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As matérias não sujeitas à preclusão para o Estado-Juiz

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Agenda 11/05/2013 às 14:50

III – JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE RECURSAL

7. A “construção jurídica” empregada para se estabelecer a não preclusividade para o juiz em relação às matérias de ordem pública, imperativas, que extrapolam a exclusiva alçada da discricionariedade das partes, além dos casos envolvendo as condições da ação e os pressupostos processuais, pode ser visualizada em outras grandes questões do processo, cabendo destaque a cinco delas, que passam agora a ser analisadas em pormenores – iniciando-se pelo juízo de admissibilidade recursal.

Em sede recursal (apelação, recurso ordinário e recursos excepcionais), antes de ser proferida qualquer decisão de mérito frente à irresignação interposta, necessário que o Judiciário examine a presença dos requisitos de admissibilidade do recurso – o que se dá por meio de dois diversos órgãos: o Juízo a quo pronuncia-se de maneira provisória, e depois, em caso de encaminhamento do recurso ao Juízo ad quem, nova investigação da admissibilidade é processada pelo Tribunal.

Na tradicional classificação das condições de admissibilidade dos recursos cíveis visualiza-se a presença não só dos requisitos intrínsecos – como o cabimento, legitimidade, interesse de recorrer e inexistência de fato impeditivo ou extintivo; mas também a dos requisitos extrínsecos – como a tempestividade, a regularidade formal e o preparo. Daí por que se diz, como ressalta Vicente Greco Filho[37] e Leonardo Castanhas Mendes,[38] que os requisitos de admissibilidade dos recursos são verdadeira extensão, perante a segunda instância, dos requisitos ou condições da ação, cuja presença condiciona, em primeiro grau, o exercício do ofício judicante, devendo ser reexaminados em fase recursal segundo as peculiaridades dessa etapa do processo; como também se assevera, nas palavras de Barbosa Moreira, que em relação ao recurso há de abrir-se ao órgão judicial – do mesmo modo que se abre quanto ao pedido originário – oportunidade para verificar se estão reunidos os pressupostos do pleno exercício da sua atividade.[39]

Vê-se, assim, com base em fragmentos de destacada doutrina pátria, que é sim viável uma firme aproximação do fenômeno das matérias preliminares de mérito no primeiro grau (condições da ação e pressupostos processuais) com os requisitos de admissibilidade do recurso manejado à superior instância. E, a partir dessa premissa, razoável se concluir, como vem apontando a melhor jurisprudência, que o juízo de admissibilidade recursal, a exemplo das matérias preliminares no primeiro grau, envolve tema de ordem pública, reconhecível de ofício pelo órgão judiciário, a qualquer tempo, desde que conserve este a sua jurisdição.[40]

Não há, assim, condições de ser avalizada posição de João Batista Lopes,[41] Teresa Arruda Alvim Wambier,[42] e do próprio citado Barbosa Moreira[43] no sentido de que mesmo após o despacho de recebimento do recurso, caso verifique o magistrado a intempestividade do mesmo (ou a falta de qualquer outro imprescindível requisito), não possa o agente político do Estado voltar atrás na sua decisão em face do impedimento imposto pela “preclusão pro judicato”. Em oportunas linhas, rebate Araken de Assis: “Nada impede ao juiz, após reputar admissível o recurso, posteriormente alterar sua convicção inicial, estimando-o inadmissível, porém antes do julgamento do mérito e desde que o possibilite seu estágio de processamento”.[44]

De fato, mesmo após o Juízo a quo julgar pela admissibilidade do recurso, poderia sim voltar atrás em ulterior estágio de processamento, após vista da irresignação à parte contrária (para fins de apresentação de contrarrazões), passando a entender pela necessidade de negativa de seguimento à irresignação. Nesse sentido Dinamarco bem frisa que o “juízo a quo tem o poder de desfazer o juízo positivo depois de oferecidas as contra-razões de apelação”,[45] como também Alcides de Mendonça Lima deixa consignado que, se o juiz, oficiosamente ou advertido pela parte interessada, “verifica que não era caso de apelação ou que errou no efeito recebido (se deveria ser no meramente devolutivo e admitiu em ambos, ou vice versa), nada obsta reconsiderar seu despacho, para adotar orientação certa e legal”.[46]

