Nossa Lei Maior situou os destacados princípios conjuntamente em seu inciso LV, artigo 5.º: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com meios e recursos a ela inerentes;"
O Princípio do Contraditório contém o enunciado de que todos os atos e termos processuais (ou de natureza procedimental[1]) devem primar pela ciência bilateral das partes, e pela possibilidade de tais atos serem contrariados com alegações e provas [2].
Vicente Greco Filho sintetiza o princípio de maneira bem prática e simples: "O contraditório se efetiva assegurando-se os seguintes elementos: a) o conhecimento da demanda por meio de ato formal de citação; b) a oportunidade, em prazo razoável, de se contrariar o pedido inicial; c) a oportunidade de produzir prova e se manifestar sobre a prova produzida pelo adversário; d) a oportunidade de estar presente a todos os atos processuais orais, fazendo consignar as observações que desejar; e) a oportunidade de recorrer da decisão desfavorável." [3][4]
Segundo Portanova, o contraditório tem duplo fundamento, afigurando-se tanto em seu sentido lógico, quanto político (lato senso). O fundamento lógico é justamente a natureza bilateral da pretensão que gera a bilateralidade do processo[5]. No campo político, tem-se, simplesmente, o sentido comum de que ninguém poderá ser julgado sem ser ouvido. Destarte, não seria errado apresentar este Princípio em sua sinonímia de Amplo Debate.
O Contraditório é tido mesmo como o princípio norteador do próprio conceito da função jurisdicional [6]. No entanto, o texto constitucional foi claro ao expressar o alcance do princípio para fora do âmbito processual civil. Assim é que a bilateralidade passa a ser necessária não apenas para os procedimentos judiciais, mas também para os administrativos.
Nesse mesmo delineamento, insurge-se o Princípio da Ampla Defesa, que traduz a liberdade inerente ao indivíduo (no âmbito do Estado Democrático) de, em defesa de seus interesses, alegar fatos e propor provas[7]. Neste aspecto, mostra-se evidente a correlação entre a Ampla Defesa e o Amplo Debate (Princípio do Contraditório), não sendo concebível falar-se em um sem pressupor a existência do outro – daí a inteligência do inciso LV, do artigo 5.º Constitucional, em agrupá-los em um dispositivo. A Ampla Defesa abre espaço para que o litigante exerça, sem qualquer restrição, seu direito de defesa.
A Ampla Defesa "não é uma generosidade, mas um interesse público. Para além de uma garantia constitucional de qualquer país, o direito de defender-se é essencial a todo e qualquer Estado que se pretenda minimamente democrático"[8].
O Princípio da Ampla Defesa é aplicável em qualquer tipo de processo que envolva o poder sancionatório do Estado sobre as pessoas físicas e jurídicas [9]. Nessa linha, já restando claro o íntimo relacionamento entre o Contraditório e a Ampla Defesa, resta explicar como conceber a aplicação de tais preceitos perante o Direito Partidário e Eleitoral, já que este encontra-se fora do âmbito do Direito Administrativo e Processual Civil.
Os partidos políticos, inobstante encontrarem-se fora do âmbito processual ou administrativo, atraem a aplicação inexorável dos princípios constitucionais positivos, na medida que são elementares para o funcionamento e a própria realização do Estado Democrático de Direito (Art. 1.º, V, CF). Dessa maneira, não se poderia conceber o funcionamento partidário, e sua emanação política nacional, em desarmonia com o regime democrático. Partindo do pressuposto inquestionável de que o Contraditório e a Ampla Defesa são princípios inerentes à própria natureza do Estado Democrático de Direito, deflui-se que, por ser o Partido Político expressão desse, tais princípios também constituem seus alicerces fundacionais.
A Constituição Federal de 1988 definiu, em seu artigo 17, o Princípio da Autonomia Partidária, nos seguintes termos: "É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento, devendo seus estatutos estabelecer normas de fidelidade e disciplinas partidárias." (Art. 17, §1.º, CF);
Com propriedade, o Constitucionalista José Afonso da Silva explana o Princípio retro enfocado: "Destaque-se aí o Princípio da Autonomia Partidária, que é uma conquista sem precedente, de tal sorte que a lei tem muito pouco a fazer em matéria de estrutura interna, organização e funcionamento dos partidos, estes podem estabelecer os órgãos internos que lhes aprouverem. Podem estabelecer as regras que quiserem sobre seu funcionamento. Podem escolher o sistema que melhor lhes parecer para designação de seus candidatos: convenção mediante delegados eleitos apenas para o ato, ou com mandatos, escolha de candidatos mediante votação da militância. Podem estabelecer os requisitos que entenderem sobre filiação e militância. Podem disciplinar do melhor modo, a seu juízo, seus órgãos dirigentes. Podem determinar o tempo que julgarem mais apropriado para duração do mandato de seus dirigentes." [10]
Ainda segundo o citado constitucionalista, a Constituição Federal determina que os partidos organizem-se e funcionem em harmonia com o regime democrático, devendo-se suas estruturas internas sujeitarem-se aos mesmos princípios – "não é compreensível que uma instituição resguarde o regime democrático se internamente não observa o mesmo regime." [11]
Inobstante a autonomia insculpida constitucionalmente, como se vê a Autonomia Partidária não é princípio absoluto no campo constitucional, submetendo-se à própria Lei Maior que a contém. Dessa forma, o Princípio deve ser entendido, aplicado, e interpretado em harmonia com os demais Princípios Constitucionais. Aliás, esse é o ensinamento colhido do Doutor Torquato Jardim: "O controle judicial dos partidos políticos tornou-se, destarte, mais restrito, e apenas para o que defluir dos princípios postos na constituição."[12]
Na questão partidária/eleitoral emergem dois princípios constitucionais que ganham especial destaque, não apenas pela importância de seus enunciados para o Ordenamento Jurídico, mas também pela freqüência com que afloram no discurso político partidário. São eles os abordados princípios do Contraditório e da Ampla Defesa.
