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Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96

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4 NATUREZA JURIDICA

A captação de conversa telefônica é uma providência cautelar, necessariamente realizada inaudita altera pars, cujo objetivo é a obtenção de provas, que se materializa num documento (transcrição) ou num depoimento, e, com isso, afastar o princípio da presunção de inocência, que é relativo. Consistirá em medida cautelar preparatória se autorizada durante a investigação criminal. Do contrário, caso a ordem judicial ocorra no período da instrução processual penal, configurará a medida cautelar incidental.

Sendo medida cautelar, a autorização judicial para a interceptação deverá estar motivada nos pressupostos gerais de toda cautelar, ou seja, no fumus boni iuris e no periculum in mora. Este se consubstancia na necessidade de a conversa telefônica ser colhida enquanto se desenvolve, sob pena de perder-se a prova. Deve-se demonstrar que a sua realização é necessária; aquele restará configurado quando presentes indícios de autoria ou participação em crimes punidos com reclusão e probabilidade de existência de uma infração penal (autoria e materialidade). A brilhante aula de GOMES (2010, p. 462) é digna de exposição:

Já vimos que a interceptação telefônica é medida cautelar preparatória (quando concretizada na fase policial) ou incidental (se realiza em juízo, durante a instrução). Sendo providência “cautelar”, não existe a menor dúvida de que está sujeita aos pressupostos (requisitos) básicos de toda medida cautelar, que são: fumus boni iuris (aparência de um bom direito), que deve ser traduzido no direito criminal como fumus delicti comissi, e periculum in mora (perigo ou risco que deriva da demora em se tomar uma providência para a salvaguarda de um direito ou interesse). Como forma de coação processual que são representativas de atividade cautelar, para a autorização das interceptações telefônicas o juiz não pode jamais olvidar o requisito indispensável do fumus boni iuris (fumus delicti comissi – cometimento de um delito).


5 REQUISITOS

Os requisitos necessários para a obtenção de uma ordem judicial que permita a interceptação telefônica estão dispostos no artigo 2° da Lei 9.296/96, o qual é muito criticado pela doutrina devido à utilização da redação negativa:

Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. 

Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Em decorrência desse artigo FILHO (1996, p. 14) e AVOLIO (2010, p. 226-227) lastimam, respectivamente, que:

O artigo 2º da Lei n. 9.296 optou por duplamente lamentável redação negativa, enumerando os casos em que não será admitida a interceptação, em vez de indicar taxativamente os casos em que será ela possível. Lamentável porque a redação negativa sempre dificulta a intelecção da vontade da lei e mais lamentável ainda porque pode dar a entender que a interceptação seja a regra, ao passo que, na verdade, a regra é o sigilo e aquela, exceção.

Ao invés de indicar claramente em que casos e mediante quais requisitos ocorrerá a interceptação telefônica, optou o legislador pela formulação negativa, ou seja, previu apenas as hipóteses em que interceptação “não será admitida”. Esse “método por exclusão”, utilizado com relação à fiança, além de não se revelar de boa técnica legislativa, não se presta aos fins propostos pelo texto constitucional.

O primeiro dos requisitos arrolados diz respeito aos indícios razoáveis de autoria ou participação em fato delituoso (fumus boni iuris ou fumus comissi delicti – autoria e materialidade), que é diferente de certeza de autoria ou participação, neste caso ocorre a condenação se presente os demais requisitos para tal (fato típico, ilícito e culpável). Logo, a interceptação telefônica nunca poderá ser a prova inicial, pois é dependente de indícios previamente investigados, ou melhor, já deve ter ocorrido uma investigação prévia, na qual já foram colhidas algumas provas, sendo a captação telefônica simplesmente um reforço. Não basta a mera suspeita para que a autoridade judiciária autorize a medida, sendo necessária à confirmação do fumus boni iuris. O professor AVOLIO (2010, p. 227) relata que:

A existência de indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal (inc. I) constitui requisito geral das medidas cautelares, o fumus boni iuris, referindo-se a autoria ao agente e a infração penal à sua materialidade. Nem precisaria, ser enunciado como pré-requisito das interceptações telefônicas, pois seria difícil imaginar que um juiz deferisse provimento dessa natureza sem respaldo num princípio de prova. Assim, não poderia ser deferida a interceptação para iniciar uma investigação...

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GOMES (2010, p. 463) defende que a interceptação pode ser o primeiro ato de investigação, senão vejamos:

... Às vezes nenhum ato de investigação foi praticado e, mesmo assim, já conta a autoridade policial com indícios razoáveis (a notícia acaba de chegar, já com indícios suficientes). Nesse caso, a interceptação pode ser o primeiro ato de investigação (formal)...

