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Hipoteca versus alienação fiduciária:

vantagens e desvantagens de cada instituto

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3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA

3.1. HISTÓRICO

A primeira forma de garantia real existente no Direito romano foi a alienação fiduciária. O devedor transferia o bem ao credor em garantia de uma dívida, resguardando o direito de recompra depois de quitada a obrigação. Diferia do penhor justamente na medida em que na fidúcia cum creditore havia a transferência da propriedade para o credor, e no pignus havia a transmissão da posse.

César Fiuza disserta:

“A alienação fiduciária em garantia foi, segundo Cretella Júnior, a primeira modalidade de garantia real surgida no Direito Romano. Chamada de fidúcia cum creditore, tinha o grave defeito de transmitir a propriedade da coisa ao credor, o que fez com que nascesse o penhor, que não mais transferia ao credor o domínio da coisa dada em garantia.

De qualquer forma, a alienação fiduciária em garantia atual é um pouco diferente da fidúcia cum creditore. Nesta era feita venda simbólica do bem ao credor, ficando o vendedor com o direito de recompra, também simbólica, uma vez paga a dívida. Realizavam-se dois atos: um de compra e venda, o outro de fidúcia, ou seja, as partes pactuavam o direito do devedor de readquirir o bem alienado.

Na alienação fiduciária em garantia, não há estes dois momentos. O próprio contrato de alienação já confere ao devedor o direito de readquirir o bem com o pagamento da obrigação garantida. Ademais, não há qualquer compra e venda simbólica”.

(FIUZA, César. Direito civil: curso completo. – 15. ed. revista, atualizada e ampliada – Belo Horizonte: Del Rey 2011, página 922).

Sílvio Venosa leciona:

“A mais antiga modalidade de garantia encontrada nas fontes é a fidúcia cum creditore. Por esse negócio, o devedor transferia a propriedade aos credores, pela mancipatio ou in iurecessio, a fim de garantir o cumprimento de obrigação, mediante um pacto restituição da coisa (pactumfiduciae), quando da extinção da dívida (Alves, 1983, v. 1:429).

Pela fidúcia, a coisa era efetivamente transferida ao credor, não existindo o conceito moderno direito sobre coisa alheia. Cuidava-se, portanto, de uma alienação assecuratória. Era inconveniente para o devedor, que ficava sem a propriedade e a posse da coisa. O credor, tornando-se proprietário, podia vender o bem, porém, uma vez paga a dívida, corria o risco de ser condenado pela actiofiduciae a devolver a coisa, bem como o valor que excedesse a dívida (superfiduciae a devolver a coisa, bem como o valor que excedesse a dívida (superfluum) (Miranda, 1971, v. 20:4)”.

(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil : direitos reais. – 11. ed. – São Paulo : Atlas, 2011, volume 5, página 596).

No Direito pátrio, a alienação fiduciária de bens móveis e imóveis possui tratamento legal diferenciado.

Até a criação do Sistema de Financiamento Imobiliário, com a Lei nº 9.514/97 a alienação fiduciária só existia sobre bens móveis. O Decreto-lei nº 911/69, que alterou a Lei nº 4.278/65, disciplina, ainda hoje, a propriedade fiduciária sobre bens móveis, sendo muito utilizado em contratos de financiamento de veículos.

Cabe aqui expor a lição de Francisco Loureiro:

“Há, porém, profusa legislação especial tratando da matéria. Pode-se afirmar a atual coexistência de triplo regime jurídico da propriedade fiduciária: o Código Civil disciplina a propriedade fiduciária sobre coisas móveis infungíveis, quando o credor fiduciário não for instituição financeira; o art. 66-B da Lei nº 4.728/65, acrescentado pela Lei nº 10.931/2004, e o Decreto-lei nº 911/69 disciplinam a propriedade fiduciária sobre coisas móveis fungíveis e infungíveis quando o credor fiduciário for instituição financeira; a Lei nº 9.514/97, também modificada pela Lei nº 10.931/2004, disciplina a propriedade fiduciária sobre bens imóveis, quando os protagonistas forem ou não instituições financeiras; a Lei nº 6.404/76 disciplina a propriedade fiduciária de ações; a Lei nº 9.514/97, com redação dada pela Lei nº 10.931/2004, disciplina a titularidade fiduciária de créditos como lastro de operação de securitização de dívidas do Sistema Financeiro Imobiliário”.

(LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011, página 1423).

