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A nova ordem constitucional e suas implicações axiológicas

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Agenda 01/10/2013 às 15:15

Com o neoconstitucionalismo, os princípios ganharam força normativa – o que, de forma válida, transformou os axiomas em verdadeiros vetores, mandamentos de otimização.

Resumo: O presente artigo traduz um esboço sobre a evolução história do constitucionalismo, traçando, de maneira hialina, os reflexos oriundos da nova ordem constitucional (neoconstitucionalismo) – que alicerçou novos elucubrares e garantias materiais e processuais empós o desfecho da 2ª grande guerra mundial. De mais a mais, haja vista o fenômeno da filtragem constitucional (contaminação virótica da Constituição), reverbera-se uma análise tangencial sobre diversos outros segmentos jurídicos, professando uma releitura sobre os mais variados axiomas e conceitos.

Palavras-chave: constitucionalismo; evolução histórica; reflexos valorativos; filtragem constitucional.

Sumário:1-Propedêutica; 1.1-Dos agrupamentos sociais à autodefesa; 1.2-O eclodir do direito e a intervenção Estatal; 1.3-Os Estados totalitários e o surgimento do NeoConstitucionalismo; 1.4-O Neoprocessualismo, oriundo do Constitucionalismo Contemporâneo, e sua influência na relação jurídico-processual; 2-A evolução das Constituições até a consequente permutação de panorama; 2.1-O constitucionalismo; 2.2-Constitucionalismo Clássico (Liberal); 2.3-Constitucionalismo Contemporâneo (Neoconstitucionalismo); 3-Um breve esboço das implicações advindas da nova ordem constitucional; 3.1-Permutações na fonte; 3.2-Consequências interpretativistas; 3.3-Reverberações normativas; 4-Considerações Finais.


1-Propedêutica.

1.1-Dos agrupamentos sociais à autodefesa.

É indeclinável que o homem, por sua natureza eminentemente social e gregária[1], jamais pode viver à margem da sociedade. Desta forma, desde as primevas eras, o ser humano coopera entre si de acordo com sua necessidade[2], estabelecendo vínculos com outras pessoas – nos mais variados graus de intensidade – e constituindo agrupamentos sociais.

Por tal razão, nas priscas épocas de antanho, o convívio humano já se concretizava por meio das denotadas relações, ainda que circunscritas a núcleos bem-delimitados, fechados, compostos precipuamente por familiares e clãs[3]

Entretanto, desde o início da vida social humana, os atos antissociais já eram perpetrados, fundados na desenfreada busca de vantagens pessoais e nas desavenças daí advindas. Assim, como todo ato antissocial se encontra ligado a uma repressão – quod plerumque accidit –, cuidou a comunidade por reverberar aquele ato por meio da autodefesa (autotutela).

Vale dizer. As pessoas buscavam a satisfação daquilo que pretendiam por meio de sua própria força[4]. Nessa vereda, tratava-se de uma solução egoística, precária e aleatória[5], porquanto não garantia a justiça, mas apenas a vitória do mais forte, astuto, sobre o mais fraco. Por demais, como esboçou NICETO ALCALÁ-ZAMORA Y CASTILLO, havia a possibilidade de o ofendido ser mais fraco que o autor do ataque e, destarte, longe de obter a reparação do dano sofrido, podia experimentar um novo e mais grave ataque[6].

Desta sorte, verdadeiras guerras tribais e particulares eclodiram, haja vista que o autor do dano, sua família ou clã investiam contra aqueles que almejavam alcançar a punição do ato antissocial. E, assim, com o derramamento de sangue, só se perpetuava o ódio e a desavença, não se alcançando a colimada Justiça.

1.2-O eclodir do direito e a intervenção Estatal.

Com o perpassar dos tempos, um novo horizonte se descortinou. Os clãs e grupos começaram a desaparecer com o fortalecimento das relações intersubjetivas. Em seus lugares, formaram-se os estados[7] e nações[8].

