Os juros remuneratórios é o ponto que mais tem causado discussão quando se fala na revisão de contratos de financiamento de veículos. No Brasil, com a Emenda nº 40, de 29 de maio de 2003, que revogou o parágrafo 3º do art. 192, da Constituição Federal, não mais se tem base constitucional para discussão das taxas de juros, que antes eram fixados em 12% ao ano.
Contudo, doutrina e jurisprudência dão amparo aos pedidos de limitação dos juros na esfera infraconstitucional, utilizando-se de diversas leis, quais sejam: o Código de Defesa do Consumidor, Código Civil, Lei de Usura, Lei da Reforma Bancária e a Lei dos Crimes Contra a Economia Popular.
Ocorre que com o passar do tempo a jurisprudência dos Tribunais Estaduais, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, seguiu o entendimento da aplicação da Taxa média de mercado como índice que melhor refletia a remuneração dos contratos de financiamento de veículos. Diante de tal posicionamento, o assunto merece ser debatido por sua relevância.
Desde a eleição do Presidente Lula para seu primeiro mandato de Presidente da República, sua política populista de fornecimento de crédito à população visando o aumento do consumo gerou uma corrida às concessionárias de veículos para a aquisição, principalmente para as famílias de baixa renda, que viram a possibilidade real de ter seu sonho do carro novo conquistado.
Vários programas facilitando o acesso ao crédito foram lançados, até mesmo com crédito consignado, aposentados, pensionistas e servidores.
Ocorre que tais programas acabaram por disseminar o endividamento, o que influi nas taxas de juros, os spreads e os riscos que são analisados pelas instituições bancárias ao fornecer o crédito.
Mas o que deve ser observado é que, se de um lado gerou-se a facilitação de acesso ao crédito, por outro lado iniciou-se a descomedida abusividade perpetrada pelas instituições bancárias no Brasil, que absurdamente passaram a cobrar juros sobre juros (juros compostos) nos contratos, tarifas irregulares, e prática de publicidade enganosa comissiva, anunciando a cobrança de supostas taxas de juros acessíveis sobre o capital dado em empréstimo, maquiando a cobrança excessiva de juros altos nos contratos, abusando da inocência e boa fé contratual de uma população que nunca teve educação financeira e só agora vem aprendendo a “trabalhar” com o dinheiro, com os recursos que em tese o sistema capitalista favorece.
Segundo o site credit performance, 42% da população brasileira endividou-se no período de 2005 a 2010 e estão prejudicados principalmente pelas altas taxas de juros aplicadas nos financiamentos.
As instituições informam ao consumidor sobre uma cobrança “x” de juros e na verdade cobram “2x”, ou melhor, até duas vezes mais do que efetivamente preestabeleceram contratualmente com o consumidor, o que vem gerando milhares de discussões judiciais nos Tribunais brasileiros sobre a questão, com um número incomensurável de Ações visando a revisão contratual e readequação da taxa de juros a patamares mais equânimes.
Tal situação induz ao comprometimento da renda do trabalhador/consumidor, o que demanda uma análise sistêmica da situação para não ocorra a cronicidade do problema.
Entretanto, convém salientar que todo esse imbróglio vivido no Brasil, é de total responsabilidade do Estado Brasileiro, que mudou através de alterações legislativas o regramento afeto à atividade bancária, permitindo a cobrança de juros pela taxa média de mercado em detrimento do regramento constitucional até então existente de limitação de juros a 12% ao ano.
Tal política foi incentivada e ganhou força através das alterações legislativas sob o manto do suposto aquecimento da economia com a em tese relacionada “queda” da taxa de desemprego que o Brasil estaria vivendo nos últimos anos, após a recessão de 2008.
Na verdade o que ocorreu foi uma abertura aos Bancos para o abuso extremo ao consumidor brasileiro ainda em fase de aprendizagem e não acostumado com o crédito fácil.
Concedeu-se ao Conselho Monetário Nacional o dever de administrar e regular a política de juros no Brasil e o que se vê é absolutamente nada. Sim, nada de controle, nada de fiscalização efetiva e apenas um Judiciário atrelado ao legalismo das alterações legais que permitiram a cobrança de juros acima do que estabelecida a Constituição Federal, sem, contudo, dar atenção ao aspecto social do direito e da justiça.
A insegurança jurídica causada pela aplicação da taxa média de mercado não se poderia admitir porque se demonstra flagrante desrespeito ao princípio da função social do contrato e ao princípio da isonomia.
Os juros possuem como critério de fixação seu valor médio no mercado baseada nos critérios diários utilizados pelas instituições no dia-a-dia. São divulgadas sob o formato de taxas anuais e taxas mensais. As taxas médias mensais são obtidas pelo critério de capitalização das taxas diárias ajustadas para um período padrão de 21 dias úteis.
Importante destacar ainda que a taxa cobrada de um cliente pode ser totalmente diferente da taxa média supramencionada, pois que depende de fatores distintos como o prazo e o volume da operação.
Imperioso mencionar que os juros praticados pelos bancos de modo geral divergem entre a maior e a menor em mais de 600%, portanto, mostra-se um absurdo a variação que vem sendo admitida, não sendo um "parâmetro" encontrar a média entre números tão distantes.
Tal situação posta em questão é um problema grave para a sociedade, e permite a discussão sociológica da questão, o que se objetiva in casu, com base na visão marxista da economia capitalista.
A crítica de Marx no seu tempo acerca da organização política e judiciária de sua época é totalmente pertinente neste caso.
Possível dizer até que a tão sonhada emancipação social que seria permitida pelo sistema capitalista nada mais seria do que quimera para ilustrar sonhos e poesias.
