O direito real de superfície foi recepcionado no ordenamento brasileiro por força do direito português, Lei de 20/10/1823, vigorando até 1864, quando foi abolido pela Lei 1237 de 24 de setembro. Atualmente, ele é regulado pelo Código Civil e pelo Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001), que é anterior à compilação civilista. O direito de superfície está encartado como direito real sobre a coisa alheia e tem por principal característica o direito de construir ou de plantar em terreno alheio (direito de implante), autorizando-se obra no subsolo se for pertinente à concessão. É considerada uma ferramenta importante no sentido de fomentar a produtividade da propriedade urbana ou rural, minimizando problemas de distribuição e má utilização da terra, além de oferecer às partes interessadas (fundieiro e superficiário) mais uma opção de investimento.
Instituída a superfície, há a formação de dois patrimônios, advindos do domínio útil (superficiário) e do domínio direto (concedente). Tanto assim, que o imóvel e o implante podem ser alienados, desde que observado o direito recíproco de preferência. O legislador se descuidou da parte responsável pela realização do seu intento, o superficiário-investidor. Faz-se necessária intervenção normativa no sentido de proteger o concessionário quando da extinção da superfície por advento do termo final, em que tenha ocorrido pacto indenizatório pelo direito de implante, tornando o negócio mais atrativo e seguro.
A aquisição da propriedade do solo é uma maneira de atribuir efetividade a tal direito. Ajustada e não paga a verba indenizatória em determinado tempo a contar da extinção, o concessionário adquire a propriedade do concedente, concentrando-se em um único titular o domínio útil e o domínio direto, tornando a extinção do direito real em tela, modo derivado de aquisição da propriedade imobiliária. Pouco adianta pactuar indenização, se não há patrimônio para assegurar tal verba. Até porque, após longo caminho em processo de execução, o bem objeto de penhora pode vir a ser o imóvel sobre o qual recaiu o gravame. Tornar a extinção de um direito real (superfície) em forma de aquisição de outro (propriedade plena) é atribuir efetividade ao direito indenizatório previsto no instrumento registrado no cartório imobiliário.
O tema proposto contém expressões que merecem destaque. São elas: i) “entre particulares”, uma vez que a superfície pode ser instituída por pessoa jurídica de direito público interno regida pela Lei Substantiva; ii) “no Código Civil Brasileiro”, a uma porque há outro diploma legal no Brasil que trata da superfície: o Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257, de 10 de julho de 2001), que atribui a ela características diferentes da prescrita no Código Civil; a duas porque não se abordará a concessão superficiária no direito alienígena; iii) “em caso de inocorrência de indenização”, uma vez que a cláusula de indenizar é dispositiva; isto é, pode ou não constar do título constitutivo.
O direito real de superfície é um instrumento viável para solucionar problemas referentes à má utilização e distribuição da propriedade imobiliária. Permite a exploração do imóvel sem ter de pagar por ele[1].
O propósito do legislador brasileiro ao reinserir no ordenamento o direito real em tela é louvável[2]. Entretanto, confere tratamento desvantajoso ao superficiário quando da sua extinção em caso de ausência de cláusula prevendo pagamento de indenização pela construção e/ou plantação efetuada(s) por ele. Ressurge, em meio à necessidade de se enfrentar as novas realidades e problemas jurídicos de grandes complexidades social, econômica e política da vida contemporânea.
Tem por características o direito de construir ou de plantar em terreno alheio, autorizando-se obra no subsolo se for pertinente à concessão. É um direito temporário[3] constituído por escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis, comportando as espécies onerosa ou gratuita[4]. Em sendo onerosa, o pagamento do cânon pode se dar de uma única vez ou parceladamente. Os ônus públicos são de responsabilidade do superficiário, salvo disposição em contrário. É transmissível por ato inter vivos ou mortis causa e tem por objeto imóvel urbano ou rural.
