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Sistema penitenciário brasileiro: a falibilidade da prisão no tocante ao seu papel ressocializador

Agenda 31/03/2013 às 09:15

Abordam-se os seguintes temas: história da pena de prisão, crise do sistema penitenciário brasileiro, superlotação, conflitos sexuais entre presos, ausência de trabalho e a reincidência como sintoma do fracasso do sistema.

1. Introdução

Atualmente, diversas são as críticas a respeito da situação carcerária brasileira, alguns falam inclusive na falência do sistema carcerário, e muitas são as discussões acerca da sua eficácia. A precariedade das instituições carcerárias e as condições subumanas nas quais vivem os presos colocam em xeque o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, gerando questionamentos quanto à possibilidade de obtenção de efeitos positivos do cárcere sobre o apenado.

A pena de prisão vem falhando no seu objetivo ressocializador, no entanto, é verdade que para os criminosos mais perigosos, cuja segregação é imprescindível, ela continua sendo a única alternativa a escolha. Mas hoje é incontestável que manter encarcerados indivíduos que não tragam uma real iminência de risco para a sociedade é uma medida totalmente imprópria, que deve ser evitada sempre que possível. São inúmeros os problemas enfrentados nas prisões brasileiras, a superlotação dos presídios proporciona o convívio de infratores de menor potencial ofensivo com criminosos perigosos, tornando a prisão uma escola de aperfeiçoamento no crime. Dentre as várias deficiências que acometem o nosso sistema penitenciário, a superlotação merece destaque especial, ela impede que os apenados possuam condições mínimas de higiene e conforto. As condições subumanas vividas nos presídios aumentam as tensões elevando a violência entre os presos, tentativas de fuga e rebeliões.

Além disso, há o problema dos elevados gastos do Estado com a pena de prisão, sem o alcance de resultados positivos, visto que, o que se constata é o aumento vertiginoso da criminalidade. O Estado gasta milhões de reais com a manutenção de prisões, que estão cada vez mais cheias sem, contudo conter a prática do crime e sua reincidência.


2. Evolução da Pena de Prisão no Tempo

A Antiguidade desconheceu totalmente a privação de liberdade como sanção penal. A prisão servia para a contenção e custódia do réu que esperava a celebração de sua execução. Segundo Bitencourt (2004, p. 460):

 Até fins do século XVIII a prisão serviu somente à contenção e guarda de réus para preservá-los fisicamente até o momento de serem julgados. Recorria-se, durante esse longo período histórico, fundamentalmente, a pena de morte, às penas corporais (mutilações e açoites) e às infamantes.

Durante a Idade Média, a idéia de pena privativa de liberdade não aparece. Há nesse período uma grande influência do direito germânico. O sistema de penas era alicerçado nas penas de morte e nas penas corporais. Nesse período a privação da liberdade continua a ter uma finalidade primordialmente custodial.

Nessa época, surge a prisão de Estado e a prisão eclesiástica. Na primeira, eram recolhidos os inimigos do poder dominante, que tivessem cometido delitos de traição, ou os adversários políticos dos governantes. A prisão de Estado apresentava-se sob duas modalidades: a prisão-custódia, onde ficavam os réus à espera da execução da verdadeira pena a ser aplicada, ou a detenção perpétua ou temporal (até receberam o perdão real). Os exemplos mais conhecidos são a “Torre de Londres”, a “Bastilha de Paris”, “ Los Plomos”, etc. A prisão eclesiástica destinava-se aos clérigos rebeldes e dava ao internamento um sentido de penitência e meditação, esperava-se que por meio da penitência e oração se arrependessem do mal causado, obtendo correção. (BITENCOURT, 2004).

A prisão canônica era mais humana e mais suave que os suplícios e as mutilações do direito laico. O direito canônico serviu consideravelmente ao surgimento da prisão moderna, especialmente no que se refere à reforma do infrator.

Durante os séculos XVI e XVII a pobreza assola a Europa, disseminasse uma derrocada financeira que resultou num violento enfraquecimento econômico da população. Isso impulsionou os destituídos de capital ao cometimento de crimes, a delinqüência cresce, e falham todos os tipos de reações penais. Na segunda metade do século XVI iniciou-se a criação e construção de prisões organizadas, para a correção dos apenados, visando a reforma dos delinqüentes por meio do trabalho e da férrea disciplina. Surgem na Inglaterra as houses of correction ou bridwells, e sob similares orientações as chamadas workhouses.

