A Lei Federal nº 8.666/1993 estabeleceu duas hipóteses de dispensa de licitação visando propiciar celeridade à satisfação do interesse público em contratações de baixo valor:
Art. 24. É dispensável a licitação:
I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;
II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;[1]
O reduzido valor do objeto a ser contratado colocaria em conflito a necessidade constitucional de licitar frente ao princípio da economicidade, decidindo o legislador pela prevalência do segundo por se tratar de rito simples e, por consequência, menos oneroso. Nas palavras de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes:
O dispositivo apresenta dois requisitos para a dispensa de licitação. O primeiro objetivo, que leva em conta apenas o valor da obra ou serviço de engenharia e o segundo, para cuja regularidade é necessário contextualizar a dispensa.[2]
A questão central da dispensa em razão do valor é a de que tais quantias são consideradas baixas para que se exija a realização do complexo e delongado certame licitatório.
A vedação do denominado fracionamento de despesa, também constante na redação dos incisos mencionados, tem por objetivo evitar que o agente público, com o fito de afastar-se da obrigação de licitar, divida a totalidade da obra, serviços e compras de que necessita para realizar a contratação direta sem licitação, considerando o valor isolado de cada parcela. Sobre a questão, Lucas Rocha Furtado assevera:
Sendo o reduzido valor do contrato um dos fundamentos que legitimam a contratação direta, estar-se-ia diante da possibilidade de administradores, fraudulentamente, fracionarem ou desmembrarem todos os seus contratos de modo que as parcelas pudessem ser contratadas sem licitação.
A esse respeito, a lei veda o fracionamento ou desmembramento de obra, compra ou serviço cujo propósito seja o de enquadrar o valor dentro dos limites de dispensa.[3]
O Tribunal de Contas da União também já decidiu sobre o assunto:
A previsão de que a utilização de suprimento de fundos para aquisição, por uma mesma unidade gestora, de bens ou serviços mediante diversas compras em um único exercício e para idêntico subelemento de despesa, cujo valor total supere os limites dos incisos I ou II do art. 24 da Lei 8.666/1993, constitui fracionamento de despesa, situação vedada pelos referidos dispositivos legais.[4]
Exemplo comezinho de fracionamento de despesa consiste na hipótese em que um agente público necessita adquirir dez computadores no decorrer do ano, cujo valor de todos, juntos, ultrapassa o limite de R$ 8.000,00 e, com o objetivo de não realizar o procedimento licitatório, faz seguidas contratações diretas com fulcro no inciso II do artigo 24. A situação apresentada é, no âmbito das compras públicas, abominada/ilegal.
Diferentemente da situação anterior, caso um órgão da Administração, com fundamento no inciso IV do artigo 24 da Lei nº 8.666/1993 efetuasse contratação direta emergencial, e em momento posterior ao término desse contrato surgisse a necessidade de nova contratação para o mesmo objeto, cuja quantia fosse inferior à prevista no inciso II: acarretaria fracionamento de despesa?
A resposta para a dúvida é não. A princípio, levando em consideração que o contrato emergencial preencheu os requisitos legais autorizadores da dispensa de licitação,[5] não será considerado fracionamento de despesa. Isso porque as duas situações deverão ser analisadas, fundamentalmente, de forma isolada.
O caso de emergência decorre de imprevisibilidade e a realização dos atos necessários ao procedimento licitatório, ou até mesmo o planejamento quanto à possibilidade de dispensa de licitação ocasionaria risco de prejuízo ao interesse inadiável do Poder Público, justificando a dispensa do inciso IV.
Após a contratação por emergência, devidamente concluída e justificada com amparo no inciso IV, inicia-se novo procedimento para contratação, surgindo o dever de nova análise quanto à viabilidade de realização de licitação, ou sua dispensa. Deverá o gestor público analisar a melhor forma de contratar o objeto necessário e, caso o valor se enquadre nos limites dos incisos I e II do artigo 24 da Lei nº 8.666/1993, contratar diretamente, com as devidas justificativas, sem que tal fato se caracterize fracionamento de despesa.
NOTAS
[1] BRASIL. Lei de Licitações e Contratos Administrativos e outras normas pertinentes. Organização dos textos e índice por J. U. Jacoby Fernandes. 14. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
[2] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Contratação Direta Sem Licitação. 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 279.
[3] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 85.
[4] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Processo nº TC-003.859/2008-0. Acórdão nº 4404/2009 – 2ª Câmara. Relator: Ministro Aroldo Cedraz. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 28 ago. 2009.Grifos não constam do original.
[5] Segundo o doutrinador Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, são os requisitos: situação emergencial, urgência de atendimento, risco e contratação direta como o melhor meio de afastar o risco. JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Contratação direta sem licitação. 9. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 319.