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Princípios do Processo Penal

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Agenda 01/11/2001 às 01:00

6. Princípios gerais do processo penal

Além dos princípios estritamente constitucionais e das regras internacionais, há os postulados que com eles e elas se relacionam e que se aplicam genericamente ao processo penal, por força de lei ordinária, de tratados ou como decorrência dogmática ou doutrinária.

O fato de não estarem previstos na Constituição não lhes retira a importância, bastando lembrar a norma de extensão do art. 5º, §2º, da Constituição Federal.

6.1. Princípio da verdade real

Este axioma recomenda ao julgador e às partes — entre estas principalmente o Ministério Público — que se empenhem no processo para atingir a verdade real, para desvendá-la, para determinar os acontecimentos exatamente como se sucederam, a fim de permitir a justa resposta estatal.

Segundo a doutrina mais moderna, capitaneada no Brasil por LUIZ FLÁVIO GOMES, é impossível alcançar a verdade real. No máximo, obtém-se a verdade processual ou a verdade judicial, o que dá no mesmo.

O que importa observar é que nunca será possível reconstruir inteiramente o iter criminis, porquanto parte dele se processa no mundo subjetivo, na mente do delinqüente, sendo inalcançável pelo julgador e pelo Ministério Público, mesmo mediante confissão.

De qualquer modo, o princípio da verdade real — que deve ser aplicado também ao processo civil, malgrado a resistência da doutrina — obriga:

a)à busca do verdadeiro autor da infração;

b)à punição desse pelo fato praticado, como praticado;

c)à exata delimitação da culpabilidade do agente.

Para atingir esse desiderato, permite-se, ao lado da iniciativa das partes, o impulso oficial pelo magistrado e a produção de provas ex officio, faculdade que é criticável pois pode contaminar o ente de razão do juiz, levando-o a pré-julgamento.

Decorrem também desse princípio a redução das faculdades dispositivas das partes, quanto a prazos, procedimentos e formas, todos de ordem pública, bem assim a drástica limitação das ficções, transações e presunções, tão características do processo civil, mas quase totalmente vedadas no penal.

Também em razão da verdade real, a confissão do réu, para alguns tida como regina probationum, passa a ser vista no processo penal como prova comum, a teor do art. 197 do Código de Processo Penal, que dispõe: "O valor da confissão se aferirá pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe compatibilidade ou concordância".

A parte final do dispositivo deixa claro que a confissão só merecerá consideração se estiver em conformidade com a verdade processual, extraída das outras provas colhidas na instrução criminal, e desde que tenha sido obtida voluntariamente, sem coação.

No entanto, há institutos processuais que impedem o atingimento da verdade real. Portanto, são exceções a esse princípio:

a)a impossibilidade de rescisão de absolvição indevida (res judicata pro veritate habetur), ou seja, não é possível a revisão criminal pro societate;

b)a perempção, que extingue o processo, na ação penal privada, em razão da contumácia ou da simples inércia do querelante;

c)o perdão do ofendido na ação penal privada, como forma de extinção do processo, impedindo também a declaração da verdade real.

6.2. Princípio da oralidade

Igualmente relevante é o princípio da oralidade processual, em oposição ao lento e demorado procedimento escrito, tão ao gosto dos agentes processuais brasileiros.

O procedimento oral, característico do sistema acusatório, tem a grande vantagem de tornar mais célere e mais leve a instrução criminal. Se bem aplicado, permite a concentração dos atos processuais em uma audiência, como se dá (rectius: como se deveria dar) no rito sumário dos delitos de tóxicos, previsto na Lei n. 6.368/76: ouvida de testemunhas, alegações orais e sentença em uma só audiência.

Infelizmente, na prática forense, apresenta-se com uma regularidade espantosa a substituição do procedimento oral concentrado por um procedimento escrito, mais demorado. É comum ocorrer de as partes requerem prazo para a apresentação de memoriais escritos ou alegações finais na forma do rito ordinário.

Entende-se que não há nulidade pela substituição de um procedimento mais simples (o sumário ou o sumariíssimo) por um outro mais complexo, como o ordinário. Quod abundat non nocet. Mas, se não há prejuízo para a defesa ou para o Ministério Público, ocorre prejuízo para a sociedade com a maior demora dos processos criminais.

