Resumo: A Lei n. 9.099/95, com o desiderato de ampliar o acesso ao Judiciário, adotou, de forma inovadora na esfera cível, o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, o qual inadmite a impugnação de plano e em separado das decisões proferidas incidentalmente no processo. Em decorrência da adoção desse princípio, as interlocutórias oriundas dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, diferentemente do que ocorre no processo tradicional, não se sujeitam aos efeitos da preclusão imediata, uma vez que podem ser atacadas por meio do recurso inominado, via processual adequada para impugnar não só a sentença, como também para provocar o reexame dessas decisões. No entanto, o mencionado princípio não é adotado de forma absoluta, pois, em situações pontuais, a regra da irrecorribilidade imediata revela-se totalmente inócua, e, por conseguinte, hábil a acarretar às partes danos de difícil ou de incerta reparação. Com efeito, quatro tipos de decisões costumam ser apontadas como hábeis a transpor a barreira da irrecorribilidade, quais sejam: a que defere ou indefere antecipação de tutela; a que deixa de receber o recurso inominado; a relacionada aos efeitos em que o inominado é recebido; e as provenientes da execução. Tendo em vista a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca do remédio processual adequado para impugnar tais decisões, pertinente se mostra o exame do agravo de instrumento, do mandado de segurança e da reclamação regimental, que são os meios comumente utilizados para alcançar esse propósito. Oportuno ainda refletir sobre a eficácia processual dessas vias e sua (in)compatibilidade com o microssistema dos Juizados Especiais.
Palavras-chave: Juizados Especiais Cíveis Estaduais; acesso à Justiça; celeridade; irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias; mandado de segurança.
Sumário: INTRODUÇÃO. CAPÍTULO 1 DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS. 1.1. Origem. 1.2. Imposição Constitucional. 1.3 Finalidades. 1.4. Facultatividade para o autor.1.5.Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. 1.6.Competência. CAPÍTULO 2 PRINCIPIOLOGIA, SISTEMA RECURSAL E AÇÃO RESCISÓRIA. 2.1 Princípios. 2.2.1 Oralidade. 2.2.2 Simplicidade. 2.2.3 Informalidade. 2.2.4 Economia Processual. 2.2.5 Celeridade. 2.2Do Sistema Recursal. 2.2.1 O duplo juízo de mérito e as Turmas Recursais. 2.2.2 Dos recursos previstos na Lei n. 9.099/95 . 2.2.2.1 Recurso Inominado. 2.2.2.2 Embargos de Declaração. 2.2.3 Recurso Especial.2.2.4 Recurso Extraordinário . 2.3Da Ação Rescisória. CAPÍTULO 3 DA (IR)RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NOS JEC’S. 3.1 Preclusão das Decisões Interlocutórias. 3.2Decisões Hábeis a Transpor a Barreira da Irrecorribilidade. 3.3Remédios Processuais Cabíveis. 3.3.1 Agravo de Instrumento.3.3.2 Mandado de Segurança como Sucedâneo Recursal. 3.3.3 Reclamação Regimental ou Correição Parcial. 3.3.4 RE 576877/BA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS .
INTRODUÇÃO
A Lei n. 9.099/95, que, em obediência à determinação constitucional contida no inciso I do artigo 98 da Carta Magna, instituiu os Juizados Especiais no âmbito dos Estados, representou a instauração de uma justiça inovadora, uma vez que a desburocratização e a simplificação do sistema permitiram o acesso do mais humilde à estrutura do Judiciário. Pode-se dizer, sem exageros, que a edição da Lei dos Juizados foi o marco inicial de um movimento legislativo revolucionário, cujos objetivos primordiais foram ampliar o acesso ao Judiciário e reverter a desacreditada imagem da Justiça perante os jurisdicionados.
Com efeito, quando da criação dos Juizados, a Justiça brasileira enfrentava uma de suas maiores crises institucionais, notadamente no que tange ao processo civil, porquanto o sistema tradicional se mostrava caro, moroso e inadequado para tutelar certos tipos de direitos. Foi nesse contexto em que o legislador, ao idealizar um microssistema voltado para a solução de litígios de menor complexidade e de reduzido valor econômico, os quais, até então, devido à inadequação do sistema existente, ficavam às margens do Judiciário, promoveu uma verdadeira democratização da Justiça.
