O ordenamento jurídico brasileiro proíbe a autotutela, ou seja, conseguir com força própria a satisfação da pretensão.
A partir do momento em que o Estado obteve poder suficiente para criar leis e fazê-las serem observadas, ele assumiu o papel de mediador dos conflitos, sendo responsável pela análise do caso concreto e a respectiva decisão quanto a quem tem razão, vinculando as partes à prestação jurisdicional como forma de solução dos conflitos.
Assim, segundo Arenhart e Marinoni[1], “através da proibição da autotutela, o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, ofertando àquele que não podia mais realizar o seu interesse através da própria força, o direito de recorrer à justiça ou o direito de ação.” Assim, quando se fala em tutela jurisidicional se está a falar na proteção, no arrimo que o Estado presta aos direitos dos indivíduos. Percebe-se que se trata de um dever estatal, que tem de ser cumprido de modo eficaz, sob pena de falência do convívio social e do próprio Estado de Direito. Para tal tarefa, os juízes aplicam a vontade da lei em substituição à atividade dos interessados. Aqui, há de fazer uma observação no sentido de que por mais elogiosas e progressistas que sejam as mudanças legislativas, juízes apegados ao formalismo processual são verdadeiros empecilhos à efetividade da jurisdição.
Neste mesmo sentido, Humberto Theodoro Júnior expõe:[2]
“Como o Estado de Direito não tolera a justiça feita pelas próprias mãos dos interessados, caberá a parte deduzir em juízo a lide existente e requerer ao Juiz que a solucione na forma da lei, fazendo, de tal maneira, a composição dos interesses conflitantes, uma vez que os respectivos titulares não encontram um meio voluntário ou amistoso para harmonizá-los.”
Desta forma, diante do surgimento de um conflito de interesses proveniente da não observância de um direito ou de um dever, a parte que se sentir prejudicada com esta atitude deverá recorrer ao Estado, por meio de uma ação, para que este, através da prestação jurisdicional que lhe é conferida, analise o caso concreto e, posteriormente, decida sobre quem tem razão, satisfazendo, desta forma, o direito da parte interessada.
Laura González defende que:[3]
“Cada cidadão tem direito a uma tutela efetiva de seus direitos pelo Estado, uma vez que é vedada a justiça de mão própria.
A tutela antecipada prevista no artigo 273 do CPC é uma forma de prestação jurisdicional efetiva que vai além da cautelaridade, a qual o Estado não pode eximir-se de prestar, devido à sua exclusividade na tutela dos conflitos.
O cidadão tem direito constitucional à adequada tutela jurisdicional. Note-se que o artigo 5º, XXXV, da Carta Magna brasileira prevê a inafastabilidade da jurisdição, o que não deve ser entendido somente como direito do cidadão à proteção do seu direito pelo Estado, mas sim, à adequada proteção.” (grifo nosso).
Sobre esta prestação jurisdicional do Estado, Humberto Theodoro Júnior explica:[4]
“Tomando conhecimento das alegações de ambas as partes, o magistrado definirá a qual delas corresponde o melhor interesse, segundo as regras do ordenamento jurídico em vigor, e dará composição ao conflito, fazendo prevalecer a pretensão que lhe seja correspondente.”
É o Estado assumindo o compromisso de apreciar e dispensar a proteção a toda e qualquer lesão ou ameaça a direito (CF, art.5°, inc. XXXV), seja por tutela reparatória ou sancionatória, seja por tutela preventiva.
A leitura do que acima exposto dá a falsa impressão de que a atividade jurisdicional é desempenhada sem percalços e de forma a atender satisfatoriamente ao cidadão. Entretanto, não é bem essa realidade brasileira. A problemática que se coloca é: quanto tempo levará para se compor o conflito? Quais as conseqüências da demora na prestação jurisidicional para as partes? O princípio do acesso à Justiça tem sido observado (de nada adianta ter acesso a ela sem saber se e quando haverá a saída)? O legislador tem procurado minimizar a angustiante demora e ineficácia da prestação jurisdicional?