A oralidade, além dessa noção temporal, ligada à concentração dos atos, permite também inserir no processo penal o princípio da imediatidade, que confere maior proximidade ao julgador em relação às partes e à prova produzida, levando à mesma celeridade.

Por igual, outra conseqüência da oralidade pode ser a garantia da identidade física do juiz, que não se aplica ao processo penal, segundo a doutrina, salvo excepcionalmente mediante a repetição voluntária dos atos processuais, determinada na forma do art. 502, parágrafo único, do Código de Processo Penal, ou analogicamente in bonam partem, na forma do art. 132 do Código de Processo Civil.

Exemplos do princípio da oralidade no processo penal, conjuminado com as idéias de imediatidade e concentração, estão:

a)no rito sumariíssimo da Lei Federal n. 9.099/95, decorrente do art. 98, inciso I, da Constituição Federal; e

b)no rito sumário do art. 538, §2º, Código de Processo Penal.

6.3. Princípio da obrigatoriedade da ação penal

Fundando-se na necessidade de defesa social contra o crime, o princípio da obrigatoriedade da ação penal obriga o Ministério Público a atuar processualmente sempre que ocorra delito de ação penal pública.

O princípio tem merecido críticas, pois não mais se coaduna com o processo penal democrático, no qual tem maior aceitação o princípio da oportunidade da ação penal pública, que confere um maior campo de discricionariedade ao Ministério Público.

Aliás, o princípio da oportunidade está necessariamente ligado à idéia de intervenção mínima. Permitindo-se ao Ministério Público maior liberdade de decidir quando oferecer a denúncia ou não, estar-se-ia facilitando a intervenção penal mínima, sem abandonar-se o dever de defesa social.

Isto torna-se ainda mais evidente quando consideramos que o princípio da oportunidade deriva do brocardo Nec delicta maneant impunita, ou seja, que nenhum crime permaneça impune. Evidentemente tal diretriz não se harmoniza com o direito penal mínimo. Ao contrário, serve à doutrina da lei e da ordem e da tolerância zero ou ao direito penal do terror.

Atualmente, o Ministério Público está inteiramente vinculado à missão de denunciar, quando o fato seja típico e antijurídico. Preenchido o modelo legal, deve seguir-se a acusação. Não pode o Parquet manifestar opção de política criminal, salvo se adotar uma visão alternativa do direito penal. Como ente administrativo, a atividade do Ministério Público é vinculada, o que cerceia sua independência processual, ainda quando seja pro reo. Diante da fórmula típica, sempre deverá ser oferecida a denúncia.

Abrindo-se maior espaço de discricionariedade ao Parquet, este órgão poderia verificar a oportunidade, a conveniência, a utilidade, a nocividade ou a economicidade da sua atuação processual, ou mesmo a sua razoabilidade, sem prejuízo de continuar existindo o controle dessa manifestação pela instância superior da Instituição, nos moldes do inquérito civil, ou mesmo na forma hoje prevista, pela aplicação do art. 28 do Código de Processo Penal, que posiciona o juiz como fiscal do princípio da obrigatoriedade.

Todavia, esse posicionamento menos conservador ainda não encontra espeque na legislação processual, que, nos arts. 5º, 6º e 24 do Código de Processo Penal, acolhe o princípio da obrigatoriedade, tanto para a tarefa investigativa da Polícia Judiciária quanto para a atuação processual do Ministério Público.

Há pouco espaço normativo (no direito positivo infraconstitucional, que fique bem entendido) para a aplicação do princípio da oportunidade da ação penal pública. Esse postulado deriva da regra magna minima non curat prætor, que hoje encontra descrição doutrinária como o princípio da insignificância.

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Um dos dispositivos úteis é o próprio artigo 28 do Código de Processo Penal, pois este cânon não diz quais devem ser as "razões invocadas" pelo Ministério Público para a promoção do arquivamento do inquérito policial. O promotor ou o procurador poderia, perfeitamente, invocar razões de política criminal ou de utilidade para não promover a demanda penal, tendo em vista, por exemplo, a aproximação do termo final do prazo prescricional máximo previsto para aquele delito. Poderia, ainda, alegar o membro do Parquet a insignificância penal da conduta apurada no inquérito, ou a inconveniência da ação.

Se o juiz discordasse de tais razões, remeteria os autos à superior instância, no próprio Ministério Público, já que, em virtude da separação das funções de acusar e julgar, característica do sistema acusatório, não poderia ele mesmo dar início ex officio à ação penal nem determinar que o Ministério Público o fizesse, sem violar gravemente o art. 129, inciso I, da Constituição Federal.

