Resumo: O presente estudo refere-se à Teoria dos Precedentes Judiciais com enfoque na sua utilização e principalmente na eficácia atribuída aos precedentes no Brasil. O trabalho iniciará com a diferenciação existente entre os dois sistemas jurídicos ou modelos processuais dominantes denominados civil law e common law. Assim, busca esclarecer a importância dada por cada um aos precedentes como fonte do direito, ao raciocínio utilizado para tal e as técnicas utilizadas para interpretá-los. A seguir, irá se discutir os conceitos fundamentais para a operação com precedentes como os de ratio decidendi e obter dictum que são indispensáveis para a compreensão da essência dos mesmos. Superada esta fase, iniciará o estudo dos seus modelos operacionais ou as técnicas utilizadas na aplicação e superação dos precedentes como o distinguishing e overruling e seus assemelhados. Na última parte será estudada a eficácia atribuída aos precedentes no sistema atual brasileiro e apresentada suas vantagens e desvantagens. A aproximação do sistema jurídico brasileiro civil law ao sistema common law vem produzindo um processo de valorização da jurisprudência como fonte de direito. Contudo, variam a primazia que lhe é conferida, sua eficácia e a forma de operá-la, elementos tais que distinguem os dois sistemas. Com essa aproximação, o judiciário passou a criar norma jurídica, denominada norma interpretada, produto da atuação do órgão judiciário competente. Essa norma jurídica individualizada pode servir de parâmetro para resolução de casos análogos e é nesse contexto que surge a figura do precedente. Em suma, precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Nesse momento destaca-se a importância da eficácia dos precedentes no Brasil, uma vez que, dependendo dos efeitos a eles concedidos, poderão ou não ter efeitos normativos e, assim sendo, serão dotados de força obrigatória e geral. Essa força vinculante é fundamental para garantia da segurança jurídica e para o tratamento isonômico dos jurisdicionados, uma vez que impede que uma mesma questão jurídica seja julgada diferentemente, com posições antagônicas, por órgãos distintos (juízes e tribunais).
Palavras-chave: Precedentes Judiciais. Aplicação. Eficácia dos precedentes.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por finalidade tratar sobre a Teoria dos Precedentes Judiciais e analisar a eficácia dada aos precedentes judiciais no sistema jurídico brasileiro.
O tema tratará da utilização e da eficácia dos precedentes nos sistemas civil law e common law demonstrando os principais conceitos e métodos de sua operabilidade e os diferentes resultados alcançados a partir das formas de eficácia dadas aos precedentes.
O tema abordará os dos sistemas, mas com o propósito de demonstrar, através da comparação, o sistema brasileiro atual e suas principais consequências.
Observa-se, atualmente no sistema judiciário brasileiro, uma crise instalada em função do excessivo número de demandas e recursos para os tribunais superiores. Não obstante a isso e ainda pior, observa-se também que, no plano jurisprudencial, estamos diante de uma loteria, ou seja, a sorte dos jurisdicionados está relacionada com o juiz ou tribunal que irá julgar o caso, pois diante de uma mesma regra jurídica ou princípio existem diversas interpretações diferentes.
Esse fenômeno patológico elimina a certeza do direito, sua previsibilidade, causando uma crise por insegurança jurídica. Compromete o próprio Estado de direito, na medida em que as coisas passam a ocorrer como se houvessem varias leis regendo a mesma conduta. Nesse ínterim que surge o questionamento: a adoção da doutrina do stare decisis (precedentes vinculantes), na medida em que aumenta a uniformização da jurisprudência, seria a solução para a crise do sistema judiciário brasileiro?
Justifica-se a elaboração do presente artigo a avaliação da constante transição do sistema jurídico civil law para uma forma híbrida e as consequências decorrentes dessa modificação. Parte-se da premissa de que a constitucionalização do direito, no Brasil, foi o fato gerador para tal modificação e diante dessa ruptura a teoria dos precedentes ganha suma importância para garantia da segurança jurídica, previsibilidade, racionalidade e isonomia.
Isto porque, tendo os precedentes efeitos normativos (como ocorre no common law), há a obrigação de aplicá-los aos casos semelhantes em julgamento, garantindo assim, a previsibilidade do direito, sua estabilidade e principalmente o tratamento isonômico aos jurisdicionados conforme mandamento constitucional.
