CONCLUSÃO
Conforme já se ressaltou no presente artigo, foi louvável a iniciativa por parte do Poder Legislativo em reconhecer, no âmbito dos condomínios edilícios, um problema recorrente e buscar uma solução legal para diminuição de conflitos entre moradores. Entretanto, a eficácia dessa iniciativa foi limitada, uma vez que elaborado dispositivo legal demasiadamente vago e, por conta disso, de difícil aplicação. Em face desse contexto, tem sido a jurisprudência a responsável por conferir à Lei seus exatos contornos e forma de aplicação.
Em primeiro lugar, pacificou-se entendimento segundo o qual, para aplicação da multa na esfera administrativa condominial, é necessário que tenham sido estritamente observados o princípio do contraditório e da ampla defesa. Isso significa que o condômino acusado de praticar conduta antissocial tem direito de conhecer, previamente e em seus exatos termos, a imputação que lhe é atribuída. Somente dessa maneira, poderá preparar-se, produzir provas e defender-se com eficácia. Além disso, deve ser garantido a este tempo suficiente para manifestar-se na assembleia geral de condôminos convocada com finalidade de aplicação da multa. Caso contrário, restará configurado o cerceamento de defesa e, na hipótese de ação judicial, dificilmente, será mantida a penalidade. Consequentemente, todo o dispêndio de tempo e dinheiro para convocação da assembleia, sua realização e distribuição de atas terá sido em vão. Por isso, é importantíssimo que as convenções condominiais descrevam devidamente o procedimento a ser adotado para a aplicação da multa por comportamento antissocial, assegurando, em respeito à Lei e á Constituição da República, o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Quanto à necessidade de reiteração da conduta para aplicação da multa, conclui-se que não se exige que haja qualquer forma de advertência ou notificação em relação a um primeiro comportamento antissocial para que uma segunda conduta indevida configure a reincidência. Isto quer dizer que, verificado mais de uma ação ou omissão que se enquadre como antissocial, é possível adotar o procedimento para penalizar o condômino. Entretanto, deve-se ressaltar que os comportamentos devem ser constatados em contextos fáticos distintos. Portanto, se em um mesmo contexto, o condômino pratica várias condutas antissociais, ainda assim, considera-se esta uma conduta isolada.
É fato que a Lei exige a reiteração da conduta antissocial para que se possa sancionar o morador por esse motivo. Por outro lado, também é verdade que, se a ação ou omissão for descrita em convenção de condomínio ou regulamento interno como infração e for estabelecido procedimento e quórum para aplicação de uma multa por esse ato ou omissão, nada impede que o condômino seja punido se cometida essa única conduta. Por exemplo, se a convenção condominial estabelecer que agressão física a outro morador ou funcionário constitui infração administrativa e cominar pena de multa a esta conduta, nada impede que esta seja aplicada. Com isto, a partir de qualquer outra conduta passível de ser considerada antissocial, prevista ou não como infração na convenção de condomínio, seria possível adotar-se o procedimento legal para aplicação da multa por comportamento antissocial, o que pode ser eficaz para inibir outras ações do mesmo gênero, dada sua onerosidade.
Em relação ao quórum exigido, em assembleia geral de condôminos, para aprovação da multa, a jurisprudência parece ser pacífica em adotar o mesmo quórum do “caput” do artigo 1337. Contudo, cumpre salientar que este quórum, somado à previsão de iniciativa da aplicação da multa por parte do síndico, tende a dificultar muito a ocorrência dessa sanção na prática. Afinal, ao tomar a iniciativa, o síndico corre grande risco de não conseguir a ratificação da penalidade em assembleia, principalmente, em virtude de falta de quórum de comparecimento. Situações como esta são passíveis de, indubitavelmente, minar a autoridade e representatividade do síndico perante os outros condôminos o que, para ele, é claramente indesejável. Por isso, é bastante improvável que um síndico, efetivamente, tome essa iniciativa, o que torna a aplicação da penalidade rara de ser verificada na prática.