Outros elementos normativos que permitem concluir pela inadequação do princípio da obrigatoriedade ao moderno processo penal surgem da análise da estrutura da ação penal privada e da ação penal pública condicionada.

A ação penal privada, em que incidem institutos como o perdão do ofendido, a desistência, a perempção, a renúncia assemelha-se muito mais à ação de natureza civil do que a suas "irmãs" penais, de natureza pública. Ambas, a ação civil e a ação penal privada, são disponíveis, valendo para as duas categorias o princípio da oportunidade.

Com isso quer-se dizer que, embora reconheçamos, que a teoria geral da ação é uma só — abarcando ação civil e ação penal —, as semelhanças entre a ação penal privada e a ação civil são maiores do que as que existem entre as demais. Prova disso é que o princípio da obrigatoriedade não se aplica nem à ação civil nem à ação penal privada, mas é impositivo em relação à ação penal pública incondicionada e à ação penal pública condicionada.

Tratando desta última, é de se ver aí uma forma híbrida de ação — meio penal e meio civil, ou meio penal pública e meio penal privada —, porquanto nela a persecução penal pelo Estado (presentado pelo Ministério Público) somente se iniciará se houver o implemento da condição: a representação da vítima ou de seu representante legal ou a requisição do Ministro da Justiça. Sem essas condições de procedibilidade, a ação penal pública, conquanto marcada pelo princípio da obrigatoriedade, não poderá ser iniciada.

Em razão disso, percebe-se que o brocardo Nec delicta maneant impunita somente se aplica inteiramente à ação penal pública incondicionada, porque se para a ação penal privada não tem qualquer influência, no que pertine à ação pública condicionada fica a depender da vontade (autonomia privada) do indivíduo ofendido ou da requisição do Ministro da Justiça, que agirá animado por razões políticas.

Conclui-se, por conseguinte, que o princípio da obrigatoriedade é, em verdade, uma exceção no que se refere à imposição da ação do Estado (Polícia Judiciária e Ministério Público) diante da criminalidade. A regra, ao contrário do que pode parecer, é a não obrigatoriedade da ação penal (e da ação em geral), já que nas demais espécies o âmbito de atuação da autonomia privada é absoluto. Vale dizer, sem a vontade do indivíduo não haverá ação civil, não será proposta ação penal privada e o Ministério Público não poderá oferecer denúncia em crime de ação penal pública condicionada.

Portanto, não há razão para insistir na permanência do princípio da obrigatoriedade, quando tal diretriz somente se dirige a uma das subespécies de ação e quando se percebe que a idéia de oportunidade da atuação persecutória ministerial está muito mais próxima do direito penal mínimo e da doutrina da intervenção necessária do que a tese oposta, ora vigente.

Sem dúvida, essa concepção inovadora tem-se inserido aos poucos no sistema jurídico brasileiro, a partir da Constituição Federal de 1988, que, além de conferir independência funcional ao Ministério Público, permitiu a instituição do procedimento sumaríissimo, com transação penal (art. 98, inciso I).

A Lei n. 9.099/95 positivou, no espaço infraconstitucional, essa regra, vindo a mitigar o princípio da obrigatoriedade da ação penal pública, ao permitir a composição civil do dano (art. 74) como causa de exclusão do processo; ao estabelecer as hipóteses de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade, mediante transação penal ofertada pelo Ministério Público (art. 76); e ao regulamentar o instituto da suspensão condicional do processo, também derivada de proposta do Parquet, na forma do art. 89 daquele lei.

Em outros sistemas jurídicos, institutos como o pattegiamento italiano e o plea bargain norte-americano dão mostras do funcionamento do princípio da oportunidade da ação penal pública, que, entre nós vigora em absoluto apenas para a ação penal privada e para as ações civis em geral. Mas é hora de mudar.

6.4. Princípio da oficialidade

Intimamente relacionada com os princípios da legalidade e da obrigatoriedade, a diretriz da oficialidade funda-se no interesse público de defesa social.

Pela leitura do caput do art. 5º da Constituição Federal, compreende-se que a segurança também é um direito individual, competindo ao Estado provê-la e assegurá-la por meio de seus órgãos.

