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O novo divórcio e o Estatuto das Famílias

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Agenda 15/04/2013 às 15:02

Há controvérsia na doutrina em relação à Emenda Constitucional nº 66/2010, a Emenda do Divórcio. No entanto, tais discussões poderão ser amenizadas ou mesmo findadas com o advento do chamado Estatuto das Famílias.

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo visa analisar a Emenda Constitucional n. 66/2010, que foi promulgada em 13 de julho de 2010, juntamente com as várias discussões doutrinárias a seu respeito, os seus efeitos e as perspectivas para o futuro. O objeto da referida reforma constitucional foi a modificação do art. 226, § 6º da Carta Magna, que passou a vigorar com a seguinte redação: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”

Tal emenda, também chamada pela doutrina de “Novo divórcio”, tem a intenção de fazer desaparecer o lapso temporal de 02 anos de separação de fato e a prévia separação judicial como requisitos para a propositura das ações de divórcio, assim, permanecendo, tão somente, o divórcio direto e sem necessidade de qualquer decurso de tempo para a sua propositura.

O que se quer é trazer à tona a análise dos impactos trazidos com a Emenda, os seus reflexos e as discussões que foram suscitadas. No entanto, para se chegar a isso é necessário expor uma visão geral do divórcio desde o seu surgimento, sendo perceptível a sua evolução paralela com a sociedade. Pode-se afirmar, então, que o objetivo geral deste trabalho é dissertar, à luz da doutrina e jurisprudência pátria, sobre os efeitos trazidos pela alteração constitucional e as perspectivas para o futuro. Como objetivos específicos têm- se a análise histórico- evolutiva do divórcio até o advento da atual reforma na Carta Magna, as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca do fim da separação judicial e da culpa, os principais artigos do Código Civil que foram afetados pela Emenda 66 e, ainda, os entendimentos da doutrina sobre como ficaram as ações de separação judicial que ainda não foram sentenciadas e, também o estado civil do separado judicialmente a partir da mudança.

Nesse sentido, esta monografia tem sua estrutura baseada nos próximos capítulos, que estão organizados na seguinte ordem: Histórico do Divórcio; A Emenda Constitucional n. 66/2010 e seus efeitos; Estatuto das Famílias: O passo seguinte? .

O primeiro capítulo (Histórico do Divórcio) inicia-se com as diversas definições de casamento que progrediram com as sociedades, fazendo-se presente nos conceitos iniciais a figura da indissolubilidade do vínculo matrimonial. Posteriormente, busca-se estabelecer uma análise histórico-evolutiva do divórcio no Brasil, passando pelo período de indissolubilidade do vínculo conjugal, pela Lei que instituiu o Divórcio no Brasil, qual seja Lei n. 6.515/1977, pelo divórcio com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e com o Código Civil de 2002, pela Lei do Divórcio Extrajudicial ou Administrativo (que trouxe a possibilidade da separação e do divórcio consensuais serem feitos no cartório perante o tabelião de notas) e, por fim, pela Emenda Constitucional n. 66/2010 e suas críticas iniciais.

No segundo capítulo observa-se a repercussão da Emenda 66 na separação judicial, no fim da culpa pelo término do casamento, apresentando-se entendimentos doutrinários e jurisprudenciais diversos acerca de cada questão. Outrossim, observam-se os efeitos desta em relação a guarda dos filhos, o uso do sobrenome pelo cônjuge culpado e a questão dos alimentos devidos ao cônjuge culpado. Este capítulo traz, ainda, como subcapítulo, outros efeitos da inovação, que são as questões de direito intertemporais, analisando como devem ser resolvidas as situações transitórias e as já consolidadas que foram atingidas pela inovação. Na última subseção, discutem-se os principais artigos do Código Civil que são considerados afetados com o advento do Novo Divórcio.

Finalmente, o terceiro e último capítulo dispõe sobre mais uma grande novidade que pode repercutir nos questionamentos surgidos com a Emenda Constitucional n. 66/2010. Trata-se de um substitutivo do Projeto de Lei, PL n. 674/2007, que institui o chamado Estatuto das Famílias. No entanto, esse ainda não foi incorporado no ordenamento jurídico pátrio, uma vez que foi aprovado apenas pela Câmara dos Deputados, estando no aguardo de sua votação pelo Senado Federal (essa informação ainda é atual?). Este Estatuto irá retirar do Código Civil toda a matéria de Direito de Família passando a discipliná-la e, além disso, trará novos regramentos em certos aspectos da disciplina.