O ideal da República do Trabalho de Marx, com a cooperação e igualitarismos de seus atores estaria presente na questão ora discutida?
Certamente que a conclusão de Marx de que as relações não são mais baseadas no direito, são plenamente aplicáveis ao regramento vivido no Brasil no que concerne à concessão de crédito atrelado à cobrança de juros. Nota-se claramente que as relações de produção são o esqueleto do organismo social, com a formação de relações que até independem da vontade dos figurantes.
A regra de juros posta no Brasil faz relembrar de forma clarividente a conclusão marxista de que a sociedade repousa na exploração porque ao invés da economia de mercado fazer surgir uma sociedade com pequenos produtores de mercadorias, acabou por implicar no surgimento de uma sociedade de classes caracterizada por aqueles que detêm a propriedade e controlam os meios de produção, e aqueles que através do trabalho geram a riqueza do capitalista, dependendo da venda de seu trabalho para sobreviver e fornecer lucro aos detentores dos meios de produção.
Ora, vejam só as desigualdades sociais que a política de juros ora em questão traz à sociedade, com o enriquecimento dos conglomerados econômicos em detrimento do super endividamento da população brasileira. O brasileiro, na atualidade, vive para o pagamento dos empréstimos. Tornou-se um escravo dos Bancos, muitas vezes trabalhando única e exclusivamente para o pagamento de suas dívidas junto às instituições financeiras. Que política social justa seria essa? Que igualdade estaria tal posição favorecendo o brasileiro? Não seria um benefício a curto prazo que no decorrer do tempo, traria pobreza e desigualdade à população assim como aconteceu com os EUA na crise de 2008?
A estrutura respaldada pelo Congresso Nacional que só veio a favorecer a atividade bancária com institutos interesseiros, favoreceu o que Marx já havia concluído a muito tempo, ou melhor, que a sociedade civil está organizada de modo a gerar desigualdade social.
É inevitável a conclusão de Marx destacar dito a tempos atrás que a sociedade foi estruturada de modo que todas as leis e princípios normativos do Estado de Direito estão determinados à exploração.
No caso em tela, o Estado vestiu a camisa dos detentores de capital, buscando única e exclusivamente a manutenção de seus interesses sob a bandeira da suposta “distribuição igualitária de renda”. Ora, no Brasil, há situações em que o consumidor, ao adquirir um veículo financiado chega a pagar até o triplo do capital inicial dado em empréstimo que, se analisado sob o enfoque dos milhares de financiamentos realizados pelas instituições bancárias brasileiras, conclui-se pelo exacerbado lucro do detentor do capital em detrimento da justiça social, ainda que uma utopia buscada pelo indivíduo em sociedade.
O interesse dos detentores do capital privado ultrapassou os interesses sociais, assim como ocorreu a tempos com a burguesia, onde a institucionalização do mercado do trabalho caracterizou uma forma de organização da classe burguesa visando garantir a propriedade e seus interesses sobre os meios de produção.
Onde está a vontade do povo em querer a aplicação de juros sobre juros, capitalização mensal, excesso na cobrança ou spread bancário sem critério, sem bom senso?
Como disse Marx, é uma verdadeira ilusão afirmar que a lei está fundamentada na vontade desgarrada de sua base real, na vontade livre. (Engels e Marx, 2007, p. 89). No caso posto, a Lei está para os Bancos, assim como seus interesses estão para o lucro!
A dicção legal do artigo 5º, inciso XXXII da Constituição Federal de 1988 estabeleceu que "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor". Onde estaria tal defesa garantida constitucionalmente?
Certamente que as instituições políticas e as alterações legislativas trazidas com a emenda constitucional nº. 40 foram totalmente interesseiras e visaram unicamente a autovalorização do capital.
De tal maneira, plenamente possível dizer que o Brasil vive a política do interesse dos proprietários privados privilegiando seus objetivos em prejuízo de toda a sociedade.
Nessa medida, importante trazer à baila a crítica de Marx ao modelo capitalista, que dirige-se basicamente à “idéia de uma sociedade civil que diz realizar igualmente todos os interesses e necessidades dos indivíduos. Sobretudo porque, em primeiro lugar, faltariam exatamente os pressupostos sociais para a efetivação da igualdade nessa sociedade, a saber, o estatus de proprietário. E como na sociedade capitalista as chances de ascensão social do assalariado para proprietário se tornam cada vez menores, a república democrática contradiz o seu próprio princípio de acessibilidade universal.”[1]
A estrutura socioeconômica do Brasil em nada mudou desde o início da industrialização e urbanização datada de meados de 1930 até este momento, porque como dito nas linhas anteriores, o governo privilegia a classe média alta, ao mesmo tempo que “veste a camisa popular” tentando dar equivalência psicológica entre o adquirente do financiamento - humilde em grande parte das situações – e o fornecedor do produto ou serviço, no caso, o capital de empréstimo.
Ora, como o governo pretende distribuir renda com os mecanismos de concentração de renda congelados na posse dos conglomerados bancários nacionais e internacionais?
Não estaria o Governo baseando sua política naquilo que Mill[2] identifica como a motivação humana, ou melhor, a busca de riqueza, entrelaçado em ações permanentemente efetuadas, tanto em hábitos, graus de conhecimento e crenças impregnadas na sociedade e que ao longo do tempo não sofreram a necessária mudança, visando uma sociedade mais igualitária?