Nesse sentido, o tema da irrecorribilidade das interlocutórias se impõe devido à importância e à credibilidade de que gozam os Juizados Especiais Cíveis perante a sociedade, o que pode ser facilmente identificado pelo número cada vez mais crescente de jurisdicionados que buscam os Juizados para a resolução de conflitos.
Ademais, mostra-se fundamental a análise das particularidades do microssistema em questão, pois não se pode olvidar que essa nova proposta de jurisdição se mostra totalmente distinta da Justiça comum. E é preciso estar atento às peculiaridades existentes, a fim de que, sopesados os prós e contras, realize-se a escolha pelo rito que se mostre mais compatível com o caso concreto, ou seja, é a hipótese fática que determinará se é mais viável que o autor ingresse com sua demanda na Justiça tradicional ou nos Juizados Especiais.
O princípio da irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias bem ilustra essa dicotomia. Assim, ao contrário do que ocorre na Justiça tradicional, em que as decisões interlocutórias podem ser impugnadas, de plano, pela via do agravo, nos Juizados Especiais, com o objetivo de conferir celeridade e efetividade à prestação da tutela jurisdicional, consagrou-se o princípio supracitado, o que impede que decisões de tal natureza sejam açoitadas de forma imediata e em separado.
Consequentemente, as interlocutórias oriundas dos Juizados não sofrem os efeitos da preclusão, uma vez que podem ser atacadas por meio do recurso inominado, via processual adequada para impugnar não só a sentença, como também para provocar o reexame das decisões proferidas incidentalmente no processo. Contudo, em certas situações específicas, a regra da irrecorribilidade mostra-se totalmente inócua, o que tem sido alvo de muitas críticas e tema nebuloso tanto na doutrina como na jurisprudência.
Assim, a presente pesquisa bibliográfica visa identificar as decisões que excepcionam o princípio da irrecorribilidade imediata, bem como o remédio processual adequado para atacar tais decisões. Para tanto, serão desenvolvidos 3 (três) capítulos, com apoio em leis, obras doutrinárias, revistas jurídicas e artigos relacionados com o tema. A evolução jurisprudencial também será importante ferramenta para elaboração da pesquisa.
No primeiro capítulo, discorrer-se-á sobre o contexto histórico-social em que foram concebidos os Juizados Especiais, bem como sobre os objetivos de sua instituição.
Em seguida, no segundo capítulo, será feita uma detida análise dos princípios sobre os quais os Juizados encontram-se alicerçados, quais sejam oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, com seus respectivos desdobramentos no microssistema em estudo. Além disso, debruçar-se-á sobre o reduzido sistema recursal instituído pela Lei n. 9.099/95, bem como sobre a impossibilidade do manejo de ação rescisória para desconstituição de sentenças e acórdãos.
O terceiro e último capítulo será dedicado diretamente ao tema objeto deste trabalho, ou seja, a irrecorribilidade imediata e em separado das decisões interlocutórias proferidas nos Juizados Especiais, com ênfase em suas implicações práticas. Além disso, serão identificadas as decisões apontadas pela doutrina e pela jurisprudência como hábeis a quebrar a regra em comento, assim como as vias de impugnação consideradas apropriadas para tanto. Também será dado especial destaque ao Recurso Extraordinário (RE) 576847, de relatoria do Exmo. Ministro Eros Grau, no qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal proferiu acórdão, com repercussão geral reconhecida, assentando o entendimento de que não cabe a impetração de mandado de segurança contra as decisões interlocutórias exaradas nos processos dos Juizados Especiais.
Ao final, espera-se contribuir para o aclaramento das questões controvertidas inerentes aos Juizados, com especial destaque para a regra da irrecorribilidade.
CAPÍTULO 1 DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS ESTADUAIS
1.1 Origem
O contexto histórico-social da criação dos Juizados Especiais no Brasil remonta a um período em que a Justiça brasileira enfrentava uma de suas maiores crises institucionais, notadamente no que tange ao processo civil. Com efeito, a morosidade do processo tradicional, aliada ao excesso de tecnicismo e de rigorismo formal, bem como os altos valores a serem despendidos com custas e honorários advocatícios, desestimulavam o cidadão a buscar o Judiciário para a resolução de seus conflitos.