8. A propósito, a redação do art. 518 do CPC, determinada pela Lei n° 8.950/94,[47] indica para a correção do raciocínio supraexposto, in verbis: “Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder. Parágrafo único: Apresentada a resposta, é facultado ao juiz o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso”. É bem verdade que a Lei n° 11.276/2006 alterou a redação do informado parágrafo único (passando o § 2° a dispor que: “Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso”); no entanto, a nosso ver, tal alteração não modifica em nada o enquadramento do juízo de admissibilidade recursal como matéria de ordem pública, a ser reanalisada, se for o caso, pelo juiz dentro e mesmo após o prazo novel de cinco dias – já que estamos aqui diante de típico e genuíno prazo impróprio, a não inviabilizar que mesmo depois de superado o irrisório lapso temporal previsto na lei possa o julgador se retratar.

Ainda, há de se dizer, que mesmo havendo grave equívoco no conhecimento do recurso manifestamente inadmissível, e mesmo inexistindo recurso imediato contra essa decisão do Juízo a quo, que conhece e processa a irresignação, a instância superior, por força do efeito devolutivo, fará, antes de ingressar no mérito propriamente dito, o seu controle definitivo acerca da possibilidade de conhecimento do recurso – oportunidade em que a manifestação da parte recorrida na busca pelo não conhecimento do recurso pode obter perfeito trânsito. Aliás, mesmo a corrente, capitaneada por Barbosa Moreira, que entende pela impossibilidade de retratação do juízo positivo de admissibilidade recursal proferido pelo magistrado de primeira instância, não discorda que não resta por isso preclusa a reapreciação da matéria pelo órgão competente para julgar o recurso principal.[48]

9. Visto que pode haver retratação do juízo positivo de admissibilidade recursal, mas desde que o órgão judicial mantenha jurisdição no feito (ou seja, desde que os autos ainda não tenham sido encaminhados para a superior instância), conveniente nos deter, em maiores detalhes, à hipótese de juízo de admissibilidade negativo encaminhado pelo Juízo a quo.

Se a parte prejudicada deixa de interpor o competente recurso de agravo de instrumento, dá-se a preclusão (temporal) para ser revertida a gravosa decisão interlocutória, operando-se o consequente trânsito em julgado da demanda. Já interpondo o recurso legal, caberá ao Tribunal se pronunciar provisoriamente sobre a admissibilidade recursal, determinando com o eventual provimento do agravo, a subida dos autos principais (com o recurso) para ulterior julgamento. Foi dito que caberá à instância superior a pronúncia “provisória” da admissibilidade, já que mesmo tornando-se irrecorrível a decisão do agravo de instrumento, o Tribunal antes de ingressar no mérito do recurso principal, poderá reavaliar aquela decisão, vindo a não conhecer o apelo em face da formação de uma convicção mais recente, quanto à inexistência do já analisado requisito de admissibilidade recursal e/ou de qualquer outro.[49]

No entanto, devemos reconhecer que não há unanimidade de tratamento na matéria, existindo fundamentação em sentido contrário[50] justamente pregando que se o Tribunal já conhece de todos os elementos necessários e pode desde já exercer juízo seguro sobre a questão que motivou a não subida imediata do apelo, então não há cabimento em dizer-se que este juízo, assim exercido, seja, de alguma maneira, provisório.

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Por outro lado, mesmo essa corrente contrária concorda, ao menos, que a solução seria outra se o fundamento utilizado para negar agora admissibilidade ao recurso principal fosse diverso daquele que se valeu o mesmo Tribunal para dar provimento ao agravo de instrumento, retificando o juízo de admissibilidade negativo pronunciado pela inferior instância.

Em termos práticos isso significa que se o não conhecimento de uma apelação pelo juízo sentenciante se deve à intempestividade do recurso, depois não reconhecida pelo Tribunal que deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela parte apelante, para essa corrente dever-se-ia cogitar de preclusão para a instância superior, ao momento de julgar a apelação, quanto ao exame de admissibilidade recursal pertinente a esse requisito (intempestividade), mas não para qualquer outro, como a presença de preparo, por exemplo – hipótese em que o Tribunal antes do julgamento do mérito do recurso poderia julgar pelo não conhecimento da apelação em razão da deserção.