No fim do século XVIII se inicia o denominado Período Humanitário do Direito Penal, que tinha como propósito a reforma do sistema punitivo. A legislação criminal na Europa se caracterizava para excessiva crueldade, o que causou a reação de alguns pensadores. O chamado movimento iluminista aparece nesse período, atingindo seu apogeu na Revolução Francesa. Os pensadores iluministas tinham como ideal a extensão dos princípios do conhecimento crítico a todos os campos do mundo humano, supunham poder contribuir para o progresso da humanidade e para a superação dos resíduos de tirania e superstição que creditavam ao legado da Idade Média. Essas correntes iluministas e humanitárias, das quais Voltaire, Montesquieu e Rousseau foram representantes, faziam uma severa crítica aos excessos presentes na legislação penal, e buscavam uma proporcionalidade entre a pena e o crime. Na seara político-criminal se destacaram Cesare de Beccaria, John Howard e Jeremias Bentham.

Cesar Bonessana, Marquês de Beccaria, filósofo imbuído dos princípios pregados por Rousseau e Montesquieu, publicou em 1764 sua famosa obra Dei Delitti e delle Pene, que se tornou o símbolo da reação liberal ao desumano panorama penal então vigente e marcou o início definitivo do Direito Penal moderno. Beccaria foi a primeira voz a levantar-se contra a tradição jurídica e a legislação penal de seu tempo, denunciando os julgamentos secretos, as torturas empregadas como meio de se obter a prova do crime, a prática de confiscar bens do condenado. Muitos dos princípios pregados por Beccaria foram, até mesmo, adotados pela declaração dos Direitos do homem, da revolução Francesa. Segundo Bitencourt (2004, p. 39):

“o grande mérito de Beccaria foi falar claro, dirigindo-se não a um limitado grupo de pessoas doutas, mas ao grande público. Dessa forma, conseguiu, através de sua eloqüência, estimular práticos do Direito a reclamarem dos legisladores uma reforma urgente.”

John Howard teve importante papel no processo de humanização e racionalização das penas, extremamente preocupado com as péssimas condições das prisões inglesas, buscou a construção de estabelecimentos apropriados para o cumprimento das penas. Para muitos, John Howard é considerado o pai da Ciência Penitenciária. Para Costa e Silva (apud., MARQUES, 2000, p.160), “todo movimento penitenciário teve sua origem nas idéias penalógicas do grande reformador e filantropo”. Ele escreveu em 1777 um livro chamado State os Prisons, onde descreveu de maneira impressionante a situação dos reclusos nas prisões da época.

Jeremias Bentham foi outro importante pensador e reformador de sua época. Exerceu influência na arquitetura penitenciária, sendo que a obra “O Panótico”, foi a sua mais expressiva contribuição, nela o autor expõe o que é uma casa de penitência e enfatiza os problemas de segurança e controle do estabelecimento penal. Dessa forma, Bentham sempre buscou um sistema de controle social, aliando comportamento humano e princípios éticos. Ele considerava a prevenção geral importante, mas a empregava de forma secundária. Para ele o fim precípuo da pena é prevenir delitos, admitindo a finalidade de correção da pena.

Bentham, segundo Bitencourt (2004, p. 44):

“(...) não via na crueldade da pena um fim em si mesmo, iniciando um progressivo abandono do conceito tradicional, que considerava que a pena devia causar profunda dor e sofrimento.”

 O seu pensamento foi um avanço de suma importância na racionalização na doutrina penal, posto que não via na pena um mau sem finalidades, ao contrário, o castigo era uma forma de prevenir danos à sociedade.


3. Sistemas Penitenciários

Os sistemas penitenciários podem ser basicamente divididos em três, os quais, numa seqüência evolutiva, foram o pensilvânico, o auburniano e o progressivo.