Além disso, saltava aos olhos a inadequação do sistema então vigente para tutelar certos tipos de direitos. É evidente que ninguém, em sã consciência, ousaria ingressar com uma ação na Justiça tradicional para cobrar míseros R$ 50,00 (cinquenta reais), por exemplo, pois as despesas com as custas e com a contratação de um causídico superariam, e muito, o bem da vida pretendido. Some-se a isso o natural desgaste psicológico de se ter que ingressar com uma demanda no Judiciário, bem como a inevitável demora na solução do litígio, fadado a se arrastar por longos anos.
Todo esse quadro de descrença na Justiça brasileira inquietava a comunidade forense, pois essa litigiosidade, até então, contida, poderia conduzir ao exercício arbitrário das próprias razões, ou seja, o descrédito no Poder Judiciário brasileiro poderia levar o cidadão a fazer justiça com as próprias mãos, comportamento que, em última análise, poderia colocar em risco o próprio monopólio da jurisdição do Estado.
No Brasil, a ideia dos Juizados foi inspirada na experiência norte-americana das Small Claims Courts (Cortes de Pequenas Causas). Roberto Portugal Bacellar[1] leciona que os membros da comissão[2] que elaboraram o anteprojeto da Lei dos Juizados de Pequenas Causas (Lei n. 7.244/84) buscaram, no padrão norte-americano, a luz que precisavam para implementar no Brasil um novo modelo de Justiça. Já Wilson Carlos Rodycz apud Cândido Rangel Dinamarco[3] faz interessante comparação entre o Juizado Especial Cível Brasileiro e as Small Claims Courts e constata que:
[...] Há diferenças significativas, seja pela inserção em sistemas processuais e em culturas bastante diferentes, mas o que há em comum é bastante significativo – o escopo de reduzir a litigiosidade contida, o caráter popular, funcionamento em horas menos usuais, causas de valor menor, parcial dispensa do advogado, maioridade especial, ênfase na conciliação, oralidade etc.
Também há de se destacar o importante papel desempenhado pelos Conselhos de Conciliação e Arbitragem instituídos pelo Rio Grande do Sul em 1982, os quais foram seguidos pelos Juizados Informais de Conciliação Paulistas. Esses órgãos, embora desprovidos de existência legal, representam a origem, no Brasil, do que futuramente se chamaria de Juizados Especiais Cíveis.
Dessa feita, ao fim de 1984, como fruto da forte influência das Small Claims Courts e dos Conselhos de Conciliação e Arbitragem, foi editada a Lei federal 7.244, que dispunha sobre a criação dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, sendo que, em novembro de 1986, conforme observa Marcos Maurício Bernardini[4], começaram a funcionar os primeiros Juizados de Pequenas Causas no Rio Grande do Sul. Registre-se, por oportuno, que a instituição dos Juizados de Pequenas Causas está intimamente ligada à terceira onda renovatória do processo, que buscava a criação de uma Justiça mais acessível, participativa e desburocratizada.
Nove anos depois da edição da referida Lei, diante do sucesso dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, a ideia evoluiu, o que culminou na edição da Lei n. 9.099/95, responsável pela criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Destaque-se que, na esfera cível, não foram muitas as alterações promovidas pela novel legislação, já que quase todos os dispositivos da Lei 7.244/84 foram incorporados pela Lei dos Juizados Especiais. As diferenças mais significativas referem-se à competência, que fora ampliada, e à possibilidade de deflagração do processo de execução forçada perante estes.
1.2 Imposição Constitucional
Em decorrência da bem-sucedida experiência dos Juizados de Pequenas Causas, a Constituição Federal de 1988 tornou obrigatória a implantação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Essa é a interpretação extraída da leitura do inciso I do artigo 98 da Carta Magna, que dispõe, in verbis:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penal de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. (Destacou-se).
Assim, a criação dos Juizados, que, na vigência da Lei n. 7.244/84[5], era uma mera faculdade dos Estados, foi erigida à imposição de cunho constitucional.
1.3 Finalidades
Os Juizados Especiais foram instituídos com o objetivo precípuo de ampliar o acesso à Justiça. Nesse sentido, a fim de reverter a desgastada imagem do Poder Judiciário, que vivia sob a pecha da morosidade, do elitismo e dos altos custos, foi idealizada, conforme exposto alhures, uma nova Justiça, voltada para a solução de litígios de menor complexidade e de reduzido valor econômico.
