Resumo: O benefício de prestação continuada, no valor de um salário mínimo, é devido ao idoso ou ao deficiente que comprovem não possuir meios de prover a sua subsistência, ou de tê-la provida por sua família. Preenchidos os requisitos estabelecidos em lei e verificando-se a incapacidade para a vida independente e para o trabalho, o benefício deve ser concedido, possibilitando ao beneficiário uma vida digna. O presente artigo busca demonstrar que a renda familiar per capita inferior à ¼ do salário mínimo não pode ser o único critério válido para a aferição da hipossuficiência do núcleo familiar, pois não se coaduna com a realidade fática do requerente na maioria das vezes.
Palavras-chave: Assistência Social. Benefício de Prestação Continuada. Critério. Aferição. Renda Familiar Per Capita.
1 INTRODUÇÃO
Consoante o art. 203 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a assistência social é prestada a quem dela necessitar, por não possuir condições de se manter propriamente. Insta frisar que o benefício assistencial de prestação continuada, bem como os demais benefícios previdenciários, busca atender aos anseios dos necessitados, amenizando os riscos sociais, e, por conseguinte, independe de contribuição direta por parte do beneficiário por ser uma medida de política social.
O presente artigo se dedica ao estudo do benefício assistencial de prestação continuada no ordenamento jurídico brasileiro atual. Tal benefício é devido ao deficiente e ao idoso que não possuem condições de prover o seu próprio sustento e que preenchem os requisitos necessários: ser portador de deficiência física a ponto de incapacitá-lo para a vida independente e para o trabalho e não possuir meios de prover a própria subsistência, tampouco de tê-la provida por sua família.
Nesse contexto, no que concerne ao último requisito, a hipossuficiência do núcleo familiar, esse artigo objetiva analisar as interpretações sobre o critério utilizado para aferição da renda familiar per capita, que deve ser inferior à ¼ do salário mínimo vigente, conforme disposição expressa em lei.
2 A ASSISTÊNCIA SOCIAL
A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, conforme determina o art. 213 da Constituição Federal de 1988, ou seja, àquelas pessoas que não possuem condições de manutenção própria. Independe, assim como a saúde, de contribuição prévia e direta do beneficiário. Desse modo, a necessidade do assistido é o requisito exigido.
A Lei nº. 8.742/93 – Lei Orgânica da Assistência Social – rege a Assistência Social, trazendo sua definição legal:
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
São finalidades da Assistência Social a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; além do amparo às crianças e adolescentes carentes, a promoção da integração no mercado de trabalho; a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária, bem como a garantia de um salário mínimo à título de benefício para o idoso ou portador de deficiência que comprovem não possuir meios de prover a sua subsistência, nem de tê-la provida pela família.
Portanto, a assistência social é uma reunião de princípios, regras e instituições que objetiva garantir uma política social àqueles que não têm condições de prover o seu sustento, através de atividades (privadas e públicas) com vistas à concessão de benefícios, mesmo que o interessado não tenha contribuído.
2.1 Os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade material
Preleciona Fábio Zambitte Ibrahim (2011, p. 14-15) que, levando-se em conta o atual momento pós-positivista vivenciado pelo Direito Brasileiro, juntamente com a força normativa da Carta Magna de 1988, os princípios constitucionais possuem eficácia positiva (além das eficácias interpretativa e negativa) permitindo a demanda judicial de seu núcleo fundamental. Por conseguinte, a concessão do benefício assistencial de prestação continuada tem sua justificativa a partir do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual possui, como núcleo essencial, plenamente sindicável, o mínimo existencial, ou seja, o fornecimento de recursos elementares para a sobrevivência digna do indivíduo[1].
De modo claro e preciso, José Afonso da Silva (2006, p. 105) ensina que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. Os direitos sociais, por seu turno, não são meros enunciados formais, mas sim indicadores do conteúdo normativo e eficaz da dignidade da pessoa humana.
Assim, não há sentido em proporcionar outros direitos, tais como saúde, educação, lazer e liberdade, sem garantir as mais básicas condições vitais ao indivíduo, pois o princípio da dignidade da pessoa humana é "elemento limitador e integrante (protetivo) dos direitos fundamentais", segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2006, p. 120).
Tomando-se o princípio da dignidade humana como valor supremo que é, resta evidente que o mesmo influencia os outros princípios constitucionais e se liga aos objetivos fundamentais do Estado, a exemplo da promoção do bem estar social e redução das desigualdades.