Portanto, pode-se observar que o tema abordado no seguinte trabalho é bastante palpitante e de grande importância, uma vez que trata de discussões acerca do “Novo Divórcio”, que são atuais e relevantes para a sociedade. Por conseguinte, resta claro a necessidade de um estudo mais aprofundado de cunho legislativo, bibliográfico e jurisprudencial sobre o tema, para que as famílias brasileiras se atualizem e entendam tais mudanças, as quais ainda encontram-se em amadurecimento.


2 HISTÓRICO DO DIVÓRCIO

 

 

2.2 ANTECEDENTES

Diversos são os autores que trazem conceitos acerca do casamento, sendo este um instituto que reflete concepções originais ou tendências filosóficas. Dessa forma, temos que Modestino[1], escritor da época clássica do Direito Romano, denota as idéias predominantes no período clássico, e diz que ”o casamento é a conjunção do homem e da mulher, que se unem para toda a vida, a comunhão do direito divino e do direito humano”.

Posteriormente à definição supracitada, surgiu uma segunda conceituação romana acerca do casamento, que foi a de Ulpiano, consagrada nas Institutas de Justiniano, que nas palavras de Carlos Roberto Gonçalves[2], ”desfigurou aquela noção tão grandiosa e sacramental, desaparecendo a alusão ao direito divino e a referência à perenidade do consórcio de vidas”.

No direito Brasileiro, em meados do Século XIX, Laffayette[3] definiu o casamento como sendo “o ato solene pelos quais duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e na mais estreita comunhão de vida”. Esta conceituação é bastante pragmática e denota uma realidade diferente da atualidade. Nesse contexto, procurou- se dar ênfase a solenidade do ato e a indissolubilidade do vínculo criado pelo casamento.

Contemporaneamente, pode- se, então, visualizar conceitos mais abrangentes do instituto que se adéquam em certa medida à realidade social que está sendo vivenciada, como se vê na definição feita pela doutrinadora Maria Helena Diniz[4]: “O casamento é o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família”. Segundo a autora, “o matrimônio é a peça-chave de todo o sistema social, constituindo o pilar do esquema moral, social e cultural do país” [5].

Percebe- se que no conceito de Modestino o casamento é visto como algo divino, que deve perdurar por toda a vida, enquanto, no de Maria Helena Diniz, o casamento é algo que visa o auxílio dos cônjuges com intuito de constituir família. Nesta última definição não está presente a visão sacramental e de união perpétua do casamento. Diante disso, pode- se inferir que as definições de casamento foram se modificando de acordo com a evolução dos costumes e das tendências filosóficas que os influenciavam. Nas palavras do doutrinador Caio Mário:

É óbvio que a noção conceitual do casamento não pode ser imutável. As ideias que convinham ao povo hebreu do Velho Testamento, que satisfaziam o grego, que abrandavam aos romanos, que vigiam na Idade Média, e mesmo as que predominavam no Século XX – já que não atendem às exigências da nossa geração, que assiste a uma profunda transformação do social, do político, do econômico. E, sendo a família um organismo em lenta, mas constante mutação, o casamento que a legitima há de aperfeiçoar- se às condições ambientes e contemporâneas.[6]

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Isso faz concluir que as definições, assim como as características essenciais do casamento se modificam de acordo com a história, refletindo sempre a realidade da sociedade a que pertencem.

Caio Mário[7] defende que, ao contrário do que se pensa, a indissolubilidade do casamento não é a regra. Nos povos primitivos assim como nas civilizações antigas, o casamento era suscetível de rompimento, salvo algumas exceções.

 Assim, no direito Romano, o que se admitia era a perda da affectio maritalis. Nas palavras de Venosa:

No direito Romano, o casamento dissolvia- se pela morte de um dos cônjuges, pela perda da capacidade e pela perda da affectio maritalis. Desse modo, a perda da afeição matrimonial era, mais do que um conceito de separação, uma consequência do casamento romano. Desaparecendo a affectio, desparecia um dos elementos do casamento.[8]

A esse propósito, segundo o autor mencionado, na época clássica, em decorrência do contato existente de outros povos com a civilização grega, houve modificação nos costumes primitivos e, consequentemente, enfraquecimento da organização e estabilidade familiar. Sendo também possível, aqui, a extinção do vínculo matrimonial.[9]

No entanto, com o fortalecimento cada vez maior do Cristianismo, segundo Venosa[10], “a doutrina sobre a indissolubilidade do vínculo conjugal ganha forma definitiva no século XII, ao mesmo tempo em que se cria a teoria da separação de corpos, que faz cessar a vida em comum sem possibilidade de contrair novas núpcias”.