No que se refere à determinação de quais seriam os comportamentos tidos como antissociais e capazes de gerar incompatibilidade de convivência, a jurisprudência reconhece as mais diversas formas de ação e omissão. Seriam antissociais desde comportamentos grosseiros até agressões físicas. Considerou-se antissocial até mesmo a falta de pagamento reiterada de valores referentes a contribuições condominiais. O importante é que a conduta seja realmente capaz de criar toda uma atmosfera de animosidade no âmbito do condomínio edilício que torne, realmente, insustentável o convívio.
Há decisões no sentido de que, para ser considerada antissocial, a conduta deveria ser prevista, ao menos em tese, em convenção condominial ou regulamento interno, como infração. Todavia, essa posição não deve ser acatada. Afinal, é absolutamente impossível que se preveja, nesses documentos, toda e qualquer forma de comportamento passível de tornar a convivência incompatível. Seria injusto impossibilitar a aplicação de multa por repetição de uma conduta gravíssima simplesmente por esta não estar prevista em convenção ou regulamento como infração. A própria Lei não realiza essa definição e, em nenhum de seus dispositivos, delega-a aos condôminos.
Em se tratando do valor da multa a ser aplicado, resta claro que o limite máximo é o previsto em Lei, ou seja, o décuplo do valor atribuído à contribuição relativa às despesas condominiais. Consequentemente, não poderia ser estabelecido, em convenção condominial ou regulamento interno, valor superior a este montante. Por outro lado, tais documentos condominiais poderiam, sim, prever uma sanção menos onerosa que a prevista em Lei. Assim, em caso de eventual ação judicial que visasse questionar o valor da penalidade, o juiz ficaria adstrito ao disposto em convenção condominial ou regulamento interno, pois deve respeitar a autonomia de vontade das partes, ou seja, dos condôminos.
Também há entendimento no sentido de que os limites legais e convencionais não são os únicos a serem observados. Há julgados em que se afirma que a multa deve respeitar a realidade condominial e social. E, de fato, pode ser considerado injusto e não razoável aplicar o mesmo limite máximo para todos os tipos de condomínio e classes sociais. Por um lado, é verdade que valor da sanção é variável de acordo com o valor das contribuições condominiais e que é possível pressupor que populações de baixa renda vivam em condomínios onde essas despesas sejam inferiores. Por outro lado, também é verdade que, ainda assim, o valor da multa aplicada em seu máximo para um morador carente poderia ter impactos muito mais sérios e devastadores, inclusive em relação à sua subsistência, que para indivíduos abastados, moradores de condomínios luxuosos.
Quanto à possibilidade de expulsão do condômino antissocial, também existe divergência jurisprudencial. Grande parte dos julgados é no sentido de não admiti-la, tendo em vista a falta de previsão legal. Restaria, assim, aos condôminos prejudicados a aplicação da multa prevista em Lei, sem prejuízo das perdas e danos sofridos. Em sentido oposto, há acórdãos que admitem a expulsão, desde que haja convicção de que, realmente, houve reiteração de condutas graves. Por fim, há um posicionamento intermediário, de acordo com o qual seria possível a exclusão do condômino antissocial caso houvesse previsão expressa em convenção condominial admitindo-a e regulando-a.
Por fim, conclui-se que, diante da dissonância jurisprudencial em face de várias questões relativas ao parágrafo único do artigo 1137 do Código Civil, as convenções condominiais e regulamentos internos tornaram-se documentos fundamentais para regular a matéria em âmbito interno. Uma convenção condominial que descreva, de forma exemplificativa, as infrações, que regule o procedimento para a aplicação da multa de forma adequada e que preveja, expressamente, a possibilidade de expulsão do condômino antissocial tende a cumprir muito bem diversas funções. Em primeiro lugar, podem inibir, com eficácia, comportamentos indevidos, uma vez que os condôminos terão ciência de quais são as condutas a serem evitadas. Em segundo lugar, garantem segurança e previsibilidade no tocante ao procedimento adotado, garantindo direitos fundamentais. Em terceiro lugar, impossibilitam subjetivismos relativos ao montante a ser aplicado a título de sanção. Com isto, diminui-se a chance de emergirem motivos que acarretem demandas judiciais que, quando ajuizadas, geram ainda mais custos e desarmonia entre os condôminos o que contraria, de maneira flagrante, os próprios objetivos da Lei.
Nota
[i] O âmbito de amostragem selecionado foram as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul