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A execução de sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer

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A sentença estrangeira é um paradigma interessante, tendo em vista as previsões legais e regimentais expressas de que será ela executada pela mesma sistemática adotada para as sentenças nacionais da mesma natureza.

Resumo: Trata, em geral, dos meios de efetivação da sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer. Parte do tratamento genérico dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais. Analisa as sentenças estrangeiras passíveis de homologação, pelo Superior Tribunal de Justiça. Refere, em termos gerais, as características das sentenças nacionais que reconhecem obrigações de fazer e de não fazer. Cuida da controvérsia a respeito dos meios hábeis à efetivação das sentenças estrangeiras da mesma natureza. Analisa, perfunctoriamente, a problemática dos meios de defesa do executado, em ações dessa natureza.

Palavras Chave:Execução de Sentença – Sentença Estrangeira – Obrigação de Fazer.

Sumário: 1 Introdução; 2 Títulos Executivos; 3 Sentença Estrangeira; 4 Execução de Sentença que Reconhece Obrigação de Fazer ou Não Fazer; 5 Execução de Sentença Estrangeira e Defesa do Executado; 6 Conclusão; Referências.


1 INTRODUÇÃO.

Os artigos 483 e 484, do Código de Processo Civil, determinam que a sentença estrangeira, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, na forma de seu regimento interno, terá eficácia no Brasil, e que a sua efetivação deverá obedecer “as regras estabelecidas para a execução de sentença nacional da mesma natureza”.

É de se destacar, todavia, que após o advento da Emenda Constitucional de número 45, em dezembro de 2004, a competência para homologar sentenças estrangeiras foi deslocada para o Superior Tribunal de Justiça, na forma da nova redação do artigo 105, I, i, da Carta Magna.

A referida modificação, todavia, não implica em substancial alteração das disposições dos art. 483 e 484, do Código de Processo Civil, cuja redação não foi alterada.[1]

Ocorre que, com o advento da Lei 11.232, de 2005, que introduziu uma série de importantes inovações no Código de Processo Civil, a execução de sentença deixou de se efetivar por meio de um processo autônomo, para se consubstanciar em uma nova fase de um processo sincrético – que engloba, também, em geral, uma fase de conhecimento.

O art. 475-I, caput, do Código de Processo Civil, com a redação definida pela Lei 11.232/2005, determina que o cumprimento das sentenças que reconhecem obrigações de fazer e de não fazer deve observar o disposto no art. 461, daquele mesmo diploma legal.

Coloca-se, todavia, o problema de se saber quais os procedimentos a serem observados quando o título executivo judicial em questão for sentença prolatada por órgão jurisdicional de outro país, dado o fato de que o art. 461, do Código de Processo Civil, encontra-se encartado no Livro que trata do Processo de Conhecimento, e que não prevê especificamente, pelo menos de forma expressa, os procedimentos de execução, após a prolação de sentença.

O tema que se propõe é de destacada importância, no cenário contemporâneo, haja vista o relevo que se dá, no cenário das relações internacionais, à efetivação de comandos jurisdicionais legitimamente prolatados.

É de se salientar, desde o início, que o artigo que ora se apresenta não tem pretensões exaustivas, mas, sim, o escopo de incentivar a análise do tema, por parte dos estudiosos das Ciências Jurídicas e, quiçá, também, das Relações Internacionais.


2 TÍTULOS EXECUTIVOS.

É por demais conhecida a regra geral de que não existe execução, sem o respectivo título executivo que lhe seja subjacente.

Aliás, Medina refere que

O título executivo é tradicionalmente definido como a condição necessária e suficiente para a realização do processo de execução, permitindo que se satisfaçam os atos executivos independentemente de averiguação judicial quanto à efetiva existência do direito que lhe é subjacente (2008, p. 43).[2]

Assis esclarece, a seu turno, que o título executivo não é condição da ação ou fato constitutivo, mas “pressuposto do processo válido” (2007, p. 100).

Assim, segundo o autor, “deverá o credor invocar e exibir o título executivo, ou seja, documento incluído no rol exaustivo dos arts. 475-N e 585 do CPC, sob pena de inépcia da inicial” (ASSIS, 2007, p. 100).