Examinando os seus traços marcantes, conclui-se que o direito real em foco se dá quando o proprietário concede a outrem a prerrogativa de construir ou plantar em seu terreno (direito de implante), por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
O instrumento de constituição da superfície deve contemplar todos os pormenores do negócio jurídico, tais como prazo para edificar ou plantar, circunstâncias de extinção (além daquelas circunstâncias legais), forma de pagamento, em suma, todos os direitos e obrigações devem ser consignados com clareza no instrumento a ser registrado na matrícula do imóvel.
Superfície, para a ciência do Direito não se trata do chão onde se pisa, mas o que emerge dele. O dono do terreno ou fundieiro não perde a propriedade do solo, que continua seu. O superficiário agrega ao terreno alheio plantas e/ou construções que passam a lhe pertencer. Tem o concessionário direito real - a superfície -, sobre coisa alheia, ou seja, sobre o terreno do fundieiro. As coisas construídas ou plantadas pelo superficiário no terreno do concedente a ele pertencem (exceção à regra de que o acessório segue o principal)[5]. O construtor ou plantador tem obra separada do solo; ele tem a propriedade útil.
A alienação do imóvel ou do direito de superfície requer direito de preferência recíproco; isto é, se o concedente quiser vender o terreno, terá que oferecê-lo primeiramente ao superficiário. Se o superficiário quiser alienar o direito de superfície, terá que oferecê-lo primeiramente ao concedente.
A realização do direito de implante pode ser dar com construção e/ou plantação de qualquer espécie: moradia, indústria, comércio; cultura de grãos, plantas ornamentais etc. A utilização do subsolo está autorizada apenas se inerente ao objeto da concessão.
As partes envolvidas têm direitos e deveres. Em linhas gerais são direitos do concedente ou fundieiro, conforme Adriano Azevedo em artigo eletrônico:
i) utilizar a parte do imóvel que não faz parte da concessão, inclusive o subsolo e espaço aéreo, obedecendo eventuais restrições; ii) se oneroso, receber o canon ou solarium; iii) exercer a preferência em caso de alienação do direito real de superfície; iv) proceder a resolução da superfície pelo advento do termo, se temporária, se o superficiário não edificar ou plantar no prazo estipulado, ou se o fizer em desacordo com o pactuado, ou se der destinação diversa da prevista; v) constituir gravames reais sobre o solo; vi) tornar-se dono da construção ou plantação se extinta a superfície, indenizando ou não o concessionário. Seus deveres são: i) não praticar atos que impeçam ou prejudiquem a concretização ou o exercício do objeto do direito de superfície; ii) dar preferência ao superficiário na aquisição da propriedade do solo, caso esta se faça a título oneroso.
Quanto ao concessionário ou superficiário, podemos dar como seus direitos: i) utilizar a superfície do solo de outrem, conforme avençado; ii) usar, gozar e dispor da construção ou da plantação superficiário como coisa sua, separada da propriedade do solo; iii) onerar com ônus reais a construção ou plantação, que se extinguirão com o termo final da concessão da propriedade superficiária; iv) a faculdade de hipotecar seu direito de superfície; v) exercer o direito de preferência na aquisição do solo, caso o proprietário a aliene a título oneroso; vi) reconstruir a edificação ou refazer a plantação, caso pereça, enquanto durar a concessão. Como suas obrigações: i) se for onerosa a concessão, deve pagar o valor ajustado (canon ou solarium); ii) utilizar-se do direito da superfície conforme pactuado; iii) responder pelos encargos e tributos que incidam sobre a propriedade superficiária, enquanto durar a concessão; iv) conservar a obra superficiária sem demoli-la; v) dar preferência ao dono do solo à aquisição da propriedade superficiária, caso se faça a título oneroso.
É instituto complexo que pode levar os desavisados a descumprirem as detalhistas regras de seu instrumento constitutivo, acarretando-lhes sérios prejuízos.