No sistema pensilvânico ou da Filadélfia, também conhecido como celular, utilizava-se o isolamento celular absoluto. O preso era isolado em uma cela, sem direito a trabalhar nem receber visitas, e era incentivado à leitura da Bíblia. A religião era tida como instrumento capaz de recuperar o preso, não sendo dado a ele o direito de se comunicar (silent system), mas apenas de permanecer em silêncio em meditação e oração. Este isolamento celular se constituía praticamente em uma tortura, que na verdade, em nada contribuía para a reabilitação do criminoso, mas apenas conferindo à pena um caráter retributivo e expiatório. Esse sistema não produziu bons resultados, segundo José Frederico Marques (2000, p. 161):

O sistema celular, agindo sobre entes geralmente inadaptados à vida social e de vontade débil, - em lugar de preparar o delinqüente para um promissor reingresso na sociedade, trazia, como conseqüências, justamente o contrário do que se pretendia.

O sistema penitenciário auburniano surgiu da necessidade de se superar as limitações e os defeitos do regime pensilvânico. A sua denominação decorre da construção da prisão de Auburn, em 1816. Menos rigoroso que o sistema anterior, permitia o trabalho entre os presos, inicialmente em suas celas, e posteriormente em comum. Uma das características desse sistema era a exigência de silêncio absoluto entre os condenados, razão pela qual ficou conhecido como silent system. Manoel Pedro Pimentel (apud., GRECO, 2007, p.493), aponta as falhas do sistema:

O ponto vulnerável desse sistema era a regra desumana do silêncio. Teria origem nessa regra o costume dos presos se comunicarem com as mãos, formando uma espécie de alfabeto, prática que até hoje se observa nas prisões de segurança máxima, onde a disciplina é mais rígida. Usavam, como até hoje usam, o processo de fazer sinais com batidas nas paredes ou nos canos d’água ou, ainda, modernamente, esvaziando a bacia dos sanitários e falando no que chamam de boca de boi. Falhava também o sistema pela proibição de visitas, mesmo dos familiares, com a abolição do lazer e dos exercícios físicos, bem como uma notória indiferença quanto à instrução e ao aprendizado ministrado aos presos.

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A adoção do regime progressivo coincidiu com a idéia da consolidação da pena privativa de liberdade como instituto penal e da necessidade da busca de uma reabilitação do preso

O sistema progressivo surgiu na Inglaterra, no século XIX. Levava-se em conta o comportamento e aproveitamento do preso, demonstrados pela boa conduta e pelo trabalho, à medida que o condenado satisfazia essas condições era computado um certo número de marcas (mark system), de tal forma que a quantidade de marcas que o condenado necessitava obter antes de sua liberação deveria ser proporcional à gravidade do delito por ele praticado.

A divisão do sistema dava-se em três períodos. No primeiro, chamado de isolamento celular diurno e noturno tinha a finalidade de fazer com que o apenado refletisse sobre seu comportamento delituoso. Num segundo momento, vinha o trabalho, em silêncio, mantendo-se a segregação noturna. Por fim vinha à liberdade condicional, que se não fosse determinada a sua revogação, o condenado vinha então a adquirir sua liberdade de forma definitiva.

Roberto Bitencourt (2004, p.104) expõe que o sistema progressivo

“(...) significou, inquestionavelmente, um avanço penitenciário considerável. Ao contrário dos regimes auburniano e filadélfico, deu importância à própria vontade do recluso, além de diminuir significativamente o rigorismo na aplicação da pena privativa de liberdade.”

O sistema progressivo ainda hoje influencia a política criminal, com certas modificações é adotado em várias civilizações modernas. O Brasil adota atualmente um sistema progressivo de execução da pena privativa de liberdade, este sistema objetiva a ressocialização do condenado, e a progressão ocorre em razão do merecimento do apenado. A progressão de regime está prevista no Código Penal (art. 33, §2º) e na Lei de Execução Penal, Lei 7.210, de 11 de julho de 1984 (art. 112).


4. Crise do Sistema Prisional Brasileiro

A pena de prisão tornou-se a principal resposta penológica especialmente a partir do século XIX. Tinha-se a idéia de que prender era o meio adequado para realizar a reforma do delinqüente. Dotti (1998, p. 105) aponta o quanto foi marcante a influência da pena de prisão no combate à criminalidade ao longo da história:

A pena de prisão tem sido nos últimos séculos a esperança das estruturas formais do direito para combater o processo da criminalidade. Ela constitui a espinha dorsal dos sistemas penais de feição clássica. É tão marcante a sua influência em todos os setores das reações criminais que passou a funcionar como centro de gravidade dos programas destinados a prevenir e reprimir os atentados mais ou menos graves aos direitos da personalidade e aos interesses da comunidade e do Estado. 

