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Da hipoteca: análise crítica do instituto

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Agenda 02/04/2013 às 09:58

8 dos requisitos subjetivos

Analisar os requisitos subjetivos da hipoteca é fundamental depois de visualizados os tipos de bens que podem ser hipotecados. Os requisitos subjetivos dizem respeito à qualidade que o devedor tem para oferecer em garantia um bem de sua propriedade.

Os requisitos subjetivos estão diretamente relacionados à capacidade do devedor em alienar o bem, pois apenas com essa qualidade é que pode se concretizar a hipoteca, visto que se a dívida não for paga, o imóvel será vendido em hasta pública. Caso ocorra de o bem ofertado não ser de propriedade do devedor, o negócio jurídico será nulo. Todavia, o Código Civil, em seu artigo 1.420, §2º, prevê o caso da validação da hipoteca caso o devedor de boa-fé a constitua sob imóvel que não é de sua propriedade, desde que ele o adquirira posteriormente, cujos efeitos somente serão produzidos a partir do registro da hipoteca (DINIZ, 2.009, p. 565).

Existem restrições de ordem subjetiva à possibilidade de hipotecar como o caso da autorização que o cônjuge precisa para gravar de ônus um bem comum do casal. Dessa forma nenhum dos cônjuges poderá, sem a outorga uxória, constituir hipoteca, salvo se o regime de comunhão for o de separação absoluta. Caberá ao juiz suprir a falta dessa autorização se um deles estiver impossibilitado de concedê-la, ou negar sem motivo justo. Nada obstante, existe a possibilidade de os cônjuges disporem livremente dos seus bens particulares no regime de participação final nos aquestos, desde que haja estipulação no pacto antenupcial (GONÇALVES, 2.009, p. 573).

Na hipoteca de coisa comum que seja divisível, cada condômino poderá hipotecar sua parte ideal independentemente da anuência dos demais. No entanto, se a coisa for indivisível, deverá haver a autorização dos demais, posto que a hipoteca recairá sobre toda ela e, não, apenas sobre a parte de que cada um dispõe (LISBOA, 2.005, p. 450).

Os menores poderão hipotecar seus bens assistidos ou representados, assim como os curatelados, mediante autorização do magistrado. A autorização judicial tem por finalidade proteger esses sujeitos, visto que seus bens serão gravados de ônus, e mister que seja demonstrada a necessidade e urgência de tal ato (DINIZ, 2.009, p. 565).

Segundo Gonçalves, os ascendentes poderão hipotecar os bens a seus descendentes sem o consentimento dos demais, não se aplicando a limitação existente na venda, encontrada no artigo 496 do Código Civil. Tal opinião é bastante controversa no direito, embora o referido artigo deva ser interpretado restritivamente, por cercear especificamente o direito de propriedade, grife-se, e de acordo com essa interpretação, a hipoteca será válida posto que a propriedade somente se consolidará caso haja o inadimplemento da obrigação (2.009, p. 573).

Já os falidos não poderão hipotecar seus bens pelo fato de não estarem mais na sua administração, bem como estarem na falta de disposição dos mesmos, enquanto durar o estado de falência, da mesma forma que ocorre com os concordatários (DINIZ, 2.009, p. 566). Será considerada ineficaz perante a massa a constituição de hipoteca, dentro do termo de falência, para garantir dívida anterior a esse termo, pois se presume que ela seja fraudulenta. A ineficácia ocorrerá apenas contra a hipoteca que garante dívida anteriormente constituída, excluindo-se aquelas que foram contraídas atualmente, para as quais foi dada uma garantia hipotecária (VENOSA, 2.006, p. 578).

Por conseguinte, a hipoteca pode ser constituída pela parte, por seu representante convencional ou legal, além dos casos em que a autorização poderá ocorrer judicialmente. É notório que a autorização visa a proteger aqueles que não têm plena capacidade de administrar seus bens, bem como dificultar ou impedir com que aqueles que pretendem causar prejuízos a terceiros alcancem seus objetivos. A autorização, também, resume-se à ciência do ato por aqueles que pretender oferecer um bem em garantia.