Certamente que sim, pois que temos uma sociedade com grau baixíssimo de cooperação com tal fator caracterizado principalmente pela ausência clara de políticas de incentivo à educação, à formação básica, visando o melhoramento da instrução da sociedade brasileira que certamente colocaria o cidadão hoje ludibriado, em evidente situação de respeito e compreensão, visto que o aumento do conhecimento caracteriza inevitavelmente o avanço da civilização.
O que se pode concluir de antemão, é que ao longo do tempo, a relação entre trabalho e capital não se aprimorou, permanecendo intacta a política do rendimento desvinculado do merecimento, no que se refere ao lucro exacerbado dos bancos no Brasil, que adotam regras interesseiras, acompanhadas da chancela ainda que velada do Governo.
Trazendo à discussão a crítica de Marx à ideologia, podemos afirmar que o povo brasileiro sofre com a ideia posta de que o País vive um “momento histórico de redução de juros e acesso fácil ao capital”, já que não se passa de ‘teoria ilusória’ objetivando o impossível, que é agradar gregos e troianos!
Marx dizia que “as idéias dominantes não são outra coisa a não ser a expressão ideal das relações materiais dominantes, as mesmas relações materiais dominantes concebidas como ideias; portanto, as relações que fazem de uma determinada classe a classe dominante, ou seja, as ideias de sua dominação” (ENGELS e MARX, 2007, p. 71).
Ou seja, aquele movimento burguês surgido com a instituição da República Democrática e do Estado de Direito, onde imperou as ideias de liberdade e da propriedade caem como uma luva na discussão em questão, quando se observa a latente discrepância entre a realidade da política de juros no Brasil e o ideal supostamente defendido pelo Governo.
Veja-se que desde a edição da Medida Provisória 2170-36/00, tal mecanismo é utilizado com o objetivo de lucro exacerbado, às custas do consumidor que de forma clarividente não tem condições de evidenciar o que trata capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano nos contratos bancários em geral.
Os Tribunais, porém, ao manifestarem inúmeras vezes acerca da aplicabilidade dos dispositivos legais autorizadores da incidência da capitalização das taxas de juros contratadas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional, como por exemplo, o STJ, firmou-se o entendimento no sentido de que, conquanto lícita, a incidência de capitalização em qualquer periodicidade não prescinde de expressa contratação.
Somente neste aspecto já é possível detectar a evidente ausência de segurança jurídica ao consumidor que se vê a mercê da ausência de limites claros da exigência de contratação expressa, posicionando-se quanto à suficiência da exposição, nos contratos, de valores numéricos de taxa de juros anual superior à soma das taxas de juros remuneratórios mensais no período de um ano.
Revive-se, portanto, uma verdadeira dominação burguesa, com o respaldo do Estado e do direito ao ratificar e dar cumprimento a dispositivos interesseiros como o agora destacado. Tal fato implica em constantes indagações que não se calam quando analisadas sob o manto da criticar marxista à ideologia da igualdade e liberdade. Vive-se no contexto econômico brasileiro a inversão dos ideais sociais justos na sua realização, ou melhor, na prática do suposto acesso sem burocracia aos recursos financeiros.
Sob este aspecto, apaga-se o ideal da boa fé objetiva enquanto regra de comportamento orientado por padrões sociais de lisura, honestidade e correção, impondo uma realidade inaceitável, porque a necessária atuação refletida das partes na celebração do contrato de consumo afasta-se quando da aplicação do pernicioso contrato de adesão, regra básica no que se refere à celebração de acordos junto aos Bancos.
Verifica-se, portanto, que a crítica central de Marx adequa-se ao caso discutido quando se detecta que tal política de juros insere-se na sociedade dando um molde de modo a ludibriar o entendimento do homem médio, não sabedor de regramentos técnicos e legais no que concerne à fixação de juros, onde a forte propaganda no sentido de mostrar a suposta lisura da sujeição da taxa induz o consumidor a uma situação que foge da realidade assim como as formas políticas do padrão social da burguesia a tempos atrás a alterariam em uma sociedade de igualitarismo e distribuição justa dos meios de produção.
Todavia, é certo que não se pode dizer, ainda que remotamente que uma “ditadura do proletariado” assim como Marx defendeu em seus ensaios resolveriam o problema, quando se tem um Estado já completamente viciado pela atenção aos poderosos e a interesses que nem sempre vão a favor da sociedade.
Nessa medida, resta clarividente que a vontade do consumidor livre das mazelas da má-fé contratual do fornecedor do serviço não é neste caso, respeitada, o que comprova, como o ilustre Doutrinador e Professor Felipe Fucito[3] destacou ao analisar a concepção de Marx sobre o direito, que
También es ilusória la idea de voluntad contractual em cuanto significa que los indivíduos establecen relaciones entre sí, cuyo contenido descansa em su libre voluntad. Esto depende, según estos autores, del desarrollo de la indústria y del comercio. [...] El aporte de esta concepción a la sociologia es relevante. Alf Ross, por ejemplo, señala el paralelismo entre la concepción de Marx y la Escuela Histórica del Derecho respecto del condicionamento social del derecho y la posibilidad de uma política jurídica: el derecho no es creado em forma arbitraria sino que es um produto necessário de la evolución.
Assim, é evidente que aquele determinismo e subordinação do direito à realidade econômica proposta por Marx se faz presente nesta questão já que a prática reiterada de juros altos no Brasil vem formando uma estrutura difundida, permanente, determinando o caminho das Leis, ou melhor, fazendo com que surjam cada vez mais dispositivos que efetivamente prejudicam a sociedade consumidora em detrimento de uma superestrutura jurídica, política que forçam, ainda que indiretamente a uma consciência social de que é normal, está correto, não há falhas, é desta maneira.