A partir daquele momento, as relações, que até então eram singelas e meramente pessoais, passaram a se estabelecer com o Poder Público. Vale esboçar. Com a complexidade existencial dos seres humanos, a convivência social, por vezes, se tornava desgastante, o que sobejava num aflorar de conflitos de interesses ou desordem. Nessa alheta, era imperioso que o Poder Público, com sua autoridade, impusesse algo a todos com o escopo de restabelecer a ordem pública.

Por tal razão, era notória a necessidade de se regulamentar a atividade humana, se exteriorizando aquilo que era permitido ou proibido. Daí, exsurge o Direito[9], com o desiderato de disciplinar a vida social nas suas mais variadas facetas. Na clássica definição de RUDOLF VON IHERING, Direito trata-se do complexo das condições existenciais da sociedade, asseguradas pelo Poder Público.[10]

Sob essa vertente, as relações sociais passaram a ser disciplinadas e organizadas pelo Poder Público, que, por meio de um órgão infenso às paixões envolvidas e substituindo as partes, começou a proclamar o direito[11] ao caso concreto, apascentando, com imparcialidade[12], a ordem perturbada. 

Id est, vetada a possibilidade de o particular exercer a autotutela, o Estado assumiu o monopólio da juris dictio, recaindo nele a função de resolver conflitos e de propiciar ao cidadão uma tutela correspondente à concreção daquela ação privada que lhe foi proibida. Em breve apanhado, em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos, o Estado – suficientemente fortalecido – impõe-se sobre os particulares e, prescindindo da voluntária submissão destes, professa autoritariamente a sua solução para o conflito de interesses[13].

Tal “justiça pública”, considerado o direito romano, consolidou-se no período denominado de cognitio extra ordinem, porquanto fora nessa fase que o Estado, por ter poder suficiente, passou a ditar a solução para os conflitos de interesses, independente da volição dos particulares.

1.3-Os Estados totalitários e o surgimento do Neoconstitucionalismo.

Entretanto, na evolução dos Estados, o positivismo – de regras impostas para dirimir conflitos e pacificar pessoas – começou a ser empregado como instrumento de justificação de regimes autoritários (leis e atos governamentais objetivavam a população no seu todo, pouco importando o sacrifício ou a negação de interesses ou direitos individuais, haja vista que o Estado era o absoluto e os indivíduos e grupos o relativo[14]).

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Como pontificavam BENITO MUSSOLINI e ROCCO, “la dottrina fascista nega il dogma della sovranitá populare, che é ogni giorno smentido della realtá, e proclama in sua vece il dogma della sovranitá dello Stato”.[15]

Cumpre ressaltar. O Estado se tornou criador exclusivo do direito e da moral[16], não encontrando limites morais ou materiais à sua autoridade.[17] Daí aquela máxima: “Tudo dentro do Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado”.

Calha exemplificar. O princípio da isonomia perante a lei, no Estado Nazista[18], foi substituído pelo da igualdade de deveres e pelo de prevalência do bem comum sobre o individual. Ou seja, o Partido Nacional Socialista, sectário e intolerante como as demais ditaduras, absorveu inteiramente a personalidade humana e anulou todos os valores individuais.[19]

Decerto, com o findar da segunda grande guerra mundial e com o impacto causado pelas atrocidades[20] perpetradas naquele período, exsurge uma nova dogmática, denominada de Neoconstitucionalismo, onde a dignidade da pessoa humana desponta como valor jurídico supremo. Insta asseverar. Consagrado o denotado dogma nas Constituições de diversos países, o ser humano permutou de mero reflexo da ordem jurídica para ser considerado o seu objeto supremo. Tornou-se o centro e o fim do direito.

1.4-O Neoprocessualismo[21], oriundo do Constitucionalismo Contemporâneo, e sua influência na relação jurídico-processual.