2. UM POUCO DE HISTÓRIA
O instituto da superfície surgiu no direito romano no período classificado como romano-helênico[6], originário dos arrendamentos de longo prazo, quando então passou a se admitir a possibilidade de coexistirem, separadamente, a propriedades do solo da propriedade das construções. Com a necessidade de fixar as pessoas nas terras para manter o domínio pleno, Roma passou a arrendar as suas terras a particulares, por meio do instituto do "ius in agro vectigali, ou ager vectigalis" - espécie de arrendamento perpétuo ou de longo prazo (cem ou mais anos) - mediante o pagamento de cânon anual. Rogério Derbly, em artigo eletrônico de setembro de 2001, esclarece que:
Esses arrendamentos, a princípio concedidos em longo prazo, vieram, por vezes, a sê-lo perpetuamente, impondo, sempre a contrapartida, ao arrendatário a obrigação de construir em terreno locado e a de pagar um cânon anual (pensio ou solarium) ou uma quantia única pela locação do solo. O arrendatário não tinha mais do que o uso e a fruição da edificação, uma vez que, mesmo sob Justiniano, vigorou no Direito Romano, sem embargo de poder haver opiniões em contrário, o princípio da acessão, ou seja, de que superfícies solo cedit."
Portanto, embora os romanos tenham formalmente preservado a inteireza do princípio de que tudo o que a propriedade era acrescido ou nela era incorporado pertenceria, por acessão, ao proprietário, foi mitigado pela necessidade de adaptação às condições sociais dos novos tempos vividos à época pelos romanos, surgindo, então, o direito de superfície.
Conclui-se que a causa do nascimento do direito de superfície foi a necessidade de adaptação às condições econômicas da época.
Guardadas as devidas proporções, as condições econômicas continuam regendo as necessidades sociais exigindo atitude dos Poderes Legislativo e Executivo.
3. PROPRIEDADE PLENA E LIMITADA E A ACESSÃO COMO MEIO DE AQUISIÇÃO
Antes de dar início ao que se propõe o presente capítulo, é salutar trazer à baila os diferenciais entre acessão, benfeitoria e pertença.
Benfeitorias são despesas feitas com a coisa, ou obras feitas na coisa, com o fito de conservá-la, melhorá-la ou embelezá-la. Acessões são obras que criam coisas novas, diferentes, que vêm aderir à coisa anteriormente existente. Nas acessões, o proprietário do terreno paga o justo valor, isto é, o valor efetivo dos materiais e o justo preço da mão-de-obra, enquanto nas benfeitorias é lícito ao proprietário optar entre o valor atual e o seu custo (art. 1222, CC)[7]. Para Serpa Lopes (2000, p. 396) há uma benfeitoria quando:
(...) quem a faz procede como dono ou legítimo possuidor, tanto da coisa principal como da acessória, a exemplo do locatário. Na acessão, ao contrário, uma das coisas não pertence a quem uniu a outra ou a quem a transformou, ou seja, o autor da acessão não procede com convicção que é dono ou legítimo possuidor de ambas as coisas unidas.
Giorgi Thompson, em artigo eletrônico elaborado em dezembro de 2011, veiculado pelo site Jus Navigandi, assevera que:
A acessão é uma alteração quantitativa e qualitativa da coisa, ou melhor, é o aumento do volume ou do valor do objeto da propriedade devido forças externas. Informa, ainda, que a doutrina civil de melhor quilate não considera benfeitoria os melhoramentos advindos à coisa sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor dela, tais sejam os acréscimos ou acessões que sobrevenham naturalmente. A benfeitoria denota sempre melhoramento artificial, ou seja, o que foi produzido pela vontade ou determinação do homem. A benfeitoria apenas objetiva a conservação, valorização ou maior deleite do imóvel, ao passo que a acessão altera a substância da coisa.
