Resumo: O terrorismo tem causado sérios aborrecimentos à sociedade internacional. Desde o atentado ocorrido nos Estados Unidos da América em 11 de setembro de 2001, o mundo nunca mais seria mesmo. Diante de uma situação de instabilidade, as sanções passaram a ser bruscas e, muitas vezes, direitos vitais, como os Direitos Humanos, passaram a sofrer, inadvertidamente, restrições. Como consequência, compreender o terrorismo e a forma eficaz de combatê-lo passa por compreender o que significa, realmente, a aplicação do sistema de tutela dos Direitos Humanos, a maneira de efetivação da legislação internacional, bem como a forma como devem se portar o Estado e a Comunidade Internacional perante tal quadro.
Palavras-chave: Terrorismo, Direitos Humanos, Legislação Internacional
Sumário:Introdução. 1. Direitos Humanos: lineamentos de sua estrutura e evolução. 2. A “avalanche” terrorista: de suas origens ao “modus operandi”. 3. A legislação internacional e o enfrentamento do problema. 4. Combate ao terror e direitos humanos: uma difícil conciliação. Conclusão. Referências.
Introdução
Tem sido notório nos últimos anos a representatividade adquirida pelas implicações jurídicas dos atos de terrorismo internacionais, até devido a sua recente assiduidade.
Havendo ciência dessa realidade, necessário é o entendimento desse fenômeno que tanto afeta a produção pontual da legislação internacional e das legislações internas, persistentes em delimitar o tema.
Com o objetivo de satisfazer a devida intelecção desse fenômeno global e suas implicações quanto aos interesses jurídicos por ventura ofendidos, estrutura-se o presente artigo de forma a confrontar tal evento com o seu principal rival assim oposto na cruzada ocidental que se desenvolve: os direitos humanos.
Tudo começa pela análise conceitual dos direitos humanos, retratando-se sua evolução legislativa e histórica, passando ao entendimento do fenômeno terrorista, enfocando tópicos tais quais suas raízes ideológicas e sua forma de atuação e estruturação como operação de base.
A legislação internacional combativa a esse fenômeno será abordada oportunamente, com o intuito de se ligar os dispositivos anunciados com os fins visados, reflexos de ataques terroristas, que receberão a devida consideração prática quando a abordagem técnico-jurídica demandar tal exigência.
Por fim, realizar-se-á a confrontação entre o fenômeno terrorista e a proteção sempiterna pretendida dos direitos humanos. Por meio desse processo é que se procura averiguar a viabilidade de prospecção do fenômeno terrorista, uma vez que a proteção dos direitos humanos pode se revelar (ou não) o verdadeiro epicentro de equilíbrio para a efetiva neutralização desse fenômeno que tanto incomoda os Estados atuais.
Nesse caminho a ser percorrido, diferentes posições serão enfocadas acerca do papel que a preservação dos direitos humanos representa perante o combate ao terrorismo. Os delineamentos da ação terrorista serão mais conhecidos à medida que o sopesamento da estrutura guardiã dos direitos humanos revele-se mais densa, restando imperativo enfatizar que as controvérsias apontadas acerca do tema podem revelar um norte para o esclarecimento do tema (uma melhor visualização do evento terrorista e o papel que a preservação dos direitos humanos exerce no contexto estudado), sem se ignorar que outras alternativas podem ser levantadas em caráter conclusivo.
1. Direitos Humanos: lineamentos de sua estrutura e evolução.
Os Direitos Humanos passaram por uma difícil e conturbada evolução histórica.
Da Antiguidade, são oponíveis seus primeiros delineamentos conceituais, e estabelecidos pelos gregos, como se pode observar na obra Antígone, de Sófocles.
Já durante a Idade Moderna o contorno torna-se mais massivo, podendo ser celebrado Francisco de Vitória, considerado, por muitos, um dos pais do Direito Internacional, como aquele que de forma mais concreta engendrou a noção preliminar do que hoje se entende por “Direitos Humanos”, retomando e, ao mesmo tempo, reforçando os esboços conceituais dados pela doutrina aristotélico-tomista (MACEDO, 2012, p. 10-11):
Quando o dominicano indaga se os índios, antes da chegada dos espanhóis, possuíam a propriedade pública e privada de suas terras, ele não investiga a personalidade jurídica internacional dos índios, mas simplesmente a personalidade jurídica. Porque, em caso afirmativo, os conquistadores não poderiam despojá-los de seus bens, e as teses do Requerimento de Burgos não se aplicariam. As atenções de Vitória não se voltam a uma suposta diferença entre propriedade pública e privada, mas à capacidade jurídica dos índios. Ele não busca comprovar o caráter estatal das comunidades dos bárbaros do Novo Mundo, e sim a natureza plenamente humana dos indivíduos que a compõem.