Durante vários anos imperou uma positividade de que a prisão era o meio justo e ideal para se pagar pelos atos cometidos e, dentro de certas condições, ressocializar o apenado. Atualmente há um grande questionamento em torno da pena privativa de liberdade. Seu objetivo encontra-se em crise, pois tem falhado na ressocialização do apenado, como se extrai das palavras de Bitencourt (2004, p. 471):

(...) atualmente predomina uma atitude pessimista, que já não tem muitas esperanças sobre os resultados que se possa conseguir com a prisão tradicional. A crítica tem sido tão persistente que se pode afirmar, sem exagero, que a prisão está em crise. Essa crise abrange também o objetivo ressocializador da pena privativa de liberdade, visto que grande parte das críticas e questionamentos que se fazem à prisão refere-se à impossibilidade – absoluta ou relativa – de obter algum efeito positivo sobre o apenado.  

É forçoso reconhecer que a pena de prisão passa por uma grande crise no Brasil, sem condições de oferecer qualidade, oportunidade e, muito menos, a recuperação do apenado. Ao contrário, constitui face violenta e opressiva, servindo apenas para reforçar valores negativos dos condenados, já que os presídios são tidos como um dos maiores redutos de violência e violação dos direitos humanos que se possa imaginar, tratando-se de uma realidade penitenciária arcaica.

A aplicação das penas privativas de liberdade deve se limitar às condenações de longa duração e aos condenados perigosos e de difícil recuperação, de forma a evitar os males provenientes do encarceramento. Manoel Pedro Pimentel (apud., Greco, 2007, p.529) considera imprópria a aplicação da pena privativa de liberdade às penas de curta duração, como exposto:

O fracasso da prisão como agencia terapêutica foi constatado, relativamente às penas de curta duração, logo depois de iniciada a prática do encarceramento como pena. É antiga, portanto, a idéia de que o ambiente do cárcere deve ser evitado, sempre que possível, nos casos em que a breve passagem do condenado pela prisão não enseje qualquer trabalho de ressocialização. Por outro lado, essas pequenas condenações não se prestam a servir como prevenção geral, acrescentando-se o inconveniente de afastar o sentenciado do convívio familiar e do trabalho, desorganizando, sem nenhuma vantagem, a sua vida.

São inúmeros os problemas encontrados nos estabelecimentos prisionais, tais como: ausência de respeito aos presos; a superpopulação carcerária, que contribui para situação degradante das prisões brasileiras; ausência de atividades laborativas dentro dos presídios, gerando o ócio improdutivo dos detentos; elevados índices de consumo de drogas, o que ocorre muitas vezes em função da corrupção de alguns funcionários que permitem a entrada de drogas e outros objetos proibidos em troca de dinheiro; ocorrência de reiterados abusos sexuais, prática absurda, mas que é comum dentro dos presídios. Todas essas circunstancias revelam a problemática existente dentro dos presídios, o que revela a extrema dificuldade em se obter a reabilitação do condenado em face da situação ao qual é submetido.

(...) De fato, como falar em respeito à integridade física e moral em prisões onde convivem pessoas sadias e doentes; onde o lixo e os dejetos humanos se acumulam a olhos vistos e as fossas abertas, nas ruas e galerias, exalam um odor insuportável; onde as celas individuais são desprovidas por vezes de instalações sanitárias; onde os alojamentos coletivos chegam a abrigar 30 ou 40 homens; onde permanecem sendo utilizadas, ao arrepio da Lei 7.210/84, as celas escuras, as de segurança, em que os presos são recolhidos por longos períodos, sem banho de sol, sem direito a visita; onde a alimentação e o tratamento médico e odontológico são muito precários e a violência sexual atinge níveis desassossegantes? Como falar, insistimos, em integridade física e moral em prisões onde a oferta de trabalho inexiste ou é absolutamente insuficiente; onde os presos são obrigados a assumirem a paternidade de crimes que não cometeram, por imposição dos mais fortes; onde um condenado cumpre a pena de outrem, por troca de prontuários; onde diretores determinam o recolhimento na mesma cela de desafetos, sob o falso pretexto de oferecer-lhes uma chance para tornarem-se amigos, numa atitude assumida de público e flagrantemente irresponsável e criminosa? (LEAL, 1998, apud., ALMEIDA, 2005).