Já pertença é bem que não constitui parte integrante, mas se destina de modo duradouro ao uso, ao serviço ou ao aformoseamento de outro. Pertença significa fazer parte de. Como exemplo, podemos citar que a porta e janela são fundamentais para a existência da casa. O ar-condicionado não. Ele é uma pertença. Se for retirado do principal não afeta a sua estrutura.
Retomando o foco do capítulo, direito de propriedade é o direito mais amplo da pessoa em relação à coisa. Traduz-se na disposição do art. 1228 do Código Civil Brasileiro que confere ao seu titular a faculdade de uso, gozo, disposição e reivindicação[8]. Preleciona o Professor Sílvio Venosa (2010, p. 176) que a propriedade classifica-se em plena e limitada. A primeira se dá quando todos os seus elementos constitutivos se acham reunidos em favor de um único titular; a segunda, quando um dos seus elementos se desmembra, erigido em direito real autônomo e conferido a outrem (superfície, por exemplo), conservando os demais o proprietário. Daí a assertiva de que quando é instituído direito real de uso e/ou gozo sobre determinado bem, o titular passa a ter propriedade limitada, até que ocorra a extinção do direito menor, voltando a ter a propriedade plena sobre o bem. É o chamado princípio da elasticidade do domínio.
Diz-se que a aquisição da propriedade é originária quando se dá direta e independentemente da interposição de outra pessoa, o adquirente faz seu o bem, que não lhe é transmitido por quem quer que seja. Diz-se que é derivada quando tem como pressuposto um ato de transmissão por via do qual a propriedade se transfere para o adquirente. Tais são a transcrição (bem imóvel) e a tradição (bem móvel), interessando, aqui, a propriedade imobiliária.
A acessão é um dos modos de aquisição derivada da propriedade imóvel, merecendo destaque, em razão do tema, a acessão das construções e plantações. Acessão, no sentido mais amplo, significa aumento da coisa objeto de propriedade. É obra que cria coisa nova, diferente, que vem aderir à coisa anteriormente existente. O termo tem a noção de acessório. Pertencerá ao dono da coisa principal o que se adere a ela. O problema jurídico surge quando as duas porções pertencem a proprietários distintos. Há necessidade de que se distingam o bem principal e o acessório. Nem sempre será o maior valor econômico que preponderará. A construção pode ser mais valiosa que o solo, mas este é considerado bem principal. Pela acessão imobiliária ocorre um acréscimo ao solo de outrem, aumentando o âmbito de sua propriedade e seu valor. Essa aderência de uma coisa a outra decorre, no caso em tela, de atividade humana[9]. A lei entende por bem deixar a propriedade ao titular da coisa principal para evitar o condomínio, permitindo sempre que possível o ressarcimento impeditivo do injusto enriquecimento.
Instituído o direito real de superfície, o proprietário concede a outrem a prerrogativa de construir ou plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública devidamente registrada no Cartório de Imóveis, passando a ter propriedade limitada sobre o bem.
O dono do terreno ou fundieiro não perde a propriedade do solo. Perde, entretanto, as faculdades de usar e gozar do bem que são conferidas ao superficiário que agrega ao terreno de outrem plantas ou construções que passam a lhe pertencer, sendo titular de direito real sobre a coisa alheia. Assim se constata a ocorrência da exceção à regra de que o acessório segue o principal, existindo duas propriedades: a do concedente, sobre o terreno; e a do superficiário, sobre o implante, privilegiando o legislador a propriedade plena para um ou para o outro ao instituir o direito de preferência recíproco em caso de alienação do imóvel ou do direito de superfície.
Carlos Kennedy, em artigo eletrônico de julho de 2002, corrobora com o entendimento acima, definindo o direito de superfície como a propriedade da benfeitoria ou plantação destacada do solo onde se assentam. Sustenta que neste sentido, o instituto é conflitante com o princípio romano do superficies solo cedit, segundo o qual, tudo quanto fosse acrescido ao solo a ele se agregava e ao dono do solo pertencia, promovendo um desmembramento entre o domínio do solo e o domínio do que está (ou será) incorporado a ele por acessão.