(…)
Já que o direito natural se aplica a todas as nações e se origina de um instinto natural, deve existir algo em comum a todas essas palavras: a raiz comum, o verbo nasci. O direito natural constitui, pois, um direito “de nascimento”, que “nasce” junto com o homem, e não por uma convenção legislativa.
Os séculos XVII e XVIII revelaram-se estágios intermediários na evolução, ganhando voz a concepção ligada a um racionalismo baseado no conceito da denominada “natureza das coisas”, como enfatiza Guido Fernando Silva Soares (2004, p. 340), uma das bases da filosofia iluminista, e desenvolvida por filósofos do escol de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.
As revoluções burguesas que se sucederam lograram fundamentar ainda mais as teses ainda insípidas acerca dos Direitos Humanos e sua exigibilidade. Nesse sentido, foram através delas que normas ligadas ao que hoje se conhecem por Direitos Humanos passaram a encontrar acolhida em cartas de regência estatais, assumindo indubitável potência dita à norma constitucional. A Declaração da Virgínia, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, ambas datados de 1776, bem como a Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão, efetivada em 1789, são exemplos de estruturas normativas cuja produção nomogenética compromissou-se em proteger direitos inerentes, ou bill of rights, na expressão anglo-saxônica, perante arbitrariedades de um poder soberano de natureza e legitimidade dúbias.
Persistiram, ainda, durante o século XIX, iniciativas paliativas de fortalecimento de uma estrutura de apoio ao reconhecimento dos Direitos Humanos, como as limitações logradas ao tráfico negreiro, a concessão de condições menos rudimentares ao trabalhador após a passagem das 2 Revoluções Industriais, a proteção e instauração de negociações diplomáticas estritamente voltadas a nacionais isolados juridicamente no estrangeiro, contudo, foi no início do século XX que a humanidade foi obrigada a tomar uma decisão mais ativa sobre o contexto analisado.
A eclosão das guerras totais, representadas pelas Primeira e Segunda Guerras Mundiais, fomentaram um caminho sem volta à sociedade internacional: ou é abandonada a timidez da Liga das Nações e se conserta um sistema efetivo de direitos, ou a humanidade se autodestruirá, apegada a normas paliativas que cedem chancela aos campos de concentração, tais quais verificados sob domínio nazista.
Apesar das persistentes deficiências técnicas, optou-se por um sistema mais rígido e participativo, expresso pela regência da Organização das Nações Unidas[1] que, diante da carnificina, em 1948, deu azo a publicação do grande diploma contemporâneo afeito aos Direitos Humanos: a Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Flávia Piovesan (2002, p. 01) é bem feliz quando analisa a roupagem contemporânea dos Direitos Humanos, expressa por essa Declaração de 1948:
Introduz ela a concepção contemporânea de direitos humanos, caracterizada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos. Universalidade porque clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a dignidade e titularidade de direitos. Indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais e vice-versa. Quando um deles é violado, os demais também o são. Os direitos humanos compõem assim uma unidade indivisível, interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.
Em seguida fomentou-se um processo natural de “juridicização” da Declaração de 1948, com a elaboração de tratados que fizeram valer todos os direitos que formam o conjunto chamado Direitos Humanos (PIOVESAN, 2002, p. 03): Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), além do Protocolo de San Salvador (1999). A jurisdição doméstica exclusiva passou a se confrontar com o interesse internacional de intervenção em prol dos Direitos Humanos, notando-se uma revisão da noção de soberania absoluta e surgindo com mais força a ideia do indivíduo ser considerado sujeito do Direito Internacional[2].
A partir daí, a evolução não parou. Essa Declaração foi reforçada pela Declaração de Direitos Humanos de Viena, datada de 1993, e passou a receber diversos mecanismos concretos de apoio à efetivação dos direitos por óbvio tutelados. Por conseguinte, desenvolveu-se em âmbito continental Comissões de tutela dos Direitos Humanos, como é observável na Organização dos Estados Americanos[3] e na União Europeia[4], além da estruturação de mecanismos de controle e aprimoramento da efetiva aplicação das normas internacionais (SOARES, 2004, p. 355-357), como os mecanismos convencionais (comunicações, relatórios e investigações) e os não convencionais (petições diretas dos indivíduos aos entes de proteção aos Direitos Humanos, sendo destacável a dispensa de aceitação pelos Estados dos mecanismos instituídos).