3.2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA

A alienação fiduciária é a espécie de propriedade resolúvel que o devedor, com fito de garantir uma dívida, transfere ao credor. A posse indireta da coisa pertence ao credor. O devedor, apesar de ser o possuidor direto do bem, fica desnudo do domínio, ao menos provisoriamente. Após, adimplida a obrigação assumida, o devedor fiduciante, como é chamado, terá a propriedade re-transferida para si, visto que a mesma será resolvida em seu favor.

A própria propriedade é transferida ao credor, mesmo que de forma precária ou resolúvel. A fidúcia, que significa confiança, reside na natureza do instituto. O credor confia que o devedor honrará a obrigação assumida, e o devedor confia que o credor não imporá dificuldades à resolução da propriedade.

Francisco Loureiro expõe de forma incisiva as implicações jurídicas do instituto:

“A propriedade fiduciária constitui patrimônio de afetação, porque despida de dois dos poderes federados do domínio – jus utendi e fruendi -, que se encontram nas mãos do devedor fiduciante. O credor fiduciário tem apenas o jus abutendi e, mesmo assim, sujeito à condição resolutiva, destinado, afetado somente a servir de garantia ao cumprimento de uma obrigação. O direito de dispor, na verdade, está atrelado à cessão do crédito garantido. A propriedade-garantia é acessória à obrigação e segue sua sorte. A peculiaridade é que, ao contrário das demais garantias reais, incide não sobre coisa alheia, mas sobre coisa própria transferida ao credor, embora sob condição resolutiva”.

(LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011,página 1425).

Importante, neste momento, deixar claro que há distinção entre propriedade fiduciária e a alienação fiduciária. Esta é o contrato, o acordo de vontades voltado a constituir uma coisa em garantia. Propriedade fiduciária é a garantia real do negocio jurídico celebrado.

Novamente, Francisco Loureiro afirma:

“Não se confunde com a alienação fiduciária em garantia, o contrato que serve de título para a constituição da propriedade fiduciária. A alienação fiduciária é o negócio jurídico, enquanto a propriedade fiduciária é direito real com escopo de garantia”.

(LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011,página 1424).

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Interessante discussão insurge na doutrina: se a propriedade fiduciária é direito real ou não. Tanto o Código Civil de 1916 e quanto o atual não trataram diretamente sobre isso. A Lei nº 9.514/97, em seu art. 17, § 1º, impõe a natureza jurídica de direito real à propriedade fiduciária sobre bem imóvel (a Lei menciona, inapropriadamente, que a alienação fiduciária, e não a propriedade fiduciária, é direito real).

No entanto, o Código Civil, no art .1.225, exclui a propriedade fiduciária dessa condição de direito real. A exclusão não é explícita. Deriva da taxatividade do mencionado artigo.

E a questão mais importante é a de definir se a propriedade fiduciária é capaz de transferir a propriedade de forma plena ao credor. Isso é crucial para classificá-la como direito real, justamente porque não é possível a constituição de direito real sobre coisa própria.

Vejamos a opinião de NamemChalub:

“Ao ser contratada a alienação fiduciária, o devedor-fiduciante transmite a propriedade ao credor-fiduciário e, por esse meio, demite-se do seu direito de propriedade; em decorrência dessa contratação, constitui-se em favor do credor-fiduciário uma propriedade resolúvel; por força dessa estruturação, o devedor-fiduciante é investido na qualidade de proprietário sob condição suspensiva, e pode tornar-se novamente titular da propriedade plena ao implementar a condição de pagamento da dívida que constitui objeto do contrato principal”.

(CHALHUB, MelhimNamem. Negócio Fiduciário. Rio de Janeiro - São Paulo: Renovar, 2000, 2ª ed, página 222)

Namem defende a idéia de que não é possível considerar a propriedade fiduciária como direito real. Entende que neste instituto o devedor transfere a propriedade ao credor, fugindo do feixe de incidência dos poderes inerentes ao proprietário, com exceção do uso e o gozo.