No Brasil, existem pouquíssimas doutrinas, artigos e jurisprudências a respeito do assunto aqui tratado, de forma que se torna importantíssimo esse estudo para, no mínimo, dar publicidade ao tema. Contudo, o sistema brasileiro já adota o precedente vinculante desde 1993, quando fora inserido o § 2º ao artigo 102 da Constituição Federal e tem caminhado cada vez mais nessa direção. Podem-se citar, por exemplo, as súmulas vinculantes, a repercussão geral e os recursos especial e extraordinário sob o regime das causas repetidas.
Sendo assim, o tema proposto tem importante papel nos dias atuais principalmente em relação ao grande problema enfrentado pelo judiciário que é o excessivo número de demandas processuais e os infinitos recursos para os tribunais superiores. E é nesse sentido que caminha o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, de forma que, com a utilização dos precedentes vinculantes se possam ter, além das vantagens já mencionadas como segurança jurídica e isonomia, outras tais como: desestímulo à litigância, favorecimento de acordos, racionalização do duplo grau de jurisdição, duração razoável do processo e etc.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa bibliográfica do tipo descritiva explicativa, a qual será feita uma descrição sobre a teoria dos precedentes judiciais, vinculado na literatura presente em livros, artigos e periódicos jurídicos, jurisprudências dos tribunais, cujo método de análise e confronto dos conteúdos é o que será utilizado para a análise das informações coletadas.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 OS SISTEMAS CIVIL LAW E COMMON LAW
A identificação da jurisprudência como fonte do direito constitui elemento comum aos ordenamentos jurídicos do Ocidente como um todo. Contudo, variam a primazia que lhe é conferida, sua eficácia e a forma de operá-la, elementos tais que distinguem os dois sistemas, quais sejam: civil law e common law (MELLO, 2008).
Na França, a força da ideologia liberal ligada aos valores burgueses causou uma crise de ordem econômica e social, derrubando a monarquia absoluta, a aristocracia feudal e os juízes franceses que eram ligados a esta última. Essa crise, conhecida como Revolução Francesa, teve uma ruptura com a ordem politica e jurídica da época (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Os revolucionários, que lutavam contra o absolutismo, queriam substituir o rei por outro poder absoluto, a assembléia soberana. O parlamento avocou para si a competência exclusiva de criar o direito, de forma que a atividade dos juízes deveria se restringir apenas a declarar a lei (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Foi nessa época que Montesquieu elaborou sua tese de que não poderia haver liberdade caso o Judiciário não estivesse separado dos poderes Legislativo e Executivo (teoria da separação dos poderes). Para ele, os juízes não poderiam ter poder de interpretar as leis nem de imperium porque, caso contrário, poderiam distorcê-las e assim frustrar os objetivos do novo regime (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Nesse cenário que surgiu o sistema civil law que nada mais é que a lei como fonte principal do direito. O parlamento ficou com a atribuição de formular leis claras, objetivas e universais de forma que abrangessem todas as soluções possíveis e imagináveis para os conflitos humanos. Assim, não restaria espaço para interpretação ou criação dos juízes. Nesse sistema buscavam a segurança jurídica exclusivamente nos textos das leis.
Já na Inglaterra, berço do sistema common law, o desenvolvimento do sistema se deu de forma contínua e gradativa, produto de uma longa evolução (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Nesse sistema, o legislativo não se opôs ao judiciário, chegando, em realidade, a com ele se confundir. No direito inglês, o juiz esteve ao lado do parlamento na luta contra o arbítrio do monarca, reivindicando a tutela dos direitos e das liberdades dos cidadãos. Ele não só interpretava a lei como extraía direitos e deveres a partir do common law (MARINONI, 2010).
A tradição common law se caracteriza pelo direito costumeiro e principalmente pelo respeito obrigatório aos precedentes. Estes, nesse sistema, são considerados como fonte primária do direito, conferindo segurança e previsibilidade nas decisões. Na Inglaterra, as leis estavam submetidas a um direito superior, o common law, e se assim não fossem, elas seriam nulas e destituídas de eficácia.