Daí serem criados por lei órgãos oficiais de persecução criminal, para investigação dos delitos e processamento dos crimes, no sistema acusatório. A Declaração Francesa de 1789 já especificava que "A garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada" (art. 12).

O art. 144 da Constituição Federal organiza a segurança pública no País, ao passo que o art. 4º do Código de Processo Penal estabelece atribuições de Polícia Judiciária e o art. 129, inciso I, da Constituição Federal especifica o munus do Ministério Público no tocante à ação penal pública.

As exceções ao princípio da oficialidade estão no art. 30 do Código de Processo Penal, para a ação penal privada; e no art. 29 do mesmo código para a ação penal privada subsidiária da pública.

Observe-se, porém, que existe uma outra aparente exceção à oficialidade da ação penal. Trata-se da ação penal popular, instituída no art. 14 da Lei n. 1.079/50, que cuida dos impropriamente chamados "crimes" de responsabilidade do Presidente da República.

Trata-se esta da lei especial a que alude o art. 85, parágrafo único da Constituição Federal. Perceba-se que os delitos previstos na legislação de 1950, que foi recepcionada pela Carta de 1988, não estabelecem sanção privativa de liberdade. A sanção é a perda do cargo com a inabilitação para a função pública, na forma do art. 52, parágrafo único, da Constituição Federal, combinado com o art. 2º da Lei n. 1079/50.

Está claro, portanto, que, embora chamadas de "crimes" de responsabilidade, as infrações previstas na Lei n. 1079/50 e no art. 85 da Constituição Federal não são de fato delitos criminais, mas sim infrações político-administrativas, que acarretam o impeachment do Presidente da República.

Logo, não se pode falar na existência de ação penal popular, como entendem alguns comentaristas do art. 14 da Lei n. 1079/50.

De igual modo, não há ação penal popular (conquanto assim denominada) no art. 41-A da mesma Lei, para as ações "penais" por "crime" de responsabilidade previstos no art. 10 da Lei n. 1.079/50. Esses delitos podem ser atribuídos ao Presidente do STF, aos presidentes dos tribunais superiores, tribunais regionais e cortes de contas, tribunais de justiça e de alçada, aos juízes diretores de fóruns, ao Procurador-Geral da República, ao Advogado-Geral da União, aos membros do Ministério Público e da AGU com função de direção de unidades regionais, entre outros.

A disposição merece a mesma crítica endereçada ao art. 14 da Lei n. 1.079/50. Os crimes de responsabilidade previstos no art. 10 não são de fato "crimes", mas infrações político-administrativas sancionadas com a perda do cargo. Assim, não havendo crimes stricto sensu a punir, a via punitiva não será a da ação penal pública, iniciada por "denúncia de qualquer do povo". A razão do óbice é evidente, pois se assim fosse estaríamos diante de uma violação ao art. 129, inciso I, da Constituição Federal, que confere ao Ministério Público a privatividade da ação penal pública. Ora, lei ordinária não pode ferir essa regra, senão será marcada com o labéu de inconstitucional.

Com razão, portanto, LUIZ FLÁVIO GOMES e ALICE BIANCHINI, ao dizerem que "se for entendido que as condutas previstas no art. 10 da Lei 1.079/50 são de caráter penal (e isso já foi anteriormente afastado), torna-se absurdo permitir a todo cidadão o oferecimento da denúncia, pois amplia o rol dos legitimados para propositura de ação penal, em total afronta ao art. 129, I, da Constituição, que estabelece a competência privativa do Ministério Público".

Corrente minoritária da doutrina defende a idéia de que a "denúncia" de que trata a Lei n. 1.079/50 (especialmente a prevista no art. 14) é simplesmente uma notitia criminis postulatória, pois a verdadeira acusação contra o Presidente da República nos chamados crimes de responsabilidade ficaria a cargo da Câmara dos Deputados, autoridade competente consoante o art. 51, inciso I, da Constituição Federal.

6.5. Princípio da indisponibilidade

Tanto o inquérito policial quanto o processo penal são indisponíveis. Esta realidade deriva do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública e do brocardo Nec delicta maneant impunita.

Com isso, proíbe-se a paralisação injustificada da investigação policial ou seu arquivamento pelo delegado de Polícia, o mesmo valendo para a própria ação penal, que não pode ser obstada, salvo por justa causa.