Extinta a concessão superficiária, o concedente passará a ter propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, trazendo à tona o princípio da elasticidade do domínio. O superficiário, por sua vez, apenas será indenizado se houver pacto nesse sentido. Supondo a sua existência, o legislador teria conferido maior efetividade à satisfação indenizatória, se tivesse previsto a possibilidade daquele adquirir a propriedade do terreno, em não ocorrendo o pagamento espontâneo em determinado lapso temporal, a contar da extinção do referido direito real e independentemente de notificação, dando continuidade ao propósito legal de incentivar a propriedade imobiliária plena para um ou para outro e, principalmente, de atrair investidores, tornando produtivo o que era ocioso.
3. DOMÍNIO DIRETO E DOMINIO ÚTIL COMO VIABILIZADORES DE DOIS PATRIMÔNIOS
A grande maioria dos civilistas brasileiros defende que uma vez instituído o gravame em pauta, ocorrerá a divisão da propriedade em dois direitos: o domínio direto e o domínio útil. Neste sentido é o ensinamento do professor Adriano Stanley (2009, p. 161):
(…) com a constituição do Direito Real de Superfície, há uma espécie de divisão do domínio. Dessa forma, a propriedade se divide em dois direitos: o primeiro, que é o direito de propriedade (domínio direto) e o segundo, que é o domínio útil que consiste, exatamente, no direito de terceira pessoa que se fez superficiário poder utilizar o imóvel, tirando dele toda a sua utilidade, no lugar do proprietário. Portanto, surge assim dois patrimônios autônomos e sobre cada um deles podem ocorrer atos e negócios jurídicos independentes.
É exatamente esta autonomia de patrimônios que viabiliza a aquisição do domínio direto (da propriedade) pelo superficiário, posto que já é titular do domínio útil. É ela também que torna realizável a quebra do principio de que o acessório (implante) segue o principal (solo). O mesmo professor adverte que “o superficiário perde tudo o que construiu no imóvel cedido em superfície, e só fará jus à indenização se tal possibilidade for expressamente mencionada no título constitutivo” (op.cit., p. 162).
O referido mestre é bastante claro: o superficiário “perde tudo”, caso não haja cláusula indenizatória no instrumento constitutivo. Entretanto, de pouco adianta sua previsão se a lei a ela não atribui efetividade.
A doutrinadora Maria Helena Diniz converge para o mesmo entendimento (2009, ps. 480/483):
(…) É um direito real de fruição sobre coisa alheia, visto que não atinge a propriedade do dono do solo, por afastar a acessão, pela qual tudo que se acrescentar ao solo deverá pertencer ao seu proprietário. Assim sendo, a superfície é exceção ao principio de que o acessório acompanha o principal, pois a lei concede ao superficiário um direito real sobre construção ou plantação feita em terreno alheio, utilizando sua superfície. A extinção da superfície deve ser averbada no Registro Imobiliário e com isso estabelecida estará a recuperação do domínio pleno pelo proprietário do solo, pois, enquanto perdurou o direito de superfície, o domínio era limitado. Ele recupera a propriedade plena sobre o terreno, adquire a propriedade da construção ou plantação, se as partes não houverem estipulado o contrário. (…) Trata-se de instituto benéfico ao proprietário.
Finaliza a referida professora atestando que o instituto é “benéfico” para o proprietário do solo. Indubitavelmente que sim, pois ainda que pactuada a cláusula de indenizar, se o concedente não efetuar o pagamento espontaneamente, o superficiário percorrerá uma verdadeira via crucis no Poder Judiciário para adjudicar ou alienar em hasta ou leilão públicos bens do patrimônio do fundieiro.
