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Atual situação da legislação trabalhista aplicável aos empregados domésticos e as possíveis alterações das normas

Agenda 26/09/2013 às 14:17

É importantíssima a formalização do contrato de trabalho escrito, contendo as atribuições do doméstico, carga horária, aplicação da Súmula 85 do TST quanto à jornada extraordinária e como será o tempo em que o empregado fica à disposição.

Nos últimos meses houve grande alvoroço na sociedade brasileira, em vista das alterações legislativas sobre os novos direitos laborais conferidos à classe dos empregados domésticos.

Antes de maior aprofundamento sobre o assunto, faz-se necessário tecer alguns comentários sobre o início histórico do trabalho doméstico no Brasil.

A origem da palavra doméstico vem do latim e significa domus (casa), pois era comum os “senhores” transferirem alguns escravos das lavouras, para o trabalho doméstico em suas residências.

Nesse passo, o Brasil foi um local de grande utilização da mão-de-obra escrava, a fim de proporcionar o cultivo da cana de açúcar e do café na fase colonial, os quais eram exportados para a Europa (principal fonte de renda do país naquele período). Pois bem, a mão-de-obra escrava foi utilizada como meio de produção para tal finalidade, mas também sustentáculodos luxos dos senhores de terras (grandes latifundiários), que eram chamadas mais comumente de “mucamas”[1], mas precisamente pelas mulheres (escravas), que tinham os papéis de cozinhar, cuidar das crianças dos senhores das terras, limpeza da casa e, em alguns casos, mães de leite para os filhos de tais senhores.

Com a revolução industrial e, posteriormente, com a proibição do trabalho escravo no território brasileiro (influencia do iluminismo e dos interesses europeus – novos consumidores dos seus produtos industrializados), tal força laboral, posta à própria sorte, foi lançada às ruas para buscar emprego em grau de igualdade com os demais brasileiros não inseridos em tal categoria social, ou seja, os empregados antes escravos NÃO possuíam qualquer grau de instrução escolar ou qualquer especialidade em trabalhos urbanos (manufatura, indústria etc.).

Insta registrar, ainda, que o Brasil, no mesmo período, recebeu uma grande população de imigrantes da Europa, os quais vieram, em grande parte, para trabalhar no campo, trazendo com eles os ideais e práticas agrícolas utilizadas na Europa (mais precisamente na forma de cooperativa), o que deixou a situação mais complicada para a classe social dos ex-escravos (ainda mais pelo preconceito racial exacerbado naquele período histórico).

Dessa forma, a única forma de inserção imediata no mercado de trabalho para os ex-escravos foi à procura de trabalho nas casas das pessoas, oferecendo os mesmos serviços já prestados anteriormente para os senhores de terras (também conhecidos como Coronéis de Engenho – região nordeste do Brasil).

Mais adiante, já na República, o Brasil instituiu a Consolidação das Leis do Trabalho, que veio a garantir direitos aos trabalhadores do Brasil, com o fito de colocar o país em pé de igualdade com os países já industrializados, mas não trazendo para tal regramento jurídico a incorporação dos empregados domésticos.

A Lei nº 5.859, de 11 de dezembro de 1972, regulamentada pelo Decreto nº 71.885, de 9 de março de 1973, dispõe sobre a profissão do(a) empregado(a) doméstico(a), conceituando-a e atribuindo-lhe direitos. A Constituição Federal de 1988, por sua vez, concedeu outros direitos sociais às empregadas e empregados domésticos, tais como: salário- mínimo; irredutibilidade salarial; repouso semanal remunerado; gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, 1/3 a mais do que o salário normal; licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com duração de 120 dias; licença-paternidade; aviso-prévio; aposentadoria e integração à Previdência Social.

De outro lado, verifica-se que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já vinha querendo mudanças maiores para a classe profissional em tela. A preocupação da Organização Internacional do Trabalho(OIT) com o trabalho doméstico não é recente: datam dosanos 1940 as primeiras resoluções sobre condições de emprego das/os trabalhadores domésticos/as. Nos anos de 1948e 1965, a OIT adotou resoluções específicas sobre o tema, sendoa primeira delas relativa às condições de trabalho de trabalhadores/as domésticos/as e a segunda sobre a necessidadede adotar medidas normativas para o trabalho doméstico.Em 1970, a OIT lançou seu primeiro estudo sobre o trabalhodoméstico no mundo[2].