Positivam tal princípio o art. 10 do Código de Processo Penal, que estabelece prazo cabal para a conclusão do inquérito policial; o art. 17 do mesmo código, que impede o arquivamento do IP pela autoridade policial; e o art. 28, que situa o juiz como fiscal do princípio da obrigatoriedade da ação penal, permitindo-lhe discordar da promoção feita pelo Ministério Público.

São também corporificações do princípio o art. 42 do CPP, que proíbe que o Ministério Público desista da ação penal que tenha proposto e o art. 576 do Código de Processo Penal, que impede o Parquet de desistir de recurso que haja interposto em ação penal pública.

Merece crítica, no entanto, a disposição do art. 385 do Código de Processo Penal, que autoriza o juiz a condenar o réu, mesmo em face de pedido absolutório apresentado pelo Ministério Público na ação penal pública.

Os defensores do cânon alegam que se trata de regra destinada a assegurar a busca da verdade real e a defesa social. O juiz, nesse mister, não estaria vinculado ao posicionamento do Ministério Público, porque está, na outra ponta, sujeito à missão de desvendar a verdade real.

Contudo, já foi dito noutro passo que no processo não se atinge a verdade real, senão a verdade judicial, e a constante busca por essa "verdade" somente ocorre na ação penal pública incondicionada, porquanto, mesmo na ação penal pública condicionada pode o ofendido impedir a persecução se não oferece a representação ou dela se retrata, antes do oferecimento da denúncia (art. 25 do Código de Processo Penal).

Além disso, no art. 385 há aparente violação ao sistema acusatório, misturando-se as funções de acusação e julgamento. Diz-se também que a regra é prejudicial aos acusados e, por isso deveria ser interpretada restritivamente, no sentido de que o magistrado somente poderia proferir sentença condenatória quando o Ministério Público não fundamentasse devidamente o pedido absolutório.

Ora, se o órgão incumbido pela Constituição Federal de promover a acusação em nome do Estado entende que há causa excludente de ilicitude, que o fato é atípico ou que outro foi o seu autor e pede a absolvição do réu, por que haveria o julgador, órgão imparcial, de assumir ele a pretensão estatal acusatória e condenar o réu quando pedido nesse sentido não mais existe. Não seria essa uma forma de julgamento extra ou ultra petita? Parece-nos que sim, pois o juldador, situado imparcialmente entre e acima das partes, estaria quase que assumindo uma pretensão que não é nem pode ser sua.

O pedido de absolvição pelo Ministério Público equivale a inexistência de acusação. E da acusação, pela regra do art. 129, inciso I, da Constituição Federal, somente o Ministério Público é titular.

Não há nada de estranho nesse proceder, uma vez que noutros sistemas jurídicos pode o Ministério Público simplesmente retirar a acusação apresentada contra o réu, findando-se a instância.

Com a introdução dessa medida, fundada em idéias de política criminal, de necessidade, utilidade, conveniência e intervenção mínima, não se estaria violando o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, Constituição Federal), pois o Poder Judiciário seria chamado a verificar em cada ação se há justa causa para a retirada da denúncia e se as causas legais que a condicionam estão presentes in concrecto.

Idêntica censura se faça quanto à previsão da segunda parte do art. 385 do Código de Processo Penal, que autoriza a autoridade judiciária a reconhecer agravantes que não tenham sido alegadas na denúncia ou nas alegações finais do Ministério Público. A proposição é estranha, porque representa forma de julgamento ultra petita, além do pedido. A sentença não terá correlação com a acusação.

Disposição como esta tinha sentido na década de 1940, quando da introdução do Código de Processo Penal, época em que o Ministério Público não estava organizado nacionalmente com a devida estrutura e capilarizado em todas as comarcas do País, como instituição inteiramente profissional. Hoje, com as responsabilidades que foram atribuídas ao Parquet e com o desenvolvimento de uma cultura de Ministério Público é desarrazoada a regra ora examinada, tanto quanto o é a que determina o reexame necessário em certos casos.

Em apoio à tese ora esposada, lembremos que na fase recursal o tribunal de apelação não pode piorar a situação jurídica do réu caso não haja recurso da acusação. Ou seja, se o Ministério Público não interpuser apelação, o colegiado ad quem não poderá reformar sentença que tenha absolvido o réu e nem mesmo poderá agravar a pena que lhe tenha sido aplicada.

