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Ensino jurídico de qualidade em prol do desenvolvimento humano

Agenda 09/06/2013 às 08:58

Há inegável preocupação de entidades públicas de promover um ensino jurídico de qualidade e uma formação verdadeiramente completa aos estudantes, como forma de efetivar o direito social à educação.

De acordo com recentes notícias vindas de Brasília, o Ministério da Educação busca mecanismos idôneos para uma verdadeira modificação do sistema que atualmente gere o ensino jurídico no Brasil. Tais notícias dão conta de que o foco da reforma será a busca de maior qualidade ao ensino jurídico prestado no País e, por conseguinte, maior capacitação dos bacharéis de direito formados pelas faculdades brasileiras.

A questão se revela a partir de dados coligidos pelo Ministério da Educação e pela própria Ordem dos Advogados do Brasil, que ilustram o número de bacharéis anualmente formados, por volta de 100 mil, e o número de profissionais que efetivamente poderão exercer a advocacia, que tem ficado em torno de 20 mil.[1]

Tal realidade é referida, mormente pelos profissionais da área de educação, como o fenômeno da massificação do ensino jurídico no Brasil, uma vez que a “abertura excessiva e sem critério necessário e adequado do número de faculdades de Direito compromete a qualidade da formação dos bacharéis e acaba por colocar no mercado muitos profissionais despreparados para atuarem nas diversas carreiras jurídicas.”[2]

Conforme a opinião de João Maurício Adeodato, o ensino está cada vez mais “deficitário [...] com menos qualidade, diante do fenômeno que constitui o conceito chave do presente texto, qual seja, a massificação do ensino jurídico no Brasil. Sobre a existência do fenômeno não há qualquer dúvida, com dados que beiram o absurdo e que seriam cômicos se não fossem trágicos: há hoje (novembro de 2011) 1.210 cursos de direito no Brasil, e é matematicamente impossível que essa massa de alunos venha algum dia a trabalhar em profissões jurídicas. O debate importante é entender como isso está acontecendo, a quem aproveita e o que fazer para proteger a qualidade da prestação de serviços jurídicos no país.”[3]

Observe-se que há aproximadamente 15 anos o Brasil contava com 150 Faculdades de Direito, tendo experimentado nesse período vertiginoso crescimento no número de instituições e na oferta de vagas para ingresso nos cursos jurídicos.[4]

Por oportuno, convém ainda salientar que, com o advento da Constituição Federal de 1988, a educação passou a figurar entre os direitos sociais (art. 6º) e, como direito de todos e dever do Estado e da família, a educação há de ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art. 205).

A Lei Maior também determina que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209). Nada obstante, conforme salienta Renato de Oliveira Brito: “Uma análise crítica do Ensino Jurídico ao longo da história do Brasil até a atualidade permite reconhecer que esse ensino se distanciou da realidade social e uma das razões está no fato desse ensino ter se tornado um produto para atender ao crescimento capitalista. Vivemos a era da integração e o ensino de Direito se dissocia da sua essência, que é compreender o texto escrito e aplicá-lo na realidade prática.”[5]

Nessa esteira, a Emenda Constitucional n. 59/2009 deu nova redação ao caput do art. 214, segundo o qual “a lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a [...] estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.” (Grifamos)

O primeiro decênio (2011/2020) tende a ser disciplinado pelo Projeto de Lei n. 8.530/10, o qual, segundo seu art. 1º, tem a finalidade de dar cumprimento ao disposto no art. 214 da Constituição Federal. Dentre as diretrizes do chamado Plano Nacional de Educação (PNE), encontra-se a melhoria da qualidade do ensino (art.2º, IV), a formação para o trabalho (art. 2º V) e a promoção humanística, científica e tecnológica do País (art. 2º, VII).

Registre-se ainda, que dentre as metas insculpidas no anexo ao projeto de Lei encontra-se a de n. 12, a qual, em síntese, pretende “elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior para 50% e a taxa líquida para 33% da população de 18 a 24 anos, assegurando a qualidade da oferta”. (Grifamos)

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Olhar mais atento permitirá observar que a meta 12.8 busca fomentar a ampliação da oferta de estágio como parte da formação de nível superior e a meta 13 insere no PNE a necessidade de elevar a qualidade da educação superior pela ampliação da atuação de mestres e doutores nas instituições de educação superior para 75%, no mínimo, do corpo docente em efetivo exercício, sendo, do total, 35% doutores.

Como medida de aferição da qualidade dos cursos, a meta 13 indica mecanismos que deverão ser adotados para que o Estado certifique a adequada efetividade das metas qualitativas traçadas pelo PNE. Nesse compasso, deve-se recordar que em 2004 adveio a Lei n. 10.861 para instituir o “Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES, com o objetivo de assegurar processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico de seus estudantes, nos termos do art 9º, VI, VIII e IX, da Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996” (art. 1º).

