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A crise do sistema político brasileiro

Agenda 28/11/2013 às 07:25

Nosso sistema político não cuida de aperfeiçoar instituições como a representação política e o sufrágio, depondo antes toda a carga política em pessoas e em responsabilidades pessoais.

As elites políticas brasileiras são incompetentes para governar e zelar pelos interesses do país. São elites oligárquicas, provincianas, caipiras, egoístas, mais preocupadas com o círculo estreito da família que com o interesse coletivo de uma nação. E isso ainda torna atual a observação do Padre Antônio Vieira de que no Brasil "cada família é uma república". Mas além da estreiteza de vistas dessas "elites", do limitadíssimo horizonte intelectual e político, são também sabotadoras do esforço honesto do país em se arrancar, a si próprio, do atraso político, social, econômico, civilizacional, enfim.

A nossa "aristocracia" governante dirige um Estado não sob o império da lei, mas da vontade tacanha de homens sem preparo para guiar os destinos de um imenso país e de uma numerosa população como a brasileira. Nossos dirigentes (políticos, gestores públicos, tecnocratas, formadores de opinião etc.) não estão à altura dos ideais morais e dos sonhos de perfeição da sociedade brasileira. E, infelizmente, ainda não conseguimos reunir condições para destruir essas forças locais e exclusivistas que sabotam as melhores energias do nosso povo e que de posse do aparato estatal transformam seus estreitos interesses em leis e em justiça. A substância do sistema legal é a proteção de algum status quo dado e sua estrutura será sempre o resultado de uma luta para ampliar uma base existente de privilégio.

Ao dizer que "ainda não não conseguimos reunir condições para destruir essas forças locais e exclusivistas" estamos a indicar que não podemos censurar a democracia pelos defeitos e fragilidades políticas de um Estado democrático. A crítica se volta para o próprio povo, para o corpo político dos cidadãos abandonado em seu "sono dogmático", incapaz de ligar causa a efeito. As instituições democráticas, como diz Popper (1974, p. 127), não podem aperfeiçoar a si mesmas. Seria exigir, como no conto do Barão de Münchhausen, que instituições impessoais se arranquem a si próprias da ineficiência e da inoperância. O problema de aperfeiçoá-las é sempre um problema das pessoas e não das instituições. Mas, se quisermos aperfeiçoamentos, devemos deixar claro quais as instituições que desejamos aperfeiçoar.

Fincada como está em origens oligárquicas e locais, nossa classe política e dirigente revela-se incapaz (do ponto de vista intelectual, moral e político) de pensar um projeto nacional. Essa falta de vontade nacional e desse palpável sentimento de incapacidade tendem a ser disfarçados com programas e projetos megalomaníacos, mas sem estudo e planejamento, não passam de fracassos econômicos que consomem riquezas inexistentes, defraudando as gerações presentes e futuras.

O povo brasileiro está sempre na contingência de tolerar os piores líderes enquanto aguarda os melhores. Isso nos leva a uma pergunta sabiamente formulada por K. Popper (1974, p. 121-122): como poderemos organizar as instituições políticas de modo tal que maus ou incompetentes governantes sejam impedidos de causar demasiado dano? Não constitui um privilégio do Brasil a presença de governantes e líderes ruins. Raras vezes, nos diversos países, os governantes têm estado acima da média, quer moral, quer intelectualmente, e muitas vezes abaixo dela. E por isso, talvez seja razoável adotar o princípio de preparar-nos para o pior, da melhor forma possível, embora devamos ao mesmo tempo, procurar obter o melhor.

E esse "preparar-nos para o pior" é cercar-nos de instituições que, de alguma forma, controlem as forças políticas constituídas (neutralizando os efeitos danosos das más e secundando as boas). Onde existe poder conjugado com o seu exercício, faz-se indispensável a existência de controle para evitar o seu desvirtuamento ou aviltamento. É inerente à condição da autoridade o abuso do seu poder, a menos que se veja rodeada, constantemente, de mecanismos de controle. E é por isso que nenhuma democracia moderna sobrevive e se desenvolve se não contar com uma série de mecanismos de controle, fiscalização, vigilância e responsabilização. Para isso, existem instituições que são predispostas constitucionalmente para "defender o regime democrático" ou para exercer uma espécie valiosa de "vigilância democrática" (ou "guardiania", na terminologia de Robert Dahl, 2012, p. 86).