Na passagem acima, revela-se a completa falta de respeito à dignidade humana presente no cárcere, realidade das instituições carcerárias, que como exposto impede qualquer tentativa de “recuperar” o delinqüente. O cárcere cria um abismo entre os detentos e o mundo exterior; o embrutecimento, a revolta com o tratamento injusto e desumano, as péssimas condições suportadas, transformam a prisão numa escola para novos crimes, o que justifica o elevado índice de reincidência existente. A Lei de Execução Penal brasileira estabelece que deve se respeitar à integridade moral dos detentos, esclarecendo que a pena tem por objetivo proporcionar condições para a harmonia e reintegração do preso à sociedade, no entanto isso não ocorre, Antonio García-Pablos y Molina (1988, apud., BITENCOURT, 2000, p. 5) manifesta-se nesse sentido, afirmando que:

A pena não ressocializa, mas estigmatiza, não limpa, mas macula, como tantas vezes se tem lembrado aos expiacionistas: que é mais difícil ressocializar a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta por que uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão-somente se lá esteve ou não.

 Observa-se assim, que o objetivo maior da pena privativa de liberdade não tem se concretizado, o que enseja críticas de diversos autores. A falência do sistema penitenciário é uma realidade, sendo apenas combatível por posturas que dêem mais importância ao recluso. A ressocialização do preso consiste na humanização da própria execução penal, e são muitos os problemas a ser combatidos para almejar esse fim.

Desta feita, Camargo (2006) retrata a necessidade de mudanças conjunturais urgentes:

Mudanças radicais neste sistema se fazem urgentes, pois as penitenciárias se transformaram em verdadeiras "usinas de revolta humana", uma bomba-relógio que o judiciário brasileiro criou no passado a partir de uma legislação que hoje não pode mais ser vista como modelo primordial para a carceragem no país. O uso indiscriminado de celular dentro dos presídios, também é outro aspecto que relata a falência. Por meio do aparelho os presidiários mantêm contato com o mundo externo e continuam a comandar o crime. Ocorre a necessidade urgente de modernização da arquitetura penitenciária, a sua descentralização com a construção de novas cadeias pelos municípios, ampla assistência jurídica, melhoria de assistência médica, psicológica e social, ampliação dos projetos visando o trabalho do preso e a ocupação, separação entre presos primários e reincidentes, acompanhamento na sua reintegração à vida social, bem como oferecimento de garantias de seu retorno ao mercado de trabalho entre outras medidas.

Dessa forma, vê-se que são muitos os problemas e a insegurança gerada pela situação carcerária no Brasil. Trata-se de um problema crônico, de difícil solução, pois exige investimentos financeiros elevados, além de efetiva vontade política e mesmo de respeito ao ser humano, pois, afinal, o primeiro reconhecimento que a sociedade precisa ter é de que seus presos continuam sendo seres humanos. 

4.1 Superlotação dos Presídios

A superlotação dos presídios é talvez o mais crônico problema que aflige o sistema penal brasileiro. A discrepância entre o número de presos e o de vagas nas celas contribui para a situação degradante das prisões brasileiras, sendo responsável pelo agravamento dos diversos problemas existentes.

Não resta dúvida que a grande maioria dos estabelecimentos penitenciários brasileiros estão superlotados. Como é de conhecimento comum, prisões superlotadas são extremamente perigosas: aumentam as tensões elevando a violência entre os presos, tentativas de fuga e ataques aos guardas. Não é surpresa que uma parcela significativa dos incidentes de rebeliões, greves de fome e outras formas de protesto nos estabelecimentos prisionais do país sejam diretamente atribuídos à superlotação.

O cenário que vemos em nossos presídios é desumano, as prisões não fornecem ao preso um mínimo de dignidade. Todos os esforços feitos para a diminuição do problema, não chegaram a nenhum resultado positivo, pois a disparidade entre a capacidade instalada e o número atual de presos tem apenas piorado. Devido à superlotação muitos dormem no chão de suas celas, em condições deploráveis.