Cabe frisar, a partir disto, que há, basicamente, duas espécies distintas de títulos executivos: judiciais e extrajudiciais.

Os títulos executivos judiciais estão previstos no art. 475-N, do Código de Processo Civil, dentre os quais pode se destacar, no inciso sexto, a sentença estrangeira, objeto deste artigo.[3]

Os títulos executivos extrajudiciais encontram-se relacionados no art. 585, do Código de Processo Civil – que traz a disposição expressa, aliás, de que a legislação específica poderá criar outros títulos daquela natureza.[4]

Mencionada esta primeira distinção, é de se esclarecer que ela implica, também, em procedimentos e meios igualmente distintos de execução.

Isto porque há, também, respectivamente, duas grandes sistemáticas de execução: uma para os títulos judiciais e outra para os títulos extrajudiciais.

É de se destacar, por exemplo, que as formas de execução provisória de títulos judiciais (art. 475-O, do Código de Processo Civil) e de títulos extrajudiciais (art. 587, do Código de Processo Civil) são consideravelmente diversas.[5]

Além do mais as formas e prazos recursais e para defesa, e as conseqüências da inércia do devedor, por exemplo, são, também, diferentes, conforme se trate de execução de título judicial ou de título extrajudicial.

Dentro desta primeira subdivisão há, também, outras várias que podem ser mencionadas.

Assim, podem ser destacadas as várias formas específicas de execução (tanto de títulos judiciais, quanto de títulos extrajudiciais; cada uma de acordo com a sua própria sistemática), como, por exemplo, a execução para pagamento de quantia, a execução para entrega de coisa e a execução da obrigação de fazer e de não fazer; dependendo, por óbvio, do próprio teor do título que lhes dá fundamento.

Aos fins a que se destina este trabalho, interessam, mormente, os títulos executivos judiciais que prevejam obrigação de fazer ou de não fazer, especialmente as sentenças estrangeiras que reconheçam a existência de tal obrigação, e que sejam passíveis de homologação e posterior execução, junto ao Poder Judiciário brasileiro.


3 SENTENÇA ESTRANGEIRA.

A sentença estrangeira,[6] como visto, figura, em termos expressos, no rol de títulos executivos judiciais, do art. 475-N, do Código de Processo Civil, com a redação que lhe deu a Lei 11.232/2005.

É de se mencionar, a título de esclarecimento histórico, que, mesmo antes de dezembro de 2004, era, já, também, admitida a execução de sentenças estrangeiras, no Brasil, desde que devidamente homologadas pelo Supremo Tribunal Federal, observados os requisitos pertinentes aplicáveis à matéria.

Com o advento da Emenda Constitucional 45/2004, exatamente em dezembro daquele ano, passou a competência para homologação de sentenças estrangeiras a ser do Superior Tribunal de Justiça, por determinação da nova redação do art. 105, I, i, da Constituição Federal.

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Destaque-se, desde logo, que, via de regra, a sentença estrangeira só é considerada título executivo quando devidamente homologada, pelo Superior Tribunal de Justiça.

Cabe, aqui, a menção à regra excepcional contida no art. 20, do “Protocolo de Las Leñas”,[7] que confere eficácia extraterritorial às sentenças judiciais e às sentenças arbitrais proferidas nos Estados integrantes do Mercosul, em matéria civil, comercial, trabalhista e administrativa, assim como em matéria de reparação de danos e restituição de bens pronunciados na esfera penal.

Segundo observa, Magalhães, a este respeito,

Ao dotar as sentenças judiciais e laudos arbitrais emanados dos países do Mercosul de eficácia extraterritorial, o Protocolo atribui-lhes efeitos plenos nos territórios dos Estados-Partes, independentemente de homologação pelo Judiciário do país onde deve ser executada (1999, p. 286).

