Sumário: 1. Resposta dos romanos para os conflitos interpretativos: o valor e sentido histórico da jurisprudência; 2. Laços de tensão entre o Poder Decisório: o dizer e o silenciar a norma; 2.1 Poder jurisprudencial: a construção histórica da leitura do direito da escola da exegese até a escola histórica da Savigny; 2.2 Súmulas vinculantes: a legislação “filtrada” do Supremo Tribunal Federal; 3. Veículos de contenção do poder: a norma e o trilho democrático. Considerações Finais. Referências.
Resumo: O estudo das jurisprudências normativas (súmulas vinculantes), estágio mais elevado do Direito Sumular, feito por este artigo, teve como prisma a natureza histórica do conceito criativo de jurisprudência desde o berço romano até as diversas escolas de interpretação do Direito. Foi feita uma análise da moldura interpretativa do art.103-A caput, §3º, CF que dispõe sobre os limites constitucionais da eficácia vinculante, tendo-se pontuado pela mitigação do meio imposto pelo art. 9º, da Lei 11.417/06, o qual agregou muita coerção as súmulas vinculativas. Ao final, foi recolocada a discussão da impossibilidade de uma neutralização do Supremo e a necessidade de assentar esse instituto sobre os trilhos democráticos.
Palavras-chave: Escolas de Interpretação; Súmulas Vinculantes; Jurisprudência; Direito Romano.
INTRODUÇÃO
Antes de uma compreensão antecipada do que aqui se investigará é necessário que sejam feitos dois alertas quanto ao que não se buscou aqui: 1º) Não se discute, neste artigo, a possibilidade ou não do Judiciário legislar atipicamente através de súmulas; e 2º) Não se enfrentará o célebre debate da agressão ou não da tripartição do poder. A veia aqui pulsará em busca das seguintes questões: quais os limites da autoridade lingüística das súmulas vinculantes (art.103-A, §3º, CF)? E qual a referência ou escola interpretativa que o Brasil tem se aproximado? Essas são algumas trilhas de investigação... rumemos à elas!
Talvez pareça inaproximada a vinculação aqui feita entre jurisprudência e norma, mas não é, pois quando se tem em foco a autoridade das decisões do Supremo Tribunal Federal em sede sumular, nota-se a construção de um novo sub-sistema com regras mais rígidas de submissão ao entendimento jurisprudencial, do que no modelo norte-americano, que o inspirou.
O termo “súmula” já deve ser redefinido pelos dicionários do nosso país; no HOUAISS este termo apenas indica: “sinopse, resumo” (2004, p. 697), lembrando ainda o sentido originário destas como apenas notas memoriais indicativas. No Brasil este sentido léxico já não se coaduna, pois as súmulas vinculantes conseguiram jungir, ao caráter jurisprudencial, efeitos legais e sancionatórios que as diferencia deste conceito primário.
Para uma melhor compreensão do que seja a autoridade lingüística das jurisprudências, foi necessário também o delineamento de algumas escolas de interpretação dos séculos XIX, XX e os seus resquícios no sistema jurisprudencial brasileiro.
Vale obtemperar que o início de todo “mal-estar” aqui estudado, versa, necessariamente, pela nova maneira de “responder o direito”[1] trazida pela EC45/04, a qual acrescentou o polêmico art.103-A, CF e a possibilidade da atuação normativa em abstrato do Supremo através de súmulas vinculantes. Contudo, o ponto nevrálgico da questão aqui vasculhada é a regulação normativa do art. 103, §3º, CF, feita pelo art. 9º da Lei 11.417/06, trazendo medidas coercitivas de submissão as responsas do Supremo.
Estuda-se e escreve-se muito quanto aos horrores ou não do instituto sumular brasileiro, mas sem a devida atenção quanto a regulação dos termos do §3º, art.103, CF, o qual fixou o seguinte quadro interpretativo:
Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (Grifo Nosso)
Eis o quadro normativo que a Constituição Federal fixou para implementação de regulações normativas ulteriores. Não havendo qualquer autorização para que as normas infranconstitucionais imprimissem ao instituto a força de responsabilizar pessoal, civil, penal e administrativamente o agente que não as observem, como foi desaguado pelo art.9º, Lei 11.417/06:
Art. 9o A Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 64-A e 64-B: “Art. 64-A. Se o recorrente alegar violação de enunciado da súmula vinculante, o órgão competente para decidir o recurso explicitará as razões da aplicabilidade ou inaplicabilidade da súmula, conforme o caso.” “Art. 64-B. Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.” (Grifo Nosso).
