I.Intróito.
Amiúde contribuintes se dirigem à Administração Tributária e confessam suas dívidas (uma das condições suficientes para a concessão do parcelamento) com uma única e exclusiva finalidade, quer seja, a obtenção do parcelamento.[1]
Após o cumprimento das formalidades legais, o parcelamento é concedido e o contribuinte começa a recolher mensalmente as parcelas, mantendo suspensa a exigibilidade do crédito tributário. (art.151, IV do CTN)
É muitíssimo comum, após alguns meses de cumprimento do parcelamento, o ajuizamento de ações judiciais onde o contribuinte passa a questionar juros e multa embutidos no parcelamento e simultaneamente deposita em juízo mês a mês o que entende ser devido de cada parcela, requerendo a suspensão da exigibilidade do crédito tributário com espeque no art.151, II do CTN.
O ponto fulcral da questão - e que não se tem dado a importância merecida - surge exatamente no átimo em que o contribuinte passa a depositar em juízo o montante incontroverso ou mesmo a integralidade das parcelas e, evidentemente, deixa de cumprir o parcelamento.
II.Descumprimento do parcelamento versus Depósito Judicial das Parcelas: Suspensão da Exigibilidade?
II.i. Depósito Judicial em Ação Declaratória.
Quando o contribuinte maneja ação judicial, v.g. ação declaratória, altercando a incidência de juros e multa no parcelamento e ao mesmo tempo deposita em juízo as quantias que entende devidas, deixando de cumprir o parcelamento, dá azo à rescisão deste último.
É interessante, por exemplo, que o não recolhimento de duas parcelas (no caso de débitos para com a Fazenda Nacional – art.13, parágrafo único da MP n.2.176-77 de 28 de junho de 2001) ou de uma parcela (em se tratando do parcelamento junto ao INSS – art.244, §8°, inciso I do Decreto 3.048/99) é suficiente para que o parcelamento seja rescindido.
A norma jurídica não deixa margem para qualquer contorcionismo exegético: não se verificando o pagamento das parcelas, a rescisão é infalível, ato jurídico-administrativo vinculado.
O fato do contribuinte depositar mensalmente em juízo, ainda que seja a totalidade de cada parcela, não autoriza a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
A razão pulula da Teoria Geral do Direito, quando verificamos que depósito não pode jamais ser confundido com pagamento, máxime na seara tributária onde esses institutos estão inconfundivelmente tratados. (art.151, II e art.156, I do CTN)
Já tratamos, em outra oportunidade, acerca da diferença entre depósito e pagamento quando enfrentamos a questão do depósito de 30% como pressuposto de admissibilidade recursal administrativo,[2] de sorte que no âmbito desse breve estudo cabe-nos apenas acentuar algumas possíveis conseqüências da opção pelo depósito em juízo em detrimento do pagamento das prestações do parcelamento.
É freqüente, pois, o contribuinte deixar de pagar as parcelas do acordo e ir depositando em juízo, seja apenas o que entende devido, seja o montante integral das parcelas.
Frise-se que em nenhum dos casos poderíamos falar em suspensão da exigibilidade do crédito tributário: a uma porque o parcelamento fora rescindido com o não pagamento das prestações; a duas porque somente o depósito do montante integral do débito tem o condão de suspender a exigibilidade do crédito tributário e não o que poderíamos denominar, rebarbativamente, de "depósito integral de parte do débito".
Deixando de cumprir o parcelamento – não efetuando o pagamento das parcelas - e optando em depositá-las em juízo, a Administração, ao nosso pensar, está autorizada a rescindir o parcelamento e dar andamento normal à cobrança do crédito tributário (remessa do débito para a inscrição em dívida ativa ou o prosseguimento da execução fiscal), vez que a exigibilidade somente estaria suspensa com o depósito integral do débito[3], ou seja, de todas as parcelas integrantes do parcelamento (Súmula 112 do STJ).