Assim, a superlotação traz como sua principal conseqüência à exasperação da violência, as insistentes tentativas de fugas e as rebeliões quase cotidianas. As cadeias e os presídios públicos encontram-se, atualmente, em estado de miséria, depredados, com instalações precárias, nas quais os presos convivem uns com os outros na maior promiscuidade, gerando uma total falta de respeito humano e ausência de uma condição humanitária e digna, como exigida pela lei para o preso. Além de tudo, a superlotação dos presídios favorece o desenvolvimento dos problemas de saúde, tendo em vista que esses lugares apresentam péssimas condições de ventilação, iluminação, temperatura e de higiene, promovendo, assim, a disseminação de inúmeras doenças. Além disso, a promiscuidade contribui para o aumento da incidência de doenças como Aids e tuberculose e outras sexualmente transmissíveis.

Tamanha é a precariedade das condições dos estabelecimentos penitenciários no Brasil, que em meio à situação caótica enfrentada pelas prisões brasileiras um juiz de Direito da vara de Execuções Penais em Minas Gerais chegou ao extremo de determinar a soltura de 36 presos. Como expõe Rabelo (2005, p.2):

Há alguns dias, o senhor Livingsthon José Machado, juiz de Direito da Vara de Execuções Criminais da Comarca de Contagem, região Metropolitana de BH, determinou a soltura de 36 presos sob o entendimento de que inexistiam condições locais para o encarceramento dos indivíduos, ante a superlotação e riscos de transmissão de doenças infectocontagiosas entre os presos.   

A decisão do juiz gerou bastante polêmica na mídia e na comunidade jurídica, causando inclusive o afastamento do juiz pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Este incidente revela a precariedade com que os presos são mantidos, num total desrespeito a dignidade da pessoa humana. O problema da superlotação afeta a maioria dos estabelecimentos prisionais, em alguns o problema é mais grave, e os presos são amontoados e convivem em uma completa falta de respeito humano.

Anabela Miranda Rodrigues (2001) aponta para a necessidade da redução da população prisional através da prática de uma política deflacionária na aplicação da pena de prisão, destaca que a aplicação dessa espécie de pena deve se restringir aos crimes mais graves. A autora enfatiza ainda que:

A redução da população prisional permitirá, aliás, associar a diversificação de penas de substituição à criação de novos estabelecimentos penitenciários, com outras dimensões, estruturados segundo modelos organizatórios diferenciados e dispondo de secções adequadas para tornar viáveis formas especificas de tratamento; a obtenção de outra relação numérica entre operadores penitenciários e reclusos; a melhor selecção e formação do pessoal; a participação regular de técnicos especializados provenientes do exterior; e, finalmente a organização racional do trabalho penitenciário que, como é sabido, em grande número de casos nem sequer é oferecido. (RODRIGUES, 2001, p. 49)

O trecho acima revela a necessidade da redução populacional dos presídios, pois com a superpopulação existente nesses estabelecimentos fica evidente a dificuldade do cumprimento das finalidades da pena.

Dados estatísticos extraídos do Infopen (In: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2008), programa criado pelo Depen (Departamento Penitenciário Nacional), confirmam através de números o problema da superlotação: em junho de 2008 a capacidade do sistema era de 227.847 (duzentas e vinte sete mil oitocentas e quarenta e sete) vagas, enquanto o total de presos (dentre presos provisórios e condenados cumprindo pena nos regimes fechados, semi-aberto e aberto) no sistema era de 440.013 (quatrocentos e quarenta mil e treze).

Nesse ambiente superlotado o respeito aos direitos dos presidiários prescritos na Lei de Execução Penal se torna quase impossível. Como exemplo, podemos citar o art. 88 da LEP, que difere bastante da realidade:

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

A LEP prevê que os detentos sejam mantidos em celas individuais de pelo menos seis metros quadrados, mas da análise do dispositivo acima constasse que a realidade difere bastante da lei, visto que é comum os presos dormirem amontoados em celas minúsculas, em péssimas condições de insalubridade. O isolamento noturno previsto no art. 88 da LEP, não passa de mera “carta de intenção” do legislador, pois com a superlotação constatada nos estabelecimentos penitenciários ela se torna inviável.

A lei de Execução Penal estabelece ainda em seu art. 84, que o preso provisório não ficará junto com o condenado por sentença transitado em julgado. No entanto, o que ocorre no sistema penitenciário brasileiro é que presos provisórios e condenados dividem a mesma cela, da mesma forma não ocorre uma separação dos presos tendo em vista a natureza do delito cometido e outros fatores. Assim, com uma população muito acima do que comporta o alojamento, verifica-se a mistura de presos de periculosidades diferente.

