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Competências legislativas concorrentes.

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Agenda 30/05/2013 às 13:55

4. Alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal sobre o tema

Em termos de competência concorrente, o Supremo Tribunal Federal já foi chamado a se manifestar diversas vezes para dirimir os conflitos que surgiam entre as diversas ordens parciais da Federação, exercendo, pois, o papel de guarda da Constituição que lhe foi conferido expressamente (art. 102, “caput”, CF/88), e que faz dessa Corte um componente essencial do modelo federativo adotado pelo Brasil.

Em 1997, por exemplo, o Ministro Marco Aurélio asseverou não só que existem mesmo competências concorrentes fora do rol do art. 24, da CF/88, como também que se incluía na competência dos Estados-membros a instituição dos impostos que lhes cabiam, em exercício pleno de regulamentação, uma vez inexistentes as normas gerais previstas no art. 146, III, CF/88.

Trata-se de acórdão proferido em agravo regimental no agravo de instrumento nº 167.777/SP, julgado em 04 de março de 1997, pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, assim ementado:

“IMPOSTO SOBRE PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - DISCIPLINA. Mostra-se constitucional a disciplina do Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores mediante norma local. Deixando a União de editar normas gerais, exerce a unidade da federação a competência legislativa plena - § 3º do artigo 24, do corpo permanente da Carta de 1988 -, sendo que, com a entrada em vigor do sistema tributário nacional, abriu-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, a via da edição de leis necessárias à respectiva aplicação - § 3º do artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Carta de 1988.”

Dessa forma, o Pretório Excelso entendeu que, ausente a legislação nacional veiculando normas gerais sobre definição de tributos e suas espécies, bem como seus respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes (art. 146, III, “a”, CF/88), poderiam os Estados legislarem de forma plena sobre o imposto previsto no art. 155, III, sobre a propriedade de veículos automotores, inclusive por força do disposto no art. 34, § 3º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que determinava:

“Art. 34. (...)

§ 3º Promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.”

É dizer, cabia, portanto, aos Estados, não só a adequação do imposto sobre a propriedade de veículos automotores às suas especificidades regionais socioeconômicas, mas também a veiculação dos princípios gerais que norteariam a legislação específica sobre esse tributo, pois inexistente a lei nacional que deveria tratar das normas gerais correlatas.

Aplicou-se, aqui, o regime jurídico do art. 24, CF/88, a competência concorrente não prevista no próprio artigo, portanto, com as mesmas delimitações centrais dadas ao instituto.

Em outro caso, entendeu o Supremo Tribunal Federal que se trata de norma geral a “vedação ou permissão acerca do impedimento à participação em licitações em decorrência de parentesco” e, portanto, que, na ausência de norma desse tipo na lei nacional que regula licitações, podem os Municípios disciplinar a matéria de forma plena. Trata-se do Recurso Extraordinário nº. 423.560/MG, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, julgado em 29 de maio de 2012 pela Segunda Turma da Corte Suprema.

Na hipótese daqueles autos, o Município de Brumadinho/MG possuía artigo em sua lei orgânica que foi declarado inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento de ação direta de inconstitucionalidade estadual, cujo teor era o seguinte:

“Art. 36 – O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores, os ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim  ou  consangüíneo,  até  o  2º  grau,  ou  por  adoção  e  os servidores  e  empregados  públicos  municipais,  não  poderão contratar  com  o  Município,  subsistindo  a  proibição  até  seis meses após findas as respectivas funções.”

Aqui, novamente entendeu o Supremo Tribunal Federal que a União exerceu competência concorrente que não estava prevista no art. 24, mas, antes, no art. 22, XXVII, CF/88, ao fixar normas gerais de licitação e contratação, por meio da Lei nº. 8.666/1993. Ainda, aduziu que não havia norma geral em tal diploma legislativo, que vedasse ou permitisse a contratação de parentes pelo Poder Público e que, diante de tal conjuntura, cabia ao Município disciplinar a matéria, exercendo plenamente a competência suplementar prevista no art. 30, II, da CF/88.

Um último caso que merece atenção para demonstrar a linha de entendimento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal brasileiro é o da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº. 2.832-4/PR, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgada em 07 de maio de 2008, na qual se discutia a eventual inconstitucionalidade de lei do Estado do Paraná, pela qual o ente federado determinava a obrigatoriedade de constar, nos rótulos das embalagens de café comercializadas naquele Estado, as informações sobre todas as espécies vegetais de que composto o produto.