Assim é que a sentença – judicial ou arbitral – prolatada em Estado Parte do Mercosul será executada, no Brasil, por carta rogatória, cujo processamento depende apenas de exequatur, e não de homologação, por conta do disposto no art. 105, I, i e no art. 109, X, ambos da Constituição Federal.[8]

Na inexistência de tratado específico de cooperação, a execução de sentenças provenientes de outros países depende de prévia homologação.[9]

Vale salientar, assim, que os requisitos específicos e os procedimentos para homologação de sentença estrangeira – mesmo diversos anos após o advento da Emenda Constitucional 45/2004 – continuam constando do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, e não do Superior Tribunal de Justiça – que, todavia, editou a Resolução 09/2005, que dispõe, “em caráter transitório”, inclusive sobre a homologação de sentença estrangeira, basicamente nos mesmos termos que já constavam do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Feitas estas observações preliminares, cabe esclarecer que, conforme destacado por Leite, não cabe à corte brasileira “julgar novamente a demanda já decidida e julgada no exterior, mas somente apreciar os requisitos necessários para que se homologue a sentença alienígena” (2005).

Isto porque, aliás, segundo a referida autora, “a homologação da sentença estrangeira é instrumento destinado a reconhecer a sentença proveniente de Estado estrangeiro, permitindo a esta, a eficácia em solo brasileiro” (LEITE, 2005).

Não cabe, portanto, ao Superior Tribunal de Justiça, realizar um exame sobre o mérito, propriamente dito, da demanda, para pronunciar uma nova decisão em substituição daquela outra estrangeira já existente.

Presentes os requisitos, é a própria sentença estrangeira que é homologada, para que produza os seus efeitos, em território nacional.

Ausentes tais requisitos, nega o Superior Tribunal de Justiça a homologação, independentemente do mérito da sentença estrangeira, até, pelo menos, que, verbi gratia, sejam regularmente eles preenchidos.[10]

Os requisitos para a homologação da sentença estrangeira constam, ainda, como já mencionado, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, entre os art. 215 e 224, no Título que trata dos “processos oriundos de Estados estrangeiros”, e da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça.[11]

A primeira observação do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, já no art. 215 – e, ademais, da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça, no art. 4° –, é de que a sentença estrangeira não terá, absolutamente, eficácia, a menos que devidamente homologada, pela Corte Competente.[12]

No art. 216, o Regimento Interno determina que não será objeto de homologação sentença estrangeira que ofenda a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes – o que está previsto no art. 6°, da Resolução 09/2005.[13]

Em seguida, no art. 217, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal trata dos chamados “requisitos indispensáveis” à homologação da sentença estrangeira, que são: a) haver sido ela proferida por juiz competente; b) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia; c) estar transitada em julgado[14] e revestida das formalidades necessárias à execução no lugar em que foi proferida; e d) estar autenticada pelo cônsul brasileiro e acompanhada de tradução oficial – o que se encontra espelhado no art. 5°, da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça.[15]

O art. 220, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e o art. 8°, da Resolução 09/2005, do Superior Tribunal de Justiça, determinam que deverá ser o requerido citado para, querendo, contestar[16] o pedido de homologação da sentença estrangeira, no prazo de quinze dias.

Se, por um lado, a determinação do caput dos art. 220 e 8°, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e da Resolução 09/2005 do Superior Tribunal de Justiça, dão vigência ao princípio constitucional e garantia fundamental do contraditório, os seus parágrafos, a seu turno, fazem valer o princípio da instrumentalidade do processo.

Isto porque o art. 220, § 2°, daquele Regimento Interno, prevê a possibilidade de se realizar a citação por edital, quando devidamente constatado que o requerido se encontra em lugar ignorado, incerto ou inacessível – o que, todavia, não se encontra previsto na Resolução 09/2005.[17]

Mencione-se, ainda, que tanto os art. 483 e 484, do Código de Processo Civil, quanto o art. 224, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, determinam que a sentença estrangeira, regularmente homologada, pela Corte Superior competente, deverá ser executada segundo a sistemática estabelecida para os julgados nacionais de mesma natureza.[18]


4 EXECUÇÃO DE SENTENÇA QUE RECONHECE OBRIGAÇÃO DE FAZER OU NÃO FAZER.

Conforme mencionado no capítulo anterior, a execução da sentença estrangeira deve se dar, em território nacional, conforme a sistemática estabelecida para as decisões nacionais da mesma espécie, por determinação expressa dos dispositivos legais e regimentais já referidos.