Diante desse quadro apresentado, é que se pode, com maior segurança, fornecer uma descrição mais apropriada relativa à abrangência dos Direitos Humanos (SOARES, 2004, p. 335-336):
(…) foram concebidos tendo em vista uma situação de paz, quer dizer, de normalidade interna, em que o Estado poderia estabelecer e realizar seus fins, sem excepcional influência de fenômenos externos ou interveniência de outros Estados, portanto, tendo por campo de atuação o próprio ordenamento jurídico nacional, naqueles casos em que os indivíduos colocavam-se em face do Estado sob cujo ordenamento encontravam-se submetidos, seja por força de sua nacionalidade, seja pelo fato de nele estarem fisicamente localizados (domicílio ou residência).
Outrossim, agora é possível estabelecer um conceito mais palpável atinente aos Direitos Humanos, sabendo-se de seu conteúdo (como estudado) e de seu direcionamento como exigência jurídica internacional, dizendo-se, portanto, que “(...) os direitos humanos são aqueles direitos fundamentais que o homem possui pelo fato de ser humano, por sua própria natureza e pela dignidade que a ela é inerente” (PINHEIRO, 2008, p. 03).
Todavia, esse conceito não permanece inerte e estagnado, merecendo ponderações ainda mais diante do flagelo terrorista que vem se desenvolvendo sobre a humanidade, fator que será analisado adiante.
2. A “avalanche terrorista”: de suas origens ao “modus operandi”
Os atos de terrorismo não se revelam um fenômeno novo. A comoção da atual geração, os atentados de 11 de setembro e a imagem chocante que essa mesma geração guarda daqueles aviões suicidas que atingiram o World Trade Center contribuem para a construção desse fantasma cinzento e intimidatório.
Os Estados Unidos da América, berço da liberdade e da preservação dos direitos mais sagrados ao homem, já contaram com pioneiros na moderna arte chamada “terrorismo”. John Brown pode ser considerado um dos pais do terrorismo moderno, quando, em 1859, assenhorou-se, em um ataque fulminante a Harpers Ferry, Virgínia, do arsenal local, ao mesmo tempo que sequestrou 60 homens para servirem de reféns, matando o prefeito no confronto. Não importa se sua causa era justa – abolição da escravatura, ou se sua intenção de trazer um evento fatal à guerra civil iminente era real, seus meios violavam qualquer noção de respeito aos direitos, questão fulcral de seu pensamento. Abraham Lincoln foi sábio a analisar o embrião da ação terrorista, pensamento que poderia inspirar seus sucessores à reflexão (WRIGHT, 2008, p. 14):
Não foi uma insurreição de escravos. Foi uma tentativa, por homens brancos, de provocar uma revolta entre os escravos, da qual os escravos se negaram a participar. Na verdade, ela era tão absurda que os escravos, com toda sua ignorância, viram muito bem que não podia ter sucesso.
Esse só foi um exemplo selecionado pontualmente. A história do terrorismo é muito antiga, podendo ser apontado como um de seus pontos iniciais a atuação dos sicários no século I d. C., que, sendo judeus extremistas, utilizavam-se de expedientes sombrios e inesperados para assassinar os judeus que contribuíssem com a ocupação romana em Jerusalém (DEGENSZAJN, 2006, p. 17).
Sua evolução ao decorrer do tempo deu-se a mesma proporção que o homem reinventou suas preocupações. Passando pela Revolução Francesa até chegar a Revolução Russa, os hábitos e as formas desenvolveram estratégias singulares, contudo, sua amplitude e repercussão só começou a preocupar a sociedade internacional ao passo que os líderes da mesma passaram a sentir (não pela primeira vez) um sentimento de fragilidade.
A evolução como fato capaz de tontear a dignidade humana se deu com os atentados durante as Olimpíadas de Munique em 1972, e se aprimorou em um ápice técnico e motivacional com o 11 de setembro de 2001. A partir daí, o terrorismo assumiria sua face moderna.
Segundo alguns entendimentos, o terrorismo atual se expressa como uma forma de comunicação, que desafia a legitimidade estatal justamente com fulcro em ideias tidas por libertadoras e reveladoras das diferenças e essências que regem o relacionamento humano, relacionamento este puramente amparado em convenções de matizes diversas e ilegítimas, por não respeitar direitos. Sua força de oposição como forma de poder é articulada (ANDRADE, 2009, p. 130):
Da mesma forma, o terrorismo, enquanto talvez, o principal fenômeno desafiador da legitimidade estatal, deve ser repensado como um fenômeno extremamente globalizado e, ademais, como uma consequência radical da modernidade, no sentido de que, por mais que esteja mascarado por ideologias, tornou-se um fator global de poder a ser considerado e trabalhado na medida em que se tornou um fim em si mesmo, ou seja, na medida em que passou a existir para perpetuar sua existência como poder fático.