Já Ubirayr Vaz diverge:

Ressalta do contexto da Lei 9.514 que a transmissão da propriedade resolúvel, como parte integrante do contrato de alienação fiduciária, não significa a perda da propriedade pelo fiduciante, nem seu ingresso no patrimônio do fiduciário. A perda da propriedade, com o caráter que lhe empresta o Código Civil, somente ocorrerá quando, não pagas as prestações e seus encargos, consolidar-se a propriedade fiduciária, e, ainda, se for ela alienada no primeiro leilão, pelo valor estipulado no contrato; se for ela alienada no segundo leilão, pelo valor igual ou superior ao valor da dívida, das despesas, dos prêmios de seguro, dos encargos legais, inclusive tributos, e das contribuições condominiais; com a extinção da dívida e respectiva quitação, caso no primeiro e no segundo leilões os maiores lances não alcancem os valores mínimos supra mencionados. Trata-se, pois, de transmissão e aquisição, a que não se podem aplicar, de forma intransigente e dogmática, os conceitos tradicionais da propriedade e da própria alienação."

(VAZ, Ubirayr Ferreira. Alienação Fiduciária de coisa imóvel – Reflexos da lei nº 9.514/97 no Registro de Imóveis. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, página 55)”.

Filio-me a esta segunda corrente. Em verdade, a constituição da propriedade fiduciária ocorre como garantia da exequibilidade de certa obrigação. O direito real que existe é sobre os direitos que ainda persistem sobre o devedor. Adimplida a obrigação, o direito real se desfaz, e o devedor receberá o que havia transferido de forma resolúvel ao credor. O desdobro da propriedade ocorre com o único fito de garantia.

Clóvis Bevilaqua leciona didaticamente a natureza da propriedade resolúvel, afirmando que “propriedade resolúvel, ou revogável, é a que, no próprio título de sua constituição encerra o princípio, que a tem de extinguir, realizada a condição resolutória, ou advindo o termo, seja por força de declaração, seja por determinação da lei” (BEVILAQUA, Clóvis. Direito das coisas. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1951, p. 243).

A classificação como sendo propriedade revogável indica a natureza do instituto e a sua condição temporária.

Em verdade, não há transferência total da propriedade. Os poderes inerentes ao direito de propriedade são transferidos em parte. O uso e o gozo remanescem com o devedor. Ao credor, nem mesmo o direito de disposição lhe cabe. Pode, no entanto, reivindicar a coisa contra quem a injustamente possua. A alienação do direito real da propriedade depende da concordância expressa do credor e do devedor. Tanto que a transferência da posição de credor fiduciário se faz por cessão e não por outro título causal translativo (v.g. compra e venda, doação, permuta, etc).

3.3. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BENS IMÓVEIS

A Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, inovou o ordenamento jurídico nacional ao introduzir a possibilidade de se constituir propriedade fiduciária sobre bens imóveis. E ainda estendeu essa faculdade a todos os particulares, afastando a utilização exclusiva pelas instituições financeiras.

O instituto da alienação fiduciária é, e sempre foi, muito utilizado no financiamento de veículos. Com a referida lei, os bens imóveis foram inseridos neste contexto de propriedade resolúvel. Permitiu-se, ainda, como dito, que particulares contratassem entre si a alienação fiduciária. Tanto pessoas físicas quanto jurídicas podem contratar segundo as regras da mencionada lei.

A Lei nº 9.514/97 criou o Sistema de Financiamento Imobiliário, visando estimular a concessão de financiamentos imobiliários financeiramente mais acessíveis à população. Nesse iter, criou o mecanismo da alienação fiduciária aplicável aos bens imóveis.

As autorizadas a operar no Sistema de Financiamento Imobiliário as “caixas econômicas, os bancos comerciais, os bancos de investimento, os bancos com carteira de crédito imobiliário, as sociedades de crédito imobiliário, as associações de poupança e empréstimo, as companhias hipotecárias e, a critério do Conselho Monetário Nacional - CMN, outras entidades”, conforme art. 2º da Lei nº 9.514/97.

O art. 17. da mencionada lei elenca quais são os institutos aceitos pelo Sistema de Financiamento Imobiliário como hábeis a garantir a operação imobiliária. Vejamos:

“Art. 17. As operações de financiamento imobiliário em geral poderão ser garantidas por:

I - hipoteca;

II - cessão fiduciária de direitos creditórios decorrentes de contratos de alienação de imóveis;

III - caução de direitos creditórios ou aquisitivos decorrentes de contratos de venda ou promessa de venda de imóveis;

IV - alienação fiduciária de coisa imóvel.

§ 1º As garantias a que se referem os incisos II, III e IV deste artigo constituem direito real sobre os respectivos objetos.

§ 2º Aplicam-se à caução dos direitos creditórios a que se refere o inciso III deste artigo as disposições dos arts. 789. a 795 do Código Civil.