E por que razão os governantes, em regra, não são sempre os melhores, os mais sábios e os mais competentes? Talvez pelo fato de que a posse do poder, invariavelmente, rebaixa o livre julgamento da razão. Dificilmente um indivíduo que alcança o poder conserva intacta a mentalidade que possuía quando era um simples pretendente. O governante deslumbra-se com seu próprio poder, excelência e sabedoria, esquecendo da velha lição socrática: o reconhecimento das próprias fragilidades e limitações como ser humano. A máscara do poder o faz se sentir intocável, superior, quase divino. E isso revela que o papel desempenhado pela razão na política é muito mais reduzido do que sempre se acreditou.

Na prática, governar é muito menos uma questão de conhecer o que há de mais perfeito a se fazer e se guiar por isso, do que de persuadir os seres humanos médios, obstinadamente arraigados em hábitos convencionais de pensamento e ação, a realizar o que a falível inteligência, com dados incompletos, julga necessário ou desejável no momento (Becker, 1944, p. 106-107). A política prática não lida com o ideal, mas com o possível. É a arte do possível.

Inserido neste contexto, o problema do governo democrático situa-se numa questão: a de encontrar homens aptos para o manejo do aparato estatal e capazes de produzir o bem-estar da sociedade governada. Qualquer sistema de governo, no sentido moderno, supõe um corpo de pessoas experientes que trabalhem pela felicidade de grandes massas da população, que, em princípio, não se preocupam nem demonstram interesse em conhecer o processo político.

No Brasil, ainda subsiste os velhos e defeituosos sistemas do patronato, com uma quantidade abusiva de cargos públicos de confiança e em comissão espalhados por todos os entes políticos: União, Estados e Municípios. O mérito que deveria ser a base para a admissão no serviço público e fator predominante em toda promoção, ainda é violado mesmo nos concursos públicos. E como diz Harold Laski (1932, p. 05), as funções de uma comunidade civilizada são demasiados complexas e múltiplas para serem abandonadas ao cego arbítrio dos impulsos primitivos.

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A característica saliente da vida brasileira em relação à classe política, na atualidade, é de ceticismo e de frustração. Isso porque o trabalho angustioso pelo pão diário, os tributos excessivos e o penoso aperfeiçoamento cultural de nossa gente não são transformados em serviços de qualidade na saúde, na segurança pública, na educação, no mercado de trabalho e em diversos outros setores que sofrem a influência direta do Estado. É como se houvesse um "sabotador oculto" desviando ou sugando toda a energia vital do país.

A administração municipal brasileira, por exemplo, tem se revelado nos últimos 25 anos um clamoroso fracasso. A maioria absoluta dos 5.600 municípios brasileiros se parecem, no que tange ao governo local, mais com as vilas da era colonial do que com organismos apropriados para a técnica da administração moderna. O protótipo de civilização desses municípios (de pequeno e médio portes) se personifica no servidor público municipal com renda e estabilidade garantidas pelo acanhado cargo que ocupa.

E se pensarmos sobre os louvores lançados pelos grandes teóricos do pensamento democrático (Laski, 1932, p. 154; Maritain, 1966, p. 71; Simon, 1955, p. 130-132) ao governo descentralizado e local, ou seja, no caso da federação brasileira, o governo municipal, temos sérias razões para nutrir sentimentos de desânimo.

Esses rasgos de frustração, pessimismo e ceticismo estão mais próximos do fim de uma ordem social do que da expansão do princípio democrático. As formas do sistema político têm se revelado tão rígidas em seus delineamentos que a adaptação às novas exigências sociais resulta dificílima. Essas formas defasadas diante da nova realidade não conseguem romper com a tradição (autoritária e oligárquica) ou negar a vigência dos interesses enraizados criados e mantidos por elas.

O ambiente da classe governante está tão distante da classe governada (esta não se sentindo absolutamente representada) que um observador atento diria tratar-se de dois mundos diferentes. O equilíbrio instável entre esses dois mundos só pode manter-se enquanto o barco do Estado navegar em águas tranquilas (economia forte, renda e emprego em alta, inflação sob controle, segurança pública, bons serviços públicos, aumento do bem-estar material etc.). Mas quando as águas se agitam, o suposto equilíbrio vira matéria de reflexão (ou de protestos de rua).

É interessante observar, sem nenhuma intenção divinatória, que os persistentes protestos de rua (desde junho de 2013) sintetizam um descontentamento medular do povo com a gestão do país pela classe política. Esse descontentamento apresenta, de manifesto, aqueles rasgos que caracterizaram o início de movimentos revolucionários de épocas passadas. Obviamente, essa faísca não encontra ambiente propício para se propagar, pois há um governo constituído, a legislação é, bem ou mal, aplicada, os direitos reconhecidos, há normalidade econômica, o nível de emprego não é dos piores. Não há, enfim, uma atmosfera de impulsos frustrados, as demandas quando impelidas pela força do número ou por meios organizados, embora diferidas, encontram resposta. Há, portanto, uma relativa normalidade institucional.