Carlos Roberto Gonçalves[11] assevera, em sua obra civilista, que foi o Concílio de Trento (1545 a 1553), que consagrou o dogma do sacramento do matrimônio para os católicos e a indissolubilidade do vínculo, motivo pelo qual o Cristianismo era contra o divórcio e tomava providências para dificultá-lo.

 O casamento surgiu como indissolúvel, no Brasil, uma vez que este país foi descoberto durante o Apogeu do Cristianismo. Tal vínculo era considerado, nas palavras de Gagliano Stolze e Pamplona Filho[12], como um “pacto submetido às regras do Direito Natural, como consequência de preceito divino, dito pelo próprio Cristo”. Nesse contexto, era vivenciada uma enorme resistência jurídica à extinção do vínculo conjugal, somente sendo admitida no caso de morte ou do reconhecimento de nulidade do matrimônio.

Desta sorte, o casamento no Brasil perdurou por muito tempo como sendo indissolúvel onde apenas existia a figura do “desquite”. Nas palavras de Gagliano Stolze e Pamplona Filho:

Nessa fase, há apenas o desquite, instituto de influência religiosa que gerava somente a dissolução da sociedade conjugal, com a manutenção do vínculo conjugal e a impossibilidade jurídica de contrair formalmente novas núpcias, o que gerava tão só “famílias clandestinas”, destinatárias do preconceito e da rejeição social.[13]

Assim, devido a grande influência da Igreja Católica, o direito Canônico  influenciava de forma decisiva a civilização e, por conseguinte, a legislação daquela época. Diante disso, a resistência ao divórcio era enorme e encontrava-se inclusive positivada em todas as Constituições Brasileiras anteriores ao advento da Emenda Constitucional n. 9, de 28 de junho de 1977.

  Conclui- se que por muito tempo o casamento, no Brasil, foi bastante influenciado pelas regras do Direito Canônico, que não admitia insucesso no matrimônio, permitindo, tão somente, a “separação de corpos”. Tal situação não abria margem aos “separados” de contrair novo matrimônio. Maria Berenice Dias[14] defende que tudo isto decorreu do intuito de o Estado dar proteção ao patrimônio do casal em detrimento da felicidade dos próprios cônjuges.

 No entanto, diante das mudanças e do amadurecimento no pensamento da sociedade, adveio a Emenda Constitucional n. 9/77, que introduziu a possibilidade da dissolução do vínculo conjugal, nos casos expressos em lei, desde que se obedecesse ao lapso temporal de prévia separação judicial por mais de 03 (três) anos.

2.3 EVOLUÇÃO DO DIVÓRCIO NO BRASIL

No Brasil-Império, a indissolubilidade do casamento se manteve, pois nesta época, a Influência da Igreja continuava quase que absoluta, prevalecendo, ainda, o Concilio Tridentino e a Constituição Primeira do Arcebispado da Bahia.[15]

Com a Proclamação da República em 1889, houve definitivamente uma separação entre Estado e Igreja. Logo, com essa divisão era necessário que o país, enquanto Estado laico, passasse a disciplinar acerca dos casamentos. Com o Decreto 181\1890, foi instituído o casamento civil no Brasil e, consequentemente, o divórcio, com acepção diversa da atual, de acordo com Silvio Rodrigues:

Trouxe a previsão de uma espécie de divórcio, na qual o liame matrimonial era apenas atenuado, ficando os cônjuges desobrigados de alguns deveres conjugais, como a coabitação e a fidelidade, pois o desquite acarretava apenas a separação de corpos do casal. Com o advento do Código de 1916, a palavra desquite foi introduzida no Direito Brasileiro, pois o mencionado decreto usava a expressão divórcio. De qualquer forma, aquele Código trouxe poucas modificações e nada inovou ao direito anterior, apenas o nome do Instituto.[16]

