Em 10.10.2013 foi publicada a Lei nº 12.865/13, originada a partir da conversão da Medida Provisória nº 615/13. A MP 615, quando publicada, veiculou regras autorizando o pagamento de subvenção econômica aos produtores da safra 2011/2012 de cana-de açúcar e de etanol da região Nordeste e outros assuntos afins, além de dar outras providências. Durante o processo legislativo de conversão da referida MP, que contava com apenas 16 artigos, houve intensos debates e acréscimos, de modo que a lei foi publicada com nada menos do que 43 artigos, no melhor estilo de contrabando legislativo tupiniquim. Além do que dispunha a MP, a lei também disciplina o documento digital no Sistema Financeiro Nacional, a transferência do direito de utilização privada de área pública por equipamentos urbanos do tipo quiosque, trailer, feira e banca em caso de falecimento, altera a incidência do PIS/COFINS na cadeia de produção e comercialização da soja e de seus subprodutos, além de várias outras mudanças na legislação tributária, em absoluto desrespeito aos ditames da Lei Complementar nº 95/98.
Dentre as diversas mudanças, cabe registrar que reabriu o prazo do REFIS IV, instituído pela Lei nº 11.941/09, até o dia 31.12.2013, nas condições que especifica. Além disso, criou programas de parcelamento específicos referentes aos débitos para com a Fazenda Nacional: a) relativos ao IRPJ e à CSLL, decorrentes da aplicação do art. 74 da MP 2.158-35/01, vencidos até 31.12.2012 (art. 40); b) relativos à COFINS/PIS, de que trata o Capítulo I da Lei nº 9.718/98, devidos por instituições financeiras e companhias seguradoras, vencidos até 31.12.2012 (art. 39, caput); e c) objeto de discussão judicial relativos à não inclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS/PIS (art. 39, § 1º). Para esses três casos, o pedido de pagamento ou parcelamento deve ser efetuado até 29.11.2013.
Nosso comentário se restringe ao último item, que versa sobre a criação do programa de parcelamento específico referente aos débitos para com a Fazenda Nacional objeto de discussão judicial relativos à não inclusão do ICMS da base de cálculo da COFINS/PIS.
Hoje o tema é amplamente discutido por milhares de ações em trâmite na Justiça Federal, com entendimentos opostos que alternam entre a posição conservadora (com a aplicação do entendimento ultrapassado, inclusive sumulado do STJ, sobre a legalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições – favorável ao Fisco) e a orientação progressista (com a aplicação do entendimento consagrado pelo STF no RE 240.785 quando o Plenário somou seis votos no sentido da ilegitimidade da inclusão do ICMS na base de cálculo das referidas contribuições – favorável aos contribuintes).
O atual cenário de absoluta insegurança jurídica quanto ao tema se deve a manobra engendrada pelo Advogado-Geral da União, hoje Ministro (do STF) Dias Toffoli, quando ajuizou a Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC nº 18 com o desesperado intuito de recomeçar o julgamento da matéria objeto do RE 240.785 (que já contabilizava seis votos contrários ao Fisco e apenas um favorável), que à época estava com pedido de vistas formulado pelo Ministro Gilmar Mendes.
Absorvida a manobra pela Suprema Corte quanto à precedência de julgamento da ADC 18, cuja decisão teria maior alcance aos jurisdicionados em comparação ao RE 240.785 (cf. sessão de 14.05.2008), o caso remanesce concluso ao Relator, Ministro Celso de Mello.
Desde então, de tempos em tempos, a Fazenda Nacional busca (im)pressionar com números mágicos que são expostos pelos jornais de grande circulação, chegando a cifra estimada em discussão ao valor de alguns bilhões de reais. Trata-se da tentativa desesperada de fazer com que o argumento consequencialista de cunho econômico venha a prevalecer sobre os robustos argumentos jurídicos que apontam no sentido da ilegitimidade da espúria inclusão da parcela do ICMS na base de cálculo das contribuições sociais em foco (aliás, como já reconhecido pelo Plenário do STF com a maioria absoluta de votos).
Hoje todo o País acompanha o hercúleo esforço do Governo Federal para manter a expectativa de superávit primário até o fim do ano. Adepto de medidas pontuais e paliativas, ao invés de implementar efetivas reformas urgentes e necessárias, o Governo Federal busca aqui e acolá melhorar os índices com a ajuda do câmbio, da contabilidade criativa e, agora, com a participação privada.
Nesse sentido, escolheu as três discussões judiciais mais vultosas (ainda pendentes de solução definitiva) perante o Pleno do STF, segundo os seus cálculos mágicos, e instituiu os programas de parcelamentos anteriormente mencionados (referentes à sistemática de tributação dos lucros no exterior pelo IRPJ/CSLL, ao PIS/COFINS incidente sobre as atividades de instituições financeiras e companhias seguradoras e à não inclusão da parcela do ICMS das referidas contribuições sociais).
O objetivo de “fazer caixa” é evidente, inclusive pela sistemática de pagamento parcelado previsto: “enquanto não consolidada a dívida, o contribuinte deve calcular e recolher mensalmente parcela equivalente ao montante dos débitos objeto do parcelamento, dividido pelo número de prestações pretendidas” (cf. art. 39, § 8º, exceto quanto à regra ref. aos lucros no exterior, cf. art. 40, §§ 9º e 10).
Em todo caso, os últimos parágrafos de cada artigo (39 e 40) estabelecem que a SRFB e a PGFN, no âmbito de suas competências, editarão os atos necessários à execução do parcelamento em questão. Tais atos são esperados para os próximos dias e serão importantes para elucidar algumas possíveis dúvidas.
Com efeito, um ponto que merece elucidação pelo ato regulamentar diz respeito à conversão dos depósitos e eventual levantamento de saldo remanescente. Pela dicção da regra, o depósito será automática e integralmente convertido em pagamento definitivo e as reduções previstas na lei serão aplicadas apenas e tão somente ao saldo remanescente a ser pago ou parcelado. Assim, não teria qualquer redução o contribuinte que tiver depositado a integralidade de seus débitos.
De toda maneira, é bom ter presente que esse programa específico de parcelamento foi instituído exclusivamente para as empresas que discutem passivo tributário, oriundo de cobranças e autuações fiscais, tanto no âmbito administrativo como também na seara judicial. A lei não se dirige àquelas empresas que discutem judicialmente possível oportunidade com o reconhecimento da ilegitimidade da espúria inclusão da parcela do ICMS da base de cálculo da COFINS/PIS (com a obtenção de medida liminar, a realização mensal de depósitos e até a manutenção do recolhimento normal).
Cuidando-se dos débitos materializados no passivo, aí sim cabe uma decisão gerencial da empresa, que leve em conta os cálculos na ponta do lápis depois da regulamentação cabível, bem como a possibilidade de êxito da discussão posta na esfera administrativa ou judicial, especialmente à luz de eventuais especificidades de cada caso concreto.
Melhor ainda seria se nesse interregno, até o dia 29.11.2013, o Relator da ADC 18 liberasse o seu voto, o Presidente colocasse o caso em pauta para julgamento e o Pleno decidisse a questão. Uma vez posta a questão sob julgamento, levando em conta que a matéria não é complexa e os argumentos favoráveis e contrários são conhecidos, é provável que a Suprema Corte decida a questão sem que haja pedido de vistas.