É impossível a realização de interceptação para averiguar se um indivíduo esta ou não envolvido em algum possível crime, uma vez que a medida cautelar só é admitida após o cometimento da infração, ou seja, esta é obrigatoriamente antes daquela (pós delitual). A possibilidade de existência de um fato penalmente relevante deve estar consubstanciada em provas inequívocas de materialidade. Ademais, somente quando se vislumbra viabilidade real de punição é que se deve autorizar a interceptação telefônica.

 O segundo requisito esclarece que a interceptação telefônica só pode ser admitida quando inexistentes, à época da autorização, outros meios idôneos disponíveis para a investigação da infração e respectiva autoria (periculum in mora – indispensabilidade do meio de prova). A interceptação deve ser o único meio possível de se obter a prova. Outros meios disponíveis são os postos à disposição do magistrado, no momento da solicitação, que possam alcançar resultado equivalente. Sendo viável a prova testemunhal ou pericial não se deve autorizar a captação. Ainda que, posteriormente se demonstre a existência de outros meios possíveis, será legitima a captação telefônica desde que desconhecidos pelo juiz, salvo quando evidenciada a má fé da autoridade que solicitou a produção da prova, omitindo do magistrado os outros meios existentes. Nas palavras de GOMES (2010, p. 465): “É evidente o caráter rebus sic stantibus da decisão, isto é, passada a “urgência”, pode ser que se descubra, depois da interceptação, que haviam outros meios disponíveis. Mas se não eram evidentes no momento da decisão, será valida”. Logo, a interceptação telefônica não é a regra, mas meio excepcional de prova, a ultima ratio dos meios probatórios. Sobre o assunto, a lição de STRECK (1996, p. 4):

(...) outros meios disponíveis não são os que, materialmente, a autoridade policial tenha à sua disposição, mas sim, os meios legais processuais. Caso contrário, a alegação da polícia de que não tem ‘outro meio disponível’ (p. ex.: falta de peritos etc.), já será bastante para o deferimento da escuta, que, convenhamos, viria a solapar a lei e a Constituição.

A Lei n. 9.296/96 exige, ainda, que o fato investigado seja apenável com reclusão para que a medida cautelar possa ser deferida judicialmente. Assim, nos crimes cuja pena imposta é de detenção e nas contravenções penais não poderá ser determinada a interceptação telefônica. É a pena, portanto, que delimita o âmbito de admissibilidade da captação telefônica.

A crítica em relação ao inciso III, artigo 2° da Lei 9.296/96, refere-se à extensão e limitação do critério legal utilizado. Quanto à primeira, o dispositivo legal possibilita a captação telefônica em todos os crimes punidos com reclusão, o que é um evidente excesso, devido à flagrante violação do princípio da proporcionalidade, eis que somente diante excepcional gravidade de certas infrações ou da forma de execução, é que se justificaria a intromissão nas conversações telefônicas. O Procurador Geral de República, em manifestação na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.112, se posicionou no sentido de que o critério legal da pena de reclusão, para fins de interceptação telefônica, é razoável e proporcional. Em relação à segunda crítica, a Lei em estudo impede a interceptação em casos que demandam este tipo de prova, como na ameaça ou injúria praticadas por telefone, já que estes são punidos com detenção. Veja a incongruência: será lícita a gravação telefônica realizada pelo interlocutor vítima de ameaça; mas não será admitida, de acordo com a legislação, a prova advinda de interceptação telefônica autorizada pelo magistrado nesta mesma situação. Para os professores MENDES, COELHO; BRANCO (2007, p. 612): “Deve o juiz estar atento às circunstâncias específicas de cada caso, para, procedendo ao exame de proporcionalidade, justificar a admissibilidade ou não de interceptação telefônica”.

Na hipótese de crime de responsabilidade, a sanção prevista é a perda do cargo, o que torna inviável a interceptação telefônica nesse tipo de infração, salvo se houver infração comum correspondente punida com reclusão, quando não existirá nenhum obstáculo para a decretação. Há entendimento contrário, exposto por STRECK (1996, p. 10-11), sob o fundamento de que a lei visa punir a macrocriminalidade. Assim, diante da gravidade de todos os delitos de responsabilidade, seria possível autorizar a captação telefônica.

Se durante a investigação criminal for realizada a captação telefônica visando apurar suposto crime punido com reclusão, mas diante do material colhido, entender-se que na verdade se trata de infração punida com detenção, a prova colhida, em relação ao último delito, só pode valer como noticia criminis, jamais como meio probatório. Nesse sentido, GOMES (2010, p. 470): “Se no curso de uma interceptação que apura uma infração punida com detenção (esse é um caso de serendipidade), essa prova (em relação ao último delito) só pode valer como noticia ciminis (não como meio probatório)”.