Desta feita, em virtude do desenvolvimento desta dogmática pós-positivista, houve o deslocamento da Constituição para o centro do sistema jurídico, tornando imprescindível a interpretação de todos os demais ramos do direito sob a lente da Carta Magna[22]. Isto é, com a expansão da jurisdição constitucional para todos os ramos do direito, exsurge a redefinição de diversos conceitos, representando uma quebra de paradigma[23].

Como assevera LUIZ GUILHERME MARINONI, exempli gratia, “não há como pretender ensinar direito processual sem antes tratar de uma teoria do processo elaborada à luz do Estado constitucional e das teorias dos direitos fundamentais”.[24]

Nasce, daí, o Neoprocessualismo[25], que traduz uma revaloração de diversos conceitos interligados à relação jurídico-processual e a teoria geral do processo –  como: jurisdição, ação, defesa e processo.

Em suma, empós sucinto e precípuo estudo sobre a evolução histórica da sociedade e, mormente, do constitucionalismo – alicerce do presente trabalho –, iniciaremos uma profunda abordagem sobre suas respectivas consequências.


2– A evolução das constituições até a consequente permutação de panorama.

2.1 – O Constitucionalismo.

A grosso modo, da mesma forma que ocorreu com a história universal, houve uma evolução das constituições. A esse fenômeno, deu-se o nome de Constitucionalismo[26].

Ex cathedra MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, o constitucionalismo traduz um movimento político-jurídico com o fito de estabelecer regimes constitucionais – exempli gratia, governos moderados, limitados em seus poderes, e submetidos a constituições escritas[27].

Nesse sentido, salienta-se que apesar do decurso do tempo e da criação de diversas constituições, o constitucionalismo sempre se pautou na busca contra o arbítrio do poder[28]. Daí, embora classificado em cinco etapas históricas distintas[29], extrai-se três idéias principais: a garantia de direitos; a separação dos poderes e o axioma do governo limitado.  

Nos lapidados dizeres do insigne JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO, o constitucionalismo, desta sorte, é a teoria que ergue o princípio do governo limitado – indispensável à garantia de direitos –, estruturando a organização político-social de uma comunidade.[30]

Sob este enfoque, é de incomensurável importância passarmos ao estudo de suas principais fases, com o desiderato de um maior entendimento sobre as alterações conceituais concretizadas nesse ínterim.

2.2– Constitucionalismo Clássico (Liberal).  

Com o perpassar dos anos, a idéia de uma constituição escrita, formal e dotada de supremacia, começa a se consolidar na América do Norte.

O escopo de transcrever os anseios populares e de limitar o poder estatal, tutelando os direitos e garantias fundamentais, ganha força no decorrer do século XVII por meio dos contratos de colonização[31], como o Compact[32] (1620) e o Fundamental orders of Connecticut (1639). Outrossim, acoroçoa tal luminar a declaração de direitos do bom povo da Virgínia (Declaration of Rights of Virginia - 1776[33]), marco do constitucionalismo, que ocorreu no perfazer do movimento de independência[34] das treze[35] colônias americanas.

Desta feita, empós a consolidação de mencionado movimento, sobejou-se na elaboração da Constituição Americana (1787[36]), que possuía como sua principal característica sua garantia jurisdicional e a idéia de supremacia da constituição.

Cumpre esclarecer. Abeberando-se dos ensinamentos de MARCELO NOVELINO, a constituição seria juridicamente superior às demais normas por estabelecer as “regras do jogo”, pontificando “quem manda, como manda e, em parte também, até onde pode mandar”.[37]

Tal supremacia estaria assegurada no poder judiciário (garantia jurisdicional[38]), em virtude de sua neutralidade e da baixa possibilidade de ser influenciado por debates de ordem política.

Em idêntico contexto histórico, em outra parte do mundo, também se iniciava uma revolução liberal[39], fundada no iluminismo[40] e em contraposição ao absolutismo reinante[41].