Como disse o autor supramencionado, comentando a obra de Marx, “sin perjuicio de la dogmática distinción entre ‘la claridade y evidencia’ del derecho proletário frente a la ‘hiprocresia e insinceridad’ del derecho burgués” o que se vê é uma crescente transformação da mentalidade social ocasionada pela globalização na “vida do espetáculo”, onde a concentração e domínio do mercado de capitais pelos bancos padroniza as reações psicossociais o que é mais agravado se considerada a situação de subdesenvolvimento do país, onde a riqueza e a miséria convivem, com o consumismo absolvido pela idéia de “Todos podem ter um carro 0 KM” sem culpa.
Destaca-se, também, a dependência desta ilusão gera outros fatores prejudiciais à sociedade, os quais Júlio José Chiavenato (2010) indica com precisão ao dizer que
O automóvel e o computador são exemplos de dependência e ilusão. Audis, Lancias, Mercedes ou BMWs são máquinas que podem “andar” até 260 ou 300 quilômetros por hora. Mas no Brasil ficam entaladas nos congestionamentos, ao lado de velhos fuscas e chevetinhos. Os seus proprietários não precisam dessas supermáquinas para resolver seus problemas de transporte: pelo contrário, tais veículos complicam suas vidas. São chamariscos para os sequestradores ou ladrões “pés-de-chinelo”. O que essas máquinas prometem – e são comradas por isso, além do status – só é possível para os brasileiros em um mundo virtual: a realidade do país terceiro-mundista anula a sua modernidade.
Afirma-se, assim que, a propriedade privada, o consumo exacerbado, induz como dizia Marx a uma estupidez e unilateralidade, onde o sentimento de propriedade só é pleno quando o objeto existe “como capital, ou quando é imediatamente possuído, comido, bebido, vestido, habitado, em resumo, utilizado”.
O que se vê é a restauração da ideologia marxista e sua devida confirmação pelos fatos cotidianos. Pois, é evidente que o indivíduo antes de ser um consumidor é um trabalhador, com suas capacidades humanas existindo única e exclusivamente para o capital. Se não tem trabalho, não tem rendimento e, consequentemente, não participa do “mito do progresso”, tem seu direito de acesso ao mercado de capitais restringido já que seu financiamento restará negado e assim como Marx estabeleceu, se tornará um desempregado que não existe para a economia política.
Marx considerou que:
Com a massa de objetos cresce, portanto, o reino dos seres alheios aos quais o homem está submetido, e cada novo produto é uma nova potência do recíproco engano e da recíproca exploração. O homem, enquanto homem, faz-se mais pobre, necessita mais do dinheiro para apoderar-se do ser inimigo [...] (MARX. Manuscritos: economia y filosofia, p. 156).
Assim, até que ponto as taxas de juros aplicadas e utilizadas no Brasil estariam de uma maneira justa, pagando pelo “sacrifício” do aplicador do recurso por estar sem poupar seus recursos?
Na sociedade globalizada e capitalista, a taxa de juros e os respetivos juros cobrados pelas instituições bancárias não mais são utilizados como fator de equilíbrio e de estímulo do mercado. Ao contrário, como dito alhures, o estímulo existe, mas baseado no engodo, em detrimento do equilíbrio que não existe, já que as políticas e a legislação beneficiam unicamente os banqueiros.
Veja-se que além dos chamados juros remuneratórios, cobra-se cumulativamente os juros moratórios em caso de atraso na devolução do capital dado em empréstimo[4], o que onera o consumidor, o torna escravo do pagamento do capital, pois que, o nome ‘juros remuneratórios’ já é claro por si só, no sentido de estabelecer que não pode ultrapassar a remuneração o prazo do empréstimo, devendo vigorarem até o vencimento da avença.
Ocorre que a legislação brasileira, precisamente através da súmula 296 do STJ e 102 o STJ estabelecem o contrário, em claro prejuízo do consumidor e adequando-se aos interesses dos detentores do capital, aos estabelecerem que “Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado” e “a incidência de juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”.
A escravidão dos juros é clara, onde se cobra em todos os contratos bancários juros compostos, ou melhor, calculados aplicando a taxa de juros, a cada período de tempo, sobre o capital inicial já acrescido de juros no período anterior, caracterizando o anatocismo, visivelmente um retrocesso.
No Brasil, em 1850 (Lei 556, de 25 de junho de 1850), havia vedação da capitalização composta de juros em período inferior ao anual. Já com o advento do Código Civil de 1916, retrocedeu-se no sentido de autorizar a capitalização composta, desde que pactuada pelas partes.
Em 1963, o STF através da súmula 121 vedou a capitalização ao estabelecer que “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”, entendimento que divergiu do artigo 4º do Dec. 22.626/1933 que permitia a capitalização composta anual.
Em 2000, inseriu-se a medida provisória 1.963-22/2000 que pacificou a admissibilidade da capitalização de juros com periodicidade inferior a inferior a um ano.
Vejam-se a que pacificação final do excesso, do abuso e da efetiva prejudicialidade ao consumidor, desrespeitou a luta contra a capitalização composta de juros e, em reação, o que se tem agora é uma Ação Direta de Inconstitucionalidade tramitando desde 2000. Como o julgamento ainda não ocorreu, depara-se infelizmente com a manutenção de tal prática, onde o STJ vem manifestando no sentido de admitir a capitalização composta inferior a um ano em contratos com Instituições do Sistema Financeiro Nacional.
É mais do que lógico que o Judiciário deveria atuar ativamente para delimitar qual seria a conduta esperada em cada situação concreta, para posteriormente confrontá-la àquela efetivamente praticada.