O Brasil, que é filiado ao sistema do civil law, desde muito já vem sofrendo com o excesso de divergência jurisprudencial o que torna a lei insuficiente para garantir segurança jurídica à sociedade. Entretanto, hoje, o que se observa é uma grande mutação dos sistemas, para um sistema híbrido. Temos um novo civil law e um novo common law, ambos exploram a principal forma de direito do outro, sem contudo alterar-se.
2.2 PRECEDENTES JUDICIAIS
2.2.1 CONCEITO E FUNDAMENTO
Como visto anteriormente, precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. Mas não é qualquer decisão judicial, somente aquelas que têm potencialidade de se firmarem como paradigmas para orientação dos jurisdicionados e magistrados.
Para constituir precedente, a decisão tem que enfrentar todos os principais argumentos relacionados à questão de direito do caso concreto, além de poder necessitar de inúmeras decisões para ser definitivamente delineado. O precedente é a primeira decisão que elabora a tese jurídica ou é a decisão que definitivamente a delineia, deixando-a cristalina (MARINONI,2011).
Observa-se que o fundamento do precedente está em produzir uma norma jurídica com potencial de aplicar-se a uma infinidade de casos análogos futuros, visando assegurar maior previsibilidade na realização do direito e tratamento isonômico aos jurisdicionados, ou melhor, tratar da mesma forma os casos iguais.
2.2.2 RATIO DECIDENDI E OBITER DICTUM
Na doutrina do stare decisis (precedentes obrigatórios), diz-se que os juízes e tribunais devem seguir os precedentes existentes, mas na realidade eles devem seguir a ratio decidendi (razão de decidir) dos precedentes. Por esse motivo se torna muito importante identificar a ratio decidendi porque apenas ela tem o efeito vinculante, obrigando os juízes a respeitá-la nos julgamentos futuros.
Existe muita discussão na doutrina a respeito da definição da ratio e também em relação à escolha do método mais eficaz para identificá-la no bojo dos precedentes.
São muitas definições existentes, mas podem-se apontar algumas mais comuns como: a) a regra de direito explicitamente estabelecida pelo juiz como base de sua decisão, isto é, a resposta explícita a questão de direito do caso; b) a razão explicitamente dada pelo juiz para decisão, isto é, a justificação explícita para a resposta dada a questão do caso; c) a regra de direito implícita nas razões do juiz para justificação de sua decisão, isto é, a resposta implícita a questão de direito do caso (SOUZA, 2011).
Além da definição, existe muita discussão em relação ao melhor método para se identificar a ratio. No sistema do common law, podem-se observar três teorias utilizadas para solucionar a questão, quais sejam: Teoria de Wambaugh, Teoria de Oliphant e a Teoria de Goodhart.
A primeira, considerada como clássica, afirma que a ratio decidendi de um caso é a proposição ou regra sem a qual o caso seria decidido de forma diversa e propõe um teste, de acordo com o qual se deve alterar o conteúdo da premissa para verificar se a decisão se mantém ou não a mesma. Assim, se a decisão sofrer mudança, a premissa era realmente necessária e se constituía ratio decidendi; por outro lado, se a decisão permanecesse inalterada, a premissa era mero obiter dictum (SOUZA, 2011).
A de Oliphant, rejeita a busca da ratio decidendi no raciocínio do juiz para chegar a decisão, pois entende que a opinião do tribunal é uma racionalização preparada depois da decisão que dá boas razões, mas não, as razões reais. Assim, sugere que os fatos levados ao tribunal sejam considerados como estímulos a uma resposta. No seu entendimento, a combinação dos estímulos e a resposta são a ratio decidendi, que é a decisão real do caso (SOUZA, 2011).
Já a Teoria de Goodhart consiste, essencialmente, na determinação da ratio de um precedente mediante a consideração: a) dos fatos tidos como fundamentais, na ótica do juiz do precedente, e, b) da decisão do juiz baseada nesses fatos. A fundamentação disso está no fato de que, no julgamento de um caso, o direito é analisado pelo juiz ou por qualquer outro intérprete, levando em consideração os fatos do caso, e restando, por conseguinte, que o peso das proposições afirmadas pelo julgador com base nos fatos fundamentais é sempre maior do que o peso de qualquer outra coisa que o juiz afirme (SOUZA, 2011).