A Al-Qaeda, em pouco tempo, passou a ser a organização paramilitar mais famosa do mundo. Sua estrutura mestra, depois do 11 de setembro, passou a ser exemplo para os mais diversos movimentos “tribais” localizados na África, como se observou nos confrontos ocorridos em janeiro de 2013 em Mali, envolvendo Forças Interventivas Francesas (com o apoio do governo do país africano) e os radicais islâmicos mormente situados ao norte do país, sem se esquecer do episódio da invasão de um campo de gás na Argélia por islamitas radicais, que fizeram reféns numa tentativa de causar temor às tropas francesas atuantes na localidade (por sinal, também com respaldo do governo local).
O terrorista contemporâneo, gerado durante o século XX e aprimorado a partir da década de 1980 do mesmo século, baseia-se em métodos que buscam atingir as entranhas do homem civilizado, fomentando sua atuação em roupagens religiosas, que nada mais são do que artifícios ideológicos de propagação do caos.
Como é enfocado por Marco Mondaini (2004, p. 231), o terrorismo utiliza-se da escolha indiscriminada de alvos, da arbitrariedade e imprevisibilidade na realização dos atos, de uso de métodos de ação extremos e cruéis, da indiferença em relação aos códigos morais vigentes, e do caráter sistemático e continuado da ação. Os exemplos citados na África são claros a esse respeito, e o caso dos atentados de Boston, ocorrido em 2013, com significativa participação dos irmãos Tsarnaev, reforça isso, ao mesmo tempo que demonstra o exemplo que pode ser seguido por jovens extremistas.
A religião não passa de um engodo como razão para a prática terrorista. Muitas razões podem ser levantadas para o apogeu terrorista.
As atitudes temerárias tomadas pelos norte-americanos durante a Guerra Fria, mormente no episódio da Guerra do Afeganistão, em que treinaram os futuros Talebans para combater os russos – à época, os mujahedin (e utilizando-se do ódio que os nativos nutriam pelos comunistas devido às atrocidades que eles cometiam em seus territórios anexados[5]), por meio de injeção de recursos via ISI (Inter-Services Intelligence, ou Agência de Inteligência Paquistanesa), sem o conhecimento dos rebeldes, concatenou uma série de eventos desafortunados, como o ódio ao Ocidente e a proliferação da cultura do ópio, incluindo os Estados Unidos da América como vítima de sua própria trama (DEGENSZAJN, 2006, p. 122-123):
A economia da guerra crescia progressivamente e passou a demandar novas fontes de financiamento. Com isso, os tentadores cultivos de papoula na Ásia central começaram a atrair os interesses da CIA, por intermédio da ISI. Os investimentos realizados fizeram a produção do ópio crescer e a introdução de novas técnicas de refino para a produção de heroína transformaram a economia agrária do Afeganistão no maior fornecedor de heroína do mundo, respondendo por 60 por cento do mercado consumidor de drogas nos Estados Unidos, gerando um lucro estimado entre 100 e 200 bilhões de dólares (ibidem: 112). A rota comercial clandestina aberta pela transferência de recursos para o Afeganistão e para o escoamento de heroína também beneficiou outros fluxos de produtos que passaram a ser contrabandeado para o Afeganistão. A manutenção dessa imensa estrutura clandestina de guerra tinha altos custos com intermediários, que passaram a drenar a maior parte dos recursos, restringindo o montante que chegava até os mujahedin. Com a escassez de recursos que obtinham, os mujahedin passaram a depender de doações voluntárias de indivíduos e organizações árabes que sustentaram a ação dos grupos até o final da guerra.
(...)
“Quando os muçulmanos descobriram, após o final da guerra, que os Estados Unidos haviam manipulado a Jihad anti-Soviética, eles se sentiram humilhados. Esse sentimento contribuiu significativamente para o ódio nutrido por grupos islâmicos armados em relação aos Estados Unidos” (Ibidem: 115)
Bem treinados, os terroristas foram ensinados pelos seus próprios algozes[6], e, como não poderia deixar de ser, ainda mais em um mundo globalizado, passaram a se utilizar das modernas técnicas de financiamento via operações bancárias continentais e complexas para manter seu arsenal de destruição. Aqui serve o alerta de Priscilla Donato, ao enunciar que existem algumas recomendações a serem seguidas pelo setor financeiro internacional com escopo de evitar a volatilidade de movimento dos recursos terroristas[7] por entre contas bancárias (DONATO, 2010, p. 132), podendo-se citar, a título exemplificativo, o congelamento de fundos de entidades sem fins lucrativos e suspeitas de manter algum tipo de ligação com o terrorismo.