2 OS MALES DA MOROSIDADE DA JUSTIÇA E O EMPENHO DO LEGISLADOR PARA MINIMIZÁ-LOS
O Poder Judiciário brasileiro enfrenta, a cada dia, uma crescente quantidade de conflitos de interesses esperando por uma decisão em que o Estado, por intermédio da prestação jurisidicional, decide qual o interesse que procede. O acúmulo de demandas causa demora nesta função estatal, gerando insatisfação e insegurança nas partes, que já não têm certeza da eficácia do pronunciamento judicial. A pendência do processo pode causar mais transtornos do que uma sentença desfavorável, pois o estado de ansiedade que a falta de definição provoca pode ser mais difícil de ser administrado, para algumas pessoas, do que os efeitos de uma decisão contrária.
O cidadão, num Estado Democrático de Direito, exige bem mais que uma formal manifestação do poder estatal. Ele aguarda do Estado uma eficaz e satisfatória prestação jurisdicional. Não se pode admitir que o Poder Judiciário demore 10 ou 15 anos para prestar a tutela jurisdicional. É inconcebível que o jurisdicionado não consiga obter para o seu conflito uma decisão rápida e célere por parte do Estado. Não basta garantir-se ao jurisdicionado o acesso ao Judiciário. Mais do que isso, é necessário garantir a possibilidade de obter uma decisão justa, célere e eficaz. O grande desafio para a prestação de tal garantia reside no fato de que a tutela prometida pelo Estado é baseada na cognição exauriente - caráter de definitividade - que tem sentido oposto à tutela jurisdicional provisória em que se insere a tutela antecipada .
A justiça é um bem que afeta a todos. Confere estabilidade ao convívio em sociedade. Mas há que se reprovar a oferta de uma justiça intempestiva. Tal modalidade de prestação jurisdicional não interessa ao cidadão, posto que insuficiente para atender seus anseios e pacificar a sociedade.
A ausência de eficácia da decisão judicial equipara-se à falta de decisão, o que gera um descontentamento por parte da sociedade, e, em especial para o vencedor da demanda. De nada adianta conceder a tutela jurisdicional ao indivíduo que demonstrou ter razão, se tal provimento se mostrar inócuo, desprovido de efeito devido à demora na efetiva prestação jurisdicional. Brevidade e efetividade são valores predominantes na oferta da tutela jurisdicional. Esta a exigência de todo cidadão.
Jurisdição efetiva é o conjunto de direitos e garantias que a Constituição atribui ao indivíduo que, impedido de fazer justiça por mão própria, provoca a atividade jurisdicional para vindicar bem da vida de que se considera titular. A este indivíduo devem ser assegurados meios eficazes de exame da demanda trazida à apreciação do Estado. Eficazes no sentido de que devem ter aptidão de propiciar ao litigante vitorioso a concretização fática da sua vitória, com julgamento que se dê em prazo razoável, sem demora indevida.
Neste passo, Marcus Vinicius Amorim ressalta:[5]
“O acesso à justiça e à tutela jurisdicional representam suportes imprescindíveis ao exercício da cidadania e à própria dignidade do indivíduo. A denegação de justiça fere não só um direito de cidadão, mas sua própria dignidade de ser humano. Quem assim é ignorado pelo poder estatal, invariavelmente encontrará pela frente as mais infames degradações e injustiças.”
Segundo ensina Wambier[6] “o Estado, através da jurisdição, busca a solução dos conflitos surgidos entre as partes, aplicando as normas jurídicas pertinentes ao caso concreto e desenvolvendo medidas para que estas normas sejam efetivadas.” Na mesma obra, destaca o mestre que:
“Uma vez iniciado o Processo, cabe ao autor expor os fatos e fundamentos jurídicos que embasarão sua pretensão, decorrendo destes o seu pedido ou pedidos. Com base nestes fatos alegados pelo autor, caberá ao réu, caso deles discorde, impugná-los especificamente, um a um, de acordo com a previsão contida no art. 300 do Código de Processo Civil , expondo por sua vez, os fatos conforme a sua verdade.
Assim, no momento em que o réu impugna os fatos alegados pelo autor e apresenta versão diferente para os mesmos, surge no processo a controvérsia quanto à alegação posta em tela. Esta controvérsia é a peça fundamental para o prosseguimento da ação, uma vez que, sendo ela verificada, cabe ao juiz prosseguir na prestação jurisdicional, buscando a solução da controvérsia, decidindo qual parte tem razão.