A recuperação da propriedade plena do imóvel por parte do concedente quando da extinção do direito real de superfície também é comentada por Sílvio Rodrigues (2007, p.276):
Extinta a concessão ordinariamente pelo decurso do prazo, passará ao concedente a propriedade plena do imóvel independentemente de indenização. Isso ocorre se as partes não houverem estipulado o contrário, o que indica que a regra não é de ordem pública, ficando, portanto, ao inteiro arbítrio das partes ajustar o que lhes aprouver.
O assunto também é abordado por Roberto Gonçalves ao examinar o teor do art. 1375 do Código Civil Brasileiro (2009, p. 422):
Prescreve o art. que extinta a concessão, o proprietário passará a ter propriedade plena sobre o terreno, construção ou plantação, independentemente de indenização, se as partes não houverem estipulado o contrário. O proprietário concedente tem, desse modo, a expectativa de receber a coisa com a obra ou plantação. Extinta a concessão, a construção ou plantação incorporam-se ao solo em definitivo, tendo em vista que a superfície importa em desmembramento da propriedade, a extinção dela implica o remembramento, que opera em favor do dominus soli. Têm os interessados a faculdade de ajustar o que melhor lhes convenha, no caso de ficar extinta a superfície. O art. 1375 supratranscrito tem, portanto, caráter supletivo, aplicando-se na falta de estipulação contrária. Nada impede que se convencione o pagamento de indenização pelo dono do terreno ao superficiário, considerando-se que este devolve o terreno, em regra, valorizado.
Novamente se destaca o caráter dispositivo da cláusula indenizatória, sem valorizar, entretanto, a sua efetividade.
José Rogério Cruz e Tucci, em artigo publicado na Revista Síntese dois meses após o início da vigência do Novo Código Civil brasileiro, faz as seguintes observações:
O novo Código Civil reconhece que os tempos são outros. As tendências das sociedades contemporâneas, no que se refere ao direito, diferentemente das idéias de um passado não distante, visam a engrandecer o aspecto social. Essa, aliás, parece ter sido a maior preocupação dos renomados juristas integrantes da Comissão de Elaboração do Projeto. Quanto aos direitos reais, em especial, estabeleceu-se um espírito de maior comunhão no sentido da propriedade, destacando-se, quanto à superfície, a finalidade de se dar maior mobilização ao direito de propriedade. Não resta a menor dúvida de que, nas organizações sociais modernas, a nossa em particular, o instituto da superfície se mostra de grande utilidade para que haja maior dinamização do domínio, resultando, por via de conseqüência, em maior proveito do solo improdutivo ou inculto, e, no plano técnico-jurídico, para atender a situações concretas que vêm sendo consolidadas de modo totalmente irregular.
O autor do artigo destaca a “dinamização do domínio” e o “proveito do solo improdutivo ou inculto”. Entretanto, é preciso tornar o negócio atrativo. Uma maneira de realizar esta tarefa é conferir maior proteção ao superficiário.
Rony Dreger, em texto publicado em periódico eletrônico (Jus Navigandi), sustenta que o direito real de superfície pode ser visto como um instrumento de transformação da propriedade e por que não dizer da sociedade:
O Direito de superfície poderá servir como importante instrumento de transformação da propriedade eis que está de acordo com as suas novas exigências sociais. Poderá servir como ferramenta eficaz para atenuar a crise habitacional que se instala nos grandes centros urbanos do nosso país, possibilitando às autoridades a imediata aplicação de uma política urbana eficaz, tendo em vista a desnecessidade da aplicação de recursos financeiros diretos por parte da esfera pública. Além dos benefícios diretos alcançados com o projeto proposto existem ainda os indiretos, tais como o fomento de novos empregos na área de construção e posteriormente no setor de serviços e comércio, bem como de influenciar no crescimento ordenado da cidade, com os efeitos colaterais da diminuição da miséria e violência, na construção de uma sociedade mais justa.
Difundem-se os benefícios do direito real em tela, sem, entretanto, criar estímulos para que ele se realize. Proteger o investidor quando da extinção da superfície é uma maneira de fazê-lo.