Fica então o registro desse ponto de convergência dos estudiosos na matéria, embora persistamos entendendo pela possibilidade mais ampla da ponderação oficiosa no juízo de admissibilidade recursal.


IV – NULIDADES ABSOLUTAS

10. O trato com a problemática das invalidades – especialmente com a categoria das nulidades absolutas (a englobar inúmeros vícios processuais ligados aos pressupostos processuais e as condições da ação) – irá nos apontar mais uma importante matéria não preclusiva para o julgador, a ser pronunciada mesmo que de ofício, a qualquer tempo, desde que mantida a sua jurisdição.

Cabe registrar inicialmente que as nulidades, em geral, são sanções processuais sempre decretáveis pelo Estado-juiz (não se operam ipso iure), decorrentes da violação de uma prescrição processual que se mostra substancial no feito (caso de atipicidade/inadequação relevante), passíveis de sanação mesmo que se trate de nulidades absolutas (em caso de atipicidade/inadequação irrelevante), e que atuam no plano da validade (plano anterior ao da eficácia/inadmissibilidade, e posterior ao da existência).[51]

A necessidade de progressão do estudo, nesta oportunidade, cinge-se precipuamente em identificar as espécies de nulidade (ou invalidades) que podem ser reconhecidas oficiosamente a qualquer momento procedimental (sendo, portanto, não preclusivas) – nominando as principais delas, a partir das disposições pertinentes do diploma processual.

Distingamos, pois, as nulidades em absolutas e relativas, nos moldes objetivos anunciados pelo CPC no art. 245, in verbis: “nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão. Parágrafo único: Não se aplica esta disposição às nulidades que o juiz deva decretar de ofício, nem prevalece a preclusão, provando a parte legítimo impedimento”.

Há de se explicar, em relevante parêntese, que a classificação das nulidades desenvolvida por Galeno Lacerda, em seu célebre “Despacho Saneador”,[52] foi, de fato, muito difundido na doutrina pátria, como reconhecem, dentre outros, Rui Portanova,[53] Arruda Alvim,[54] Daniel Mitidiero[55] e Antônio Janyr Dall’Agnol Jr.[56]

Em laboriosa subdivisão entende Galeno Lacerda que se poderia falar em quatro espécies de invalidades, a saber: nulidade absoluta – vício insanável que viola norma imperativa protetora de interesse público; nulidade relativa – vício sanável que protege interesse da parte, advindo de norma imperativa; anulabilidade – vício sanável que protege interesse da parte, mas a ofensa verificável é de norma dispositiva; e irregularidades – vício de menor gravidade, cujo defeito não provoca sequer a ineficácia do ato ou da relação processual.

No entanto, sem desprestigiar a importância do estudo proposto por Galeno Lacerda, parece-nos suficiente a mera divisão das nulidades em absolutas (interesse suprapartes) e relativas (interesse das partes), notadamente em função da posição adotada pelo Código Buzaid – que entrou em vigor aproximadamente duas décadas depois da publicação da obra de Lacerda.[57] Para tanto, seria o caso de agregar à concepção das “nulidades relativas” o conceito de “anulabilidades”, além de desfavorecer a ênfase concedida às “irregularidades” – mantendo na íntegra somente a dimensão e peso concedida às “nulidades absolutas”[58].

11. Acolhida a divisão das nulidades em absolutas e relativas, fecha-se o esquema inicial com uma conceituação mais próxima dessas modalidades – ressalvado, neste ensaio, o efeito prático da distinção, “na possibilidade, ou não, de o juiz, porque presumido o prejuízo, poder reconhecer de ofício a irregularidade e decretar a nulidade do ato”.[59]

As últimas, diversamente das primeiras, não podem ser conhecidas de ofício pelo julgador; incidindo o fenômeno preclusivo caso não sejam as nulidades relativas arguidas pelas partes de imediato, na primeira oportunidade em que tiverem se de manifestar nos autos.

