é a preocupação com o efeito-regra retroativo da decisão em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Ideia essa, a qual partilhamos do entendimento propício de André Ramos Tavares quando ressalta “[...] que, teoricamente falando, é decisão mais gravosa, por envolver a desconstituição de diversas relações jurídicas travadas com base no ato normativo impugnado” por estar carregado de essência inconstitucional.”[44]
Nesse ínterim, a doutrina procura classificar, de modo cediço, que o efeito temporal principal, quando da declaração de inconstitucionalidade, se perfaz pelo fenômeno ex tunc, isto é, retroativo. Assim, “De modo geral, a decisão no controle concentrado produzirá efeitos contra todos, ou seja, erga omnes, e também terá efeito retroativo, ex tunc, retirando do ordenamento jurídico o ato normativo ou lei incompatível com a Constituição. Trata-se, portanto, de ato nulo.” [45]
Então, em relação ao aspecto temporal, o provimento que declara a inconstitucionalidade da criatura legislativa, em regra, produz efeitos retroativos.[46] Todavia, há ainda um outro corolário jurídico natural, pois, tendo em vista que o efeito da decisão retroage desde a data inicial de eficácia da norma protestada:
A declaração de inconstitucionalidade proferida no controle concentrado-principal, à semelhança do que ocorre em sede de controle difuso-incidental, implica na pronúncia da nulidade ab initio da lei ou do ato normativo atacado. A decisão, segundo a doutrina corrente, é de natureza declaratória, pois apenas reconhece um estado preexistente. Daí sustentar-se, perfeitamente, que essa decisão produz efeitos ex tunc, retroagindo para fulminar de nulidade a norma impugnada desde o seu nascedouro, ferindo-a de morte no próprio berço.
O que se quer dizer com toda essa demonstração é que o sistema brasileiro de direito positivo elegeu a teoria da nulidade dos atos inconstitucionais, consolidando a ideia quanto à incidência da lei ou do ato normativo inconstitucional desde o seu surgimento.
Nada mais óbvio e sincrônico a nosso ver, pois, sendo o método que julga as ações diretas de inconstitucionalidade um processo objetivo, sem qualquer litigância de partes ou matérias fáticas a serem analisas, nada melhor que estabelecer, como regra, uma nulidade absoluta, aquela que é decretada pelo togado sem que haja necessidade de provocação. Nesse liame de sustentação, cumpre-nos valer das palavras do mestre Dirley da Cunha sobre os efeitos repristinatórios da nulidade absoluta – efeito retroativo – in litteres:
Ainda em face dele, reconhece-se que a decisão que declara a inconstitucionalidade produz efeitos repristinatórios, ou seja, restabelece a legislação anterior revogada pela lei declarada nula. A própria Lei 9.868/99, no § 2°, do art. 11, prevê esse efeito restaurador para a medida cautelar, prescrevendo que a ‘concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário’.