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A discussão era sobre a infringência, ou não, de competência privativa da União para legislar sobre comércio interestadual e direito comercial, tendo o Supremo Tribunal Federal firmado entendimento no sentido da inexistência de inconstitucionalidade sob tal fundamento, à medida em que a legislação estadual visava apenas a proteção do consumidor e, apesar da existência do Código de Defesa do Consumidor, tal matéria era passível de regulamentação legal suplementar por parte dos Estados-membros.

Dessa forma, algumas questões salutares resultam dos acórdãos supracitados e que representam o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria de normas gerais em competências concorrentes, em conformidade, ademais, com o esboço conceitual aqui oferecido. São elas:

Por fim, resta salientar que, como é sabido, o Supremo Tribunal Federal não é uma Corte que segue sempre num mesmo sentido de interpretação, estando longe de primar pela coerência ou pela racionalidade absoluta de seus precedentes.

Dessa forma, deve-se analisar um caso em que, na contramão de tudo quanto analisado até aqui, reconheceu-se uma usurpação de competência da União para legislar sobre normas gerais, ainda que inexistente lei nacional  disciplinando o tema.

O triste precedente é o da ADI nº. 3.668-8/DF, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgada em 17 de setembro de 2007, por unanimidade, e que envolvia obrigação, criada pelo Distrito Federal, para instituições bancárias e de crédito. Observe-se o teor do art. 1º,da lei distrital nº. 3.706/2005:

“Art. 1º. É obrigatória a afixação, na entrada das instituições bancárias e de crédito, da tabela atualizada relativa a taxas de juros, bem como o percentual dos rendimentos de aplicações financeiras oferecidas ao consumidor.

Parágrafo único – As instituições de que trata o caput fixam também obrigadas a afixar a tabela contendo os preços dos serviços por elas oferecidos.”

Diante do referido dispositivo, o Governador do Distrito Federal requereu a declaração de inconstitucionalidade da legislação distrital, sob o fundamento de que teriam sido infringidos os arts. 48, XIII, e 192, da CF/88, que versam sobre a estruturação do sistema financeiro nacional e suas entidades.

A referida ação teve o trâmite acelerado pelo Relator, nos termos do art. 12, da Lei nº. 9.868/1999[29], e a Advocacia-Geral da União manifestou-se pela improcedência da demanda, por se tratar, na espécie, de normas atinentes à defesa do consumidor. Em sentido contrário, manifestou-se o Procurador-Geral da República, que, apesar de entender tratar-se de normas de defesa do consumidor, concluiu pela usurpação de competência “privativa” da União para expedir normas gerais sobre o tema.

Ora, o Supremo Tribunal Federal entendeu que se tratava, sim, de norma de proteção e defesa do consumidor, em sentido contrário ao afirmado pelo Governador do Distrito Federal, sendo tema, pois, submetido ao regime jurídico do art. 24, V, CF/88, ou seja, desafiando normas gerais da União e com competência suplementar do Distrito Federal.

O Ministro Gilmar Ferreira Mendes, aliás, Relator, afirmou textualmente que, após “análise da questão, não tenho dúvida de que se trata de matéria atinente à defesa do consumidor”, deixando clara, logo em seguida, a submissão das instituições financeiras ao Código de Defesa do Consumidor. E, após clarificar, também, tratar-se de matéria de competência concorrente, adotou expressamente as razões expostas pelo Procurador-Geral da República para julgar procedente a ADI, nos seguintes termos:

“Tal lei, na verdade, insere-se em tema referente à proteção do consumidor. Mais especificamente, está relacionada ao seu direito básico à informação adequada, acerca de produtos e serviços que lhe são oferecidos.

O diploma impugnado padece, na realidade, de vício formal, em razão da ocorrência de usurpação da competência privativa da União, para fixar normas gerais relativas às relações de consumo (CF/88, art. 24, V).

(...)

Pois bem, no presente caso, não se vislumbram quaisquer ‘particularidades’ ou ‘peculiaridades locais’ que configurassem minúcias que a ‘União jamais poderia regular pela distância em que se encontra da periferia’.”

Ora, pergunta-se, então, qual o critério utilizado pelo Supremo Tribunal Federal, pois, nessa hipótese, reconheceu-se que se tratava de proteção ao consumidor, de caso não previsto no Código específico sobre a matéria, mas, ao invés de aplicar as normas do art. 24, como ocorreu no caso supracitado da ADI nº. 2.832-4/PR, entendeu o Relator, ao contrário, que houve usurpação de competência da União.