O presente artigo tenciona recolocar a discussão quanto a necessidade de se investigar a soma de poderes inseridos pela legislação infraconstitucional que regulamentou esse novo estágio do Direito Sumular brasileiro, mas realinhando os trilhos impostos pelo art.103, §3º, CF.
1. RESPOSTA DOS ROMANOS PARA OS CONFLITOS INTERPRETATIVOS: O VALOR E SENTIDO HISTÓRICO DA JURISPRUDÊNCIA
A evolução da jurisprudência passa, necessariamente, pelo estudo da Idade Clássica e Pós Clássica do direito romano. Para estes a jurisprudência indicava: “o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto. Iuris prudenti est divinarum atque humanarum rerum notitia, iusti atque iniusti scientia.” (NÓBREGA, 1961, p. 114).
O primeiro período de evolução histórica da jurisprudência romana é denominado: Pontificial ou Esotérico, no qual o:
[....] dizer o direito, interpretar as leis era função específica dos sacerdotes, dos pontífices, daí a denominação pontificial para este período da evolução histórica da jurisprudência. Ficava ela fechada – donde o adjetivo grego esotérica – in penetrálibus pontifícium, isto é, nos santuários dos pontífices. (TABOSA, 2003, p. 59).
A segunda fase da jurisprudência romana (“final do século IV”) substitui o caráter divino pelo humano, por isto teve por nome “Leiga”, retirando a figura mística do pontífice e integrando uma nova função: a do jurisconsulto. Esta fase humanística de produção do direito laico ainda passou por micro-evoluções: a primeira, de divulgação do direito produzido, inclusive através de estudos semelhantes aos leading cases norte-americanos; e a segunda, de sistematização de todo o mote literário já pronunciado. A liberdade dos jurisconsultos chegou a ser limitada pelo Imperador Augusto, pois nesse período: “Criou-se, por assim dizer, uma ordem dos jurisconsultos, exigindo-se, para ingresso nela, a autorização do Imperador.” (TABOSA, 2003, p. 62), a intenção era conter a crescente popularidade dos jurisconsultos sobre o povo.
Com o nascimento do período Pós-clássico, o auge jurisprudencial declina sobremaneira:
com a decadência da jurisprudência, se citam e utilizam as respostas dos juristas clássicos. Com o fim de eliminar a confusão, que então se verificara, os imperadores Teodósio II e Valentino III baixaram a chamada Lei das Citações, em 426, pela qual somente as opiniões de Papiniano, Ulpiano, Paulo, Modestino e Gaio tinham fôrça (sic.) de lei.” (SCIASCIA, 1961, p. 29).
A atual tentativa de absolutização dos “decretos” do STF é muito assemelhada com a instituição do “Tribunal de Mortos” (SCIASCIA, 1961, p. 29) em Roma, no qual se estabeleceu que apenas as decisões de Papiniano, Ulpiano, Paulo, Modestino e Gaio tinham força de lei. Portanto, percebe-se que não é nova a intenção dos magistrados de somarem a si o poder de submeterem as outras esferas do poder ao seu julgo sentencial; contudo, aqui não se discute a legitimidade ou não do instituto como previsto no art.103-A, §3º, CF, mas sim a elasticidade conferida pelo art.9º, Lei 11.417/06.
2. LAÇOS DE TENSÃO ENTRE O PODER DECISÓRIO: O DIZER E O SILENCIAR A NORMA
A autoridade lingüística que aqui se estuda vem relacionada com o poder de “dizer” o direito conferido ao Judiciário, e, mais precisamente, a cúpula do mesmo. Nesta fase de evolução do Direito Sumular não se está discutindo a atuação do juiz de primeira instância, mas sim da Corte Constitucional Nacional, pois, até o presente momento já estão em vigor trinta e uma súmulas vinculantes, de um ativismo judicial sem precedentes.