§ 3º As operações do SFI que envolvam locação poderão ser garantidas suplementarmente por anticrese”.

Vislumbra-se que a própria lei disponibiliza às operadoras do SFI os institutos da hipoteca e da alienação fudiciária. Cabe à operadora a escolha que melhor lhe convier. Daí insurge a importância do presente trabalho, que elucidará as vantagens e desvantagens da hipoteca e da alienação fiduciária, tanto para o credor quanto para o devedor.

A contratação da alienação fiduciária não é privativa das entidades integrantes do SFI, podendo ser manejado por pessoas físicas e jurídicas (art. 22, § 1º).

O conceito legal da alienação fiduciária está contido no caput do art. 22: “a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.

Explícita a distinção, de início, entre o negócio jurídico alienação fiduciária e o direito real de garantia propriedade fiduciária. Ainda, importante aqui lembrar que considero a propriedade fiduciária uma espécie de direito real em que existe a transferência da propriedade resolúvel sobre a coisa. O credor não pode utilizar da coisa como se proprietário fosse. Falta-se o domínio pleno, que só é computado àqueles titulares portadores dos poderes contidos no art. 1.228. do Código Civil, quais sejam, usar, gozar, dispor, e reaver a coisa.

A própria Lei nº 9.514/97, no art. 22, § 1º, elenca o que pode ser objeto da garantia real fiduciária:

§ 1º A alienação fiduciária poderá ser contratada por pessoa física ou jurídica, não sendo privativa das entidades que operam no SFI, podendo ter como objeto, além da propriedade plena:

I - bens enfitêuticos, hipótese em que será exigível o pagamento do laudêmio, se houver a consolidação do domínio útil no fiduciário;

II - o direito de uso especial para fins de moradia;

III - o direito real de uso, desde que suscetível de alienação;

IV - a propriedade superficiária.

O regime jurídico da alienação fiduciária de bens imóveis instituído em 1997 prevê taxativamente o que pode ser objeto da propriedade fiduciária. A opção de incluir outros direitos além da propriedade plena é a de reconhecer a existência de situações jurídicas em que não é possível exigir a propriedade plena como garantia. Isto em vista da realidade fundiária no Brasil. Em determinados locais como, por exemplo, municípios litorâneos, o financiamento imobiliário pelo SFI restaria inviabilizado caso fosse exigida, como condicionante da operação de crédito, a propriedade plena.

3.3.1. Requisitos

A alienação fiduciária, como negócio jurídico, exige para a sua válida celebração um agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104).

Os direitos que podem ser objeto da propriedade fiduciária dentro do SFI estão elencados no já colacionado § 1º do art. 22. da Lei nº 9.514/97. Inicialmente, com a publicação desta lei, discutiu-se acerca da possibilidade ou não da utilização da propriedade fiduciária instituição nesta lei para garantir outras espécies de negócios jurídicos.

Parece-me que o art. 38. elucida a questão, indicando a possibilidade de utilizar o instrumento criado na Lei nº 9.514/97 em outros negócios jurídicos.

É o que ensina Sílvio Venosa:

“Dúvida era saber se essa modalidade de negócio pode garantir qualquer negócio jurídico, uma vez que a lei não faz restrição. Em princípio, embora o instituto tenha sido criado com a finalidade de aquisição de imóveis, nada impedirá que a garantia fiduciária seja utilizada para outros negócios paralelos, pois não existe proibição na lei. Parece que a situação fica agora esclarecida com a redação atual do art. 38. da Lei nº 9.514/97, com a alteração dada pelo MP nº 221/2004, conforme apontamos de início”.

(VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. – 11. ed. – São Paulo : Atlas, 2011. Volume 5. Página 425).

Os artigos 23, 24 e 38 explicitam os requisitos formais da alienação fiduciária:

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel.

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:

I - o valor do principal da dívida;

II - o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;

III - a taxa de juros e os encargos incidentes;

IV - a cláusula de constituição da propriedade fiduciária, com a descrição do imóvel objeto da alienação fiduciária e a indicação do título e modo de aquisição;

V - a cláusula assegurando ao fiduciante, enquanto adimplente, a livre utilização, por sua conta e risco, do imóvel objeto da alienação fiduciária;

VI - a indicação, para efeito de venda em público leilão, do valor do imóvel e dos critérios para a respectiva revisão;

VII - a cláusula dispondo sobre os procedimentos de que trata o art. 27.