 Portanto, segundo o mencionado doutrinador, mesmo com o advento do Código Civil de 1916, não houve inovações de grande relevância em relação ao decreto supracitado, mas houvera tão só uma troca de denominações, que de divórcio passou a chamar-se “desquite”. Acerca disso, o promotor e professor de direito de família, Dimas Messias de Carvalho relata que:

O Código Civil de 1916 adotou os mesmos princípios do Dec. 181/1890, com poucas modificações, mantendo o casamento exclusivamente civil, sem reconhecer o religioso, até a Constituição de 1934, entretanto, substituiu o vocábulo divórcio por desquite, mais apropriado, já que nas legislações estrangeiras, o divórcio era admitido como dissolução do vínculo conjugal, o que não era permitido no Brasil.[17]

Segundo Maria Berenice Dias[18] o desquite significava “não quites”, ou seja, alguém em débito para com a sociedade. Tal fato demonstra a resistência e o preconceito de forma severa por parte desta.

Enfatiza- se que as próprias Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 mantiveram a indissolubilidade do casamento sem grandes mudanças significativas. Nas palavras de Gagliano Stolze e Pamplona Filho[19], “a resistência positivada ao divórcio era de tal ordem que até os textos constitucionais traziam previsão da indissolubilidade do casamento, o que perdurou até nossa penúltima Constituição”.

Em 1977, o divórcio foi instituído no Brasil através da Emenda Constitucional nº 9 de 28 de junho de 1977, de autoria do Senador Nelson Carneiro, que foi regulamentada pela Lei 6.515/77. Dessa forma, Silvio Rodrigues nos esclarece que:

A Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, regulamentou o divórcio e veio permitir o divórcio a vínculo em duas hipóteses, uma de caráter permanente e outra de caráter transitório, a saber: a) poderá a separação judicial, dadas as condições configuradas na lei, ser sempre convertida em divórcio. b) poderá o divórcio ser obtido após a separação de fato por mais de cinco anos iniciada antes de dezembro de 1977.[20]

Esta lei inovou ao permitir a hipótese de divórcio vincular, que é aquele que dissolve completamente o vínculo conjugal de forma a permitir novo casamento. Além disso, deu nova denominação ao desquite, que passou a se chamar separação judicial. Nas palavras de Dimas Messias de Carvalho:

A Lei 6.515 de 26 de dezembro de 1977, chamada Lei do Divórcio, regulou os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento. Manteve o divórcio ao vínculo e passou a designar o desquite como separação judicial, revogando o Capítulo I e parte do Capítulo II do Título IV do Código Civil de 1916 ( arts. 315 a 328) que tratava da Dissolução da Sociedade Conjugal e Proteção da Pessoa e dos Filhos.[21]

A lei acima expendida estabelecia, como regra, a modalidade de divórcio- conversão, que acontecia quando depois de separado judicialmente por 03 (três anos), o casal poderia requerer a conversão da separação em divórcio. Entretanto, abria também a possibilidade do divórcio direto, porém este estava somente ao alcance dos casais separados de fato há mais de 05(cinco) anos em 28 de junho de 1977. Impende destacar que esse divórcio era admitido somente uma única vez.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o instituto do Divórcio foi alterado profundamente. Convém destacar os ensinamentos do doutrinador Dimas Messias:

A Constituição Federal de 1988, em seu art.226, §6º, alterou profundamente o divórcio, reduzindo o prazo de conversão para um ano (eram três); admitiu o direto em qualquer época (só era permitido para as separações de fato anteriores à EC n. 09/77); reduziu o prazo para dois anos de separação de fato (eram cinco) e não colocou limites ao número de divórcios, limitado pelo art.38 da lei 6.515/77 em apenas uma vez, ao dispor que:

Art. 226.(...)

(...)

§6º. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. [22]

Assim, a Constituição Federal de 88 reduziu o prazo da separação judicial e de fato para 1 (um) ano no caso de divórcio conversão e de 2 anos para divórcio direto, respectivamente. Sendo uma importante mudança a possibilidade do divórcio ser realizado inúmeras vezes, ou seja, sem haver um número limitado.

Isto posto, Paula Maria Tecles Lara[23] ressalta que, nesse contexto, o indivíduo passou a ser mais importante do que seu patrimônio, sendo abolido o caráter patrimonialista da prévia separação judicial, já que deixou de ser elemento necessário a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, importando- se muito mais com a dignidade da pessoa dos cônjuges.