Caso afirmássemos que a exigibilidade do crédito tributário estivesse suspensa quando o contribuinte depositasse as parcelas em juízo, ainda que de forma integral, estaríamos de duas uma: ou atuando como legislador positivo e, dessarte, inovando na ordem jurídica ao admitir uma causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário não prevista no art.151 do CTN; ou amesquinhando conceitos fundamentais de direito ao baralhar pagamento com depósito.
Gize-se, por oportuno, que a questão da tão questionada conta única de nada refresca ou altera a conclusão aqui proposta.
E bastaria um único argumento para arrebater essa idéia: o só fato da quantia estar depositada, não permite afirmar que pertence à Administração, não se tratando, evidentemente, de receita pública. [4]
II.i. Depósito Judicial em Ação Consignatória
Na seara tributária – ex vi do art.156, VIII do CTN – a ação consignatória, caso julgado procedente o pedido (art.164, §2° do CTN), extingue o crédito tributário.
Como ensina o conspícuo Prof. Antônio Carlos Marcato: " a sentença proferida na ação de consignação em pagamento tem natureza meramente declaratória". (in "Procedimentos Especiais", pg.77, Malheiros, 1999)
Esclarece o nobre professor:
"(...)sempre que o depósito da coisa ou quantia for reconhecido como bom, isto é, adequado à prestação devida, terá ele força de pagamento, libertando o autor-devedor da obrigação a que estava submetido (CC, art.974)" – (in "Procedimentos Especiais", pg.77, Malheiros, 1999)
Assim, vê-se que em sede de ação consignatória, quando a sentença judicial reconhece como bom o depósito, este é que extingue o crédito tributário e não a sentença que, como visto, tem natureza meramente declaratória (ex tunc), portanto, liberando o devedor desde a efetivação do depósito.
Essa situação é bastante peculiar pois tomando essas idéias como premissas, percebe-se que o depósito, ao menos em sede de ação consignatória, estaria infirmando sua própria natureza jurídica[5] para servir como hipótese de extinção do crédito tributário.
Ora, se a sentença, declarando como válido o depósito, tem natureza meramente declaratória, o depósito é que estaria extingüindo o crédito tributário.
E se isso realmente é certo, então torna-se possível o manejo de ação consignatória para depositar mensalmente as quantias do parcelamento – integrais ou o montante que se entende devido de cada parcela – sem que a Administração possa rescindir o parcelamento e ainda que não se possa afirmar que a exigibilidade do crédito esteja suspensa.
Aqui, portanto, já se nota uma clara diferença com a ação declaratória.
Todavia, caso o contribuinte opte em ajuizar ação consignatória, depositando mensalmente somente o que entende ser devido de cada prestação do parcelamento, estará correndo o risco de posteriormente ser condenado ao pagamento da diferença do depósito.
Nesse caso, segundo ensinança do nunca assaz citado Prof. Antônio Carlos Marcato, "a sentença também conterá uma carga condenatória" (in "Procedimentos Especiais", pg.77, Malheiros, 1999).
Traduzindo a lição: o Poder Judiciário estará dizendo que aquele depósito não teve o condão de extingüir o crédito tributário.
E se não extingüiu o crédito tributário nem, muito menos, estava suspensa a exigibilidade deste crédito, cobra-se o crédito acrescido de juros de mora sem prejuízo das penalidades cabíveis. (art.164, §2°, segunda parte, do CTN)
Na hipótese do contribuinte depositar mensalmente a integralidade de cada parcela, não há razão para que a Administração rescinda o parcelamento pois, em verdade, o contribuinte a despeito de estar depositando, tais depósitos terão força de pagamento caso a sentença judicial assim reconheça.
Por outro lado, pensamos que ainda que o contribuinte, em sede de ação consignatória, deposite mensalmente apenas o que entende devido de cada parcela, a Administração não pode rescindir o parcelamento.
Nesse caso, deve a Administração aguardar a manifestação do Poder Judiciário – em razão da própria instabilidade da relação jurídica - pois caso venha a rescindir o parcelamento, apressando-se ao julgamento pelo Judiciário, e mais tarde seja reconhecida a força de pagamento dos depósitos, não titubeamos em afirmar que a Administração Pública deverá se responsabilizar por eventuais lucros cessantes ou perdas e danos causados aos contribuintes.[6]
Vê-se que por parte do contribuinte é muito mais vantajoso interpor ação consignatória, pois, pelo menos nessa espécie, ser-lhe-á certa a manutenção do parcelamento ainda que não pretenda depositar mensalmente o montante integral das parcelas.