Tratava-se, decerto, da revolução francesa[42], que trazia em seu bojo a organização do Estado, por meio da separação dos poderes[43], e a previsão de direitos e garantias fundamentais[44] - quiçá, a mais célebre declaração dos direitos do homem e do cidadão (1789).

Entrementes, diversamente do que se passava com a Constituição norte-americana, a Constituição Francesa (1791), nos dizeres de MARCELO NOVELINO, não se limita a fixar as regras do jogo[45], já que, uma vez concebida como um projeto político, almeja promover uma transformação política e social.

Em sucinta análise deste período, como remonta CARL SCHMITT[46], deduzem-se dois princípios que integram o supedâneo[47] do Estado de direito Liberal: a) princípio da distribuição, que exterioriza a existência de uma liberdade individual de forma pretérita ao surgimento do Estado. Nessa alheta, a liberdade do indivíduo seria ilimitada em princípio, mitigando, desta feita, a faculdade do Estado invadi-la; b) princípio de organização, pelo qual o Estado (limitado), reparte-se em um sistema de competências delimitadas, visando dar efetividade ao princípio antecedente.

2.3– Constitucionalismo Contemporâneo (Neoconstitucionalismo).

Conforme analisamos, por intermédio das leis nasce o positivismo jurídico – originariamente concebido para a perpetuação da ideologia do Estado liberal.

Entretanto, tal pensamento de que o direito estaria apenas na norma jurídica, independendo de sua correspondência com a justiça[48], tornou impossível controlar os abusos da legislação.

Vale dizer. O positivismo não se preocupava com o conteúdo da norma, desde que a validade da lei estivesse de acordo com os procedimentos estabelecidos para sua criação[49]. Tal fato, como outrora aludido, sedimentou as estruturas dos governos totalitários – criadores exclusivos do direito e da moral –, que, em meados do século XX, acarretaram diversas atrocidades[50] no perfazer da segunda grande guerra mundial. 

Desta feita, nasce uma nova dogmática constitucional, que centraliza a dignidade da pessoa humana como valor jurídico supremo, situando o ser humano no epicentro de todo o ordenamento jurídico[51]. Noutra palavra. O Estado se tornou um meio para atingir determinado objetivo, tutelando o cidadão – novo centro e fim do direito.

Para tanto, no constitucionalismo contemporâneo, combinou-se a ideia de garantia jurisdicional[52] (constitucionalismo norte-americano) e o forte conteúdo normativo, com exacerbada tutela de direitos fundamentais (constitucionalismo francês).

Buscaram-se, na verdade, instrumentos capazes de permitir a limitação legal e que possibilitassem sua conformação com axiomas da justiça – que seriam colocados numa posição superior e infiltrados nas constituições, haja vista a supremacia da constituição[53].

Houve, nessa vereda, uma rematerialização da constituição, onde se começou a consagrar um extenso rol de direitos fundamentais, e uma observância da força normativa constitucional[54], acarretando mudanças em três acepções diferentes, que serão a seguir estudadas.


3– Um breve esboço das implicações advindas da nova ordem constitucional.

3.1 – Permutações na fonte.

A lei, que no positivismo[55] era plena e não admitia lacunas, passa a ser compreendida de forma crítica[56], almejando-se o significado de sua interpretação à luz dos princípios constitucionais e dos direitos fundamentais.

Desta feita, não cabe ao magistrado apenas aplicar o texto legal, porquanto, com essa nova dogmática, é de sua obrigação adequar a norma aos princípios de justiça. Isto é, traçará normas jurídicas individualizadas com o fito de regular a situação em concreto, desenvolvendo o texto constitucional em função das exigências do presente.

Por tal razão, eclode um verdadeiro ativismo[57] do Poder Pudiciário, exsurgindo a judicialização de relações políticas[58] ou sociais[59] - quiçá por haver uma verdadeira hipostasiação de denotado Poder.

Calha acentuar. O Judiciário, em virtude desta alteração na acepção da fonte, passa a solucionar temas de relevância com potencialidade de gerar impactos no âmbito público e social.