Nesse passo, no dia 16 de junho de 2011 foi aprovado, na convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), realizada em Genebra – Suíça, uma norma determinando que todos os trabalhadores domésticos no mundo, tenham direitos igualados aos demais trabalhadores, de acordo com as leis previdenciárias e trabalhistas de cada país.

Com o fito de dar maior importância e tentar poder colocar o país em pé de igualdade com as atuais garantias trabalhistas para a classe dos trabalhadores domésticos nos demais países desenvolvidos, o Brasil criou a Lei n.º 11.324, de 19 de julho de 2006, que alterou artigos da Lei n.º 5.859, de 11 de dezembro de 1972. Os trabalhadores domésticos firmaram direito a férias de 30 dias, obtiveram a estabilidade para gestantes, direito aos feriados civis e religiosos, além da proibição de descontos de moradia, alimentação e produtos de higiene pessoal utilizados no local de trabalho.

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E agora, em 2 de abril de 2013, foi alterado o artigo 7º da Constituição Federal, tendo em vista a aprovação pelo Congresso Nacional da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n°478 de 2010 (mais conhecida como PEC das domésticas), que deu a seguinte redação à referida norma constitucional:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I -relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;

II -seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;

III -fundo de garantia do tempo de serviço;

IV -salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

V -piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;

VI -irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

VII -garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;

VIII -décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;

IX -remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;

X -proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;

XI -participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;

XII -salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;

XIII -duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;

XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;

XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;

XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;

XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;

XVIII -licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;

XIX -licença-paternidade, nos termos fixados em lei;

XX -proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

XXI -aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;

XXII -redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;

XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei;

XXIV - aposentadoria;

XXV - assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;

XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;

XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;

XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

a)(Revogada).

b)(Revogada).

XXX -proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

XXXI -proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência;

XXXII -proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos;

XXXIII -proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

XXXIV -igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.

Parágrafo único. São assegurados à categoria dos trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos IV, VI, VII, VIII, X, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XXI, XXII, XXIV, XXVI, XXX, XXXI e XXXIII e, atendidas as condições estabelecidas em lei e observada a simplificação do cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, decorrentes da relação de trabalho e suas peculiaridades, os previstos nos incisos I, II, III, IX, XII, XXV e XXVIII, bem como a sua integração à previdência social.” (realce aposto).

Como se vê, houve concreta alteração dos direitos laborais para os empregados domésticos, incluindo, inclusive alterações que geram bastante polémica, quais sejam: a obrigatoriedade de pagamento por trabalho superior à 8ª hora diária e 44ª hora semanal, bem como a necessidade de regulamentação da obrigatoriedade do recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e o pagamento da multa de 40% (quarenta por cento) sobre a totalidade dos depósitos na rescisão do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, sem justo motivo.

Atualmente está pendente de regulamentação e de possíveis alterações o regimento de tributação (simples nacional) para os empregadores domésticos, prevendo, também, aumentar de 8% para 12% do salário o depósito mensal a ser feito pelo patrão na conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) do empregado, quando esses 4% a mais seriam destinados ao Seguro-desemprego (1%) e à multa na demissão do funcionário (3% - integralização da multa de 40% sobre a totalidade dos depósitos). Em contrapartida, o Senador Romero Jucá sugere a redução da alíquota da contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) dos atuais 12% para 8%.

Durante a leitura do relatório de Jucá, um dos principais pontos de preocupação dos integrantes da comissão foi exatamente a indenização a ser paga pelo empregador ao empregado demitido, direito que foi estendido pela PEC aos domésticos. No caso dos demais trabalhadores, a multa equivale a 40% do montante dos depósitos realizados na conta vinculada do FGTS durante a vigência do contrato de trabalho. E é devida apenas em caso de demissão sem justa causa, mas o projeto de Jucá acaba com essa distinção para o trabalhador doméstico.

Dessa forma, ainda correrá muita “água por debaixo da ponte” até que seja pacificada a forma e os valores a serem destinados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, recolhimento previdenciário (INSS) etc.