Daí a razão para José Maria Tesheiner utilizar a expressão “vícios preclusivos” para identificá-las.[60] Humberto Theodoro Jr. explica que são configuradas as nulidades relativas por exclusão: “os atos viciados, que não sejam por violação de pressupostos processuais ou condições da ação, e para os quais não exista cominação expressa de nulidade na lei, são atos processuais relativamente nulos”.[61]

E especialmente tratando da alegação das nulidades relativas em sede contestatória, sob pena de preclusão (sanatória do vício), diante do posterior despacho saneador a ser lavrado pelo Estado-juiz, leciona J. Frederico Marques:  “Quando o juiz não teve de resolver questão alguma daquelas resultantes dos arts. 267 e 301, limitando-se a declarar simpliciter o processo em ordem, inexiste preclusão pro judicato. Poderá registrar-se apenas preclusão temporal, com base no art. 245, para as nulidades relativas que o réu não invocou, com o seu respectivo e conseqüente saneamento”.[62]

Por sua vez, as nulidades absolutas, embora devam ser arguidas pela parte na primeira oportunidade que tiverem para se manifestar nos autos, em face de sua gravidade, podem ser invocadas em ulterior momento no feito, mesmo por petição simples, caso não sejam objeto de atividade oficiosa do próprio magistrado, o qual identificando a presença de uma nulidade absoluta insanável deve, de plano, tratar de reconhecê-la.

Dentro dessa conjectura, enquadram-se, a contento, as palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier: “as nulidades (absolutas) podem ser alegadas pelas partes, a qualquer tempo, e decretadas pelo juiz de ofício, inexistindo, pois, para aquelas e para este, preclusão. São vícios insanáveis, pois que maculam irremediavelmente o processo”.[63] Humberto Theodoro Jr. traz em destaque a relevância dos pressupostos processuais e das condições da ação, os quais denomina de “vícios profundos”: “não se sujeitam à preclusão, nem deixam de macular o processo só pela errônea conduta do juiz que decide a lide, sem atentar para a inexistência de condições jurídicas para a sentença de mérito”.[64]

Não poderíamos deixar de registrar que, em uma das principais obras a respeito do tema escrito no País, Calmon de Passos critica ferozmente a distinção das nulidades em absolutas e relativas, entendendo que não há espaço para se falar nas últimas, supostamente sujeitas ao regime da preclusão processual: “até esta data ainda não consegui identificar uma forma processual que tenha sido estabelecida no exclusivo interesse de uma das partes do processo, daí afirmar que, entre nós, a preclusão não ocorre. A oponibilidade perdura”.[65]

Por certo, maiores digressões nessa problemática certamente refogem à área de abrangência deste ensaio; mesmo assim, inclusive a partir desse esboço de uma teoria de nulidades proposto por Calmon de Passos, fica claro que há uma extensa (senão uma plena) área de atuação oficiosa do magistrado em matéria de nulidades (ou invalidades), ratificando-se assim a extrema importância do tema no macroestudo das não preclusividades concernentes à atividade jurisdicional.

Tratemos, pois, de expormos as principais nulidades absolutas que comportam exame oficioso a qualquer tempo – destacando-se os vícios referentes às citações, às intimações, às sentenças e aos cerceamentos de defesa em matéria probatória.

12. Em nota às disposições referentes às nulidades absolutas, Theotonio Negrão[66] identifica vícios cominados nos seguintes dispositivos do Código Buzaid: art. 11, parágrafo único (autorização ou outorga necessária do cônjuge, não suprida pelo juiz); art. 13, I (incapacidade processual ou a irregularidade da representação, não suprida pelo autor); art. 84 (falta de intimação do Ministério Público, quando obrigatória); art. 113, § 2° (declaração de incompetência absoluta); art. 214 (nulidade de citação no rito de conhecimento); art. 236, § 1° (nulidade da intimação, na qual constem os nomes das partes e de seus advogados, suficientes para sua identificação); art. 246 (nova referência à nulidade do processo por ausência do Parquet, quando deva intervir no feito); art. 247 (menção conjunta às nulidades de citações e às intimações, quando feitas sem observância das prescrições legais); art. 618 (hipóteses de nulidade da execução, se o título executivo extrajudicial não corresponder à obrigação certa, líquida e exigível – art. 586, se o devedor não for regularmente citado, e se instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrido o termo, nos casos do art. 572); e, finalmente, art. 1.105 (ao tratar dos feitos de jurisdição voluntária, regula que serão citados, sob pena de nulidade, todos os interessados, bem como o Ministério Público).