Desta sorte, NESTOR PEDRO SAGÜÉS esclarece que o Judiciário passa a possuir um protagonismo decisivo nas mudanças sociais e na incorporação de novos direitos ao extenso rol constitucional[60]

Trata-se, pois, de um fenômeno de intensificação do Judiciário, que tem como finalidade a concreção de direitos sociais por meio de interpretações principiológicas. Decerto, há uma ampliação da atuação deste órgão, já que se estendem suas decisões para uma gama de temas deveras diversificada.

Nos dizeres de ROGÉRIO MEDEIROS GARCIA LIMA, o ativismo jurisdicional acarreta uma defesa do ordenamento jurídico pela aplicação dos princípios e normas que o integram, sobejando, por fim, numa decisão justa e adequada[61].

Nessa conjuntura, dentro de suas funções constitucionais, é salutar a participação do Judiciário no Estado Democrático, de maneira que se propicia uma efetivação do ideal de justiça à sociedade.

3.2 – Consequências interpretativistas.

Com o deslocamento da Constituição para o centro do sistema jurídico, tornou-se imprescindível a interpretação de todos os demais ramos do direito sob a lente da Carta Magna, eclodindo um fenômeno denominado de filtragem constitucional (contaminação virótica da Constituição).

É que, como preleciona MARCELO NOVELINO, com a supremacia[62] da constituição consolidada, a Bíblia Política se tornou a lei suprema e fundamento de validade de todas as demais normas jurídicas[63], exigindo uma releitura dos demais ramos jurídicos à luz da Constituição[64].

Sob essa vertente, LUIZ GUILHERME MARINONI aduz que hodiernamente se exige uma compreensão crítica da lei em face da Constituição, para ao final surgir uma projeção da norma adequada[65]. Traduz, nessa senda, uma conformação da lei (uma constitucionalização do direito).

Nascem, daí, os princípios de hermenêutica constitucional[66], abordados ut infra:

Nesse cipoal, de maneira breve, destacamos: a) o axioma da interpretação conforme a constituição[67], onde, havendo normas infraconstitucionais plurissignificativas[68], deve-se dar prioridade à interpretação que confira um sentido mais equiparado com a Constituição.

Noutro dizer. Consubstancia essencialmente uma diretriz de prudência, no qual os aplicadores da Constituição, em face de normas infraconstitucionais de múltiplos significados, escolham o sentido que as torne constitucionais, e não aquele que resulte na sua declaração de inconstitucionalidade. 

Observa-se, deste modo, que o referido axioma almeja evitar a anulação de normas dúbias, preservando, deste modo, o comando normativo.

De mais a mais, grifamos: b) o princípio da justeza (da conformidade funcional), que atua no sentido de impossibilitar uma interpretação antagônica ao esquema organizatório-funcional estabelecido pela Constituição.

Noutro elucidar. Orienta os intérpretes da Constituição no sentido de que, instituída a norma fundamental em um sistema coerente e ponderado de repartição de competências, não podem os seus aplicadores chegar a resultados que contrastem com o esqueleto organizatório-funcional nela estabelecido.

Outrossim: c) avulta o princípio do efeito integrador (considerado corolário da teoria da integração de RUDOLF SMEND[69]), pelo qual, na solução de celeumas jurídico-constitucionais, devem prevalecer os critérios que favoreçam a integração social e a unidade política, porquanto, além de criar certa ordem jurídica, toda Constituição necessita produzir e manter a coesão sociopolítica – condição de viabilidade de qualquer sistema jurídico[70].

Entrementes, nem por isso é dada a possibilidade dos aplicadores da Constituição em subverter-lhe a letra e o espírito para alcançar, de qualquer modo, esse objetivo. Isso porque, deve-se atentar que a Lei Fundamental se mostra submissa a outros valores reputados superiores[71] – exempli gratia, dignidade da pessoa humana.[72]

Ressai, por demais, dois axiomas que se complementam. In casu: o d) princípio da relatividade, em que se exalta que nenhum direito pode ser considerado absoluto, e o e) princípio da harmonização (concordância prática)[73], pelo qual o intérprete deverá reduzir o âmbito de aplicação de direitos antípodos, de maneira que não resulte no debelar completo de um deles.