Assim, é útil – antes de adentrar à problemática específica pertinente à execução da sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou não fazer – que se trate, ainda que em termos bastante gerais, dos principais pontos atinentes à execução de sentenças nacionais.[19]

O cumprimento de sentenças nacionais é, hodiernamente, regulado pelo art. 475-I e seguintes, do Código de Processo Civil.

O próprio dispositivo legal mencionado, todavia, determina que os artigos do capítulo no qual se encontra inserido aplicam-se às obrigações por quantia certa.

No que se refere às obrigações de fazer e de não fazer, o art. 475-I, caput, determina que a execução de sentença se faça conforme o art. 461, do Código de Processo Civil.[20]

Ocorre, todavia, que o art. 461 está inserido, no Código de Processo Civil, no capítulo que trata da sentença e da coisa julgada, mais precisamente na primeira seção, que dispõe sobre os requisitos e os efeitos da sentença.

Vê-se, assim, que, salvo melhor juízo, foi o art. 461 inserido no ordenamento jurídico nacional com a função não propriamente de regular a fase de cumprimento de sentença, mas mais exatamente de cuidar de uma fase anterior, qual seja, a da própria técnica sentencial.

De qualquer forma – e, inclusive, por determinação do próprio ordenamento jurídico, mais especificamente no art. 475-I, caput –, o art. 461 tem abalizado as construções doutrinárias e jurisprudenciais no concernente à execução das obrigações de fazer e de não fazer, em geral.

É assim que Bueno afirma que “[...] o art. 461 descreve, a um só tempo, atividades jurisdicionais voltadas à constituição de um título executivo judicial mas também atividades jurisdicionais voltadas à realização concreta do direito nele, título executivo, reconhecido suficientemente” (2008, p. 412).[21]

Cabe, aqui, fazer uma observação de alguma importância teórica e, parece, também, prática.

Pode-se dizer que há, efetivamente, alguma distinção notável no que se refere à efetivação da antecipação dos efeitos da tutela, com base no art. 461, § 3°, do Código de Processo Civil, e a execução definitiva de título judicial conforme o art. 461, do mesmo diploma legal.[22]

De toda sorte, parece cabível afirmar que uma eventual decisão estrangeira, que antecipe os efeitos da tutela, determinando uma obrigação de fazer ou de não fazer, não poderá dar início, no Brasil, a um incidente de genuína execução, mesmo que provisória.[23]

Dito isto, cumpre referir, ainda que de maneira bastante genérica, as características da tutela jurisdicional prestada pelo Poder Judiciário com apoio no art. 461, do Código de Processo Civil.

As tutelas do art. 461 são comumente denominadas de tutelas específicas, em sentido lato.[24]

Essa denominação revela muito da importância que se tem dado, contemporaneamente, a tais tutelas, em contraposição ao que se chama de tutelas genéricas, isto é, das tutelas de pagar quantia.

Tanto é assim que, segundo o regime do art. 461 – mais especificamente por determinação do § 1° – “a obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente”.

Há, portanto, uma clara preferência do ordenamento jurídico em vigor pela efetivação da tutela específica, em sentido lato, em detrimento da conversão em perdas e danos – que predominava no sistema anteriormente, inclusive no que diz respeito aos art. 632 a 643, do Código de Processo Civil.

Para que a preferência sistemática pela tutela específica, em sentido lato, tivesse reflexos práticos, foi dada ao juiz a possibilidade de adoção de uma série de medidas coercitivas e subrogatórias.[25]

Tal fato encontra-se estampado na redação do § 5°, do art. 461, do Código de Processo Civil, que menciona “a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial”, tudo isto inclusive de ofício.

Detalhe importante, ainda, está no fato de o próprio dispositivo legal referido dar conta de que as medidas nele previstas, expressamente, são meramente exemplificativas; podendo, portanto, o juiz adotar outras que se mostrem necessárias e razoáveis, para cada caso concreto, mediante um exercício de proporcionalidade.[26]

É de se repisar, contudo, que o art. 461 está inserido, no bojo do Código de Processo Civil, em seção que trata dos requisitos e dos efeitos da sentença.

Assim, trata o art. 461, basicamente, de processo de conhecimento, com todas as suas fases características, até a prolação da sentença, propriamente dita.