Na apuração de crime contra a ordem tributária, dentre eles a sonegação de tributo, além dos requisitos supracitados, o Superior Tribunal de Justiça entende que só será admissível a autorização judicial para a interceptação telefônica ou telemática se houver o lançamento definitivo do tributo, isto é, a existência do crédito tributário (imposto a ser pago - condição absolutamente indispensável):

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. SONEGAÇÃO. INTERCEPTAÇÃO DE COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS E DE INFORMÁTICA. INEXISTÊNCIA DE TRIBUTO EM CONCRETO. IMPOSSIBILIDADE DE INICIAR-SE A PERSECUÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 1. A existência do crédito tributário é condição absolutamente indispensável para que se possa dar início à persecução penal pela prática de delito dessa natureza. O lançamento definitivo do tributo é condição objetiva de punibilidade dos crimes definidos no artigo 1º, da Lei 8.137/90. 2. A autorização judicial para quebra do sigilo das comunicações telefônicas e telemáticas, para o efeito de investigação de crime de sonegação de tributo, é ilegal se deferida antes de configurada a condição objetiva de punibilidade de delito. Constrangimento ilegal verificado. 3. Não se pode entender "na esfera da oportunidade e da conveniência" da Polícia ou do Ministério Público a investigação de conduta NÃO PUNÍVEL - ou não punível enquanto não se cumprir a condição legal para o aperfeiçoamento da punibilidade, sob pena de ferir de morte a segurança jurídica, signo do Estado Democrático de Direito. 4. O emprego de qualquer meio para a prática da sonegação somente adquire relevo, do ponto de vista da tipicidade das condutas descritas no artigo 1º, da Lei 8.137/90, se houver imposto a ser pago. A própria tentativa - realização incompleta da conduta típica - está irremediavelmente adstrita à condição de existência do tributo em concreto.

5. (...). (HC 57624/RJ, Rel. Ministro PAULO MEDINA, SEXTA TURMA, julgado em 12/09/2006, DJ 12/03/2007, p. 332)

O parágrafo único do artigo 2º da lei em exame impõe ao pedido de autorização da interceptação telefônica e a própria decisão que defere a solicitação (GOMES, 2010, p. 470 - 472) o dever de descrever com clareza o objeto da investigação, bem como a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada. A perfeita individualização do sujeito passivo é exigida em razão da impossibilidade de interceptação genérica, afinal estamos diante de uma medida cautelar excepcional e invasora de privacidade alheia.

A indicação do sujeito passivo esta atrelada a existência de indícios de autoria ou participação. Se porventura o juiz não tem condições de indicar o nome ou apelido do investigado, isso significa que o pressuposto do inciso I, artigo 2º da Lei 9.296/96 não está preenchido. Logo, não é caso de captação telefônica. É nesse sentido a obra de LIMA FILHO (p. 112):

(...) dessa forma, por força de princípio lógico, somos de opinião que a falta de indicação do investigado não poderá, em hipótese alguma, deixar de ser incluída no requerimento da autoridade solicitante da interceptação telefônica. Isto, sob pena de fazer-se, ilegalmente, perigosa e temerária investigação aleatória e que contraria o espírito da Lei e, sobretudo, da Constituição Federal.

Além da indicação, como já visto, a lei, preocupada com a correta individualização do sujeito passivo, prevê ainda a necessidade da qualificação (filiação, endereço, profissão, etc.), salvo impossibilidade manifesta, devidamente motivada. É desejo da lei que, ao decidir, o magistrado aponte as razões que o impossibilitaram de qualificar o sujeito passivo.

Urge também a indicação e correta individualização da linha telefônica (ou e-mail) que será interceptada, ou seja, é essencial apontar o número da linha investigada. Se durante a investigação houver necessidade de realizar a captação de conversas telefônicas de outras linhas, a autoridade solicitante deverá realizar novos pedidos para serem apreciados pelo judiciário.

O sigilo das comunicações telefônicas é dirigido ao indivíduo que realiza a comunicação, e não ao titular da linha telefônica. A lição de GRECO FILHO (2005, p. 29) é bastante clara:

“o sujeito passivo da interceptação é o interlocutor, e ao o titular formal ou legal do direito de uso, justificando-se a interceptação em face de alguém que se utiliza da linha ainda que não seja o seu titular. Daí a possibilidade de interceptação telefônica em linha pública, aberta ao público ou de entidade pública”.

Sobre os autores
Vinicius Almeida de Medeiros

Advogado / Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Estadual de Londrina / Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Paraná.

Juliana Carvalho Tyminski

Advogada / Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná / Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estadual de Londrina.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Vinicius Almeida; TYMINSKI, Juliana Carvalho. Interceptação telefônica à luz da Lei 9.296/96. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3811, 7 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26052. Acesso em: 22 nov. 2024.

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