9 DOS REQUISITOS FORMAIS

Depois de observados os requisitos objetivos e subjetivos, torna-se necessário examinar os requisitos formais, com o fim de constituir o tripé de validade a partir do qual se formará a hipoteca.

A forma geral exigida por lei para a constituição da hipoteca é a escrita, seja por instrumento particular ou escritura pública (RUGGIERO, 2.005, p. 717). Assim sendo, a hipoteca será constituída a partir da existência de um título ou documento que materialize a garantia sobre determinado bem, servindo como prova da vontade das partes. O título é chamado de cédula hipotecária e sua emissão deve ser autorizada pelo credor e devedor no momento constitutivo da hipoteca, o que lhe confere maior capacidade de circulação, pois é possível transferi-lo por simples endosso (DINIZ, 2.009, p. 566).

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No entanto, a forma específica do título dependerá do valor da hipoteca. O artigo 108 do Código Civil dispõe que constituição de direitos sobre bens imóveis com o valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país deve ser realizada através de escritura pública. Nada obstante, se o valor for inferior ao aludido, poderão as partes realizar o negócio através de instrumento particular, munidas de testemunhas instrumentárias (DINIZ, 2.009, p. 566). Novamente, ao se estudar os requisitos formais da hipoteca, retorna-se à questão do registro, pois se o título não for registrado a hipoteca será, como visto, inválida.

Vale a pena, também, dar atenção aos requisitos formais dos tipos de hipoteca legal e judicial que têm, respectivamente, o dispositivo legal e a sentença como forma de sua constituição (GONÇALVES, 2.009, p. 575). Dessa forma, consegue-se destacar ainda mais a diferença existente entre as referidas determinações e o acordo das partes.

Enfim, o requisito formal contribui para a hipoteca materializando-a no mundo jurídico e a revestindo das condições estabelecidas pela lei. Outro ponto importante é que a forma pública será determina de acordo com o valor do imóvel hipotecado, tanto pela segurança, quanto para evitar a evasão fiscal. Também, é interessante observar a forma através da qual os outros tipos de hipoteca se constituem, visto que eles são dependentes dessa configuração, como o caso da hipoteca legal e judicial.


10 DA PLURALIDADE DE HIPOTECAS

Um mesmo imóvel pode ser oferecido em garantia hipotecária ao mesmo ou a outro credor, acarretando a pluralidade de hipotecas.

Poderá haver a constituição de novas hipotecas sobre o imóvel anteriormente hipotecado em favor do mesmo ou de outro credor desde que exista um novo título, sendo possível que o mesmo imóvel seja gravado por consecutivas vezes, mas isso não será possível se no título anterior houver vedação. Tal prática é bem vista no mercado, pois possibilita a circulação do crédito, não encontrando óbices devido ao princípio da preferência (GONÇALVES, 2.009, p. 586).

Como sabido, a pluralidade de hipotecas possui relação com o princípio da preferência, pois as variadas hipotecas garantidas pelo mesmo imóvel obedecerão à ordem de registro, independendo qual seja o vencimento delas e, dessa forma, o credor da segunda hipoteca não poderá executar antes do vencimento da primeira. No entanto, vale a pena ressaltar que poderá existir a execução da segunda hipoteca apenas por ação judicial se verificada a longa data da primeira, oportunizando ao primeiro credor preferência na alienação judicial. Há, também, a possibilidade de o segundo credor se subrrogar na condição de credor prioritário caso o mesmo resgate o bem (VENOSA, 2.006, p. 571).

Justificam-se as múltiplas hipotecas, principalmente, quando o valor do imóvel excede o valor da obrigação, revelando-se essa prática muito conveniente ao proprietário, pois ele se aproveitará de todo o imóvel de que dispõe. Mesmo que a segunda hipoteca se trate de um incremento na dívida, exige-se que ela seja se submeta a outro título, não sendo possível que ocorra a mera averbação no registro imobiliário (MONTEIRO, 2.007, p. 416-417).