Os direitos sociais, objetivamente, são as normas através das quais o Estado regula e combate as desigualdades existentes. De modo subjetivo, diz-se que são faculdades dos grupos e dos indivíduos de participar dos benefícios proporcionados pela vida em sociedade.
Por sua vez, a igualdade material também se insere nos direitos sociais e a Constituição Federal, dispondo acerca da organização do Estado, determina no art. 23, inciso X, que compete igualmente à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos.
A igualdade material busca o tratamento uniforme e equânime dos indivíduos, além de equipará-los com relação à concessão de benefícios. Desse modo, as oportunidades devem ser proporcionadas igualitariamente a todos.
A dignidade da pessoa humana aliada à igualdade material são os alicerces do ordenamento jurídico pátrio, viabilizando a efetivação dos direitos fundamentais.
3 O BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA
A Constituição Federal de 1988, juntamente com a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS – (Lei nº 8.742 de 07 de dezembro de 1993), bem como as Leis nº 12.435/2011 e nº 12.470/2011 (responsáveis pela alteração de dispositivos da Lei nº 8.742/1993) e os Decretos nº 6.214, de 26 de setembro de 2007 e nº 6.564, de 12 de setembro de 2008, instituíram o Benefício Assistencial de Prestação Continuada.
Determina a Carta Magna em seu art. 203 que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei[2].
Dispõe o art. 20 da Lei nº 8.742/93, alterado pela Lei nº 12.435/11:
Art. 20: O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Insta mencionar que o referido benefício não se destina aos beneficiários do regime da Previdência Social, visto que se trata de um benefício assistencial[3]. Dessa sorte, o beneficiário não precisa se inscrever previamente como segurado do Instituto Nacional do Seguro Social. Ou seja, para a concessão do benefício assistencial não é necessário que tenham sido vertidas contribuições, basta atender aos requisitos legais e formais exigidos.
O benefício assistencial de prestação continuada integra a Proteção Social Básica na esfera do Sistema Único de Assistência Social – SUAS - e é devido aos deficientes, físicos ou mentais de qualquer idade, bem como aos idosos com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, que não possuem recursos financeiros para prover a sua subsistência.
Assim, aos deficientes e idosos hipossuficientes é garantido um salário-mínimo mensal pago pela Autarquia Previdenciária, independentemente de carência. O benefício em análise é direito personalíssimo do beneficiário que preenche os requisitos exigidos em lei. Por conseguinte, configura fraude a tentativa de transferi-lo para outra pessoa, acarretando o seu cancelamento. Faz-se mister ressaltar ainda que o referido benefício não gera direito à pensão por morte aos dependentes do beneficiário, seja ele deficiente ou idoso. É, portanto, individual, não vitalício e intransferível. Contudo, os valores não recebidos em vida pelo beneficiário serão pagos aos herdeiros[4].
Preenchidos os requisitos autorizadores da concessão do benefício de prestação continuada, devem os pretensos beneficiários apresentar a documentação exigida para pleiteá-lo, a saber: registro geral (RG), cadastro de pessoa física (CPF), carteira de trabalho da Previdência Social (CTPS), certidão de nascimento ou casamento, declaração da composição do núcleo familiar, bem como sua renda, NIT (PIS/PASEP) ou número de inscrição perante a Previdência Social, comprovantes de rendimentos do grupo familiar e formulário de requerimento do benefício assistencial de prestação continuada.
Concedido o benefício, a sua data inicial corresponderá à data de entrada do requerimento administrativo perante o INSS. A cada 2 (dois) anos é feita reavaliação com a finalidade de verificar se as causas que ensejaram a concessão do benefício de prestação continuada subsistem, ocorrendo a sua suspensão caso tais requisitos não mais existam.
Ocorre a cessação do benefício em comento quando há superação das condições que lhe deram origem, em caso de morte do beneficiário, ou mesmo morte presumida declarada em juízo. É cessado também quando da ausência declarada do beneficiário na forma da lei civil, na falta de comparecimento do beneficiário portador de deficiência ao exame médico pericial, por ocasião de revisão de benefício, e ainda pela falta de apresentação pelo portador de deficiência ou idoso da declaração de composição do grupo e da renda familiar à época de revisão do benefício.
Ante o indeferimento na via administrativa, torna-se necessário o recurso ao Poder Judiciário para que seja determinado à Autarquia Previdenciária o cumprimento do seu dever legalmente expresso, caso os requisitos estejam claramente atendidos.
3.1 Alterações trazidas pela Lei nº. 12.435/2011
A Lei nº. 12.435/2011 introduziu significativas alterações na Lei nº. 8.742/1993, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS.