No Brasil, onde a força dos precedentes não se relaciona obrigatoriamente à resolução dos casos, torna-se natural conferir força de ratio decidendi às razões suficientes à solução das questões versadas nos casos, mesmo que estas não sejam necessárias ao resultado da causa. Dessa feita, cada um dos motivos determinantes, suficientes para decidir as múltiplas questões jurídicas, constitui-se em ratio decidendi e, portanto, pode vincular futuras decisões relativas à análoga questão de direito (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Portanto, resta claro que a importância de se identificar a ratio decidendi ou os motivos determinantes da decisão consiste em encontrar a parte do precedente que vai servir de paradigma para os casos posteriores, garantindo previsibilidade e segurança na realização do direito.
A definição de obiter dictum é obtida negativamente a partir da determinação do que seja ratio decidendi de um caso , isto é, se uma proposição ou regra de direito constante de um caso não faz parte da sua ratio, ela é dictum ou obiter dictum, e , consequentemente não obrigatória (SOUZA, 2011).
São consideradas dictum as passagens que não são necessárias ao resultado, as que não são conectadas com os fatos dos casos ou as que são dirigidas a um ponto que nenhuma das partes buscou arguir (MARINONI, 2012).
Contudo, existem questões independentes cuja análise não são necessárias à resolução -que assim são obiter dictum- mas são intimamente ligadas ao caso sob julgamento e abordadas de forma aprofundada pelo juiz ou tribunal, assumindo perfil e textura muito próximos ao da ratio decidendi. Nesses casos observa-se que, apesar de continuarem sem efeitos obrigatórios, essas obiter dictum possuem forte efeito persuasivo (MARINONI, 2012).
2.3 TÉCNICAS DE APLICAÇÃO E SUPERAÇÃO DE PRECEDENTES
2.3.1 DISTINGHISHING E OVERRULING
Nos sistemas de precedentes vinculantes, existem técnicas de aplicação e superação de precedentes que permitem, de um lado, a estabilidade e uniformidade do direito e, de outro, o seu natural desenvolvimento. As duas principais técnicas são o distinguishing e o overruling.
Conforme já esclarecido, só há sentido falar em precedente vinculante, quando a ratio decidendi do mesmo puder ser aplicada a casos análogos posteriores. Logo, percebe-se que a observância de um precedente no caso em julgamento requer uma confrontação entre os fatos materiais (relevantes) dos dois casos, para assim saber se a ratio decidendi do primeiro afigura-se adequada a servir de motivo determinante à decisão que venha a regular as consequências jurídicas dos fatos do caso em julgamento (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
A essa técnica de confronto e diferenciação entre os fatos relevantes de dois casos dá-se o nome de distinguishing. Ela revela a inadequação da aplicação da ratio decidendi do precedente ao caso em julgamento, em virtude da diversidade fática entre os mesmos. Assim dá flexibilidade ao sistema não o engessando e faz justiça no caso concreto (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
O overruling é uma forma de superação, ou seja, revogação de precedentes que ocorre tanto no plano horizontal (órgão revoga seu próprio precedente) como também no plano vertical (tribunal superior revogando um precedente de um inferior hierárquico).
Os requisitos básicos para a revogação de um precedente são a perda de congruência social e o surgimento de inconsistência sistêmica (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Há a perda da congruência social quando um precedente passa a negar proposições morais, políticas e de experiência. As proposições morais determinam uma conduta como certa e errada a partir do consenso geral da comunidade, as políticas caracterizam uma situação como boa ou má em face do bem-estar geral e as de experiência dizem respeito ao modo como o mundo funciona (MARINONI, 2012).
De outra parte, o precedente não tem consistência sistêmica quando deixa de guardar coerência com outras decisões. Quando há uma nova concepção geral em termos de teoria ou dogmática jurídica, a evidenciar que aquilo que se pensava acerca de uma questão ou instituto jurídico se alterou.