A controvérsia – que nada mais é que a situação decorrente da tomada de posições antagônicas pelas partes a respeito de determinado fato ou assunto – gera a necessidade de instrução e, conseqüentemente, de uma maior duração do processo civil.
Desta forma, a controvérsia não só provoca a necessidade de instrução como também é o fato causador da demora na prestação jurisdicional, uma vez que, constatada a controvérsia entre as alegações do autor e do réu, deverá o processo seguir até o momento em que a mesma seja solucionada, proporcionando ao julgador condições para decidir sobre quem tem razão.” (grifo nosso).
Marcelo Mezzomo, dando destaque ao tempo de duração do processo, revela:[7]
"O tempo de duração do processo é fonte de prejuízo, e interfere, sem dúvida, na funcionalidade da tutela jurisdicional como mecanismo de regulação social, principalmente no que se refere sua aceitação e institucionalização pela sociedade como tal. Se houve um tempo em que o que se aguardava do Poder Judiciário era um processo moroso, onde todas as formas de prova possíveis fossem admitidas se produzidas sob o manto do contraditório, hoje, pelas necessidades da sociedade contemporânea, essa demora natural do processo já não tem mais lugar ou, quando menos, é fator apto a gerar profundo e generalizado descontentamento dos usuários da justiça.” (grifo nosso).
Dinamarco, confirma a idéia, sustentando que: [8]
"No direito moderno, a realidade dos pleitos judiciais e a angústia das longas esperas são fatores de desprestígio do Poder Judiciário. O tempo é um inimigo do direito, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem tréguas. Acelerar resultados do processo é quase uma obsessão, nas modernas especulações sobre a tutela jurisdicional.” (grifo nosso).
Este fato também não passou despercebido para Humberto Theodoro Júnior o qual lembra:[9]
"Convém ressaltar que se registra, nas principais fontes do direito europeu contemporâneo, o reconhecimento de que, além da tutela cautelar destinada a assegurar a efetividade do resultado final do processo principal deve existir, em determinadas circunstâncias, o poder do juiz de antecipar, provisoriamente, a própria solução definitiva esperada no processo principal. São reclamos de justiça que fazem com que a realização do direito não possa, em determinados casos, aguardar a longa e inevitável demora da sentença final."
A consciência popular da morosidade da justiça e da ineficácia do pronunciamento judicial (ganha, mas não leva) tem afastado o cidadão do Poder Judiciário. Tal realidade somada às mudanças das cada vez mais complexas aspirações humanas vem preocupando o legislador que alterou o código de processo civil por várias vezes nos últimos quinze anos, não se podendo deixar de destacar que tal preocupação chegou a nível constitucional (emenda de n° 45/04 que prevê a razoável duração do processo).
Marcelo Mezzomo, fazendo apontamentos sobre a emenda constitucional n ° 45/04 comenta:[10]
“A demora na tramitação dos processos foi identificada como um dos pontos nevrálgicos da denominada crise de jurisdição, constata nas últimas décadas. Múltiplas causas conduziram a um quadro no qual a duração do processo atinge, como regra, vários anos, gerando concreta frustração de expectativas e conspirando contra a legitimidade do processo como veículo da jurisdição.
Dentre os fatores de aferição do índice de eficácia da tutela jurisdicional encontra-se a celeridade com que ela é prestada, pois a demanda judicial em regra põe em suspensão a relação jurídica que é objeto da pretensão por ela veiculada, impedindo a imediata fruição do direito ou dirimência da situação de conflito, cuja extinção é exatamente sua finalidade. Logo, tutela jurisdicional prestada de forma eficiente é aquela prestada em prazo razoável.”
No mesmo artigo, Marcelo defende que a previsão da razoabilidade na duração do processo já existia antes mesmo da promulgação da Emenda Constitucional 45 e que a tutela antecipada é um direito assegurado constitucionalmente:[11]
“Não se pode estabelecer um parâmetro objetivo para mensurar-se quando tempo carece o juiz para decidir um feito, embora o CPC o faça de forma não vinculativa, estabelecendo prazo para alguns atos. É que o magistrado deve estar convicto para decidir, e esta convicção não comporta formulação matemática. Há ainda o aspecto do excesso de serviço, visto que o magistrado representa a instância onde todo o trabalho se canaliza.