III. Conclusões
À guisa de conclusão podemos mencionar o seguinte:
1.Se o contribuinte maneja ação declaratória questionando quantias do parcelamento e ao mesmo tempo deposita mensalmente em juízo o que entende devido de cada parcela ou ainda a parcela integral, deixa de cumprir o parcelamento, dando azo à rescisão do parcelamento e autorizando a Administração a dar andamento normal ao crédito tributário, remetendo o débito para a inscrição em dívida ativa ou prosseguindo com a execução fiscal, vez que a exigibilidade somente estaria suspensa com o depósito integral do débito, ou seja, de todas as parcelas integrantes do parcelamento (Súmula 112 do STJ);
2.Em sede de ação consignatória, quando a sentença judicial reconhece como bom o depósito, este é que extingue o crédito tributário e não a sentença que tem natureza meramente declaratória (ex tunc), portanto, libera o devedor desde a efetivação do depósito;
3.É possível o manejo de ação consignatória para depositar mensalmente as quantias do parcelamento – integrais ou o montante que se entende devido de cada parcela – sem que a Administração possa rescindir o parcelamento.
4.Caso o contribuinte ajuíze ação consignatória e deposite mensalmente a integralidade de cada prestação do parcelamento não há motivo para que a Administração rescinda o parcelamento pois, em verdade, tais depósitos têm força de pagamento caso a sentença judicial assim reconheça, extingüindo-se o crédito tributário (art.156, VIII do CTN);
5.Ainda que o contribuinte, em sede de ação consignatória, deposite mensalmente apenas o que entende devido de cada parcela, a Administração não poderá rescindir o parcelamento, antecipando-se ao pronunciamento do Judiciário;
6.Caso assim proceda e ulteriormente o Poder Judiciário se manifeste pela perfeição e validade dos depósitos, deverá a Administração se responsabilizar pelos lucros cessantes e danos eventualmente causados aos contribuintes em decorrência da rescisão do parcelamento;
Notas
1.Vê-se, pois, que o elemento subjetivo é de hialina apreensão. O contribuinte, quando efetua a confissão de dívida fiscal para a concessão do parcelamento, tem como finalidade, única e exclusivamente, a obtenção do parcelamento (hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário) e não efetuar o que alguns afobados andam denominando de "denúncia espontânea", que consoante o art.138 do CTN pressupõe pagamento (hipótese de extinção do crédito tributário).
2.Repertório IOB de Jurisprudência n.16/2000, 2ª. quinzena de agosto.
3.Evidentemente, como se pode perceber, não estamos trabalhando com a hipótese de concessão de tutela antecipada ou liminar em cautelar, novidades trazidas pela LC 104/2001.
4.Às vezes são olvidados conceitos comezinhos que, inexoravelmente, repercutem no desenvolvimento do raciocínio. Receita não se confunde com entrada (ingresso provisório). Ver, nesse sentido, o didático e esclarecedor " Manual de Direito Financeiro", pg.32/34, de Regis Fernades de Oliveira e Estevão Horvath, RT, 2001, 4ª.edição.
5.Poderíamos, quando muito, forçar a interpretação e considerar o depósito como "pagamento sob condição suspensiva do reconhecimento pelo judiciário" o que, todavia, além não ser logicamente correta, não se coadunaria com as disposições do Código Civil acerca das modalidades do ato jurídico. Ou, melhor ainda, escandir que a despeito de no plano da existência serem objetos distintos, no plano da eficácia guardam certa semelhança.
6.Apenas como exemplo, menciona-se o ajuizamento de execuções fiscais e constrições judiciais, inclusão do nome do contribuinte no CADIN, impossibilidade de participação em licitações e obtenção de financiamentos à vista da não expedição da certidão a que se reporta o art.206 do CTN e assim avante.