De conseguinte, o princípio do direito de preferência é o rege a pluralidade, permitindo-se, contudo, a execução judicial e a subrrogação do credor. Essa prática é muito comum quando o valor do imóvel supera o valor dos débitos, contribuindo para o mercado de crédito, dinamizado ainda mais o instituto. É indispensável que a pluralidade seja efetivada por outro título, embora constituída perante o mesmo credor, pois o acréscimo deverá ser pormenorizado.


11 Da remição da hipoteca

A remição consiste em eliminar o gravame existente na hipoteca com o pagamento da dívida, liberando o imóvel.

Remição deriva do verbo remir (que por sinal é defectivo) e quer dizer livrar, liberar, resgatar, diferindo-se de sua parônima remissão, que deriva de remitir, e quer dizer perdoar (HOUAISS, 2.007, p. 2.425). Tal dúvida colabora para a doutrina jurídica sobre o significado do termo, visto que em alguns diplomas legais há a referência a ambos, sem unanimidade (VENOSA, 2.006, p. 574).

O credor sub-hipotecário pode remir desde que vencida a primeira hipoteca, caso o devedor não ofereça pagamento, devendo depositar a importância devida, juros, e despesas judiciais, visto que apenas por esse meio é que poderá ocorrer a remição, através de uma ação e com a devida citação do credor (DINIZ, 2.009, p. 579). Essa remição funciona como um tipo de artifício disponibilizado a esse credor, para que ele possa apressar a execução da hipoteca e defender seus direitos (RODRIGUES, 2.006, p. 412).

A remição poderá ser feita por meio do adquirente do imóvel hipotecado, visto que um dos efeitos da hipoteca é a sequela do bem, de tal forma que se o mesmo for alienado, o gravame será transferido, possibilitando a remição do bem pelo adquirente. Caso isso não ocorra, o adquirente sujeitar-se-á à situação anterior, ou seja, à execução da hipoteca por parte do credor (DINIZ, 2.009, p. 579).

O devedor da hipoteca ou os membros de sua família, também, poderão liberar o bem, desde que não o façam antes de realizada a praça e nem depois do ato de arrematação ou publicação da sentença de arrematação, de acordo com o artigo 1.482 do Código Civil. Para isso, será necessária a consignação total dos valores. O referido procedimento estava previsto, também, no Código de Processo Civil, nos artigos 787 a 790, que foram revogados pela lei 11.382/2.006, modificando a redação do artigo 651 do mesmo diploma, o que na prática surtiu o mesmo efeito (MARINONI; MITIDIEIRO, 2.008, p. 735). Caso do credor da hipoteca não se satisfaça com a execução e posterior remição do bem pela família, o mesmo continuará titular do direito contra o executado, sem haver, contudo, autorização para penhorar o bem (PEREIRA, 2.004, p. 400).

A massa falida ou os credores em concurso, independentemente da realização de praça, poderão remir o bem sem poder o credor hipotecário se recusar ao pagamento, visto que o mesmo fora avaliado oficialmente. Caso o preço seja menor, o restante da dívida entrará em concurso quirografário. No entanto, se a avaliação for maior que a dívida, o credor apenas poderá adjudicar o imóvel se repor à massa falida ou aos credores em concurso a diferença devida (DINIZ, 2.009, p. 581).

Enfim, o termo correto a ser utilizado é remição, devido à sua tecnicidade e maior número de referências. A remição do bem hipotecado será oportunizada ao devedor e demais interessados em vários momentos distintos, embora notório que ao crédito principal haverá o acréscimo de custas. A remição do bem pelos familiares do devedor não é pacífica no direito, principalmente quanto à impossibilidade do direito de penhorar o bem resgatado por quantia menor que a dívida, o que se revela como um prejuízo ao credor. Os institutos reformados no Código de Processo Civil foram ampliados, possibilitando a remição de bens móveis e imóveis com mais versatilidade.


11 DA COMPARAÇÃO  ENTRE HIPOTECA, PENHOR, ANTICRESE E ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

Comparar a hipoteca com institutos similares é importante para destacar suas principais características. Por similaridade, foi considerada a garantia constituída para o cumprimento da obrigação e, desse modo, nada mais correto em analisar o penhor, a anticrese e a alienação fiduciária.