Demais disso, a meta 13 determina que deverá ser ampliada a cobertura do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE, de modo a que mais estudantes, de mais áreas, sejam avaliados no que diz respeito à aprendizagem resultante da graduação, além de induzir processos contínuos de auto-avaliação das instituições superiores [...], destacando-se a qualificação e dedicação do corpo docente e, por fim, substituir o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – ENADE, aplicado ao final do primeiro ano de graduação pelo Exame Nacional do Ensino Médio – ENEN, a fim de apurar o valor agregado dos cursos de graduação.

Saliente-se que a novel legislação trata de diretrizes e metas gerais para o ensino superior no Brasil, ou seja, não se refere exclusivamente ao ensino jurídico.

Não obstante, as reformas do ensino em geral têm motivado o Ministério da Educação a buscar soluções para os problemas que envolvem o ensino jurídico, sendo que, para tanto, tem travado diálogo com o Conselho Federal da OAB, na figura de sua Comissão Nacional de Educação Jurídica, prevista no art. 83 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.

Vale lembrar que a Lei n. 8.906/94, ao dispor sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, define a competência do Conselho Federal para “colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos, e opinar,[6] previamente, nos pedidos apresentados aos órgãos competentes para criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos” (art. 54, XV) (grifamos). Nesse contexto, a Comissão Nacional de Educação Jurídica tem se destacado no período contemporâneo, na medida em que deita seus esforços na análise de propostas da melhoria da qualidade da prestação de serviços de ensino jurídico.

Por fim, impõe não olvidar que o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2013 da Organização das Nações Unidas – ONU (PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) [7] destaca que a inadequação entre formação educacional e oportunidades de trabalho, num mundo globalizado e cada vez mais baseado no conhecimento, está entre os desafios que o Brasil deve enfrentar, a longo prazo.

Do exposto, depreende-se a existência de inegável preocupação de entidades públicas de promover um ensino jurídico de qualidade e uma formação verdadeiramente completa aos estudantes, como forma de efetivar o direito social à educação, em prol do desenvolvimento humano sustentável e equitativo.


Notas

[1]Em “OAB quer referendar cursos de direito no país”. Acesso em 06.04.2013, disponível em: <http://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/2013/03/24/internas_educacao,361993/oab-quer-referendar-cursos-de-direito-no-pais.shtml>.

[2] Renato de Oliveira Brito in “O Ensino Jurídico no Brasil: análise sobre a massificação e o acesso aos cursos de direito”, em VIDYA, v. 28, n. 2, p. 73-87, jul/dez, 2008 - Santa Maria, 2009, p. 5. ISSN 0104-270 X.

[3] Em “A OAB e a massificação do ensino jurídico” p. 566, in Educação Jurídica, organizadores: Vladmir Oliveira da Silveira et all. São Paulo: Saraiva, 2013.

[4] Em “Acordo pioneiro entre OAB e MEC fecha balcão dos cursos de direito”. Acesso em 06.04.2013, disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/25343/acordo-pioneiro-entre-oab-e-mec-fecha-balcao-dos-cursos-de-direito?argumentoPesquisa=formsof(inflectional,%20%22comiss%C3%A3o%22)%20and%20formsof(inflectional,%20%22nacional%22)%20and%20formsof(inflectional,%20%22ensino%22)%20and%20formsof(inflectional,%20%22juridico%22)>.

[5] Renato de Oliveira Brito in “O Ensino Jurídico no Brasil: análise sobre a massificação e o acesso aos cursos de direito”, em VIDYA, v. 28, n. 2, p. 73-87, jul/dez, 2008 - Santa Maria, 2009, p. 8. ISSN 0104-270 X.

[6] Como observa Renato de Oliveira Brito: “A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem como função a promoção do aperfeiçoamento das instituições jurídicas e não das instituições de ensino superior na área do Direito. O mais próximo que ela consegue chegar em relação aos cursos jurídicos é na competência delegada ao Conselho Federal, presente no inciso XV do artigo 54 do Estatuto da OAB, para colaborar com o aperfeiçoamento dos cursos jurídicos e dos pareceres ao MEC quando houver pedido de criação, reconhecimento ou credenciamento desses cursos. In “O Ensino Jurídico no Brasil: análise sobre a massificação e o acesso aos cursos de direito”, em VIDYA, v. 28, n. 2, p. 73-87, jul/dez, 2008 - Santa Maria, 2009, p. 5-6. ISSN 0104-270 X.

[7] V. in “Ascensão do Sul” altera o equilíbrio de poderes no mundo, segundo o RDH 2013. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/Noticia.aspx?id=3704>. Acesso em 14.04.13.

Sobre os autores
Ricardo Cesar Franco

Defensor Público do Estado de São Paulo, nível IV, que atua perante o E. Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Pós-graduado em Direito Processual Coletivo. Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP. Professor de Filosofia do Direito Penal e de Direito Processual Penal.

Valéria Furlan

Mestre e Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP Professora Titular de Direito Tributário na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (Autarquia Municipal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANCO, Ricardo Cesar; FURLAN, Valéria. Ensino jurídico de qualidade em prol do desenvolvimento humano. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3630, 9 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24646. Acesso em: 23 dez. 2024.

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