Extensamente difundida encontra-se a máxima de que questões de natureza interna corporis estariam excluídas do âmbito de apreciação do Poder Judiciário. "O controle jurisdicional relativo à constitucionalidade ou legalidade dos autos praticados pelos partidos políticos não significa interferência indevida na autoridade das agremiações partidárias, que têm independência apenas ‘para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento’. Tal controle se funda no art. 5.º, inciso XXXV, da própria Carta Magna, que estabelece ser impossível excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito" (TSE, Acórdão n.º 12.817, de 07/08/1996).
O Relatório e o Voto do referido acórdão concluem a lição perquirida: "Inequivocamente, ao expulsar o recorrido em apenas seis dias, sem assegurar-lhe a oportunidade de se defender nos moldes fixados em seu próprio Estatuto, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro – PMDB, ao mesmo tempo, ofendeu a garantia constitucional da ampla defesa e ensejou fosse o seu ato levado ao crivo do Poder Judiciário pelo filiado penalizado. Não há assim, falar em ofensa à autonomia constitucional dos partidos políticos.(...) É certo que, ao expulsar o recorrido do partido, sem observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, o PMDB ofendeu a Constituição Federal, assim como o estatuto do próprio partido, ensejando a apreciação de seu ato pelo Poder Judiciário."
Como se apercebe, alguns princípios constitucionais, como os aqui sumariamente estudados, trazem para si a própria natureza do Estado Democrático de Direito. O partido político, no seu labor de realizar a própria democracia, submete-se, em uma escala quantitativa relativamente menor, às diretrizes fundamentais da Democracia, incluindo-se aí os princípios constitucionais inerentes a ela. Englobados no próprio conceito democrático estão os princípios do Contraditório e da Ampla Defesa que, aliados ao Princípio do Controle Jurisdicional (inciso XXXV, Art. 5.º, CF), estabelecem os limites de ingerência e controle do Poder Judiciário em relação aos Partidos Políticos, não de forma a restringir a Autonomia Partidária, mas de maneira a garanti-la coerentemente inserta dentro do Ordenamento Jurídico Democrático.
NOTAS
1.Para os fins deste artigo, é necessário introduzir este termo visto que, ao abordar atos partidários, não se poderia falar em processo, ou mesmo em jurisdição, uma vez que tais atos, apesar de atraírem o interesse Estatal, em virtude do Princípio da Autonomia Partidária, encontram-se fora de sua esfera de atuação.
2.PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. 4.ª edição. Editora Livraria do Advogado. Porto Alegre, 2001. P. 160-164.
3.GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, 2.º Volume. 11.ª Edição atualizada. Editora Saraiva. São Paulo, 1996. p. 90.
4.Vale notar que o Professor Vicente Greco Filho engloba, nos elementos que compõem o Princípio do Contraditório, os próprios elementos do Princípio da Ampla Defesa – indissociáveis dentro da natureza dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito.
5.Rui Portanova (opus cit.) faz referência à bilateralidade da "ação", mas, no entanto, nesse texto, preferiu-se utilizar o termo "pretensão", visto que, nos procedimentos internos partidários (com ou sem repercussão eleitoral), tal termo mostra-se deveras impróprio.
6.BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Curso de Processo Civil. Volume I (Processo de Conhecimento). 5.ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2000. p. 70.
7.PORTANOVA, Rui. Opus cit. P. 125.
8.Idem. Ibidem.
9.DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Editora Atlas, 8.ª Edição. São Paulo, 1997. p. 402.
10.SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10.ª Edição. Editora Malheiros, São Paulo, 1995. p. 386.
11.Idem. ibidem.
12.JARDIM, Torquato Jardim. Direito Eleitoral Positivo