Como primeira alteração menciona-se a fixação de um período mínimo de incapacidade laboral para o portador de deficiência[5]. Assim dispõe a nova redação do § 2º do art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social:
Art. 20: (...)
§ 2º: Para efeito de concessão deste benefício, considera-se:
I - pessoa com deficiência: aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas;
II - impedimentos de longo prazo: aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Contudo, tal requisito pode ser questionado judicialmente, analisando as circunstâncias fáticas de cada caso concreto.
O conceito de núcleo familiar também foi alterado[6]. Dessa sorte, na falta dos pais, o padrasto ou a madrasta poderão ser inseridos no grupo familiar. Com relação aos filhos e irmãos, de acordo com a antiga redação deveriam ser menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidos, agora precisam apenas ser solteiros e residir sob o mesmo teto do requerente.
Inovando substancialmente, a Lei nº. 12.435/11 acrescentou os menores tutelados e os enteados solteiros que vivam sob o mesmo teto daquele que pleiteia o benefício assistencial ao conceito de grupo familiar.
3.2 Os requisitos para a concessão do benefício assistencial de prestação continuada
No que concerne à concessão do benefício de prestação continuada ao portador de deficiência, a Lei nº 8.742/93 alterada pela Lei nº 12. 435/2011, prevê 2 (dois) requisitos, quais sejam: ser portador de deficiência a ponto de incapacitá-lo para a vida independente e para o trabalho; e não possuir meios de prover a própria subsistência, tampouco de tê-la provido por sua família.
O portador de deficiência de qualquer idade deve apresentar impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, sensorial ou intelectual. Tais impedimentos representam verdadeiras barreiras de inserção social, dificultando a efetiva participação do portador de deficiência de forma isonômica com os outros indivíduos no seio da coletividade. Submete-se ainda à avaliação realizada por peritos médicos e assistentes sociais do INSS, buscando verificar se a deficiência em questão origina impedimento de longo prazo, pelo período mínimo de 2 (dois) anos.
O art. 4°, inciso III, do Anexo I da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, instituído pelo Decreto n° 6.214/07, conceitua o que seria “incapacidade” para fins de concessão do benefício assistencial ao deficiente, in verbis:
Art. 4º: Para os fins do reconhecimento do direito ao benefício, considera-se:
III - incapacidade: fenômeno multidimensional que abrange limitação do desempenho de atividade e restrição da participação, com redução efetiva e acentuada da capacidade de inclusão social, em correspondência à interação entre a pessoa com deficiência e seu ambiente físico e social;
Após uma leitura superficial do dispositivo acima transcrito, depreende-se que a limitação social está inserida no próprio conceito de incapacidade, ou seja, o indivíduo que faz jus ao recebimento de benefício assistencial de prestação continuada não é só aquele que possui limitações físicas e mentais ao ponto de incapacitá-lo para a atividade laboral, mas também o indivíduo que se encontra à margem social, em virtude da discriminação, preconceito e exclusão que permeiam a sociedade.
Já o idoso, para fins de concessão do benefício assistencial, deve ter 65 (sessenta e cinco) anos ou mais. Anteriormente, o idoso deveria ter 67 (sessenta e sete) anos, todavia, a partir de 1º de janeiro de 2004, com o Estatuto do Idoso (Lei nº. 10.741/2003) a idade exigida passou a ser a de 65 (sessenta e cinco) anos.
Ao pleiteá-lo, o beneficiário, portador de deficiência ou idoso, não pode estar em gozo de benefício do Regime Geral da Previdência Social (RGPS) ou de qualquer outro regime previdenciário. Deve comprovar ainda que não possui meio de prover o seu próprio sustento, tampouco de tê-lo provido pela sua família, evidenciando a condição de hipossuficiência em que vive. Portanto, a renda mensal per capita do núcleo familiar deve ser inferior à ¼ do salário mínimo vigente.
4 INTERPRETAÇÕES ACERCA DO CRITÉRIO DE AFERIÇÃO DA RENDA FAMILIAR PER CAPITA
De início, é imperioso destacar que o critério utilizado para aferição da renda familiar per capita não deve ser apurado de forma puramente aritmética. É preciso levar em consideração as condições pessoais do requerente, bem como de seu grupo familiar. Nesse sentido é o Enunciado nº. 03 da Turma Recursal do Rio Grande do Norte:
A renda per capita de 1/4 do salário mínimo, embora sirva como referencial para a aferição da situação familiar, não impede que, na via judicial, sejam reconhecidos outros indicadores que revelem a necessidade de amparo assistencial ao deficiente ou ao idoso.