Vê-se do rol de nulidades cominadas (absolutas) sobreditas, que as referências às ausências dos pressupostos processuais são significativas, notadamente no que pertine à falta de citação válida (pressuposto positivo objetivo) – a ser exigido, por expressa disposição do CPC, não só no rito de conhecimento, mas também na execução, e mesmo nos procedimentos de jurisdição voluntária. Não é por acaso, sem dúvida, que Chiovenda teve como umas das suas célebres máximas, a que registra ser o maior vício processual “a falta de comunicação ao réu”.[67]

Quanto à citação válida do réu/executado: há normativo (art. 214, § 1°, do CPC) prevendo que se o réu comparece em juízo mesmo estando configurado vício na citação, não deve ser declarado já que a finalidade foi obtida (comparecimento do demandado ao feito) – aplicando-se assim, à espécie, os princípios gerais da instrumentalidade das formas e do não prejuízo específico à parte (art. 244 c/c 249, § 1°, do CPC).[68] Em sentido oposto, a mais tênue imperfeição é relevante quando o objetivo não foi alcançado.[69]

O nosso diploma processual, de fato, trata a citação com enfoque especialíssimo. As invalidades que cercam o ato de chamar o réu ao processo, angularizando a relação jurídica processual, é tema de destaque e ferrenha defesa mesmo após o trânsito em julgado da demanda. Há possibilidade de o demandado, prejudicado, opor embargos à execução, ou mesmo ingressar com novel processo para declaração de ineficácia da sentença ainda que decorrido o prazo para a propositura de ação rescisória – daí falar-se em caso de “vícios transrescisórios”, na circunstância de processo que corre à revelia do demandado por defeito na citação do réu.[70]

A doutrina trata com destaque particular a ocasião das nulidades que envolvem a citação por edital do réu/executado.[71] De fato, este remédio excepcional deve ser utilizado tão somente quando esgotados todos os meios possíveis para a localização da parte demandada, sendo por isso descabido se utilizar do edital em caso de infrutífera notificação do réu/executado na primeira tentativa levada a cabo pelo oficial de justiça – até porque não é raro se dar o equívoco, na célere citação do demandado, por culpa do próprio autor/exequente (a quem compete fornecer o endereço correto e atualizado do ex adverso).

13. Quanto à intimação dos atos processuais: a lei reclama a mesma segurança exigida para a citação e de seus defeitos resultam as mesmas consequências, só diferentes em termos de repercussão sobre os atos do processo.[72]

Realmente, a regularidade exigida para o chamamento do demandado ao processo na primeira oportunidade deve ser mantida ao longo da tramitação do feito, a fim de que seja proferida decisão final legítima – sendo pressuposto da sentença, o encadeamento válido de todos os anteriores atos do processo (dos quais necessariamente devem ter ciência as partes, para efeitos de defesa e consolidação de suas posições na relação processual estabelecida).

Assim sendo, o vício referente à ausência de intimação da parte processual é também matéria não preclusiva, podendo ser reconhecida de ofício, mesmo em segundo grau, dependendo da gravidade/relevância da infração. O tema é interessante, já que, na prática forense, bem se pode verificar a presença de vício na intimação de um importante ato processual no primeiro grau, e mesmo assim a parte prejudicada e sucumbente (diante de prolatada sentença definitiva), pode não vir a expor em razões de apelação a ocorrência na nulidade (em sede de preliminar recursal), vindo tão somente a discutir no apelo o mérito.