Outrossim, a utilização da religião como forma de propagação do terror merece acolhida.
Permita-se aqui discordar de parte da doutrina que entende ser o combate antiterror o resultado de duas crenças antagônicas e intolerantes (TEIXEIRA, 2011, p. 53-54):
(…) as ambições estadunidenses não se restringem ao domínio cultural, econômico, político e militar, pois o maniqueísmo adotado pela política externa estadunidense do governo Bush Jr. fez com que a questão de fundo residisse em uma afirmação dos valores judaico-cristãos diante de qualquer religião que os negasse. Tratava-se da retomada de uma argumentação utilizada há quatrocentos anos quando a Respublica Christiniana buscava afirmar sua auctoritas suprema sobre todos os povos. O argumento “eixo do Mal”, cunhado pela administração Bush Jr., demonstrava que a humanidade encontra-se dividida entre fiéis e infiéis.
O que se verifica é a utilização do fanatismo religioso, em outras palavras, da ignorância do próximo, para se efetivar um movimento antiestatal, e antipoder regularmente constituído. Não se afere, no caso concreto, a ideia de fazer prevalecer uma crença porque se tem a consciência que isto é fator que levará a humanidade a um estágio superior em sua evolução (como se verificava nos mais internos sentimentos da maioria dos Cruzados medievais), mas utiliza-se da mesma como subterfúgio para se angariar fantoches humanos que destruam o próximo em nome de uma causa que não é genérica, e sim pessoal, qual seja, criação de um poder paralelo que gere riquezas paralelas. Diogo Andrade (ANDRADE, 2009, p. 132) faz um pertinente apontamento acerca desses centros de poder informais:
(...) a autoridade jurídica vive seu ponto-chave de legitimação. Nesse sentido, concebê-la como um meio de comunicação que se legitima no plano fático e não valorativo é fundamental para controlar os procedimentos de sua decisão, garantindo que, por meio da ação comunicativa, que não ignora a existência de centros de poder informais na esfera pública, se neutralize a influência negativa do terrorismo e se permita a criação do direito direcionada aos anseios da sociedade civil, entre eles o de segurança institucional.
Em outros termos, diz-se que o terrorismo em suas faces atuais é um fenômeno do mundo globalizado, cujas principais causas são o erguimento de causas particulares a patamares superiores e erros estratégicos cometidos pelo Ocidente ao decorrer das últimas décadas. Por hora, é de bom alvitre enfatizar que o fim da polarização Estados Unidos da América – União Soviética no Pós-Guerra Fria, contribuiu para a concentração dos olhares terroristas no Ocidente, principalmente no último prevalecente daquela relação dual.
Diante do todo explicitado, pode-se pensar em conceito apropriado para o terrorismo. A legislação brasileira, por exemplo, ainda não definiu de forma específica os crimes de terrorismo. Nesse sentido, cabível trazer à baila a abordagem dada pelo art. 2º, n. 1, da Convenção das Nações Unidas para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto 5.640/2005:
Artigo 2º
1. Qualquer pessoa estará cometendo um delito, em conformidade com o disposto na presente Convenção, quando, por qualquer meio, direta ou indiretamente, ilegal e intencionalmente, prover ou receber fundos com a intenção de empregá-los, ou ciente de que os mesmos serão empregados, no todo ou em parte, para levar a cabo:
a) Um ato que constitua delito no âmbito de e conforme definido em um dos tratados relacionados no anexo; ou
b) Qualquer outro ato com intenção de causar a morte de ou lesões corporais graves a um civil, ou a qualquer outra pessoa que não participe ativamente das hostilidades em situação de conflito armado, quando o propósito do referido ato, por sua natureza e contexto, for intimidar uma população, ou compelir um governo ou uma organização internacional a agir ou abster-se de agir.
A primeira alínea é o produto de um conjunto fragmentado de tratados que abordam as formas específicas de terrorismo, podendo ser caracterizada a segunda alínea como uma tentativa de se dar uma definição geral do que se pode considerar crime de terrorismo (OETER, 2006, p. 220). Esta última parte se constitui uma inovação importante, “(...) uma vez que é a primeira formulação até agora alcançada de um consenso quanto ao ‘uma’ de uma definição geral de terrorismo” (OETER, 2006, p. 220). Não obstante, é ainda pouco para a configuração mais concreta em termos típicos do que configura a figura ilícita do terrorismo, o que, indubitavelmente, prejudica o sancionamento mais eficaz da conduta retratada.