Essa revolucionária Justiça Especial, caracterizada pela celeridade, simplicidade, ausência de custas processuais na primeira instância e desnecessidade de patrocínio de advogado para causas de até 20 (vinte) salários mínimos, possibilitou o resgate da cidadania daqueles que se viam às margens da Justiça tradicional, promovendo uma verdadeira democratização do acesso ao Judiciário.
1.4 Facultatividade para o autor
A grande celeuma suscitada quando da aprovação da Lei n. 9.099/95 girou em torno da obrigatoriedade ou não do jurisdicionado submeter o seu pedido aos Juizados Especiais. É que a Lei 7.244/84, que regia os Juizados de Pequenas Causas e cujos dispositivos foram quase que em sua totalidade transpassados para a Lei n. 9.099/95, consignava expressamente, em seu art. 1º[6], o caráter optativo daqueles juízos. Ocorre que o legislador dos Juizados Especiais não repetiu o aludido dispositivo legal, o que levou a doutrina e a jurisprudência majoritárias, à época, a filiarem-se à tese de aplicação obrigatória da novel legislação.
Assim, no princípio, prevaleceu o entendimento de que o jurisdicionado deveria necessariamente ajuizar sua demanda perante os Juizados Especiais, não lhe sendo permitido escolher entre estes e o juízo tradicional, por ser a competência daqueles de natureza funcional, ou seja, competência absoluta que toma por base o critério de juízo. No entanto, esse posicionamento restou superado, de modo que hoje vigora a tese do caráter opcional dos Juizados Especiais Estaduais, o que, em linhas transversas, significa dizer que atualmente prevalece o entendimento de que a competência dos Juizados é relativa. A doutrina e a jurisprudência costumam apontar dois argumentos para embasar esse raciocínio, conforme se passará a expor a seguir.
O primeiro fundamento é de ordem constitucional, porquanto impor ao jurisdicionado que ingressasse com sua demanda nos Juizados violaria garantias constitucionais, como o devido processo legal e o contraditório. Conforme já explanado anteriormente, a Lei n. 9.099/95, ao instituir os Juizados, representou não só a inserção de um novo procedimento no ordenamento processual brasileiro, mas a criação de uma nova Justiça. Essa nova Justiça, criada com o propósito de garantir efetividade à prestação jurisdicional concernente a causas de menor complexidade, diferencia-se totalmente da chamada justiça tradicional.
Com efeito, nos Juizados, somente para citar alguns exemplos, não se admite a citação editalícia ou a prova pericial formalizada. Também se limitou o número de testemunhas, que é de 3 (três) para cada parte, bem como se instituiu um sistema recursal bastante enxuto. Nesse sentido, obrigar o jurisdicionado a ingressar nos Juizados significaria, em certas situações, conduzi-lo, inevitavelmente, ao fracasso.
Ao discorrer sobre o assunto, a Ministra Fátima Nancy Andrighi[7], responsável pela instalação dos Juizados Especiais no âmbito do Distrito Federal, vai além e afirma que a adoção da tese da obrigatoriedade representaria ofensa ao princípio constitucional da isonomia. Confira-se:
[...] é imperioso que se permita ao cidadão a livre escolha da Justiça que melhor lhe aprouver para processar e decidir o seu conflito, sob pena de, assim não se entendendo, tratar de forma desigual o cidadão que é titular de um direito de menor complexidade ou de pequeno valor, quando comparado àquele que é titular de um direito que envolva expressivo valor econômico ou grande complexidade. A Constituição Federal determina tratamento isonômico entre todos os cidadãos; distingui-los pelo valor pecuniário do seu direito ou pela complexidade, impedindo o acesso à Justiça Tradicional daqueles cujos direitos encerrem pequeno valor econômico e menor complexidade, constitui, sem sombra de dúvida, violação à norma constitucional expressa. [...].
Já o segundo argumento está amparado na própria Lei de regência dos Juizados Especiais, que, ao manter, em seu § 3º do art. 3°, idêntica redação do § 2º do art.3º da Lei n. 7.244/84, corrobora a tese da facultatividade. De fato, estatui o mencionado dispositivo legal que: “A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação”. (Grifou-se). Registre-se, ainda, a redação do enunciado n. 1 do Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE[8], o qual dispõe que: “O exercício do direito de ação no Juizado Especial Cível é facultativo”.