A questão foi objeto de estudo específico na Itália por Antonella Parisi, tendo a jurista peninsular apontado conclusão, com que não pactuamos, no sentido de que vício na intimação de ato, em meio à instrução, que venha a trazer prejuízo ao estabelecimento do contraditório entre as partes, não alegada em apelação, determina preclusão ao segundo grau para exame da questão.[73] Também é essa a posição, dentre nós, defendida por José Maria Tesheiner, apresentando o seguinte caso concreto:  “Suponha-se que uma das partes seja intimada da juntada de documento nos autos por intimação nula, nos termos do art. 236, § 1°. Faltou, por exemplo, o nome de seu advogado. Realiza-se a audiência. A parte é vencida e apela, pedindo a reforma da sentença, sem jamais aludir à nulidade daquela intimação. Evidentemente, não poderá o tribunal decretá-la de ofício, ainda que cominada”.[74]

Por estarmos claramente diante de vício não preclusivo importante para o deslinde da causa (nulidade absoluta, cominada), não há como avalizarmos este entendimento. Pensamos, portanto, que mesmo de ofício pode, in casu, o Tribunal ad quem decretar a nulidade da sentença (em face do vício de intimação), remetendo os autos à instância a quo para regular processamento da instrução a partir do marco inicial maculado pela nulidade absoluta verificada – no caso concreto apresentado por Tesheiner, da atípica intimação de juntada de documento aos autos, ressalvada a possibilidade de não anulação da audiência, em caso de o seu resultado ser independente do teor do documento juntado (arts. 248 e 249, caput, do CPC). Obviamente, foi dito que o Tribunal “poderá” e não “deverá” decretar a nulidade absoluta, já que há de ser feito uma ponderação no caso concreto sobre a gravidade da infração (arts. 244 e 249, § 1°, do CPC), justamente para efeitos de se determinar a relevância da atipicidade, a fixar ou não a invalidade da sentença de mérito proferida.

14. Especificamente quanto às nulidades da sentença: há de se levar em conta ao menos dois macroaspectos: deficiência no relatório e/ou na fundamentação sentencial; como também a presença de julgamento extra petita, ultra petita e citra/infra petita.

Depois da citação, provavelmente o mais importante ato do processo no primeiro grau seja a prolação da sentença, em que o julgador, pela via preferencial definitiva ou, subsidiariamente, terminativa, presta a devida e esperada tutela jurisdicional.[75] Trata-se de “ato jurisdicional magno”;[76] é a resposta do Estado-juiz ao problema de direito trazido pelos jurisdicionados, ávidos por justiça e paz social. É a sentença, em suma, “a síntese da função jurisdicional”.[77]

Daí a importância de a decisão final ser a mais completa possível, seja na apresentação do histórico da demanda (relatório – art. 458, I, do CPC), seja na fundamentação de fato e de direito que encaminhe o julgamento a favor do autor ou do réu (art. 458, II, do CPC), seja na confecção de dispositivo sentencial (art. 458, III, do CPC) que contemple toda a discussão trazida ao judiciário, sem passar a conceder o magistrado coisa além, e/ou coisa diversa da perseguida.

Quando a sentença contemple alguma imperfeição nesses comandos, passível então de ser declarada nula, a fim de novo decisum ser produzido.

O problema da fundamentação sentencial é notoriamente mais grave do que as possíveis irregularidades constantes no relatório da decisão, que em geral não vão influir no julgamento da causa, a ponto de por si só representarem motivo suficiente para a interposição de recurso à superior instância. No entanto, a fundamentação é essencial, no nosso Estado Democrático de Direito, para legitimar a decisão final proferida, razão pela qual a matéria pode ser tema de debate até nas instâncias extraordinárias, tendo em vista suposta violação do que dispõem os já nominados arts. 165 do CPC e 93, IX, da CF/88.

Ao mesmo tempo em que não se nega a importância do ativismo judicial no comando da marcha do processo, ressalta-se a importância da (1) motivação das decisões (tanto mais elevada quanto for a importância da medida a ser adotada pelo Estado-juiz), ao lado da presença constante do (2) contraditório e da figura do (3) duplo grau de jurisdição.[78] São com esses (três) elementos essenciais, integrantes de um “sistema de legalidade”, corporificador do due process, que se combate o arbítrio jurisdicional (desvios decorrentes da necessária conduta ativa do julgador), lavrando-se decisum final mais próximo da legitimidade exigida pela sociedade política.[79]