4.2 Problema Sexual na Prisão

No tocante às questões sexuais nas prisões, a problemática é bastante visível. A privação das relações sexuais dos presos pode acarretar conseqüências negativas diversas, propiciando a perversão da personalidade do indivíduo.

Para Roberto Bintencourt (2004, p. 158) a necessidade sexual que o homem sente é instintiva, e que sua repressão acarreta danos a personalidade do individuo:

(...) a repressão do instinto sexual propicia a perversão da esfera sexual e da personalidade do indivíduo. È impossível se falar em ressocialização em um meio carcerário que deforma e desnatura um dos instintos fundamentais do homem.

A abstinência sexual causa uma certa distorção na personalidade humana, provocando desequilíbrios, aumentando a tensão nervosa, criando um clima de agressividade e não contribuindo em nada na busca da correção e ressocialização do apenado. A sexualidade no sistema prisional é um tema que tem se agravado nos grandes e pequenos centros penitenciários, por trazer malefícios irreparáveis como a AIDS, tendo como alvo dessas práticas os detentos novatos, ou seja, os calouros.

Conseqüências negativas de privação de relações sexuais são encontradas comumente, tais como: problemas físicos e psíquicos; a deformação na auto-imagem; graves desajustes que impedem ou dificultam o retorno a uma vida sexual normal; destruição da relação conjugal do recluso justificando um elevado índice de divórcios entre prisioneiros nos primeiros anos de confinamento; o homossexualismo que pode ter duas origens distintas na prisão: ser conseqüência de atos violentos ou de relações consensuais.

Essas práticas sexuais, muitas vezes não consentidas, geram problemas graves. Os presos adquirem as mais varia­das doenças no interior das prisões, como a AIDS, além das mais diversas doenças venéreas, essa contaminação ocorre principalmente em decorrência do homossexualismo e da violência sexual praticada por parte dos outros presos.

4.3 Reincidência como Sintoma de Falência das Prisões

Reincidir significa perpetrar, depois de condenado, em novo crime ou contravenção, da mesma natureza ou não da anterior. A reincidência criminosa encontra-se disposta em nosso diploma penal no art. 63, nos seguintes termos: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.” Trata-se de problema que assola a sociedade, e é claro, o sistema penal brasileiro, pois ao invés do detento cumprir sua pena, e não mais retornar à delinqüência, se tem o inverso, voltando a cometer delitos e, por conseqüência, retornando às unidades prisionais.

O elevado índice de reincidência dos criminosos oriundos do sistema carcerário é a comprovação de que a pena privativa de liberdade não se revelou como remédio eficaz para a ressocialização do delinqüente. Assis (2007) discorre sobre o tema:

Essa realidade é um reflexo direto do tratamento e das condições a que o condenado foi submetido no ambiente prisional durante o seu encarceramento, aliada ainda ao sentimento de rejeição e de indiferença sob o qual ele é tratado pela sociedade e pelo próprio Estado ao readquirir sua liberdade. O estigma de ex-detento e o total desamparo pelas autoridades faz com que o egresso do sistema carcerário torne-se marginalizado no meio social, o que acaba o levando de volta ao mundo do crime, por não ter melhores opções.

O autor considera o alto índice de reincidência como reflexo do tratamento a que o condenado é submetido dentro da prisão, e ressalta que o preconceito existente com os ex-detentos é um fator determinante da marginalização dos mesmos, visto que em função da falta de oportunidades muitos voltam a delinqüir:

4.4 Ausência de Trabalho

O fator gerador da criminalidade é bastante complexo, não sendo nossa intenção adentrar nesse mérito, contudo, é indiscutível que a falta de oportunidade, o desemprego, a fome e a miséria obrigam com que alguns entrem no mundo do crime. Deve o Estado criar mecanismos aptos a recuperação dos apenados, que muitas vezes por essas questões sócio-econômicas enveredam no caminho da criminalidade. Nesse sentido é extremamente importante que o Estado possa desenvolver atividades profissionalizantes dentro das prisões, com o intuito de que quando o apenado ganhar liberdade possa desempenhar uma atividade que proporcione o seu sustento e de sua família.