Saliente-se que tal decisão foi unânime e, logo, contou com a participação de Ministros que, como visto, já tinham se manifestado de forma diversa, sob os critérios do regime jurídico do art. 24, CF/88. Onde estavam os Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio nesse julgamento? Por que adotaram critério diverso daquele já esposado pelos três em outros julgados?

Ainda, adensando as questões incômodas: por que esta ADI teve rito acelerado? Qual a relevância da matéria, adstrita apenas ao Distrito Federal, que justificou tal medida, ou, ainda, qual especial significado para a ordem social e a segurança jurídica? Qual (espécie de) interesse foi levado em conta e que autorizou o regime especial ou a alteração de entendimento do mérito?

Crê-se que se trata de desvio no entendimento do Supremo Tribunal Federal, entretanto. Os três casos analisados de início prestam-se, de fato, a demonstrar critérios mais seguros e induvidosos pelos quais se pautar a conceituação de normas gerais e seu regime jurídico para fins de competência concorrente, conforme já dito. E é neles, portanto, e não nas aberrações, que se deve pautar o intérprete sobre o tema em questão.

 


5. Conclusão

Competências concorrentes são instrumento do Federalismo moderno para permitir que se firmem regulações uniformes no âmbito nacional, preservando-se, na medida do possível, os pluralismos regionais e locais, na perspectiva de ser alcançada uma isonomia material entre os entes federados.

Seu regime jurídico próprio é traçado no art. 24 da CF/88, porém podem ser encontradas competências dessa espécie por todo o texto constitucional, desafiando, sempre, regulamentação das normas gerais pela União e exercício de normatização suplementar pelos Estados, Distrito Federal e Municípios (esses últimos, conforme a interpretação do art. 30, I e II c/c art. 1º, “caput” e 18, “caput”, todos da CF/88).

O conceito de normas gerais, portanto, revela-se fundamental para o correto entendimento dos limites da competência legislativa concorrente, permitindo, inclusive, o controle da invasão ou usurpação de competências entre os entes federativos no exercício dessa espécie de competência constitucional.

Um primeiro aspecto que se deve ressaltar, na forma de verdadeiro requisito subjetivo, é sobre quem exerce a expedição de normas gerais e para quem se destinam tais normas quando vêm a lume. Aqui, ressalta-se que a União, quando exerce a competência de expedir normas gerais em competência concorrente, atua como representante do Estado Federal, promovendo, então, leis ditas nacionais, ao contrário das leis que expede no seu interesse enquanto ente federativo.

Logo, a decorrência que se extrai é a de que as leis nacionais, e as normas gerais nelas contidas, vincularão todos os entes federados, inclusive a própria União, que não poderá reservar-se regime jurídico específico, portanto. Ainda, vislumbra-se a impossibilidade de regulamentação apenas de interesses regionais ou de exclusão de algum ente federativo em particular.

Um segundo aspecto digno de análise, dito requisito objetivo, ou material, diz respeito ao próprio conteúdo dessas normas gerais. Trata-se de normas principiológicas, que veicularão diretrizes normativas e de interpretação para o legislador que especificará as matérias normatizadas.

Assim, não poderá tratar a norma geral dos fatos específicos relacionados à matéria regulada, nem mesmo descer a minúcias de organização dos entes federados, devendo servir de mera regra-mestra da matéria, definindo seus liames normativos básicos e o modo pelo qual o legislador obterá o resultado que dele se espera. Serão verdadeiras normas sobre normas.

Um esboço conceitual, portanto, pode ser dado a partir de tais constatações: normas gerais são princípios jurídicos, contidos em leis de caráter nacional (e não no interesse exclusivo da União enquanto ente federativo) voltados à atividade do legislador e que pautarão sua atuação na concretização dessas próprias normas, conforme a pluralidade dos interesses regionais ou locais envolvidos.

Por fim, tem-se que os precedentes do Supremo Tribunal Federal, Corte guardiã da Constituição no Brasil e, logo, peça fundamental do modelo federativo adotado no país, indicam, de modo geral, para o acerto do referido esboço e seus delineamentos básicos. Devem-se descontar, contudo, alguns desvios de entendimento que podem ocorrer no dia-a-dia de uma Corte Suprema como a brasileira, ainda que tais “desvios” não possam ser justificados no âmbito da dogmática jurídica.

Sobre o autor
Leonardo Godoy Drigo

Assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mestrando em Direito Constitucional na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DRIGO, Leonardo Godoy. Competências legislativas concorrentes.: O que são normas gerais?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3620, 30 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24557. Acesso em: 22 dez. 2024.

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