Aprofundando-se na referida análise, é cediço que o benefício assistencial de prestação continuada orienta-se por princípios fundamentais constitucionalmente assegurados ao cidadão, a saber, dignidade da pessoa humana e direito à vida. Tem como objetivo o amparo aos necessitados, sendo dever da Previdência Social investigar a realidade fática do requerente, observando as verdadeiras condições não só dele, mas também da sua família, consoante entendimento do Tribunal Regional Federal da Quarta Região[7].
A Carta Constitucional de 1988 assegura, em seu art. 203, caput, e inciso V, que a concessão do benefício em tela garante as condições mínimas de uma vida digna às pessoas com deficiência e aos idosos.
Entretanto, inúmeras são as vezes em que o benefício assistencial de prestação continuada é indeferido pela Autarquia Previdenciária sob o fundamento de que não há enquadramento no §3º do art. 20 da Lei nº. 8.742/93, considerada renda per capita do grupo familiar igual ou superior à ¼ do salário mínimo.
No que diz respeito ao portador de deficiência, embora a renda per capita da família seja superior à ¼ do salário mínimo, é evidente, maioria dos casos, que a condição de saúde bastante debilitada do requerente demanda inúmeros gastos, sobretudo com medicamentos, além de atenção especial e necessidade de gêneros alimentícios, que se mostra dificultosa em decorrência da baixa renda, demonstrando a hipossuficiência do núcleo familiar.
A Lei nº. 10.741/2003 - Estatuto do Idoso – em seu art. 34 reduziu para 65 (sessenta e cinco) anos a idade para concessão ao idoso do benefício em comento. O parágrafo único do mesmo dispositivo legal acabou por excluir o benefício de prestação continuada já concedido a outro idoso do grupo familiar do cômputo da renda per capita para efeitos de concessão do benefício.
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Deve-se, pois, quando do cálculo da renda familiar per capita excluir o valor auferido por pessoa idosa a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima[8], este último por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03.
Não obstante, ainda aplicando analogicamente os dispositivos elencados no Estatuto do Idoso e os julgados colecionados, protesta-se no sentido de que qualquer benefício recebido por membro do grupo familiar no valor de um salário mínimo deve ser excluído do cômputo da renda familiar para fins de aferição da hipossuficiência, visto que é de destinação exclusiva daquele que o recebe.
Consoante às disposições do Estatuto do Idoso e conjugando a possibilidade de aferição da hipossuficiência por formas diversas, entendeu o Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ASSISTÊNCIA SOCIAL. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. BENEFÍCIO RECEBIDO POR PARENTE DO AUTOR. CÔMPUTO DO VALOR PARA VERIFICAÇÃO DE MISERABILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA AO BPC. ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/93. POSSIBILIDADE DE AFERIÇÃO DA MISERABILIDADE POR OUTROS MEIOS. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. O benefício de prestação continuada é uma garantia constitucional, de caráter assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo art. 20 da Lei nº 8.742/93, que consiste no pagamento de um salário mínimo mensal aos portadores de deficiência ou idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida pelo núcleo familiar. 2. O art. 34 da Lei nº 10.741/2003 veda o cômputo do valor do benefício de prestação continuada percebido por qualquer membro da família no cálculo da renda per capita mensal. 3. A Terceira Seção deste Superior Tribunal consolidou o entendimento de que o critério de aferição da renda mensal previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 deve ser tido como um limite mínimo, um quantum considerado insatisfatório à subsistência da pessoa portadora de deficiência ou idosa, não impedindo, contudo, que o julgador faça uso de outros elementos probatórios, desde que aptos a comprovar a condição de miserabilidade da parte e de sua família. 4. Recurso especial a que se dá provimento”. (STJ – SEXTA TURMA – RELATORA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – RESP 841060/SP – DJ 25/06/2007)
Corroborando com tal posicionamento, há o julgado da Turma Nacional de Uniformização (Processo nº 2007.70.51.007381-2, Rel. Juíza Fed. Joana Carolina L. Pereira, Origem: Seção Judiciária do Paraná – PR. Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei Federal), que em seu respectivo voto deu provimento ao recurso, nos seguintes termos:
Art. 34 do Estatuto do Idoso. Concessão de benefício assistencial a deficiente. Cabe a exclusão de benefício de valor mínimo recebido por inválido do grupo familiar, ainda que não seja idoso e nem deficiente e ainda que o benefício seja de cunho previdenciário, o qual também fica excluído do grupo para fins de cálculo da renda familiar per capita.