 Após a Constituição Federal de 1988, adveio a Lei n. 7.841, de outubro de 1989, que tinha por finalidade adaptar a nova lei do divórcio à Carta Magna. Segundo Carlos Roberto Gonçalves:

A Lei n. 7.841, de 17 de outubro de 1989, limitou- se a adaptar a Lei do divórcio à nova Constituição. Deu, porém, nova redação ao art. 40 da referida lei, excluindo qualquer possibilidade de discussão a respeito da causa eventualmente culposa da separação. O único requisito exigido para o divórcio direto passou a ser, assim, a comprovação da  separação de fato por mais de dois anos.[24]

Em 2002, o novo Código Civil manteve o mesmo sentido da Constituição Federal, prevendo a existência da separação judicial ou separação de fato como requisito para o pedido do divórcio. Assim, Caio Mário esclarece que:

O Código Civil, seguindo a linha de orientação da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, abraçou a teoria do “divórcio-remédio”, sem prejuízo da separação judicial pura e simples (contenciosa ou consensual), que provoca a dissolução da sociedade conjugal sem a ruptura do vínculo matrimonial.[25]

Logo, no art. 1.571 do atual Código, fora repetido o art. 2º da Lei nº 6.615/77:

Art.1.571. A sociedade conjugal termina:

I-                   pela morte de um dos cônjuges;

II-                 pela nulidade ou anulação do casamento;

III-              pela separação judicial;

IV-              pelo divórcio.[26]

Dessa forma, Sílvio Venosa chama atenção para o seguinte aspecto:

No cotejo dessa norma, fica bem claro que a separação judicial faz terminar a sociedade conjugal, mas o vínculo do casamento somente dissolve- se pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. É exatamente essa informação que consta do §1º do art. 1572, o qual acrescenta que se aplica a presunção estabelecida no Código para o ausente[27].

Portanto, Venosa adverte para o fato do novo Código ter incluído a morte presumida, também, como forma de rompimento do vínculo conjugal, que, anteriormente, na Lei do Divórcio, se dava, tão somente, pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio. Insta ressaltar, ainda, que a Lei 6.515/77 permanece em vigor naquilo não regulado pelo Código Civil de 2002, em especial as disposições de natureza processual.

 De acordo com o doutrinador Dimas Messias de Carvalho[28], “o Código Civil voltou a regular a dissolução da sociedade matrimonial, do vínculo conjugal e a proteção da pessoa dos filhos, nos moldes da Lei do divórcio. Contudo, trouxe pequenas alterações no que tange, especialmente, a redução dos prazos da separação consensual e remédio”.

A Lei nº 11.441, de 05 de janeiro de 2007, veio tornar possível a separação e o divórcio consensuais, administrativamente ou extrajudicial, desde que obedecidos alguns requisitos. Nesse sentido, o autor supracitado assevera que:

A Lei 11.441, de 04 de janeiro de 2007, trouxe grande inovação ao direito pátrio, permitindo- se a separação e o divórcio consensuais administrativamente ou extrajudicial, mediante escritura pública perante o tabelião de notas, não havendo filhos menores ou maiores incapazes, desde que assistidos por advogado. A escritura pública de separação e o divórcio extrajudicial constituíram título hábil para o registro civil e o registro de imóveis, produzindo todos os efeitos jurídicos.[29]

Para a maioria da doutrina, a referida lei veio para desafogar o judiciário. Ela é considerada tão benéfica que não existe previsão de qualificação específica aos separados extrajudicialmente, sendo abarcados pelo gênero “separação legal ou jurídica”. Diante disso Dimas Messias ensina que:

 A inovação na legislação é tamanha, ao permitir administrativamente atos até então exclusivos do judiciário, que sequer existe previsão de qualificação do estado civil das pessoas separadas extrajudicialmente. Como se sabe, a qualificação civil da pessoa separada legalmente, diferenciando- se da separação de fato, é separada judicialmente, não existindo previsão para a separada extrajudicialmente ou administrativamente. A separação legal ou jurídica passou a ser gênero que comporta as espécies de separação judicial e extrajudicial, necessitando, doravante, ser modificado o estado civil da pessoa separada judicialmente para separada legalmente ou juridicamente.[30]

Ainda sobre a Lei em comento, a professora Maria Luiza Póvoa Cruz[31] defende que “tal inovação revela- se reformadora quanto à dinâmica a que se propõe para desafogar o judiciário, e inovadora quanto aos meios de atingir os seus objetivos cravando- se na nossa jurisfera como um meteoro incandescente, provocando efeitos não imaginados pelo legislador.”