Vale observar que a revogação de um precedente tem que ser justificada por séria argumentação, uma vez que pode causar perda da estabilidade, confiança e redução na possibilidade de previsão (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
2.3.2 DAS TÉCNICAS ENTRE O DISTINGUISHING E O OVERRULING: TECHNIQUE OF SINALING, TRANSFORMATION E OVERRIDING
Com a técnica da sinalização (technique of sinaling) o tribunal não ignora que o conteúdo do precedente está equivocado ou não mais deve ser observado, porém, por razões de segurança jurídica, ao invés de revogá-lo, prefere apontar para sua perda de consistência e sinalizar para a sua futura revogação (MARINONI, 2012).
Na transformation, embora o resultado a que se chega no caso em julgamento seja incompatível com a ratio decidendi do precedente, tenta-se compatibilizar a solução do caso com o precedente transformado ou reconstruído, mediante a atribuição de relevância aos fatos que foram considerados de passagem (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Embora se conclua pelo erro da tese (razão determinante) do precedente, admite-se que se chegou a resultado correto, porém através de fundamento equivocado (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
Através do overriding a Corte limita ou restringe a incidência do precedente, como se fosse uma revogação parcial. Porém, o overriding mais se aproxima do distinghishing do que de uma revogação parcial, pois, apesar do resultado do caso em julgamento ser incompatível com a totalidade do precedente, a restrição se dá com fulcro em situação relevante que não estava envolvida no precedente (MARINONI, 2012).
Essas técnicas são empregadas em países do sistema common law, principalmente nos Estados Unidos. No Brasil, pode-se exemplificar o overriding com a interpretação que o Supremo Tribunal Federal (STF) deu ao enunciado 343 de sua súmula que estabelece que “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Após a edição de tal enunciado, o STF interpretou-o de modo a restringir seu alcance, por entender que não seria aplicável quando a alegada violação fosse a dispositivo da Constituição (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
2.4 EFICÁCIA DOS PRECEDENTES
Para os fins do presente trabalho e levando-se em consideração o sistema jurídico brasileiro, a classificação que se revela mais adequada é a que tipifica os precedentes quanto a sua autoridade. Isto porque permite demonstrar a força de cada um dos precedentes dos tribunais superiores. Desta forma, classificam-se em: a) obrigatórios ou vinculantes, b) relativamente obrigatórios e c) persuasivos.
2.4.1 PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS OU VINCULANTES
Os precedentes obrigatórios são aqueles cuja autoridade vinculante independe da opinião do juiz do caso em julgamento, que deve segui-lo mesmo não o achando correto. Aqui se vê com clareza a máxima do stare decisis et non quieta movere (mantenha a decisão e não mova no que está quieto) sendo a regra nos países do common law.
Eles projetam efeitos não apenas entre as partes de um caso concreto, mas fixam uma orientação a ser obrigatoriamente seguida em todas as hipóteses semelhantes. Geram, para além da solução do litígio específico que lhes foi submetido, uma norma, ou seja, um comando aplicável, com generalidade, a todos os demais casos idênticos, de forma permanente, e sob pena de sanção, à imagem e semelhança de uma lei.
No sistema brasileiro, embora a regra seja a não-normatividade, temos precedentes vinculantes como: i) as decisões definitivas do STF no controle concentrado de constitucionalidade; ii) as decisões que deferem liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e Ação Declaratória de Preceito Fundamental (ADPF); iii) as decisões definitivas do Pleno do STF sobre (in) constitucionalidade de lei em sede de recurso extraordinário; iv) as decisões do STF acerca da repercussão geral; v) as decisões do STF em recurso extraordinário, versando sobre causas repetitivas; as súmulas vinculantes; vi) os precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que representem sua jurisprudência uníssona, com relação às turmas recursais estaduais e, vii) as decisões dos tribunais de justiça em sede de controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal contestados, única e exclusivamente, em face da Constituição Estadual (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
2.4.2 PRECEDENTES RELATIVAMENTE OBRIGATÓRIOS
Precedentes relativamente obrigatórios são aqueles cuja autoridade afirma-se por si e impõem a solução do caso em julgamento, exceto se o tribunal do caso tiver uma boa e fundada razão em contrário, hipótese que pode se afastar dele, desde que se desincumba do qualificado ônus argumentativo (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
No Brasil, atualmente, só há uma espécie deste tipo de precedente, que é a decisão do STJ em recurso especial nas causas repetitivas (artigo 543-C, §§ 7ºe 8º, CPC). Nesta hipótese ocorre que, apreciada a questão pelo STJ, os tribunais ordinários devem seguir tal decisão, para negar seguimento aos recursos especiais ou para reexaminá-los. Observe-se que inobstante o tribunal possa manter-se divergente da orientação firmada pelo STJ (artigo 543-C, § 8/º, CPC), deve apresentar fundadas razões para tanto (ATAÍDE JUNIOR, 2012).