O grau com que o governo e o Estado permitem a crítica aberta de sua autoridade é o índice mais seguro de seu poder legítimo. Via de regra, proibir a liberdade de expressão dos cidadãos é estimular agitações clandestinas. A liberdade de expressão unida à de reunião, pressuposta por aquela, constitui, ao mesmo tempo, uma catarse dos descontentes e uma condição básica para formular uma reforma necessária. Os governos aprendem sempre mais da crítica de seus adversários que dos elogios de seus aliados. Impedir essa crítica (Laski, 1932, p. 140), por meios violentos ou coercitivos, significa preparar sua própria destruição.

Os protestos de rua, embora revelem aquela reserva de poder presente na sociedade, não escondem a relativa apatia política do povo. Qualquer concepção de sociedade moderna e massiva, revela o vasto número de indivíduos alienados da estrutura do Estado e do governo. Permanecem confinados, obstinadamente, na estreita esfera de seus interesses privados. Não manifestam nenhum esforço para acompanhar o rumo das correntes gerais da vida social e coletiva, e muito menos para apreciar a influência dessas correntes. Contemplam os acontecimentos políticos como se fossem dramas nos quais não participam ou em que seus destinos não sejam dependentes. Não lhes interessam os atos nem as cenas, sendo incapazes de relacionar causas e efeitos. Anseiam, apenas, que seus assuntos privados permaneçam intactos e indevassáveis a qualquer ingerência pública.

A liberdade, todavia, só pode ser eficazmente defendida e protegida quando o cidadão se preocupa com a política e os rumos que os governantes dão à estrututa do Estado, ao invés de nutrir sua indiferença ante ela (política). Como diz Laski (1932, p. 37), a complexidade do Estado moderno não entrega seu segredo sem o assédio de largos estudos. E também não se poder dizer que os cidadãos de uma democracia possuem poder, até que sejam educados e capacitados para usá-lo.

O que faz do homem um cidadão é a faculdade de pensar. E por isso se define cidadania como a contribuição da reflexão consciente de cada um ao acervo comum do bem-estar público (Laski, 1932, p. 129). Não existe nenhuma divisão tão fundamental no Estado moderno como a que é traçada entre os que têm o controle da cultura e os que carecem deste privilégio. O poder pertence a quem pode compreender e formular ideias. Um cidadão incompleto, sem educação e cultura, não terá oportunidade de intervir, com sua vontade, na consecução dos resultados do processo político. Naturalmente, no mundo moderno, o cidadão carente de instrução, será escravo da vontade dos demais, porque não terá habilidade para convencer a seus semelhantes. Não alcancará a plenitude de sua personalidade. Seguirá, ao longo da vida, como um ser insignificante cujos impulsos não foram ordenados pela razão guiada pela experiência.

Num Estado em que a atitude dos cidadãos carece de espírito crítico frente ao governo, a manutenção dos direitos e da liberdade se torna difícil. Uma situação de protesto ou de mobilização pode ocasionar eventuais desordens, mas deixa claro ao governo da necessidade de manter-se atento à opinião pública que rodeia suas ações. Os homens que preferem o caminho da tranquilidade e da ordem perpétuas ao invés do protesto organizado ou da mobilização regular, perderão, cedo ou tarde, o hábito da liberdade; porque, no fim das contas, a responsabilidade dos governos decorre menos das leis que obedecem que do espírito de oposição lançado contra suas ações.

De fato, como destaca Harold Laski (1932,p. 92/160), uma opinião pública, instruída e organizada, vale mais para este fim (tornar responsável o governo) que todo o sistema de freios e contrapesos formulado pelos filósofos políticos, porque assim como degeneram os governos, se não se lhes força a viver num nível elevado, se aperfeiçoam e se dignificam quando encontram, viva e em pé, como um alerta, a inteligência dos homens.

O caráter dos governantes está sempre em função do caráter geral do povo. Qualquer que seja o sistema de freios e contrapesos, somente a pressão das forças totais de uma comunidade determinará esse caráter. Dito de outro modo, o Estado reflete a integridade do ambiente social em que se move e não apenas a um aspecto particular desse ambiente.