Vê-se, portanto, que a Lei 11.441/2007 foi um importante passo para o divórcio no Direito de Família Brasileiro, sendo fator que de certo influenciou na promulgação da Emenda 66, de 13 de julho de 2010. 

Dessa forma, a EC n. 66/2010 foi um avanço maior ainda na legislação Brasileira e fruto de enorme desempenho do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família, sobre isso Grisard Filho preleciona que:

A EC n.66/2010 foi um grande avanço na legislação brasileira e fruto de enorme empenho do IBDFAM- Instituto Brasileiro de Direito de Família, liderado por seu dinâmico presidente Rodrigo da Cunha Pereira, após deliberação em plenário no IV Congresso Brasileiro de Direito de Família, realizado em Belo Horizonte, no sentido de ser apresentada Emenda Constitucional com o objetivo de unificar no divórcio todas as hipóteses de cessação da vida conjugal, restando apresentadas as PECs 413/05 e 33/07, subscritas pelos deputados e associados do IBDFAM Antônio Carlos Biscaia, ex- promotor de justiça em vara de família, e Sérgio Barradas Carneiro, consolidadas no substitutivo do Deputado Joseph Bandeira.[32]

Ocorre que a mudança não foi vista com bons olhos por todos. Alguns integrantes da Igreja Católica criticaram a sua promulgação, sob o argumento de que irá causar a banalização do divórcio. Nas palavras do vice- presidente da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), Dom Luiz Soares Vieira:

Se facilitar muito, eu acho que se banaliza mais ainda o matrimônio, que já está banalizado. O único problema é esse. Daqui a pouco, a pessoa vai na frente de qualquer juiz e diz que não é mais casada e depois vai na frente de qualquer ministro da Igreja e casa de novo. É banalizar demais uma coisa que é muito séria.[33]

Com argumento contrário, o próprio Presidente da CNBB, Dom Geraldo Lyrio Rocha entende que a nova proposta ao invés de estimular o divórcio, estimula casamentos. Diante disso asseverou que:

Isso é secundário em relação à questão fundamental. Mesmo que a legislação do país permita o divórcio, para a Igreja, o divórcio não é permitido de forma alguma. A Igreja reafirma a indissolubilidade e a estabilidade do matrimônio.[34]

No entanto, tal discussão não gerou repercussão entre os estudiosos do direito de família, ao contrário, já que foi vista quase pela unanimidade como medida inovadora e benéfica.

A emenda foi promulgada em 13 de julho de 2010, dando nova redação ao §6º da Constituição Federal de 1988. Esta excluiu do texto constitucional a separação jurídica, o divórcio por conversão e a necessidade de prazo para a decretação do divórcio. Logo, passou a valer a seguinte redação:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.[35]

Tem-se que o Novo Divórcio, para a grande maioria dos doutrinadores, aboliu do ordenamento jurídico a separação jurídica. Na opinião deles, não mais se justifica no momento atual este instituto, posto que no momento anterior, quando da introdução do divórcio no Brasil, através da EC 09/1977, existia no país grande resistência da Igreja frente ao temor de se ocorrer uma “enxurrada” de divórcios e consequente enfraquecimento da família, fato que não se concretizou. Logo, naquela época, por tal razão se justificava a existência de uma prévia separação para posterior decretação do divórcio. Nas palavras de Dimas Messias:

Os temores não se concretizaram e a experiência histórica demonstrou que o divórcio, ao invés de enfraquecer, fortaleceu as famílias, possibilitando que casais que já não possuíam afeto se libertassem do vínculo, constituindo novos casamentos, felizes e estruturados.[36]

Assim, este estudo visa à análise da EC n. 66/2010, com os seus efeitos, discussões doutrinárias e perspectivas, que serão melhores apresentados no decorrer deste trabalho.

Sobre a autora
Nara Oliveira de Almendra Freitas

Advogada em Teresina (PI).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Nara Oliveira Almendra. O novo divórcio e o Estatuto das Famílias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3575, 15 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24193. Acesso em: 22 dez. 2024.

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