O art. 28 da Lei de Execução Penal, define como se dará o trabalho do preso:

Art. 28. O trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva.

§ 1º Aplicam-se à organização e aos métodos de trabalho as precauções relativas à segurança e à higiene.

§ 2º O trabalho do preso não está sujeito ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho.

O dispositivo acima coloca o trabalho penitenciário como um dever social e condição de dignidade humana do condenado, assumindo então finalidade educativa e produtiva.

Adelson (2006, p. 36) revela o trabalho desempenhado pela Secretaria de Administração Penitenciária da Paraíba nesse sentido:

A Secretaria de Administração Penitenciária mantém hoje projetos de alcance social relevante dentro da proposta de resgate da cidadania para o apenado. O Pintando a Liberdade, para o regime fechado (trabalho com a produção de bolas e redes para várias modalidades desportivas), O Trabalho Liberta, para o regime semi-aberto (convênio com empresas para a absorção de mão de obra apenada) e o Resgate do Ser (tratamento para presos com problemas psicossomáticos incluindo-se música, educação física dança e esportes). São projetos que se alicerçam na própria força de vontade do ser humano para recuperar aquilo que lhe é mais sublime: a dignidade humana. (...)

Esse trabalho, segundo o art. 29 da LEP, será remunerado. Essa remuneração não será inferior a três quartos do salário mínimo e destinar-se-á a indenização pelos danos causados pelo crime, à ajuda à família, bem como as despesas realizadas pelo Estado com a manutenção do apenado, desde que não haja prejuízo às demais destinações. De acordo com § 2º do mesmo artigo, o restante será depositado em caderneta de poupança, para constituição de pecúlio, que será entregue ao condenado quando posto em liberdade.

Além de o trabalho possibilitar assistência à família do condenado, ele pode fazer com que este obtenha sua liberdade mais cedo. Através da remição o condenado poderá descontar, pelo trabalho realizando dentro da prisão, parte do tempo de pena a cumprir. A remição se faz na proporção de três dias de trabalho por um dia de pena.

O trabalho do preso evita a ociosidade, e o mais importante, possibilita ao condenado aprender um ofício ou profissão, aumentando suas chances de se integrar à sociedade após ser solto.

Nesse sentido é importante o convênio com entidades públicas e privadas para absorção da mão de obra de detentos e ex-detentos, posto que, como exposto, ainda é gigantesco o preconceito com esses indivíduos, de forma que quando colocados em liberdade são extremas as dificuldades para alcançarem o sustento próprio e ocupar uma atividade lícita.

É evidente que o simples encarceramento não pode remediar o grave problema da criminalidade, sendo necessário que dentro da prisão o tempo do apenado seja ocupado por atividades construtivas, pois como diz o ditado popular: “mente vazia, oficina do diabo”. Dessa forma é imprescindível o exercício dentro do estabelecimento prisional de atividades esportivas, cursos profissionalizantes, artesanato, entre outras atividades.


5. Considerações Finais

Como exposto, não pugnamos pela extinção da pena de prisão. Muito embora sejam diversas as suas deficiências, como apontado ao longo do nosso trabalho. É indiscutível a necessidade de humanizar as penas em busca de atender seu fim ressocializador e proporcionar melhores condições aos apenados.

Cumpre ressaltar, que ao lado da melhoria das condições carcerárias as quais são submetidas os presos, é imprescindível um trabalho intenso do governo em promover melhorias sociais, proporcionando educação, saúde e trabalho a população. Não é segredo que grande parte da criminalidade é gerada pela pobreza, pela desestruturação familiar, pelas drogas, entre outros fatores. Assim, não adianta promover a construção e melhoria de presídios, pois sem o combate aos fatores geradores da criminalidade as penitenciarias permanecerão sempre abarrotadas.


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Sobre o autor
Nilo de Siqueira Costa Neto

Delegado de Polícia Civil. Graduado pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ. Pós-graduado pela Fundação Escola Superior do Ministério Público da Paraíba - FESMIP. Especialista em Ciências Criminais pelo Centro Universitário de João Pessoa - UNIPÊ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA NETO, Nilo Siqueira. Sistema penitenciário brasileiro: a falibilidade da prisão no tocante ao seu papel ressocializador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3560, 31 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24073. Acesso em: 21 nov. 2024.

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