Art. 38. Os atos e contratos referidos nesta Lei ou resultantes da sua aplicação, mesmo aqueles que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis, poderão ser celebrados por escritura pública ou por instrumento particular com efeitos de escritura pública.

Seguindo a tradição jurídica latina, o registro do título aquisitivo no Serviço de Registro de Imóveis constituí a propriedade fiduciária como direito real de garantia. Cumpriu-se a regra estatuída no art. 1.227. do Código Civil, a qual estabelece que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245. a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

Neste momento, importante fazer uma breve colocação sobre o sistema de aquisição de propriedade existente no Brasil.

Luiz Egon Richter nos ensina:

“A publicidade registral imobiliário varia de acordo com o sistema adotado por cada Estado. A doutrina, de uma forma geral, apresenta três sistemas principais de publicidade, com as variáveis eficaciais peculiares de cada País.

Sistema privatista ou francês – atribui à publicidade o efeito de aviso oponível a terceiros de atos que se perfazem por meio do contrato. O direito real se constitui pelo contrato e não pela publicidade. Não há o que se falar de publicidade constitutiva no Registro Imobiliário, neste sistema.

Sistema publicista ou alemão – confere à publicidade o efeito constitutivo do direito. Neste, a publicidade é parte integrante do direito, daí porque se chama de publicidade necessária.

(...)

Sistema eclético – conjuga de certa forma os dois sistemas anteriores, cominando o título com a publicidade”.

(RICHTER, Luiz Egon. Da qualificação notarial e registral e seus dilemas. In Introdução ao direito notarial e registral; coordenação Ricardo Dip. – Porto Alegre : IRIB : Fabris, 2004, página 199 e 200).

O sistema adotado no Brasil é o eclético, em que o título causal e o registro são vinculados. E a aquisição do direito real depende de ambos. Existem exceções: as aquisições originárias de propriedade. Nestas, a transmissão do direito, ou a constituição do direito real ocorre com a ocorrência do fato hipoteticamente previsto na norma. O evento morte, por exemplo, é o fato gerador da transmissão do acervo patrimonial do autor da herança, em respeito à regra do direito francês conhecida como saisine. O registro tem a função publicizadora da ocorrência do fato. O mesmo ocorre com a desapropriação e o usucapião.

Francisco Loureiro expõe com didática o sistema adotado no Brasil:

“O terceiro sistema, denominado misto ou eclético, foi acolhido em nossos Códigos de 1916 e atual. Para nós, o registro é constitutivo de direito real sobre coisa imóvel. É ele que converte o título, gerador de simples direito de crédito, em direito real, irradiando seus efeitos contra todos. Nesse ponto, aproxima-se do sistema alemão. A diferença, porém, está no fato do registro em nosso sistema ter a natureza de ato jurídico causal, pois permanece vinculado ao título que lhe deu origem. Invalidado o título, invalida-se o registro. O registro tem efeito constitutivo, mas não saneador do título causal. Disso decorre que viciado o título, contaminado estará o registro, que será, então, cancelado. Presume-se ser o imóvel daquele que tem o título registrado no sistema imobiliário, mas tal presunção é relativa no direito brasileiro (juris tantum), segundo se extrai dos arts. 1.245, § 2º, e 1.247 do Código civil, adiante examinados”.

(LOUREIRO, Francisco Eduardo. Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o Código Civil de 1916 / coordenador Cezar Peluso. – 5. ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2011,página 1424).

E a natureza formal do título a ser levado ao Registro de Imóveis pode ser pública ou particular, desde que com efeitos de escritura pública. Trata-se de exceção à regra do art. 108. do Código Civil, que estabelece a obrigatoriedade da escritura pública para a validade “dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”.

O final do art. 38. limita o permissivo. Somente os títulos particulares com efeitos de escritura pública é que serão aceitos como hábeis à celebração da alienação fiduciária e à constituição da propriedade fiduciária perante o Oficial do Registro de Imóveis. Os que não gozem da prerrogativa de possuir os efeitos de escritura pública deverão enquadrar-se na regra civil do art. 108.

Os requisitos objetivos do contrato de alienação fiduciária estão dispostos no art. 24, acima colacionado.

Sobre os autores
José Eduardo de Moraes

Tabelião e Registrador do 1º Ofício de Porto Franco - Maranhão.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, José Eduardo; MORAES, jose henrique moraes. Hipoteca versus alienação fiduciária:: vantagens e desvantagens de cada instituto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3720, 7 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25233. Acesso em: 22 nov. 2024.

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