Oportuno salientar que, do ponto de vista do réu, não há que se falar em facultatividade, pois, uma vez promovida a sua citação para responder a uma demanda proposta em seu desfavor nos Juizados, este necessariamente deverá se submeter ao procedimento sumaríssimo.
Noutro giro, consigne-se que, nos Juizados Especiais Federais, diferentemente do que ocorre nos Juizados Estaduais, a competência, por força do disposto no §3º[9] do art. 3º da Lei n. 10.259/2001, é absoluta, o que significa que, se, no foro, houver Vara do Juizado Especial Federal e sendo a matéria afeta à competência da Justiça Federal, não haverá para o autor opção de escolha, devendo a demanda necessariamente ser ajuizada perante o Juizado.
1.5 Aplicação subsidiária do Código de Processo Civil
A parte cível da Lei dos Juizados, diferentemente do que ocorreu em sua parte criminal (art. 92[10]), não trouxe um dispositivo que autorizasse, de forma genérica, a aplicação subsidiária do CPC à Lei n. 9.099/95. Na verdade, somente três artigos da parte cível da Lei n. 9.099/95 fazem referência expressa ao CPC: o art. 30, ao dispor que a arguição de suspeição ou de impedimento do Juiz se processará na forma da legislação em vigor (CPC); e os arts. 52 e 53, os quais determinam a aplicação do CPC, no que couber, às execuções de título judicial e extrajudicial, respeitadas as alterações trazidas pela novel legislação.
No entanto, em que pese a omissão legislativa, prevalece o entendimento de que o CPC é aplicável subsidiariamente em tudo que não resulte ofensa ao espírito da Lei dos Juizados. Tal entendimento decorre tanto da natureza especial da Lei n. 9.099/95, bem como da impossibilidade de se imaginar a existência de qualquer microssistema cível sem o CPC. Não fosse assim, conforme bem observado por Cândido Rangel Dinamarco[11], “cada lei processual especial precisaria ser um outro Código, contendo regras sobre partes, legitimidade, representação, atos processuais, formas etc”.
1.6 Competência
A Constituição Federal, conforme disposição contida no inciso I do artigo 98, outorgou aos Juizados Especiais Cíveis a competência para o julgamento e a execução de causas de menor complexidade. Coube, no entanto, à lei infraconstitucional o papel de delimitar o alcance da expressão causas de menor complexidade. Com efeito, dispõe o art. 3º da Lei n. 9.099 que:
Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
Observe-se que o legislador se valeu de dois parâmetros para definir a competência dos Juizados: o primeiro, refere-se ao valor (inc. I); o segundo, por sua vez, corresponde à matéria (incs. II, III e IV).
É imperioso salientar que, no que tange às competências enumeradas nos incisos II e III (causas que comportam o procedimento sumário em razão da matéria e ação de despejo para uso próprio, respectivamente), não há limitação para o valor da causa[12], ou seja, a demanda pode ser processada perante os Juizados mesmo que o seu valor ultrapasse a seara dos 40 (quarenta) salários mínimos.
Já no que se refere à competência delineada no inciso IV, o legislador mesclou os dois critérios supracitados, ao dispor que os Juizados são competentes para o processamento das ações possessórias de bens imóveis (matéria), desde que não superiores a 40 salários mínimos (valor). Todavia, há hipóteses em que, mesmo atendidos os critérios enumerados no art. 3º da Lei, a Lei n. 9.099/95 não será aplicada. É que o § 2º do mencionado artigo exclui expressamente a competência dos Juizados nas causas que envolvam matéria alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, acidentária, bem como nas relativas a resíduos e ao estado e à capacidade das pessoas.
Noutro giro, em se tratando de execução, inovou a Lei n. 9.099/95 ao atribuir aos Juizados, em seu § 1º do art. 3º, não só a competência para executar os seus próprios julgados, como também os títulos executivos extrajudiciais de até 40 salários mínimos. Nesse sentido, oportuno é o ensinamento de Felippe Borring Rocha[13], ao destacar que a execução sequer era tratada no texto original da Lei n. 7.244/84. Assim, originalmente, os Juizados de Pequenas Causas só dispunham de competência para julgar processos de conhecimento, de modo que eventual execução da sentença deveria ser promovida perante as Varas Cíveis, mediante prévia extração de carta de sentença.