A hipoteca é a garantia real e acessória de um contrato que se perfaz através do registro do gravame, cujo bem imóvel ou assim considerado fica na posse do devedor, conferindo ao credor preferencial direito de venda no caso de inadimplemento. Dessa definição se extrai alguns pontos importantes a serem comparados, tais como o tipo e a posse do bem.

Por esse viés, o penhor se difere da hipoteca pelo fato de ser constituído sobre bens móveis e, esses, ficarem na posse do credor, que não poderá usufruir deles, bastando-se ao seu depósito e guarda. A sua definição encontra-se no artigo 1.431 do Código Civil, donde se infere que a transferência da posse da coisa deve ser efetiva. O Código Civil de 1.916 utilizava o termo tradição[7], vindo o novel código a utilizar o termo transferência. No entanto, a transferência do bem não ocorre no penhor rural, industrial, mercantil e de veículos, ficando esses bens sob a posse do devedor, assemelhando-se à hipoteca nesse sentido (VENOSA, 2.006, p. 526).

A anticrese é um instituto raramente utilizado na prática e surpreendentemente contemplado pelo Código Civil de 2.002, nos artigos 1.506 a 1.510. Se na hipoteca o credor não fica na posse do bem, e no penhor ele apenas o detém sem poder usá-lo, a anticrese se revela como a transição entre os dois pois, nesse instituto, o credor fica na posse do bem imóvel e pode usufruir dele, revertendo seus frutos para o pagamento da dívida. É bastante provável que ela deixe de existir como direito real, subsistindo apenas como contrato de crédito ou um tipo de cláusula nos contratos de hipoteca (PEREIRA, 2.004, p. 415-416).

Já sobre a alienação fiduciária, cumpre destacar que pode ser instituída tanto sobre bens móveis quanto imóveis, encontrando-se disposta nas Leis 10.931/2.004 e 9.514/1.997. É um instituto bem difundido e utilizado atualmente devido, também, à sua versatilidade. Ela difere-se dos institutos anteriores por haver a transmissão ao credor, não, da posse, mas da propriedade dos bens. Porém, essa propriedade transferida não é plena, resumindo-se à sua forma resolúvel, ou seja, o credor terá a propriedade apenas enquanto durar a dívida. Além do mais, a alienação fiduciária não é um direito real, posto que se não houver pagamento, o título gerará apenas direitos obrigacionais entre as partes, mesmo se devidamente registrado (VENOSA, 2.006, p. 392; 399). Vinga, contudo, no direito a opinião de que a alienação fiduciária, embora seja um negócio jurídico único, desdobra-se em duas relações jurídicas: uma obrigacional e, outra, real (DINIZ, 2.009, 602-603).

Por fim, a hipoteca possui algumas vantagens sobre os institutos comparados que têm como objetivo dar garantia a uma obrigação como, por exemplo, dispensar a manutenção da coisa que se encontre na posse do credor, quando esta é empenhada. Nesse mesmo sentido, a hipoteca se sobressai em relação à anticrese principalmente por não retirar a posse do bem ofertado em garantia, o que no dias atuais não seria em todos os casos conveniente, o que contribui para o visível desuso desse instituto. Embora a alienação fiduciária se revele como uma novidade no direito e possua bastante versatilidade, a garantia que ela traz imobiliza em demasia o bem com a transferência da propriedade resolúvel, retirando sua capacidade plena de comércio.

Sobre o autor
Diego Alexandre Rodrigues Ferreira

Bacharel em Direito pela Universidade Norte do Paraná, especialista em Direito civil e processo civil pela Universidade Estadual de Londrina, presidente do Sindicato dos Servidores Municipais de Tamarana, ensaísta, advogado na comarca de Londrina, estado do Paraná, e região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Diego Alexandre Rodrigues. Da hipoteca: análise crítica do instituto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3562, 2 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24082. Acesso em: 5 nov. 2024.

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