Firma-se, cada vez mais, a ideia de que o futuro das sociedades democráticas dependerá cada vez mais do desenvolvimento de uma sociedade civil ativa. E sobre esta ideia geral, há uma clara tendência de transformar o cidadão de “expectador passivo” em ativo participante em toda a cadeia das políticas públicas (do planejamento à implementação). Uma participação em todo o processo de tomada de decisões sob a forma de um diálogo produtivo (e não apenas de consulta e informação), instaurando uma nova cultura participativa: ao invés da mera reivindicação, ter-se-ia uma postura de participação e cooperação efetivas.

De qualquer forma, eventual distúrbio nos fundamentos de um sistema político pode ser o início de uma aventura de resultados imprevisíveis. E se não há um risco maior de uma revolução armada, até porque a democracia fornece um arcabouço institucional ("institutional framework") que permite a reforma sem violência (Popper, 1974, p. 04-126), há claramente em curso uma revolução espiritual e moral, como decorrência do aprofundamento do princípio democrático. É o anseio de muitos por se libertar de uma "velha política", da tutela política marcada pela inoperância e pela incompetência, rejeitando uma autoridade oligárquica tradicional.

Essa velha política gerencialmente inapta, visceralmente corrupta em suas alianças e arranjos, já não desperta o assentimento popular e certamente não romperá o futuro se se mantiver nesse nível. Por conta disso, o povo brasileiro nutrido sob as asas autoritárias do Estado, começa a descobrir o processo de se organizar por seu próprio esforço, que é uma característica dos povos democraticamente amadurecidos. E esta auto-organização leva, inevitavelmente, à contestação dos métodos e fins sustentados pela velha maneira de "fazer política" das elites oligárquicas. Onde esses movimentos sociais foram rotinizados, a ação comum em relação aos objetivos políticos foi grandemente facilitada.

Para se alcançar esse grau de perfeição política, cujo ponto alto é se livrar desse tecido necrosado que é a política oligárquica, um longo caminho deve ser percorrido. E o caminho não só é longo, mas sinuoso e coleante, subindo e descendo, para a direita e para a esquerda. Isso porque os métodos de sobrevivência política já estão inscritos no DNA dessa classe política e nenhum meio é suficientemente censurável que não possa ser esgrimido nessa luta de vida e de morte.

As castas oligárquicas que participam dos privilégios do poder podem, às vezes, inclinar-se a fazer alguma concessão ao interesse coletivo, mas, em todo caso, defenderão sempre, até o extremo, as posições de sua cidadela interior, pois estão habituadas ao domínio e ao privilégio. Como diz Robert Alan Dahl (2012, p. 540), as elites políticas em todo o mundo são famosas pela facilidade com que promovem seus próprios interesses estreitos – sejam eles burocráticos, institucionais, organizacionais ou de grupo – em nome do bem comum. Quanto mais livres elas são do escrutínio e do juízo públicos, mais elas parecem ser corrompidas (não necessariamente em nível pecuniário) pelas tentações familiares do poder.

A história da recente democracia brasileira, infelizmente, deve ser enfocada segundo a perspectiva dessa verdade geral: somos reféns de grupos oligárquicos e de uma vexatória política de concessões (vez ou outra, insinua-se a política do panen et circenses – disfarçada em políticas emergenciais de distribuição de renda). Mas a grande questão não é esta, ou seja, reconhecer o problema, mas combatê-lo, desalojando esses grupos do lugar onde estão, pois alojados nesta posição quase hereditária preferem lutar até à morte antes de abdicar de seus privilégios. E como eles têm as armas essenciais nas mãos (corpos legislativos, corpos de segurança do Estado, sistema educativo, imprensa, burocracia etc.), fica fácil manter a posição. E nesta empreitada vale tudo, inclusive, sabotar as pretensões de riqueza e grandeza do país.

Essas elites oligárquicas, todavia, se defrontam com uma conjuntura que, talvez, seja a responsável por sua desintegração: não compreendem e não têm a capacidade de atender às demandas feitas pela sociedade. Essas demandas sempre crescentes representam uma nova sociedade que está lutando para nascer do ventre da velha. As elites já estabelecidas resistem, naturalmente, para evitar o nascimento. Todavia, se estas formas políticas estabelecidas não são suficientemente flexíveis para dar espaço ao novo corpo, o impulso deste terá de forçá-las violentamente (o exemplo das manifestações populares de junho de 2013 estão aí para dar o sinal de alerta).