A autoridade lingüística que aqui se investiga começou a ser constituída com a maneira alocada de “Guarda” que o texto constitucional conferiu ao Supremo, conforme art.102, caput, CF; arrimados nessa expressão, lastreou-se ao poder de decisão deste órgão a chancela de “Hermes”[2] de todo o sentindo constitucional.
O Judiciário ganhou mais céu (e este seja entendido aqui como mais autoridade lingüística) quando a EC45/04 o elevou até ao limbo dos hermeneutas: as súmulas vinculantes, firmadas no art.103-A, CF, as quais concederam ao Supremo a competência privativa de dizer o sentido das normas e, a partir da publicação de suas súmulas “amordaçantes” silenciar todas as instâncias à sua sinopse.
Neste novo viés do Direito Sumular a disposição da norma não é mais o fato de maior relevo, nem o fator dialético interpretativo, mas sim a autoridade de quem a imanta – o Supremo Tribunal Federal.
Esta é a autoridade lingüística que aqui se investiga, pois não se está aqui a pontuar qualquer extremismo – não defende-se a “Posição Interpretativista” ou literalista do direito (que confere a norma sentido único e absoluto), mas sim a análise do mal-estar textual quando o Supremo recebe a autoridade de elastecer o texto a um “ponto ótimo” que o leva ao patamar de cânone de toda a administração pública e das instância ordinárias do judiciário.
Ao se atribuir ao Supremo tamanha autoridade, restam por farpeados princípios vitais do sistema de ordenação do próprio Poder Judiciário, do qual este faz parte, quais sejam: a aplicação do Princípio da Polaridade Individual do Poder Judiciário, pois o mesmo assegura que: “Todos os juízes e cada um dos juízes dispõem directamente do poder de jurisdictio, confirmando-se, assim, o poder judiciário como um plexo articulado de micropoderes.” (CANOTILHO, 2003, P. 662). Ora, o “laço” desse novo sistema pode decorrer da má interpretação do limites do termo “a guarda da constituição” e a regulação da eficácia desta nova faceta normativa pela Lei 11.417/06
2.1 PODER JURISPRUDENCIAL: A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LEITURA DO DIREITO DA ESCOLA DA EXEGESE ATÉ A ESCOLA HISTÓRICA DA SAVIGNY
Para que se proponha este debate nos é necessário um mergulho – ainda que breve – em algumas escolas de interpretação do direito, pois seus caminhos primeiros anunciaram grande parte do vetor conceitual que atualmente se percebe, afinal, é a atividade interpretativa que nos confere o verdadeiro sistema normativo: “É a interpretação que nos dá a norma e não o contrário.” (D. CORNELL Apud MARMOR, 2000, p. 55).
Na história da interpretação do direito, a Escola da Exegese (França - 1804) foi a que mais mitigou o poder de interpretação dos juízes, LAURENT chega a afirmar:
Os códigos não deixam nada ao arbítrio do intérprete; este não tem por missão fazer o direito. O direito está feito. Não há mais incertezas; o direito está escrito nos textos autênticos. (Apud CAMARGO, 2001, p. 68).
Mas esse pensamento positivista foi restringido no início do século XX (graças a decadência do positivismo com a derrocada do fascismo italiano e nazismo alemão), pela crítica de François Geny e sua idéia da livre pesquisa científica, ultrapassando o mito da onipotência do legislador e da auto-suficiência da lei, para uma escola de investigação mais científica da atividade judicial:
Já a Escola Histórica de Interpretação do direito, carreada por Savigny, tornou a legislação algo secundário e submisso aos costumes, nesse ponto o aplicador-intérprete do direito era envolto no que ele chamou de “espírito do povo” (Volksgeist) e decidiria segundo o mesmo:
Segundo Savigny, o Direito não deveria ser visto como mera soma de elementos (normas jurídicas racionalmente formuladas e positivadas), mas como um conjunto de institutos jurídicos que habita a consciência do povo, só perceptível através da intuição do jurídico, oriundo de práticas culturais. (CAMARGO, 2001, p. 80).
