3. Imunidade das instituições sociais sem fins lucrativos
Foram alterados, também, o art. 9º, inciso IV, alínea "c", e o art. 14, inciso I, concernentes a imunidade das instituições sociais.
A nova redação dada à alínea "c", do inciso IV, do art. 9º, apenas acrescenta, depois de instituições sociais, a expressão sem fins lucrativos. Já a nova redação dada ao inciso I, do art. 14, substitui, na parte final do dispositivo, a expressão a título de lucro ou participação no seu resultado, pela expressão a qualquer título.
A primeira dessas duas alterações teve o propósito de explicitar que as instituições sociais amparadas pela imunidade são somente aquelas sem fins lucrativos. Explicitação inteiramente desnecessária. Primeiro porque uma instituição social é, por definição, sem fins lucrativos. Segundo porque a referência a instituição sem fins lucrativos já está na Constituição Federal.18 Tecnicamente, porém, não configura o absurdo que os burocratas da Receita Federal pretenderam implantar tornando absolutamente impossível a existência de instituições sociais imunes, como adiante se verá.
A segunda dessas duas alterações, operada no inciso I, do art. 14, parece ter tido o propósito de evitar a distribuição de parcelas do patrimônio, ou das rendas de instituições sociais de forma mascarada, ou oblíqua. Na verdade, porém, a pretexto de evitar fraudes que deveriam ser combativa diretamente, o dispositivo terminou albergando grave erro técnico, pois na verdade não há forma de distribuir patrimônio ou renda que não seja a título de lucro ou participação no resultado.
No projeto do qual a final resultou a Lei Complementar nº 104 foram propostas alterações mais profundas no art. 14, que chegavam a tornar inteiramente impossível a existência de instituições sociais. Entre elas tinha-se a inclusão de dispositivos que exigiam fossem os serviços da instituição social prestados gratuitamente a toda a coletividade.
Felizmente o Congresso Nacional não aprovou a proposta que era na verdade teratológica.
4. O fato gerador do imposto de renda
No art. 43, foram incluídos dois parágrafos, relativos à incidência do imposto de renda. No primeiro está dito que a incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. E no segundo está dito que na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará a sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido no artigo, vale dizer, para fins de incidência do imposto de renda.
Como já tivemos oportunidade de demonstrar, o legislador não é livre para definir renda, conceito utilizado pela Constituição Federal para a atribuição de competência tributária à União. Se fosse, o imposto não seria apenas sobre a renda. Poderia incidir sobre toda e qualquer outra situação econômica, a critério do legislador. Haveria verdadeira subversão da hierarquia normativa, o que evidentemente não se pode em Direito admitir.
É curioso observar que o novo dispositivo refere-se a receita como se fosse esta sinônimo de renda. Qualquer pessoa razoavelmente informada, porém, sabe que receita e renda são realidades inconfundíveis.
Pela mesma razão não se pode admitir, sem afronta evidente afronta à Constituição, que o legislador estabeleça livremente as condições e o momento em que se dará a disponibilidade da renda. O fato gerador do imposto, diz o caput do art. 43, é a aquisição da disponibilidade da renda ou dos proventos. Essa aquisição da disponibilidade é uma realidade que escapa às definições legais.
5. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário e parcelamento
Ao art. 151, que enumera as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, foram acrescentados dois incisos, a dizer que também suspendem a exigibilidade do crédito tributário:
V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial;
VI – o parcelamento.
Com o inciso V, acima, fica superada a orientação jurisprudencial de franciscana pobreza que, fundada em interpretação simplesmente literal, restringia o efeito de suspender a exigibilidade à medida liminar em mandado de segurança. Em se tratando de proposta originária da Receita Federal, fica demonstrado que infelizmente muitos juizes são na verdade mais realistas do que o rei. Ou, mais leoninos que o próprio leão.
O inciso VI, ao incluir o parcelamento entre as causas de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, choveu no molhado. O parcelamento nada mais é que uma forma de moratória.
A LC 104/01 incluiu, ainda, no CTN, o art. 155-A, estabelecendo que
Art. 155-A – O parcelamento na forma e condição estabelecidas em lei específica.
§ 1º - Salvo disposição de lei em contrário, o parcelamento do crédito tributário não exclui a incidência de juros e multas.
§ 2º - Aplicam-se, subsidiariamente, ao parcelamento as disposições desta Lei, relativas à moratória.