Ocorre que o conflito de posicionamentos e interesses obstaculizam atitudes mais incisavas o que dá azo a práticas contrárias à cláusula geral de boa-fé objetiva, adotada no âmbito contratual e aplicável tanto às relações contratuais em geral, como às relações de consumo. Nesse diapasão, sobressaem os deveres anexos, entre os quais se ressalta o dever de informação. No mercado de consumo, do qual o mercado financeiro é espécie, a informação ao consumidor deve ser oferecida em dois momentos principais: a que a publicidade, e aquela prestada no exato momento da contratação. E é precisamente esse dever de informação, que deve ser prestado formalmente no ato da contratação, que circunda a hipótese da matéria hora discutida.
Certamente que o acúmulo de dívidas pelo consumidor, que está intoxicado pela ideologia transmitida pelos grandes conglomerados financeiros traz a tona o que Marx dizia em seus ensaios, ao estabelecer que a concentração das massas nos centros industriais, sua capacidade de luta e a consciência que será levantada diante dos abusos, fará a transformação da sociedade capitalista.
Ou seja, cabe ao consumidor, reclamar, aumentar a pressão junto ao Judiciário, buscando uma manifestação legal que coíba os excessos, permitindo o equilíbrio na relação consumidor/fornecedor de capitais.
Assim como Marx defendeu, é necessário que nas relações consumeristas no que se refere aos contratos de empréstimo, às cédulas de crédito bancário, imperioso a conscientização da população e sua consequente atuação de modo a impor-se aqueles procedimentos ultrapassados, as formas econômicas até então estabelecidas e, de tal maneira, surjam novas relações condizentes com os interesses da sociedade em geral.
Como foi estabelecido da teoria marxiana, a classe socialmente oprimida na atualidade brasileira e até mundial, é o consumidor, cada vez mais dependente e escravizado pelo capital dos bancos, que através da publicidade e informação perniciosa, induzem o consumidor ao erro.
Que os consumidores sejam aquela classe revolucionária idealizada por Marx, da qual se faça evoluir toda a sociedade, liberando o progresso ou distribuição de renda equitativa aperfeiçoando-se as estruturas sociais.
Ocorre que apenas a vontade do consumidor não é suficiente. É necessário também vontade política e coragem para mudar, com uma alteração estruturar em face das instituições bancárias que juntamente com o capital internacional, lucram com a dependência do brasileiro.
O que se vê é que a globalização enfraqueceu o processo dialético, com a criação unicamente de novas classes que apagaram a discussão política.
Por isso, importante criar-se uma estrutura onde segundo Júilo José Chiavenato
É preciso depurar economicamente a sociedade, consolidando uma estrutura de classes dividida entre faixas de consumo que podem satisfazer da mesma maneira ricos e pobres, cada um dentro das suas possibilidades. E como as “duas pontas de consumo” funcionam a contento, é impossível debater mudanças que ameacem a satisfação consumista, que substitui o “pensar político”. Hoje, o homem prefere “ter”, antes de “ser”.
Nessa linha de raciocínio, o que importa não é acabar com a globalização, processo inevitável e que faz parte da evolução da sociedade, mas sim acabar com aquela concepção ideológica que impregnou esta evolução permitindo desacertos e abusos, in casu, na política de juros brasileira.
Veja-se que até o direito à informação, considerado absoluto nos termos delineados pelo Código de Defesa do Consumidor, e que decorre do princípio da transparência, consectário, por sua vez, da adoção da boa-fé objetiva e do dever anexo de prestar as informações necessárias à formação, desenvolvimento e conclusão do negócio jurídico entabulado entre as partes, ultimamente não vem sendo respeitado, se considerada as milhares de ações judiciais propostas na justiça brasileira com o propósito de revisar contratos nos quais não foi cumprida a proposta inicial acerca dos juros.
Tal fator ocorre e tem como argumento trazido pelos consumidores em seus procedimentos a quebra do dever de informação, não cumprido pelas dicções contratuais impostas no contrato de adesão oferecido pelas instituições bancárias aos consumidores em prejuízo da necessária proteção da parte hipossuficiente da relação contratual.
Na verdade, a sociedade brasileira ainda desconhece a capitalização de juros, principalmente quando se analisa a questão de posse do contrato bancário, totalmente incompreensível.
Certamente que da maneira como ocorre na atualidade, não seria imaturo dizer que a revolução estaria próxima, só não sabendo-se se seria para um avanço ou retrocesso, ao verificar que o crédito como produto essencial em nossa economia implicam em movimentações mercadológicas que dirigem os rumos do mercado econômico, na medida em que juros altos geram inadimplência, abarrotamento do judiciário com ações revisionais que por seu turno determinam a restrição do crédito, estagnando a economia.
Poder-se dizer, entretanto, que a cobrança da sociedade pela aplicação e distribuição equitativa dos recursos financeiros determinariam o surgimento de política de juros mais acessíveis, aumentando o consumo pelo produto dinheiro, injetando capital no mercado e aquecendo a economia.
A ideologia da igualdade criticada por Marx, cujo paradigma é o mercado, cai como uma luva no caso em questão, pois que o valor cobrado ao tomador do empréstimo é muito maior do que aquilo que efetivamente ganha o consumidor com seu trabalho para depois pagar o empréstimo. O lucro bancário é exacerbado e se comparado à capacidade financeira do consumidor tomador, ocorre a constatação do tamanho da discrepância.
O Código de Defesa do Consumidor brasileiro determina a boa-fé contratual, transparência, dever de lisura e informação clara das cláusulas contratuais. Todavia, inobstante parecer uma relação baseada em critérios justos, o que ocorre é o inverso.