De outro lado, já em vigor, encontra-se a necessidade de pagamento das horas extras praticadas pelos empregados, respeitando a carga horária já definhada na Constituição Federal, no seu artigo 7º, inciso XIII, bem como a necessidade de atendimento ao artigo 71 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, in verbis:

Art. 71. Em qualquer trabalho contínuo cuja duração exceda de seis horas, é obrigatória a concessão de um intervalo para repouso ou alimentação, o qual será no mínimo, de uma hora e, salvo acordo ou contrato coletivo em contrário, não poderá exceder de duas horas.”

Lembrando, desde já, que em nenhuma hipótese a jornada destinada para refeição e descanso, segundo entendimento pacífico dos Tribunais do Trabalho e do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, poderá ser reduzida, seja pela utilização da Súmula 85 do C. TST (adiante relacionada), pela utilização do Banco de Horas (adiante explicado) ou pela utilização de Norma ou Acordo Coletivo, por ser medida de segurança e higiene do trabalho.

De outro modo, poderá ser ajustada por Convenção Coletiva -implementada pela categoria dos empregadores e empregados -aaplicação do Banco de Horas, situação em que a jornada de trabalho excedente poderá ser compensada ou paga até o fim de cada mês (hipótese restrita à Norma Coletiva, sob pena de anulação pela Justiça do Trabalho).

Sendo assim, o que deve ser de logo observado pelos empregadores e empregados é importância da formalização do contrato de trabalho escrito, contendo as atribuições do trabalho, carga horária e aplicação da Súmula 85 do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, quanto à suposta jornada extraordinária que venha a ser praticada pelos empregados, inclusive aquelas horas em que o empregado fica à disposição (ex: babás e cuidadores de idosos, que dormem no quarto das pessoas cuidadas e estão em constante vigilância com o sono dessas, prontas para atenderem na hora que a pessoa necessitar)[3].

Disposição da Súmula 85 do C. TST, in litteris:

“TST Enunciado nº 85 - RA 69/1978, DJ 26.09.1978 - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003 - Incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 182, 220 e 223 da SBDI-1 - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005

Regime de Compensação de Horário Semanal - Pagamento das Horas Excedentes

I - A compensação de jornada de trabalho deve ser ajustada por acordo individual escrito, acordo coletivo ou convenção coletiva.

II - O acordo individual para compensação de horas é válido, salvo se houver norma coletiva em sentido contrário. (ex-OJ nº 182 da SBDI-1  - inserida em 08.11.2000)

III - O mero não-atendimento das exigências legais para a compensação de jornada, inclusive quando encetada mediante acordo tácito, não implica a repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária, se não dilatada a jornada máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional. (ex-Súmula nº 85 - segunda parte - alterada pela Res. 121/2003, DJ 21.11.2003)

IV - A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário. (ex-OJ nº 220 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)” (destaques e sublinhados apostos)

Por fim, como se verifica no entendimento jurisprudencial pacificado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho (instância máxima da Justiça do Trabalho), o ideal é que o empregador traga explícita previsão no contrato de trabalho da possibilidade de aplicação da referida Súmula, com a possibilidade de compensação da jornada de trabalho excedente com dias subsequentes, respeitando o limite da mesma semana de ocorrência da sobrejornada (atendimentoà necessidade de repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos).


Notas

[1] Do quimb. mu’kama, “amásia escrava”. Substantivo feminino. 1. Bras. Angol. A escrava negra moça e de estimação que era escolhida para auxiliar nos serviços caseiros ou acompanhar pessoas da família, e que, por vezes, era a ama-de-leite [Var. (bras.): mucamba e camba2. Cf. macuma.].

[2] Trabalho doméstico no Brasil : rumo ao reconhecimento institucional / Organização Internacional do Trabalho, Escritório no Brasil. - Brasilia: ILO, 2010 1 v.

[3]À disposição, a pessoa tem que receber um adicional que é igual a um terço da hora normal dela. Ou seja, para cada hora que ela fica dormindo no quarto do cuidado, o empregado deve ganhar um terço do que ganha durante o dia.

Sobre o autor
Rodrigo Oliveira do Vale

Advogado da área Trabalhista, inscrita na OAB/PE, sob o nº 25.922-D, associado do escritório Urbano Vitalino Advogados, Recife-PE, com pós-graduação em Direito Processual, pela Faculdade Maurício de Nassau - Recife/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALE, Rodrigo Oliveira. Atual situação da legislação trabalhista aplicável aos empregados domésticos e as possíveis alterações das normas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3739, 26 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25403. Acesso em: 27 dez. 2024.

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