Este panorama contempla, claramente, a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela,[27] – desde que preenchidos os requisitos “relevante fundamento da demanda” e de “justificado receio de ineficácia do provimento final” –  inclusive por disposição expressa do art. 461, § 3°, do Código de Processo Civil.[28]

De toda sorte, neste quadro, proposta a demanda e regularmente citado o réu, o meio de defesa deste último, por excelência, é a interposição de contestação.[29]

É por meio da contestação, portanto, que o réu deverá se opor a eventuais fatos impeditivos, modificativos e extintivos dos supostos direitos do autor, também no que se refere às tutelas jurisdicionais a serem prestadas com fundamento no art. 461, do Código de Processo Civil.

É claro, portanto, que o réu, uma vez condenado, por sentença transitada em julgado, não poderá, posteriormente, alegar as matérias que seriam, em tese, objeto de contestação, inclusive por conta do óbice dos art. 473 e 474, do Código de Processo Civil, que vedam a discussão a respeito de questões já decididas, prejudicadas pela preclusão, e que reputam como deduzidas todas as alegações que as partes poderiam opor em relação ao pedido.

Com base neste panorama, a doutrina se posiciona no sentido de que seriam incabíveis, por exemplo, nas ações que pleiteiam tutelas jurisdicionais com fundamento no art. 461-A, a oposição de “embargos de retenção por benfeitorias”, que seriam espécie do gênero “embargos à execução”, inexistentes, no caso; devendo, portanto, mesmo a pretensão de retenção por benfeitorias constar, desde logo, da própria contestação, sob pena de preclusão (THEODORO JÚNIOR, 2008, p. 568 e 569).[30]

Isto não quer dizer, todavia, por óbvio, que fatos supervenientes não podem ser argüidos pelo réu, de outras formas, que não especificamente a própria contestação.

Tanto é verdade, que o art. 462, do Código de Processo Civil, determina, em termos expressos, que, “se, depois da propositura da ação, algum fato constitutivo, modificativo ou extintivo do direito influir no julgamento da lide, caberá ao juiz tomá-lo em consideração, de ofício ou a requerimento da parte, no momento de proferir a sentença”.

É claro, contudo, que nem todos os fatos supervenientes modificativos, impeditivos e extintivos de direitos surgirão antes da sentença.

Assim é que, por força, mesmo, das garantias constitucionais fundamentais da ampla defesa e do contraditório – alçadas, aliás, à categoria de cláusulas pétreas – deve o réu ter oportunidade de se defender, inclusive na fase de cumprimento de sentença.

A questão, todavia, é que o art. 475-I, do Código de Processo Civil, determina que o cumprimento das sentenças que reconhecem obrigações de fazer e de não fazer deve se dar conforme o art. 461; e, em uma leitura apressada, reserva as disposições do capítulo no qual está inserido, exclusivamente, à execução de sentenças condenatórias de pagamento de quantia.

Ocorre que o art. 461 – inserido, como visto, em seção que trata da sentença e de seus efeitos, e não propriamente de sua execução, conforme já esclarecido – não faz menção às formas de defesa do executado, na fase de cumprimento de sentença.

Uma leitura simplista dos arts. 461 e 475-I, caput, do Código de Processo Civil, pode levar à conclusão de que a questão da defesa do executado, na fase de cumprimento de sentença que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer é uma verdadeira aporia.

É precisamente por conta deste problema que surgem os posicionamentos doutrinários como o de Castagna, que afirma que a execução desta espécie de sentença deve se dar pelo regime dos art. 632 a 643, do Código de Processo Civil (2008, p. 269), que, todavia, disciplinam a execução de títulos extrajudiciais.

É bem verdade que tal tese parece encontrar apoio, inclusive, no disposto no art. 475-R, do Código de Processo Civil, que determina a aplicação subsidiária, ao cumprimento de sentença, no que couber, das normas que regem o processo de execução de títulos extrajudiciais.

Ocorre, todavia, que esta teoria diminui a importância da sentença frente à decisão que antecipa os efeitos da tutela, nos processos em que se pleiteia a tutela específica.