Destaca-se, ainda: f) o axioma da força normativa da Constituição, donde se exige uma interpretação plausível de tornar as normas constitucionais mais eficazes e duradouras.

É que toda norma jurídica precisa de um mínimo de eficácia, sob pena de perder ou sequer possuir a vigência de que depende sua aplicação.

Ressalva-se, derradeiramente: g) o princípio da interpretação efetiva (da máxima efetividade) – umbilicalmente relacionado com o axioma suso exposto –, que impõe a necessidade de a interpretação normativa se dar no sentido de ocasionar uma maior efetividade possível à realização do direito[74], sem, entretanto, alterar o seu conteúdo[75].

Desta sorte, indubitável que a aplicação destes postulados de interpretação repercutem na relação jurídico-processual, precipuamente por intermédio de uma releitura dos princípios que a ele lhe são basilares: verbi gratia devido processo constitucional (due process of law) e suas respectivas dimensões (formal/procedural due process e material/substantive due process); máxima da maior coincidência possível (direito fundamental à efetividade); duração razoável do processo (processo sem diligências indevidas) etc.

3.3– Reverberações normativas.

Por fim, como última acepção trazida pelo Constitucionalismo Contemporâneo, evidencia-se a existência da normatividade dos princípios de justiça, donde se extrai que inclusive os direitos fundamentais não expressos e os axiomas constitucionais não explícitos detêm plena eficácia jurídica.

Dessarte, esboroa-se a distinção entre princípios e normas, vetustamente perpetrada por jusnaturalistas e positivistas. É que, com a alusão da normatividade dos princípios, tornou-se notório que norma é um gênero, da qual são espécies os princípios e regras.

A partir daí, presente a força normativa dos axiomas, salienta-se que os princípios, em razão de sua abstração e possibilidade de abranger uma heterogeneidade de casos, passaram a ser mais utilizados que as regras[76].

Por tal motivo, asseverou-se que hodiernamente há uma maior ponderação que subsunção[77], haja vista que a colisão de princípios deve ser resolvida por intermédio da ponderação de valores e interesses envolvidos.  

Por demais, empós essa transformação advinda da nova ordem constitucional, os princípios, ao recortarem certas parcelas da realidade e ao colocá-las sob seu âmbito de proteção, servem de fundamento para normas específicas que direcionam concretamente a ação, seja num sentido positivo (prestação fática ou jurídica), seja num sentido negativo (omissão)[78].

Outrossim, hoje traçam diretrizes legais[79], esboçando como a lege deve ser dimensionada para que não vilipendie certos fragmentos fáticos recolhidos em seu âmbito tutelado[80]. Revelam valores que, em conformidade com a realidade[81], orientam a compreensão[82] e aplicação da lei, erigindo, dessarte, verdadeiras premissas na qual se apóia toda a ciência jurídica. Tornaram-se, “ao mesmo tempo, norma e diretriz do sistema, informando-o visceralmente.”[83]

Por tal razão, na atualidade, diz-se que os princípios desempenham uma função transcendental dentro do direito, já que são eles que dão feição de unidade ao ordenamento e determinam suas diretrizes fundamentais.

Sobre o autor
Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso

Advogado. Presidente da Comissão de Cultura da 18ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo (2013/2015; 2016/2018). Professor no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP), do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH), da Fundación Internacional de Ciencias Penales (FICP – Madrid) e investigador no “International Center of Economic Penal Studies” (ICEPS – New York)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi Almeida. A nova ordem constitucional e suas implicações axiológicas . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3744, 1 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25437. Acesso em: 23 dez. 2024.

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