Por outro lado, se o Ministério Público (ou o querelante) apresentar apelação, o tribunal estará livre para manter a decisão de primeira instância, para reformá-la (inclusive condenando réu que tenha sido absolvido) ou para alterar a pena, minorando-a ou agravando-a.

Conclui-se, portanto, que se o tribunal, órgão de superior hierarquia na pirâmide judiciária, não pode condenar o réu (apelante exclusivo) quando o Ministério Público haja silenciado na fase recursal ou quando tenha se conformado com a sentença do juízo a quo, por que este, de instância inferior, poderia fazê-lo (condenar o réu) quando o Ministério Público houvesse pedido a absolvição?!

Ora, o tribunal ad quem não pode nem mesmo aumentar a pena do réu, no caso de recurso exclusivo da defesa, que corresponde a hipótese de silêncio ou conformação do Ministério Público, com cessação da tarefa acusatória. Como então admitir que o juiz a quo possa condenar o réu a pena maior do que a pedida pela acusação, reconhecendo agravante não alegada?!

A resposta parece estar no princípio da verdade real. Mas esse princípio não pode aplicar-se apenas à primeira instância, esquecendo a fase recursal. Há assim um evidente descompasso entre a regra do art. 385 do Código de Processo Penal e o princípio non reformatio in pejus.

6.6. Princípio da iniciativa das partes

É conhecido o axioma latino Ne procedat judex ex officio, que assinala o sistema acusatório. O juiz não age de ofício, não inicia a ação por iniciativa própria; depende da provocação do Ministério Público ou da parte ofendida, que atuará como querelante.

Dessa regra deriva a de que Nemo judex sine actore, ou seja, de que não há juiz sem autor, que equivale a dizer que não há jurisdição sem ação. O direito germânico conhece a diretriz na forma Wo kein Anklägler ist, da ist auch kein Richter, que se traduz por "onde não há acusador, não há também julgador".

No ordenamento brasileiro, a diretiva está no art. 24 do Código de Processo Penal (ação penal pública), e nos arts. 29 e 30 do mesmo código (ação penal privada e privada subsidiária). Deles se depreende o princípio da iniciativa das partes, sendo hoje uma regra absoluta, pois não mais subsiste o procedimento judicialiforme, previsto na Lei n. 4.611/65, em que o juiz ou o delegado de Polícia, mesmo não sendo partes, podiam iniciar a ação penal em certos crimes (lesão corporal e homicídio culposos) e nas contravenções penais (art. 531 do Código de Processo Penal), bem como em razão da Lei Federal n. 1.508/51, que cuidava do rito sumário para a contravenção de jogo do bicho.

A conseqüência imediata do princípio da iniciativa é que o juiz estará adstrito ao pedido do promovente da ação. Não poderá julgar além do pedido das partes. Ne eat judex ultra petita partium, pois, caso contrário, estaria dando início a uma acusação diversa da apresentada, pois mais ampla. Define-o bem a regra do art. 128 do Código de Processo Civil, segundo a qual "O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes".

Também caracteriza o princípio da iniciativa das partes o axioma sententia debet esse conformis libello, o de que a sentença deve estar em conformidade com a acusação. Este princípio é também denominado de princípio da correlação.

São exceções à regra os institutos da mutatio libelli (art. 384-CPP) e da emendatio libelli (art. 383-CPP). Embora desejável, não estão as partes obrigadas a tipificar corretamente o pedido. Diz-se que o juiz conhece o Direito (jura novit curia) e que basta a narração do fato ao julgador para que se tenha o veredicto (narra mihi factum dabo tibi jus). Em face disto, o juiz pode ver-se na contingência de alterar a qualificação legal dada ao crime ou sugerir o agravamento da imputação.

6.7. Princípio do impulso oficial

A regra Ne procedat judex ex officio não transforma o juiz num órgão absolutamente inerte. Iniciada a ação penal, pode e deve a autoridade judiciária promover o bom e rápido andamento do feito. Presidindo a instância penal, cabem ao juiz (art. 251, Código de Processo Penal) a direção e regulação do processo, competindo-lhe determinar:

a)na forma do art. 156 do Código de Processo Penal, diligências e provas complementares;

b)a coleta de documentos probantes de relevo (art. 234);

c)a realização de exame de corpo de delito complementar (art. 168)

d)quesitos em perícias (art. 176);

e)o reinterrogatório do réu (art. 196);

f)a reinquirição de testemunhas e do ofendido (art. 502, parágrafo único).