Mas os demais fatores que integram a formação do tempo do processo podem ser medidos com a régua do princípio da eficiência diante de um parâmetro de razoabilidade, princípio, aliás, que, também, de forma direta ou indireta, aplica-se às atividades do Estado, qualquer que seja sua natureza. Assim, a rigor, o direito a uma jurisdição eficaz, e, portanto, célere, já estava assegurado na própria Constituição antes da reforma.
Isto, no entanto, não subtrai valor à nova disposição, cujo mérito inicial é deixar explícito este direito subjetivo fundamental. Mas a disposição vai além.
Deveras, há a inclusão do processo administrativo, que não estava abarcado no inciso XXXV do artigo 5º da CF/88. Além disso, o inciso cria o direito não só à duração razoável do processo, como também a meios que a assegurem.
Esta menção aos meios dirime qualquer dúvida acerca da constitucionalidade de medidas de execução não precedidas de decisão meritória decorrente de cognição exauriente, ou, por outras palavras, torna a antecipação de tutela um direito assegurado constitucionalmente, observados os requisitos legais.” (grifo nosso).
O mesmo posicionamento é adotado pelo advogado Alexandre Ávalo Santana:[12]
“O novo princípio estampado no inciso LXXVIII do art.5º da Constituição, em que pese sua relevância para o propósito de embasar expressamente uma reformulação do direito processual civil brasileiro, já se encontrava implícito na garantia de acesso ao Judiciário, eis que, na acepção de uma ordem jurídica justa, a prestação jurisdicional deve ocorrer em tempo razoável para, efetivamente, tutelar os direitos dos destinatários de tal garantia.
Em outras palavras, o exercício do direito do jurisdicionado deve ocorrer sem óbices capazes de suplantar seu escopo maior, uma vez que, além de representar um meio de remediar a lesão ao direito, deve resguardá-lo de qualquer ameaça, o que significa evitar, inclusive, a concretização de qualquer lesão (trata-se da idéia de direito processual preventivo, exigência dos novos tempos). Por conseguinte, emerge imprescindível a observância de um lapso temporal razoável, capaz de garantir a tutela jurisdicional com a devida efetividade para cada jurisdicionado.”
O legislador, por sua vez, impulsionado pelo aumento do número de conflitos de interesses - fato este diretamente ligado à crescente complexidade das aspirações humanas - e a conseqüente morosidade da sua solução passou a se dedicar à concepção de formas mais rápidas de se fazer justiça.
Carlos Marcato ao relatar sobre as aspirações do homem comenta:[13]
“As aspirações do homem estão diretamente subordinadas ao grau de conhecimento da realidade que o cerca.
Hoje, como sempre na história humana, há os poucos que detêm uma parcela maior de poder, de influência e de riquezas, em detrimento da maioria; há os formadores de opinião e os informados (sempre a maioria), há os que dominam e os dominados (de novo ela, a maioria); há os bem nutridos e os famintos, os preparados para a vida e os indigentes. Há os que sabem, há os ignorantes.
Sempre foi assim, mas nos dias atuais os símbolos distintivos de classes sociais e econômicas tendem a desaparecer (a roupa, o automóvel e todos os demais ícones da sociedade contemporânea tornam-se acessíveis a uma faixa maior da população), a informação é transmitida concomitantemente ao fato informado (e milhões de pessoas têm acesso direto a ela), os bens de consumo ganham uma visibilidade (e uma viabilidade de aquisição) nunca antes conhecida.
Caem barreiras culturais (ou, se se preferir, vulgariza-se a cultura).
(...) A informação e o apelo ao consumo infiltram-se democraticamente nas casas ricas e pobres, o homem médio passa a ter plena consciência de seu direito ao trabalho (em condições adequadas e com justa remuneração), ao lazer, à saúde, à educação, à proteção do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural.
A ampliação do conhecimento aumenta o grau de aspiração humana, exacerba as expectativas. O desejável torna-se possível.
O individual abre espaço ao coletivo e naturalmente surgem ao lado dos interesses puramente individuais, outros, difusos ou fragmentados.
Novos valores, novas aspirações legítimas, que impõem a criação de novos mecanismos e estruturas aptos à sua concretização, com o estabelecimento de uma nova ordem jurídica.