Comparativamente, ainda que grosso modo, estar-se-ia então, diante do que Marx caracterizou como tempo de trabalho excedente, no qual a atividade produtiva não cria valor para o trabalhador, mas para o proprietário do capital.
A mais-valia gerada é riqueza que vai contra os ditames da equidade quando se trata do necessário equilíbrio entre as partes no contrato de consumo.
O que se vê, portanto, é um sistema agindo no inverso, onde a superestrutura, englobando principalmente o costume e as leis influenciando negativamente na base, ou infraestrutura desta relação, com os indivíduos recebendo uma carga ideológica que lhe impedem muitas vezes de agirem contra o sistema viciado.
Como dito por Marx, o excesso e o abuso de uma classe em relação a outra, implica em disparidades de riqueza e pobreza. Tal assertiva compreende o momento econômico do Brasil, aonde o consumidor vai sendo cada vez mais escravizado pelo Capital, gerando desigualdades inaceitáveis se analisadas com base na equidade.
Segundo Marx:
Onde quer que tenha assumido o poder, a burguesia pôs fim a todas as relações feudais, patriarcais e idílicas. Destruiu impiedosamente os vários laços feudais que ligavam o homem a seus “superiores naturais”, deixando como única forma de relação de homem a homem o laço do frio interesse, o insensível “pagamento à vista”. Afogou os êxtases sagrados do fervor religioso, do entusiasmo cavalheiresco, do sentimento pequeno-burguês na águas gélidas do cálculo egoísta. Fez da dignidade pessoal um simples valor de troca [...] (Marx e Engels, O Manifesto Comunista, p. 96).
Pode-se dizer que o consumidor já não é mais respeitado, com as instituições financeiras visando tão somente o lucro e pior, com o Congresso Nacional, o Judiciário e o Executivo engessado e atraídos pelo seu poder financeiro, pelo suposto desenvolvimento e aquecimento econômico que suas atividades decerto trariam à sociedade, inviabilizado toda e qualquer justiça distributiva do capital.
O indivíduo nesta linha de pensamento tornou-se nada mais do que mais uma despesa a ser acrescentada no custo da prestação do serviço, na verificação do lucro.
O dinheiro já não é mais “meio de pagamento”, mas sim “mercadoria”, circulando de maneira inesgotável que acrescentado o juro, tornou-se um “valor que se valoriza em si mesmo” (Marx, 1983):
Dizia Marx que
Como pode então uma soma de valor ter um preço além de seu próprio preço, além do preço que está expresso em sua própria forma-dinheiro? Pois o preço é o valor da mercadoria (e isso vale também para o preço de mercado, que difere do valor não pela qualidade, mas somente pela quantidade, relacionando-se apenas à grandeza de valor), em contraste com seu valor de uso. Um preço que é qualitativamente diverso do valor é uma contradição absurda (MARX, 1983, p. 266).
Certamente que as instituições financeiras abusam do consumidor, lucram com sua defasagem de conhecimento técnico, com sua capacidade de percepção do abuso, dada às práticas abusivas veladas já comentadas anteriormente, com o capital sem trabalho apropriando-se dos frutos do trabalho do consumidor, escravizando-o e tornando-o dependente.
Veja-se que nem mesmo o Conselho Monetário Nacional exerce atitude e fiscalização ativa quanto às práticas de juros no país e, desta forma, impertinente dizer que a força do mercado daria limites naturais à cobrança dos juros.
Para Marx, os juros “não é determinável, em seus limites, por alguma lei geral, porque se trata apenas de repartição do lucro entre dois possuidores do capital sob títulos diferentes” (MARX, 1983, p. 273).
A Realidade é que dificilmente haverá uma forte alteração nas práticas ora rechaçadas, dado o espírito da ganância que está enraizado na sociedade, onde os detentores do capital buscam sempre o acúmulo de mais capital.
Como disse Marx, o capitalista
Tem em comum com o avarento a paixão pela riqueza enquanto riqueza. Mas aquilo que no avarento é mera idiossincrasia, no caso do capitalista é resultado do mecanismo social do qual ele é apenas umas das engrenagens. Além do mais, o desenvolvimento da produção capitalista torna necessário incrementar constantemente a quantidade de capital investida em determinado empreendimento industrial, e a concorrência faz com que as leis imanentes de produção capitalista sejam sentidas por cada capitalista, individualmente, como leis coercitivas e externas. Compelem-no a estar sempre ampliando seu capital para que possa preservá-lo, e a única forma de ampliá-lo é através da acumulação progressiva. (Karl Marx, Capital, vol. 1 (Moscou: Foreign Language Publishing House, 1961) p. 170-171).
É inevitável destacar que as ideias marxistas ainda que radicalmente consideradas para a questão em discussão, trazem um realidade insuportável, com o poder político atuando em prol do capital, onde o estado vem exercendo o asseguramento do domínio dos recursos financeiros de uma classe privilegiada pelo domínio da informação face ao consumidor, parte hipossuficiente da relação.
Assim como Marx previu, vivemos a concentração do capital, com cada vez mais conglomerados bancários surgindo por meio de fusões, incorporações, eliminando as pequenas empresas (pequenos bancos, financeiras) do mercado.
Situação interessante de trazer à baila é o fato de que as financeiras no Brasil fazem parceria com sindicatos para fomento de crédito com a lógica cobrança de juros, quando na verdade, os sindicatos deveriam agir repelindo contratos interesseiros, com um número incomensurável de cláusulas irregulares e exigência de juros compostos.