Isto porque submete a execução da sentença a um regime reconhecidamente menos efetivo do que aquele que se sugere para efetivação da tutela antecipada, o que constitui, salvo melhor juízo, uma grande inversão de valores.

Parece, portanto, que a interpretação sistematicamente mais correta – e que respeita, claramente, não só o disposto no art. 475-I, caput, do Código de Processo Civil, mas também a proeminência da sentença sobre a decisão que antecipa os efeitos da tutela – é aquela segundo a qual deve a sentença que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer ser cumprida conforme o art. 461, do Código de Processo Civil.

Persistiria, todavia, em tese, o problema da defesa do executado, na fase de cumprimento desta espécie de sentença.

Ocorre, todavia, que uma interpretação sistemática do regime de execução vigente permite afirmar que é dado ao executado opor impugnação ao cumprimento de sentença, com fundamento no art. 475-L, do Código de Processo Civil, naquilo em que não houver incompatibilidade.

A este respeito, elucidativas as observações de Marinoni e Arenhart, que asseveram, ao tratar da sentença que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer, que

[...] as defesas substantivas supervenientes à sentença executável devem ser apresentadas ao juiz de primeiro grau de jurisdição e não diretamente ao tribunal. Por tal razão, não há como se eliminar a possibilidade de o réu apresentar defesa, ao juiz de primeiro grau, na fase de execução (2008, p. 185).

Assim, afirmam os autores que

Na verdade, diante da ausência de procedimento definido pelo legislador, a defesa do réu, no caso de sentença que reconhece obrigação de não fazer ou de fazer, deve observar, no que for aplicável, as normas que tratam da impugnação à execução da sentença que reconhece obrigação de pagar quantia (MARINONI e ARENHART, 2008, p. 186).

No mesmo sentido, ao tratar da defesa do executado, no âmbito do art. 461, pontua Bueno que “o executado deve defender-se dos atos executivos que sofre valendo-se do disposto nos arts. 475-L e 475-M, que tratam da ‘impugnação’” (2008, p. 430), e observa:

É certo que aqueles dispositivos, pela sua redação e localização, parecem supor uma “execução por quantia” nos moldes do art. 475-J. Contudo, como conseqüência necessária da incidência dos princípios do contraditório e da ampla defesa à hipótese, não há como recusar a aplicação daqueles dispositivos como forma de o executado exercer escorreitamente sua defesa, nem que sejam como referenciais necessários (2008, p. 430).[31]

Em apertada síntese, é de se destacar que, por determinação expressa do próprio art. 475-I, do Código de Processo Civil – e, também, por interpretação sistemática da ordem jurídica em vigor – devem, em geral, as sentenças que reconhecem a existência de obrigação de fazer ou de não fazer ser executadas conforme o art. 461, do Código de Processo Civil – o que inclui, é claro, a possibilidade de utilização de todas medidas pertinentes, de acordo com a necessidade e a razoabilidade, em cada caso concreto.

Como o ordenamento jurídico não prevê, expressamente, as formas de defesa do executado, na fase de cumprimento desta espécie de sentenças, é de se concluir que – inclusive por força das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório –, devem ser aplicadas, no que couber, as disposições dos art. 475-L e 475-M, do Código de Processo Civil, o que, aliás, não deverá prejudicar a aplicação dos art. 473 e 474, do mesmo diploma legal.

Sobre os autores
Thiago Caversan Antunes

Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), Especialista em Direito Civil e Processo Civil (UEL) e Mestre em Direito Negocial (UEL). Doutor em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR). Professor do curso de graduação em Direito da Universidade Positivo (UP Londrina), e de diversos cursos de pós-graduação. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro) e da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE). Autor de livros e artigos científicos. Atua como advogado.

Vicente de Paula Marques Filho

Advogado, sócio do escritório Marques Filho Advogados Associados. Doutor em Direito pela PUC/SP. Atua nas áreas do Direito Comercial e Civil, com ênfase em Fusões e aquisições e Recuperação judicial

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES, Thiago Caversan; MARQUES FILHO, Vicente Paula. A execução de sentença estrangeira que reconhece obrigação de fazer ou de não fazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3723, 10 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25259. Acesso em: 22 dez. 2024.

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