Não continha o Código nenhum dispositivo albergando restrição ao parcelamento de tributos, que vinham sendo concedido com relativa freqüência, de sorte que o art. 155-A constitui uma notável inutilidade. Seu parágrafo primeiro parece ter sido colocado na tentativa de superar o entendimento jurisprudencial a final adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, reconhecendo ao contribuinte que pratica a denúncia espontânea da infração e pede o parcelamento do débito o direito a esse parcelamento com exclusão de multas. Não se pode, todavia, interpretá-lo como excludente do direito do contribuinte, decorrente da incidência do art. 138, do mesmo Código. O que impede a cobrança da multa não é o parcelamento, mas a denúncia espontânea da infração que, nos termos do art. 138 do Código, exclui a responsabilidade pela infração que ensejaria sua aplicação.
Outra norma inteiramente inútil é que foi encartada no parágrafo segundo, do malsinado art. 155-A, pois a aplicação subsidiária das normas relativas à moratória resulta automática pelo fato de que o parcelamento, como se disse acima, nada mais é do que uma forma de moratória.
6. Extinção do crédito tributário pela dação em pagamento
Ao art. 156 foi acrescentado o inciso XI, incluindo a dação em pagamento em bens imóveis (sic ), na forma e condições estabelecidas em lei, como forma de extinção do crédito tributário. Esse dispositivo, rigorosamente inútil, nada acrescenta ao Direito Tributário brasileiro. Na verdade o contribuinte continua tendo o dever de pagar o tributo em dinheiro. Apenas nos casos estabelecidos em lei poderá obter a extinção do crédito tributário, vale dizer, poderá quitar sua dívida para com o fisco, mediante dação em pagamento. Dação de imóveis, em pagamento, e não dação em imóveis, como erroneamente foi redigido o dispositivo.
7. Restrição à compensação
Outra alteração consistiu na inclusão, no Código, do art. 170-A, vedando da compensação com aproveitamento de tributo objeto de contestação judicial, enquanto não transitar em julgado a sentença.
Certamente essa norma não impede o deferimento de liminar, ou a antecipação de tutela, autorizando a compensação. É previsível o surgimento de questões em face de sua aplicação. Com certeza as autoridades da administração tributária pretenderão impor mais uma restrição ao direito de compensar.
O que seria um tributo objeto de contestação judicial ?
A norma em questão pode ser tomada como um estímulo à compensação automática que temos preconizado. Pago um tributo indevidamente, o contribuinte, em vez de pedir a sua restituição – hipótese em que haverá, com certeza, contestação – simplesmente fará a compensação cabível.
8. Abertura do sigilo fiscal
Foram alterados também os artigos 198 e 199, relativos ao sigilo fiscal, com descabido alargamento das exceções admitidas.
O art. 198 passou a ter a seguinte redação:
Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades.
§ 1º. Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes:
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça;
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração de regular processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa.
§ 2º. O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo.
§ 3º. Não é vedada a divulgação de informações relativas a:
I – representações fiscais para fins penais;
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública;
III – parcelamento ou moratória.
Com a nova redação dada ao art. 199, ficou estabelecido que a Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos.
Na prática, pode-se dizer que já não existe o sigilo fiscal, pelo menos para impedir o que as autoridades da administração tributária mais gostam de fazer, que é utilizar a publicidade sensacionalista como forma de constranger o contribuinte.
O sigilo fiscal passou a ser apenas para constar. A norma que o garante está inteiramente esvaziada pelas exceções. Podem ser divulgadas à vontade as listas de devedores. Basta que as dívidas estejam inscritas. Ou então, basta que seja caso de representação fiscal para fins penas. Assim, a Fazenda Pode arruinar qualquer empresa com publicidade sensacionalista. Basta que seja lavrado um auto de infração em que é cobrado tributo inteiramente indevido, mas no entender da autoridade administrativa se esteja diante de caso em que deve ser feita representação fiscal para fins penais.
Também não importa que a exigência tributária seja descabida. Quando o contribuinte conseguir decisão judicial que o diga, a notícia já estará divulgada e os danos, moral e material, definitivamente consumados.
Note-se que nos termos do parágrafo terceiro, acima transcrito, não é vedada a divulgação de informações... Assim, formulada representação fiscal para fins penas, por exemplo, não se cogita mais de sigilo fiscal. A Fazenda Pública poderá divulgar informações sobre os fatos que ensejaram a representação fiscal para fins penais.
E se a representação for improcedente ? E se a divulgação causar danos morais a quem a final seja absolvido da imputação, ou até nem mesmo seja denunciado pelo Ministério Público ?