Vê-se que nesse modelo a estrutura da norma é dispensável, o discurso aqui concentra-se na vinculação do aplicador do direito apenas ao estrato social-histórico; mas como controlar o espírito subjetivo de um intérprete com esta liberdade?! Eis o problema de um sistema indutivo–concretista que pensa o judiciário como a “mão divina” de tradução do espírito do povo.
Com a análise da atuação do Supremo desde a promulgação do sistema vinculante e as curvas dos conteúdos sumulares, pode-se afirmar que a escola de interpretação do direito que aqui se antevê, mescla-se com a Exegética, pois tenta fazer de todas as outras instâncias do poder apenas a “boca da súmula vinculante”; e, também, aparenta-se com a Escola Histórica de Savigny, já que a expressão “guarda da constituição” lembra o sentido lingüístico de patrono do “espírito do povo”.
2.2 SÚMULAS VINCULANTES: A LEGISLAÇÃO “FILTRADA” DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O fato de o poder reformador, através da EC45/04, ter acrescido o art103-A, CF, criando um novo modelo de súmulas, e ter atribuído a este instituto força vinculante (poder esse regulamentado pela Lei 11.417/06 e com possibilidade até de modulação dos efeitos de sua vinculação, conforme art.4º desta lei); é fato novíssimo, pois, por mais que, historicamente, se fale da criação dos Assentos[3] nas ordenações Manuelinas, nada se compara ao patamar gerido pela EC45/04 para as decisões judiciais.
Note-se que aqui não se está tratando de um caso concreto, ou de um controle de lei em tese, mas de uma criação da “fala” constitucional pela decisão de 2/3 dos membros de sessão plenária (oito ministros) do STF (único competente para esta demanda), e cujo objeto seja a validade, interpretação ou eficácia de normas (art. 2º §1º, Lei 11.417/06) que estejam sob controvérsia atual que cause aumento de processos e insegurança jurídica. Estaríamos aqui na mais alta hierarquia das sentenças já existentes no Brasil, seguindo a ordem crescente de vinculação e normatividade proposta por MENDES:
Assim é que, quanto à crescente extensão de seus efeitos, os atos dos juízes se escalonariam em sentença clássica, precedente, sentença normativa, jurisprudência vinculante, atos quase legislativos e plenamente legislativos. (MENDES, 2007, p. 914).
O art. 103-A, caput, §3º, CF traz a moldura do efeito vinculativo dos enunciados do Supremo, ou seja: após a publicação do enunciado, se houvesse descumprimento do mesmo, seria cabível uma Reclamação ao Supremo, e este apenas anularia o ato administrativo ou cassaria a sentença prolatada. Contudo, a regulação feita pela Lei 11.417/06 extrapolou os seus limites, pois previu responsabilidades em todas as esferas para o agente que não as observar. A vinculação é tão extrema que nem qualquer lei prevista pelo art. 59, CF possui tamanha peremptoriedade, posto que, como determinado pelo art. 9º da Lei 11.417/06, que acresceu o art. 64-B à Lei 9784/99, o agente público que ferir o enunciado sumular poderá ser responsabilizado cível, penal e administrativamente, ressalvado o juiz. Não há, na Lei 9784/99 ou na Lei 11.417/06, qualquer previsão explícita de responsabilização do magistrado que venha a descumprir o enunciado vinculante, fato este que vem a impossibilitar tal imposição).
Note-se que as súmulas vinculantes, uma vez publicadas, ganham presunção juris et juris, absoluta, e são passíveis de revisão ou cancelamento apenas pelo STF, ou seja, somente através do controle concentrado (ainda que caiba o controle pela via incidental ou de exceção; já que há possibilidade do controle ex officio e o provocado, conforme art. 2º, Lei 11.417/06, mas nunca pela via difusa).
Por isso afirma-se aqui que as súmulas receberam status “supra-normativo”, não sendo lei, mas com mai força do que esta; e também, não sendo normas[4] além de possuírem caráter normativo (jurisprudências normativas) também possuem status supra-legal, não sendo lei, mas com mais força do que esta, pois são imantadas de intangibilidade apenas enfrentada pelo próprio Supremo:
[....] trata-se de um paradoxo em nosso sistema jurídico: os juízes podem contrariar as leis; se o fizerem, caberá recurso. O que os juízes não podem fazer é contrariar súmulas [....]. Ou seja, em terra brasilis a lei não vincula; a súmula, sim, mesmo que seja contrária à lei e a Constituição. (LENZA, 2007, p. 21). Grifo Nosso.