Destarte, para fins de aferição da renda familiar per capita, exclui-se o benefício no valor de um salário mínimo recebido por inválido integrante do núcleo familiar, mesmo que não seja idoso e deficiente e que o referido benefício seja de natureza previdenciária.
No que concerne à concessão do benefício ao portador de deficiência, estando preenchido o requisito da incapacidade, devem ser excluídos da apuração da renda do núcleo familiar os benefícios previdenciários, a exemplo da aposentadoria por tempo de contribuição percebida pela mãe da requerente.
Assim sendo, nas situações em que a renda familiar per capita for superior à ¼ do salário mínimo, deve-se subtrair os gastos despendidos em virtude da deficiência que acomete o requente, restando poucas condições financeiras para viver com dignidade, estando preenchido, dessa forma, o requisito da hipossuficiência econômica.
Quando o benefício assistencial é concedido à criança incapaz, o entendimento jurisprudencial predominante é de que esse benefício, além de ser concedido pela incapacidade que acomete o menor, também serve de complemento à renda do grupo familiar, possibilitando o mínimo necessário à sobrevivência de quem necessita[9].
Assevera Lazzari (2011, p. 707) que posteriormente à Lei nº. 8.742/93 sobreveio a Lei nº. 9.500/97 que, ao autorizar o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituíssem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas, estabeleceu critério mais vantajoso para analisar objetivamente a miserabilidade, qual seja, renda familiar per capita inferior à ½ salário mínimo (art. 5º, I).
No mesmo sentido, a Lei nº. 10.689/03 veio instituir o Programa Nacional de Acesso à Alimentação (PNAA), determinando em seu art. 2º, §2º, que os benefícios do PNAA serão concedidos para unidade familiar com renda mensal per capita inferior a ½ salário mínimo.
Os programas de acesso à alimentação e de renda mínima instituídos após a regulação do beneficio assistencial de prestação continuada consideram como hipossuficiente aquele cuja renda mensal per capita é inferior a ½ salário mínimo vigente.
É evidente que tal avanço não pode ser ignorado pelo ordenamento jurídico, visto que o benefício assistencial objetiva também suprir a falta dos meios necessários à subsistência. Deve-se estabelecer tratamento isonômico em relação ao critério de aferição de miserabilidade para garantir a consecução do referido benefício a quem verdadeiramente faz jus[10].
Imprescindível ressaltar que em relação à validade do critério de ½ salário mínimo per capita, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada[11].
Desse modo, o fato da renda per capita do grupo familiar ser superior à ¼ do salário mínimo não comprova o verdadeiro grau de miserabilidade do mesmo. A utilização de critérios objetivos na legislação, com o intuito de preencher requisitos e, consequentemente, conceder direitos, na maioria das vezes é conduta insegura e infundada do legislador, principalmente quando negada sua interpretação.
Conforme esclarece Fábio Zambitte Ibrahim (2011, p. 14), mesmo que o legislador faça uso frequente de parâmetros objetivos para fixação de direitos, a restrição financeira pode e deve ser ponderada levando-se em consideração as características do caso concreto, sob pena de condenar-se à morte o necessitado. Portanto, o intérprete não pode se omitir diante da realidade social.
Tal linha de raciocínio é adotada pelo Supremo Tribunal Federal:
Os inúmeros casos concretos que são objeto do conhecimento dos juízes e tribunais por todo o país, e chegam a este Tribunal pela via da reclamação ou do recurso extraordinário, têm demonstrado que os critérios objetivos estabelecidos pela Lei n° 8.742/93 são insuficientes para atestar que o idoso ou o deficiente não possuem meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. Constatada tal insuficiência, os juízes e tribunais nada mais têm feito do que comprovar a condição de miserabilidade do indivíduo que pleiteia o benefício por outros meios de prova. Não se declara a inconstitucionalidade do art. 20, § 3o, da Lei n° 8.742/93, mas apenas se reconhece a possibilidade de que esse parâmetro objetivo seja conjugado, no caso concreto, com outros fatores indicativos do estado de penúria do cidadão. Em alguns casos, procede-se à interpretação sistemática da legislação superveniente que estabelece critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais.”(STF, Rcl43746/PE, Decisão monocrática em 01/02/07. Min. Gilmar Mendes).
O Tribunal Regional Federal da Quarta Região, ao julgar Apelação Cível, manifestou-se a favor do que aqui se defende. No aludido julgamento, posicionou-se no sentido de que o disposto no § 3º do art. 20 da Lei nº. 8.742/93 não é o único critério válido para comprovação da condição de miserabilidade da família do requerente, não impedindo que o julgador faça uso de outros fatores.