A impotência, para não dizer a decadência, de nosso sistema político se deve à sua incapacidade em incorporar um novo espírito diferente do que está condenado a conter, dadas suas características oligárquicas. Esse novo espírito traz consigo seu próprio sentido de valores (coletivos, universais), sua afirmação de uma escala de direitos contrária à velha (com sua concepção atômica da vida social). E ao que parece, a inércia das massas (Laski, 1950, p. 61) não continuará a ser uma aliada na rotina política das elites brasileiras.

Nosso sistema político não cuida de aperfeiçoar instituições como a representação política e o sufrágio, depondo antes toda a carga política em pessoas e em responsabilidades pessoais. Toda estrutura política de longo alcance é institucional. O princípio da liderança pessoal não substitui a impessoalidade das instituições, e ao contrário, cria problemas institucionais, como a escolha do próximo líder (oligárquico ou partidista). Nesta gangorra entre personalismo e institucionalismo, a gestão do país não usufrui do equilíbrio proporcionado por mecanismos políticos sólidos.

Tudo indica que há uma razão especialíssima pela qual, numa crise de confiança nas instituições políticas, as classes dirigentes tenham grande dificuldade para adaptar suas crenças às novas condições que se apresentam. O tipo clássico destas elites dominantes é o oligarca de família tradicional ou ligado a grupos conservadores tradicionais. Seu ambiente político faz dele um instrumento magnífico para alcançar e manter o poder político. O mais em sua personalidade é secundário. Pela ânsia do poder e da manutenção dos privilégios, o oligarca sacrifica tudo. É óbvio que ele tem seu código de conduta, mas esse código não é adaptável aos anseios dos outros estratos sociais. Para ele, todas as atividades convergem simplesmente para a obtenção e manutenção do poder político. Para isso, todos os meios são válidos: alianças, articulações, sabotagem, chantagem, corrupção, fisiologismo, clientelismo etc. Não reconhece nenhuma responsabilidade, salvo com os grupos locais que o apoiam; e não tem nenhuma convicção democrática, exerce o poder sem princípios e a autoridade sem justiça.

Nada na experiência humana nos diz que a democracia não pode sucumbir (e existem precedentes históricos que, claramente, confirmam isso). E esse processo de derrocada pode ser potencializado por uma cultura política hostil, oportunista e casuística. Quando os mecanismos de defesa da democracia são sistematicamente atacados e expostos aos transes de uma classe política indiferente ao ideal democrático, adepta de rituais democráticos despidos de toda a sua verdadeira substância, temos fundados receios de que o horizonte político do país possa reservar surpresas desagradáveis.

Certamente, a democracia não é o melhor nem o pior dos regimes: é o regime mais adequado à natureza humana apreendida em determinada etapa civilizatória. Sempre haverá a possibilidade de um regime diferente que se ofereça às conveniências do momento histórico. A humanidade continuará na busca pelo melhor regime, seja afastando-se da democracia, seja aperfeiçoando-lhe as estruturas de forma a adaptá-la às exigências do perpassar dos tempos.


Referências:

BECKER, Carl L. Democracia moderna. Tradução de Jorge Lacerda. Rio de Janeiro: Epasa, 1944.

DAHL, Robert A. A democracia e seus críticos. Tradução de Patrícia de Freitas Ribeiro. São Paulo:WMF Martins Fontes, 2012.

LASKI, Harold J. La crisis de la democracia. Tradução de Armando Bazan. Buenos Aires:Siglo Viente, 1950.

LASKI, Harold J. El Estado moderno. Tomo I. Tradução de Teodoro González García. Barcelona:Bosch, 1932.

MARITAIN, Jacques. O homem e o Estado. Tradução de Alceu Amoroso Lima. Rio de Janeiro:Agir, 1966.

POPPER, Karl. R. The open society and its enemies. Tomo I. London:Routledge&Kegan Paul, 5ª. ed., reimp., 1974.

SIMON, Yves. Filosofia do governo democrático. Tradução de Edgard Godói da Mata-Machado. Rio de Janeiro:Agir, 1955. 

Sobre o autor
João Gaspar Rodrigues

Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes/RJ. Membro do Conselho Editorial da Revista Jurídica do Ministério Público do Amazonas. Autor dos livros: O Ministério Público e um novo modelo de Estado, Manaus:Valer, 1999; Tóxicos..., Campinas:Bookseller, 2001; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2007; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2009; Ministério Público Resolutivo, Porto Alegre:Sergio Antonio Fabris, 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, João Gaspar. A crise do sistema político brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3802, 28 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25983. Acesso em: 21 nov. 2024.

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