Ainda quanto às peculiaridades pertinentes à necessidade de motivação plena/completa, importante ainda se consignar que em caso de ser interposto recurso de apelação em razão de vícios presentes no relatório e/ou na fundamentação sentencial, deve o julgador ter presente especialmente o contido no art. 249, § 2°, do CPC – passando, sempre que possível, a proferir decisão de mérito favorável à parte que se beneficiaria com a decretação da nulidade.[80]

Já sobre a presença de julgamento destoante do pedido encaminhado pela parte autora, temos a posição de que somente o julgamento ultra petita (coisa além do pedido), autoriza o segundo grau a não invalidar o ato, vindo a tão só reduzir (adequar) o comando sentencial ao âmbito do que permitido ser concedido judicialmente, em face do pleito dirigido pela parte demandante.[81]

Por outro lado, proferida sentença citra/infra petita (não analisado algum dos pedidos)[82] ou extra petita (julgado coisa diversa da pedida),[83] normalmente o acórdão deve se postar para a decretação da nulidade, com o retorno dos autos para novo julgamento pelo primeiro grau, atentando-se para o fenômeno de supressão de instância[84] – a não ser em caso de ser possível a aplicação do anunciado art. 249, § 2°, do CPC.

Em certos casos, porém, ponderam a doutrina[85] e a jurisprudência,[86] que se pode, quando materialmente possível, reduzir a sentença aos limites correspondentes ao pedido, ainda quando se trate de sentença extra petita, desde que, além da decisão que desborda os limites do pedido, tenha o magistrado decidido também o pedido propriamente dito.

Por óbvio, complemente-se, a sentença que analisando todos os pedidos, mas acaba concedendo coisa menor do que a pedida, é distinta sobremaneira do contexto de classificação das outras modalidades; já que aqui não há de se cogitar de nulidade. Constitui-se, na verdade, essa hipótese em exata matéria de fundo, a ser objeto de recurso de apelação e próprio cerne do julgamento de mérito, superada a verificação de qualquer matéria (preliminar) de nulidade absoluta.

15. Por derradeiro, no que pertine aos cerceamentos de defesa em matéria probatória: façamos, aqui, uma ponte com a próxima matéria não preclusiva a ser trabalhada (o direito probatório), deixando para esse momento oportuno os desenvolvimentos e as análises específicas pertinentes.

Por ora, a lembrança que não poderia deixar de restar firmada se situa na devida compreensão de que o agir do Estado-juiz arbitrariamente limitador do contraditório pleno entre as partes, a partir da inviabilização da produção dos meios probantes requeridos, pode sim responder pela nulidade dos atos posteriores do rito que se seguirem à ilegal atitude comissiva.

O devido processo legal, tendo o contraditório como vital corolário, impõe que as partes tenham garantidas todas as possibilidades, lícitas e legítimas, de convencimento do julgador; sendo nulo o processo em que constatada supressão à parte do amplo direito de provar a sua versão dos fatos (previsão expressa no art. 5°, LIV, LV, e LVI, da CF/88).

Não obstante a falta de vinculação expressa no texto da lei processual a respeito desta nulidade absoluta (vício não cominado pelo CPC), a previsão constitucional supera com tranquilidade a imprecisão do Código, sendo certo que a gravidade imposta pelo cerceamento de defesa é vício tão grave (senão maior) quanto aquele que pode recair sobre a citação, a intimação, e o próprio corpo da sentença.

Bem adverte Calmon de Passos que a temática envolve especialmente a nulidade do processo decorrente do julgamento antecipado da lide (art. 330 do CPC).[87] Eis aqui momento processual ímpar, em que o Estado-juiz optando pelo precipitado julgamento da causa, pode sim dar vazão à nulidade da sentença, com a decretação do vício pelo acolhimento de preliminar recursal postada na direção da necessidade de prosseguimento da instrução, para serem oferecidos melhores fundamentos, de fato e de direito, ao enfrentamento do meritum causae.[88] No entanto, como já defendido neste trabalho, mesmo não sendo dirigida a preliminar recursal, em caso de apelo exclusivo ao ponto de fundo, nada impede o Tribunal de decretar de ofício a nulidade absoluta, desconstituindo a sentença, e remetendo os autos para melhor instrução na origem.

Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. As matérias não sujeitas à preclusão para o Estado-Juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3601, 11 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24400. Acesso em: 22 nov. 2024.

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