Essas providências são necessárias para a busca da verdade real, tendo em conta também a indeclinabilidade da jurisdição penal, o que siginifica que o juiz não poderá declarar non liquet; encerrar o processo sem causa legal (como a incidência de causa extintiva de punibilidade); ou paralisá-lo injustificadamente em seu curso.

As exceções ao princípio do impulso oficial são determinadas em lei, sendo exemplo delas a suspensão da ação penal pública de competência do tribunal do júri por falta de intimação pessoal da pronúncia ao acusado (art. 413).

6.8. Princípio da ordem consecutiva legal

O processo é um encadeamento lógico e sucessivo de atos e diligências, que tem como fim permitir ao julgador a declaração da regra de direito aplicável ao caso concreto, fazendo valer o jus puniendi estatal.

Assim, suas características estruturais mais importantes são:

a)a sucessão de atos;

b)a sucessão lógica desses atos;

c)a sucessão ordenada, na forma da lei; e

d)a dependência e concatenação entre os atos sucessivos.

Como conseqüência dessa concatenação, o elemento temporal, na definição de prazos e ocasiões para a prática dos atos processuais, torna-se importante. Se descumprida uma regra temporal, dá-se a preclusão, segundo o preceito Dormientibus non sucurrit jus.

A desatenção à forma sucessiva e lógica dos atos processuais pode conduzir também à nulidade do processo. Assim, a alteração da ordem legal de ouvida de testemunhas (primeiro as da acusação e depois as da defesa), se causar prejuízo ao acusado, ocasionará a nulidade do processo a partir do instante da violação da ordem sucessiva ordenada em lei.

6.9. Princípio da economia processual

Este princípio possibilita a escolha da opção menos onerosa às partes e ao próprio Estado no desenvolvimento do processo, desde que não represente risco para direitos individuais do acusado. Se isso puder ocorrer, a economia formal deve ser evitada.

São exemplos de aplicação do princípio a rejeição da denúncia em vista da defesa preliminar do funcionário público (art. 514 do Código de Processo Penal) e a conservação de atos processuais não decisórios em face de eventuais nulidades (art. 567).

6.10. Princípio ne bis in idem

Conforme o art. 14, §7º, do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, "Ninguém poderá ser processado ou punido por um delito pelo qual já foi absolvido ou condenado por sentença passada em julgado, em conformidade com a lei e os procedimentos penais de cada país".

Pelo art. 8º, §4º, do Pacto de São José da Costa Rica "O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos".

O preceito está previsto expressamente na Quinta Emenda à Constituição dos Estados Unidos (Amendment V):

"No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offence to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation.

Também a Sétima Emenda da Constituição norte-americana proíbe o dúplice julgamento, salvo aquele realizado de acordo com o devido processo legal: "In suits at common law, where the value in controversy shall exceed twenty dollars, the right of trial by jury shall be preserved, and no fact tried by a jury, shall be otherwise re-examined in any Court of the United States, than according to the rules of the common law".

No Brasil, além das disposições convencionais, derivadas de tratados, assegura-se a soberania dos veredictos no tribunal do júri e a autoridade da coisa julgada no art. 5º, da Constituição Federal.

6.11. Princípio favor libertatis

Talvez um dos mais importantes princípios do processo penal, o do favor rei representa uma garantia contra a ineficiência do Estado ou contra acusações temerárias.

Em face dele, conhecido também como princípio In dubio pro reo (favor innocentiæ), a lei processual permite a absolvição do réu por insuficiência de provas (art. 386, II e IV).

O favor rei proíbe a reformatio in pejus em detrimento do acusado (art. 617 do CPP) durante o exame recursal de irresignação exclusiva da defesa e favorece a posição jurídica do réu, facultando-se a interposição de recursos privativos, como o protesto por novo júri (art. 607-CPP) e a revisão criminal (art. 621).

Como exceção, pode-se citar a desclassificação in pejus, prevista no art. 408, §4º, do Código de Processo Penal.

Sobre o autor
Vladimir Aras

Professor Assistente de Processo Penal da UFBA. Mestre em Direito Público (UFPE). Professor da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Procurador da República na Bahia (MPF). Membro Fundador do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAS, Vladimir. Princípios do Processo Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2416. Acesso em: 23 dez. 2024.

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