2.4.3 PRECEDENTES PERSUASIVOS
Tal tipo de precedente é a regra no direito brasileiro. A definição de precedente persuasivo é feita por exclusão, ou seja, são persuasivos todos aqueles que não forem obrigatórios ou relativamente obrigatórios. Diz-se também que um precedente é persuasivo quando o juiz não está obrigado a segui-lo, de forma que, se o seguir, é porque está convencido da sua correção (SOUZA, 2011).
2.5 PRECEDENTES NO BRASIL
Conforme citado anteriormente, no Brasil prevalecem os chamados precedentes persuasivos. Para que tenham autoridade, estes precedentes dependem de vários outros fatores como: a posição do tribunal que proferiu a decisão na hierarquia do Poder Judiciário, o prestígio do juiz condutor da decisão, a data da decisão, se foi unânime ou não, a qualidade da fundamentação e etc (SOUZA 2011).
O problema é que, no Brasil, os precedentes não vêm sequer sendo tidos como persuasivos. Isto porque os juízes e tribunais, muitas vezes, não se julgam obrigados a respeitar os precedentes dos Tribunais Superiores (eficácia vertical) e também não levam em consideração os precedentes demonstrados pelos advogados.
Situação ainda pior ocorre quando o juiz ou tribunal não respeita as suas próprias decisões (eficácia horizontal) ocasionando, dessa forma, o tratamento desigual a casos similares (MARINONI 2012).
Entretanto, alguns institutos utilizados no sistema jurídico brasileiro atual possuem eficácia obrigatória (vinculante) como é o caso, por exemplo, da decisão do STF proferida no controle difuso de constitucionalidade, da questão da repercução geral no recurso extraordinário, das súmulas vinculantes, entre outros. Tal fato demonstra que os sistemas não são mais puros e que estão se tornando híbridos, de forma que o civil law tem adotado institutos com características do common law e vice-versa.
Tal mudança se faz necessária uma vez que a ideologia sustentada pelo civil law, de que só se teria segurança jurídica se a lei fosse estritamente aplicada, caiu por terra. Isto se deu, principalmente, porque percebeu-se que a mesma lei era interpretada de diversas formas e também que os juízes, rotineiramente, decidiam de diferentes maneiras os “casos iguais”. Dessa forma, a estrita subordinação do juiz à lei não era mais suficiente para garantir a certeza e a segurança jurídica almejadas.
2.6 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO USO DE PRECEDENTES OBRIGATÓRIOS
Verifica-se, de acordo com a maior parte da doutrina, que o uso dos precedentes vinculantes geram uma série de vantagens, entre as quais : segurança jurídica, previsibilidade, estabilidade, igualdade (perante a jurisdição e a lei), coerência da ordem jurídica, garantia de imparcialidade do juiz, definição de expectativas, desestímulo à litigância, favorecimento de acordos, racionalização do duplo grau de jurisdição, duração razoável do processo, economia processual e maior eficiência do judiciário.
Entretanto, há autores que também elencam uma série de desvantagens para o uso dos precedentes vinculantes, quais sejam: obstáculo ao desenvolvimento do direito e ao surgimento de decisões adequadas às novas realidades sociais, óbice à realização da isonomia substancial, violação do princípio da separação dos poderes, violação da independência dos juízes, violação do juiz natural e violação da garantia do acesso à justiça.
Portanto, diante das vantagens percebidas pelo uso dos precedentes obrigatórios e também por muitas das desvantagens serem mais aparentes do que reais, os pontos positivos parecem suficientes para demonstrar a importância do uso de precedentes vinculantes.