É preciso afastar os defeitos deste sistema, que sob o manto do progresso induz à exclusão, concentração de renda e subdesenvolvimento, sob pena de, caso contrário, ter-se que repetir as palavras utilizadas pelo General Médici na ditadura Militar: “O país vai bem, mas o povo vai mal”.
Destacou Carlos Roberto Siqueira Castro[5], a superestimação da taxa de juros, por exemplo, nas operações de compra e venda de títulos da dívida pública, a vinculação do Poder Público com as instituições financeiras, oportunizam aos conglomerados financeiros lucros superiores ao das indústrias automobilísticas.
Claro que modernamente, seria açodado dizer e defender a não remuneração do dinheiro, do capital dado em empréstimo.
O que não pode haver é manipulação existente e intolerável no mercado de capitais brasileiro, o que pode ser observado no voto vencido do Ministro Paulo Brossard de Souza Pinto[6]:
Dir-se-á que as instituições financeiras captam recursos a taxas superiores a 12% ao ano e que elas não subsistiriam se não cobrassem remuneração que partisse do custo pago. O Banco não pode tomar dinheiro a 24% e emprestá-lo a 12%. Nem a Constituição quer isto. Nem o Banco é instituição de beneficência e mesmo para se fazer beneficência é preciso conservar o patrimônio. O que a Constituição quer é que os juros, por isto disse juros reais, não excedam 12% ao ano. Ninguém ignora, de outro lado, que o Tesouro é o grande tomador de recursos no mercado e que ele comanda, de conseguinte, a taxa de juros. As instituições financeiras não podem competir com o Tesouro e tem de seguir-lhes as veredas, sob pena de nada captarem. Esta a realidade. Ora, o constituinte não ignorava isso e foi isso que ele quis modificar.
Isso porque conforme Ricardo Antônio Lucas Camargo (1998), citando a obra de Marx e de Eugen Von Bohm-Bawerk, informa a necessária correção à tese da mais valia dizendo que “o valor de troca embasado apenas e tão-somente na quantidade de trabalho materializado no bem trata as oscilações de preço decorrentes das variações entre oferta e procura como acidentes, embora tais oscilações se apresentem também para os bens cujo valor de troca não radique necessariamente trabalho”.
Entretanto, seja numa concepção ou em outra, a ideia de igualdade que o sistema capitalista transmite é puramente uma ideologia, já que o equilíbrio é inexistente, pois que a busca pelo lucro é inevitável na forma contemporânea de trato ao capital.
O que deve ser buscado, entretanto, é o consumo e o lucro, digamos comedido, evitando o superendividamento de uma sociedade ainda em aprendizagem acerca do que é juros compostos, comissão de permanência, taxas e demais encargos.
Mas a tarefa não é fácil, se considerado que a ideologia do progresso implicou na mecanização da vida e o desencantamento do mundo.
É extremamente necessária a interrupção da história da prática de juros como ela é no Brasil, evitando a catástrofe do desfalecimento da economia pela ausência de capacidade financeira da sociedade, que estará afogada em dívidas das quais sua remuneração não suportará a quitação. Todavia, certo que a idéia marxista da solução na revolução, neste momento, é inviável.
Walter Benjamim (Lowy, 2005a), contrapondo-se ao otimismo da social democracia prega que “acionemos um freio de emergência, voltado para impedir a todo custo o advento do desastre”.
Se não for barrado o endividamento do consumidor, sofrerá com as restrições, porque não quitando seus débitos, não terá acesso ao financiamento, efetuando de tal maneira, unicamente compras à vista.
Nelson Abrão (2011, p.580) destaca que
A gravidade do assunto é de molde a compreender a estrutura e oferecer soluções para inibir o acesso ao crédito e desmotivar o consumo. No entanto, os anúncios e as propagandas chamam o consumidor e minam a sua resistência, de tal sorte que as despesas vão se avolumando e chagando a um limite de insuportabilidade,
Ou seja, as alterações se fazem necessárias na base da sociedade, posto que as gerações primárias se educadas, lhes fornecendo critérios racionais de julgamento, irão coibir práticas negativas das instituições financeiras no que se refere à escravidão dos juros.
Freud (1987, p. 18) considerava que
Só através da influência de indivíduos que possam fornecer um exemplo e que se reconheçam como líderes, as massas podem ser induzidas a efetuar o trabalho e suportar as renúncias de que a existência depende. Tudo correrá bem se esses líderes forem pessoas com uma compreensão interna (insigth) superior das necessidades da vida, e que se tenham erguido à altura de dominar seus próprios desejos instintuais. Gerações novas que forem educadas com bondade, ensinadas a ter uma opinião elevada da razão, e que experimentarem os benefícios da civilização numa idade precoce, terão uma atitude diferente com ela. Senti-la-ão como posse sua e estarão prontas, em seu benefício, a efetuar os sacrifícios referentes ao trabalho e á satisfação instintual que forem necessários para a sua preservação. Estarão aptos afazê-lo sem coerção e pouco diferirão dos seus líderes.
Nessa linha de raciocínio, e utilizando-se do padrão Marxista, possível dizer que se a revolução seria a locomotiva da história mundial, então que seja feita, mas de modo a puxar os freios de emergência, ou melhor, contestar ativamente as práticas abusivas de juros de modo a pressionar o Judiciário e o Executivo a fomentar legislação e políticas públicas que ao menos estabeleçam critérios claros e justos de fixação dos juros em geral no Brasil.
É preciso defender com unhas e dentes a função social do contrato, para que a expansão do capital seja aprimorada e com a devida atenção ao contexto social sem abusos e desequilíbrio dos figurantes.