Se a justificativa da aplicação desse modelo é a inspiração no direito norte-americano, também persiste o debate, pois mesmo naquele, onde reside o direito costumeiro, não se pode falar em vinculação obrigatória dos leading cases aos juízes de outras instâncias:
o efeito vinculante impõe liame de caráter obrigatório, paranormativo, aos órgãos e poderes que se aplica. No caso do stare decisis, embora se fale em vinculação de precedentes (binding precedents), aos juízes inferiores se reconhecem mecanismos para sua insubordinada superação (overruling). Assim, cabe aos demais órgãos do Poder Judiciário, mediante técnicas decisórias específicas – tais como a superação antecipada (antecipatoy overruling) ou superação implícita – desgarrarem-se dos precedentes da Suprema Corte e decidirem casos de maneira diversa. (LEAL Apud LENZA, 2008, p. 578, 579). Grifo Nosso.
Já que nem no contexto anglo saxão há tamanha submissão da autoridade lingüística das decisões da Suprema Corte aos juízos de instância “inferiores”, o que ocorre aqui no Brasil?! Que filtro hermenêutico é este que se impõe pela via sumular?!
Vale ressaltar que esta vinculação não estende-se ao Poder Legislativo, nem ao próprio Supremo, mas a todas instâncias do Judiciário (ressalvada a cúpula), ao Poder Executivo e suas entidades da administração Direta, Indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 2º, caput, in fine, Lei 11. 417/06).
O exercício de autoridade lingüística da Corte Constitucional como vinculante e peremptória traz a essa nova faceta de produção normativa um exercício de poder de esquisita eloqüência democrática e sistêmica.
3. VEÍCULOS DE CONTENÇÃO DO PODER: A NORMA E O TRILHO DEMOCRÁTICO
Há um trilho democrático que as curvas da retórica nacional não podem anular. Consentir com essa nova parcela do poder normativo agregado as decisões do Supremo, seria forçar a crença de que este órgão é a parcela mais estável da democracia nacional: uma ilusão arredia da realidade. A história das decisões do Supremo inspira mais cautela do que ideologia[5], aqui se tem cuidado de que o acúmulo de forças ao instituto das súmulas vinculantes intentem anuviar a própria realidade - e pela autoridade decisória querer renunciar a própria realidade em seus delírios de motivações inesperadas:
Cansados daquele delírio hermenêutico, os trabalhadores repudiaram as autoridades de Macondo e subiram com suas queixas aos tribunais supremos. Foi lá que os ilusionistas do direito demonstraram que as reclamações careciam de toda validade, [....] e se estabeleceu por sentença do tribunal, e se proclamou em decretos solenes, a inexistência dos trabalhadores. (MARQUES Apud BELLO FILHO, 2003, p. 109).
O exausto discurso de que se está cumprindo o “espírito do povo” torna a democracia um discurso perigoso, como afirma MAUS Apud VIDAL:
Quando a justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social – controle ao qual normalmente se deve subordinar toda instituição do Estado em uma forma de organização política democrática. No domínio de uma Justiça que contrapõe um direito ‘superior’, dotado de atributos morais, ao simples direito dos outros poderes do Estado e da sociedade, é notória a regressão a valores democráticos de parâmetros de integração social. (2009, p. 170). Grifo Nosso.
Não se pode aquietar mais aquietar mais com a ideologia de instâncias neutras de desvios e “[....] não basta o bom senso e o sentido de justiça pessoal – é necessário que o intérprete apresente elementos da ordem jurídica que referendem tal ou qual decisão.” (BARROSO, 2008, p. 363); portanto, e temendo discursos que obstem o controle social, aqui já se aprendeu com os romanos: Lex est quod populus jubet atque constituit, em vernáculo: “lei é o que o povo ordena e determina!”.