Uma coisa é o juízo formulado pela autoridade administrativa quando faz a representação fiscal para fins penais. Outra é o juízo a ser feito pelo Ministério Público a respeito da configuração do delito e da responsabilidade penal daqueles contra os quais vai fazer a denúncia. E outra, ainda, o juízo a ser formulado pela autoridade judiciária, já no ato de receber a denúncia, já no ato final do processo, ao julgar o denunciado.
Seja como for, certo é que a Fazenda Pública não tem necessidade nenhuma de divulgar informações, sejam elas a respeito de representação fiscais para fins penais, ou relativas a inscrições na Dívida Ativa, nem quanto a parcelamentos ou moratórias concedidas. Tem, é certo, interesse escuso em fazê-lo, como forma de denegrir o conceito do contribuinte em certas situações vexatórias.
Ressalte-se que o contribuinte, em situações dessa natureza, em que tenha contra ele formulada exigência tributária absurda, pode notificar judicial ou extra judicialmente as autoridades e agentes envolvidos de que os vai responsabilizar, pessoalmente, pelos danos que porventura venha a sofrer em virtude de divulgação dos fatos. E essa responsabilidade pessoal do servidor público é na verdade o único caminho para impedir atitudes levianas e abusivas deste.
Há, de fato, um clima de absoluta irresponsabilidade daqueles que exercitam o poder estatal. Na melhor das hipótese para o cidadão que seja vítima de atitudes levianas e abusivas, tem-se a indenização que é paga pelo ente público. Esta, porém, termina sendo suportada pelos contribuinte, enquanto o agente do poder público resta imune a qualquer conseqüência de suas arbitrariedades.
A questão do sigilo fiscal, agora praticamente anulado, está intimamente ligada à questão do sigilo bancário.
A Lei Complementar n° 105, de 10 de janeiro de 2001, estabelece que não constitui violação do sigilo a que estão obrigadas as instituições financeiras, entre outras hipótese, a prestação de informações nos termos e condições que estabelece (art. 1°, § 3°). Delega ao Poder Executivo atribuição para disciplinar, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços (art. 5°), e as informações obtidas das instituições financeiras serão conservadas sob sigilo fiscal (art. 5°, § 5°).
As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento administrativo fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente (art. 6º).
A questão da quebra do sigilo bancário, porém, será objeto de um outro artigo que vamos escrever, analisando os dispositivos da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, e do Decreto nº 3.724, da mesma data.
Notas:
1 CTN, art. 116, parágrafo único, introduzido pela Lei Complementar nº 104, de 10.01.2001
2 Antônio Roberto Sampaio Dória, Elisão e Evasão Fiscal, Bushatsky/IBET, São Paulo, 1977, p.39
3Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986, p. 627
4Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1986, p. 736
5 Eduardo Marcial Ferreira Jardim, Dicionário Jurídico Tributário, 3ª edição, Dialética, São Paulo, 2000, p. 84.
6 Marco Aurélio Greco e Elisabeth Levandowski Libertuci, Para uma Norma Geral Antielisão, IOB, São Paulo, Outubro de 1999, p. 10
7 Constituição Federal, art. 150, inciso I.
8 Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 18ª edição, Malheiros, São Paulo, 2000, p. 34
9 João Dácio Rolim, A conveniência ou não de uma norma geral antielisiva. Conciliação da liberdade e da segurança com a igualdade. em Revista da Associação Brasileira de Direito Tributário, ABDT/Del Rey, Belo Horizonte, ano III, nº 5/6, janeiro/agosto 2000, págs. 44
10 Código Tributário Nacional, art. 110
11 Código Tributário Nacional, art. 108, § 1º.
12 Silveira Bueno, Grande Dicionário Etimológico Prosódico da Língua Portuguesa, Saraiva, São Paulo, 1964, 2º Vol., pág. 1035.
13 Maria Helena Diniz, Dicionário Jurídico, Saraiva, São Paulo, 1998, vol. 2, pág. 201.
14 Maria Helena Diniz, Dicionário Jurídico, Saraiva, São Paulo, 1998, vol. 2, pág. 201.
15 De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Forense, Rio de Janeiro, 1987, vols. I e II, pág. 103.
16 Pedro Nunes, Dicionário de Tecnologia Jurídica, 8ª edição, Freitas Bastos, Rio de Janeiro/São Paulo, s/d,, vol. I, pág. 518,
17 MARCO AURÉLIO GRECO e ELISABETH LEVANDOWSKI LIBERTUCI, Para uma Norma Geral Antielisão, IOB, São Paulo, Outubro de 1999, p. 10
18 Art. 150, inciso VI, alínea "c".