A doutrinadora Cláudia de Lima Marques, (Contratos no Código de Defesa do Consumidor, 4º. Ed, Ed. Revista dos Tribunais, p.175) destaca que:
A nova concepção do contrato é uma concepção social deste instrumento jurídico, para o qual não só o momento da manifestação da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha em importância.
De contrário estaríamos diante do retorno do monetarismo que infectou o Brasil no início do plano real, que para segurar o valor de sua moeda, buscou a utilização de juros altos, o que favoreceu unicamente a entrada no país de bancos internacionais, interessados na referida prática.
Enfim, difícil demonstrar uma solução clara. Apenas possível dizer que sorte há, no sentido de haver um norte, um caminho que poderá ser seguido e perseguido visando alterar o atual contexto, pois que a gênese da sociedade e da cultura dos juros no Brasil está demonstrada.
O toque materialista histórico, com os devidos acertos, é perfeito neste sentido, pois que o processo de transformação que deve ser buscado para o fato em questão, certamente necessitará de uma ação política eficaz. Aqui não se pretendeu um culto às teorias Marxistas, mas sim destacar o que de genial havia nelas e como elas são parelhas a situações cotidianas e que de certa maneira, permitem explicação da realidade por meio de uma interpretação extensiva.
Isso porque sua crítica ao Capitalismo destacou há tempos atrás o surgimento do desemprego, que na modernidade está refletida principalmente pela política exacerbada de juros que obriga tanto o indivíduo como as empresas a trabalharem para o pagamento de débitos ocasionados pelos setores especulativos do mercado financeiro, onde o antagonismo das classes movimentam a sociedade e o corte da especulação na realidade cotidiana é necessário.
A mitigação dos dominantes aos dominados é inevitável, para que o objetivo nu e cru do lucro a qualquer custo seja enfraquecido e o consumidor não mais seja visto como simples máquina no mercado de capitais.
É necessário que o cidadão consumidor, inserido na sociedade, utilize dos benefícios de seu trabalho, com o Estado diversamente do que se vê, buscando incansavelmente o bem comum, evitando o benefício a uma classe que de forma tão sorrateira, vem empobrecendo a sociedade com base no lucro a qualquer custo.
A ideologia do consumo a qualquer custo deve ser rechaçada pelo cidadão. Ocorre que o mesmo só terá êxito na verificação efetiva das abusividades se logicamente houver como dito alhures, alteração na base, ou melhor, na educação do indivíduo consumidor.
Desta forma, possível dizer que o ideal da Constituição Federal será cumprido, com os cidadãos tendo igualados seus direitos ao bem comum, a vida em sociedade, com um toque de solidariedade.
Só será possível dizer que o Capitalismo trouxe desenvolvimento material se o Estado, através de seus instrumentos, buscar incansavelmente mitigar as desigualdades de modo a superar as contradições que se fazem presentes pelo sistema.
Referências
SILVA, Felipe Gonçalves; RODRIGUEZ, José Rodrigo. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013.
FUCITO, Felipe. Sociología Del Derecho. El Orden Jurídico y sus Condicionantes Sociales. 2ª ed. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1999.
LUCAS CAMARGO, Ricardo Antônio. O Capital na Ordem Jurídico-Econômica. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998.
JANTALIA, Fabiano. Juros Bancários. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
SILVA, Ivan de Oliveira. Curso Moderno de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2012.
EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012.
MATTOS, Laura Valadão de; Economia Política e Mudança Social. São Paulo: Editora Universidade de São Paulo, 1998.
QUINTANEIRO, Tania; OLIVEIRA BARBOSA, Maria Ligia de; MONTEIRO DE OLIVEIRA, Márcia Gardênia; Um Toque de Clássicos. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
DUPAS, Gilberto; O Mito do Progresso. São Paulo: Editora Unesp, 1943.
HUNT, E.K; SHERMAN, Howard J. História do Pensamento Econômico.Petrópolis: Editora Vozes, 2005.
CHIAVENATO, Júlio José; Ética Globalizada e Sociedade de Consumo. São Paulo: Editora Moderna, 1998.
ABRÃO, Nelson; Direito Bancário. São Paulo: Editora Saraiva, 2011
Notas
[1] SILVA, Felipe Gonçalves; RODRIGUEZ, José Rodrigo. Manual de Sociologia Jurídica. São Paulo: Saraiva, 2013.
[2] John Stuart Mill foi um filósofo e economista inglês, e um dos pensadores liberais mais influentes do século XIX. Foi um defensor do utilitarismo, a teoria ética proposta inicialmente por seu padrinho Jeremy Bentham. (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Stuart_Mill. Acesso em: 22/04/2013).
[3] FUCITO, Felipe. Sociología Del Derecho. El Orden Jurídico y sus Condicionantes Sociales. 2ª ed. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1999.
[4] São aqueles devidos durante o período em que o tomador estiver em posse do capital emprestado, privando o poupador daquele capital e sujeitando-o ao risco; já os juros moratórios serão devidos somente se o devedor não devolver o capital na forma estipulada, persistindo sua cobrança enquanto durar a mora. (EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consumidor. 2ª ed, Revista dos Tribunais, 2012).
[5] Op. Cit. P. 69-70; FAVARETTO, Isolde. Responsabilidade civil do Banco Central do Brasil por intervenções extrajudiciais. In: MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz (org.). O ensino jurídico no limiar do novo século. Porto Alegre: PUCRS, 1997, p. 172-173.
[6] Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 4. Relator: Min. Sydney Sanches. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 48, n. 195, p. 177, jan/mar 1994.