(...) o sistema de valores humanos a que estava condicionada a cultura jurídica fora parcialmente destruído pela crise espiritual contemporânea, situação que determinou a substituição das matrizes filosóficas do direito privado, assim como de seus fundamentos, finalidades e dogmática, alterando-se, em conseqüência, a feição do próprio ordenamento jurídico.
Diante desse contexto, não bastaria o reconhecimento da existência desses novos valores e a edição de normas tendentes à sua proteção e realização, como igualmente não bastaria, a toda evidência, o puro e simples repúdio ao processo, enquanto instrumento estatal voltado à resolução de conflitos. Afinal, a ordem jurídica vem assentada na simbiose entre os sistemas de direito material e de direito processual, resulta da conjugação e da integração harmônica desses dois sistemas; um depende do outro. Sem o processo, o direito ficaria abandonado unicamente à boa vontade dos homens e correria freqüentemente o risco de permanecer inobservado; e o processo, sem o direito, seria um mecanismo fadado a girar no vazio, sem conteúdo e sem finalidade.
Tornou-se então inevitável a revisão do sistema jurídico-processual com a mudança da perspectiva de seus escopos e a criação de novas técnicas para tanto eficientes, culminando com os esforços de implementação de técnicas e instrumentos adequados à obtenção de tutela jurisdicional efetiva.”
A estrutura jurisdicional brasileira - apesar do verdadeiro trabalho de saneamento do legislador - sendo um exemplo disto a tutela antecipada - , ainda está amarrada ao modelo tradicional de processo, em que o procedimento ordinário, com todas as suas fases e longos prazos, funciona quase sempre em favor do réu, e contra o autor que se utiliza do processo como um instrumento para se obter e fazer justiça.
A ambição por uma justiça cada vez mais célere, que assegure uma prestação jurisdicional mais eficaz, tem sido o guia das reformas processuais, que, numa luta sem trégua contra a burocracia judicial, busca minimizar os males da demora na prestação jurisdicional, concentrando o processo, para, sem prejuízo da apuração da verdade, solucionar mais rapidamente o litígio.
CARNELUTTI assevera que:[14]
"(...) o tempo é inimigo do processo, contra o qual o juiz deve travar uma guerra sem trégua", mas o tempo é também algo inato ao processo, a ponto de um não sobreviver sem o outro. Daí, a preocupação dos operadores do direito em abreviá-lo, através da eliminação de formalismos inúteis, de demoras injustificáveis, e de protelações maliciosas, garantindo à parte que tem razão a satisfação, mesmo que provisória, do seu direito, em detrimento daquela a quem provavelmente não assiste razão.”
Marcato, compartilhando da mesma idéia assevera que:[15]
“(...) os mais visíveis (e angustiantes) obstáculos que se antepõem ao destinatário final da atividade exercida através do processo são, imediatamente, o seu custo e a sua duração, com efeitos que podem ser devastadores, pois ora atuam como fator de pressão sobre a parte mais fraca, que por vezes é compelida a abandoná-lo ou a se sujeitar a acordos muito inferiores àqueles a que teria direito, ora geram resultados que, à luz da vantagem almejada pela parte, são ineficazes ou inócuos.” (grifo nosso).
O Estado-juiz não dispondo de condições de ministrar justiça a um só tempo rápida e pelo método tido como mais seguro, que é o sistema de cognição plena, tem de contentar-se em outorgá-la sob a forma de cognição sumária, em que a segurança cede lugar à urgência. Equivoca-se quem pensa que a justiça sumária seja menos justa do que a ordinária, porque o que estraga a justiça, o que diminui a sua credibilidade, não é o rito adotado, mas a morosidade da máquina judiciária.
O mesmo Professor alerta para a conseqüência do acima relatado, sustentando:[16]
“Decorre, do exposto, a necessidade (não apenas jurídica, mas sobretudo de pacificação de conflitos) de o Estado-juiz conceder ao interessado uma tutela jurisdicional efetiva, até porque, vedando ele a realização da justiça pelo particular e assumindo, correlatamente, o poder-dever de prestá-la através do devido processo legal, de modo algum se justifica, principalmente sob o ponto de vista do destinatário da tutela, um resultado que não atenda ao seu reclamo - abstraídas, evidentemente, circunstâncias alheias ao processo, como, por exemplo, a insolvência do devedor diante de uma sentença de condenação. Se é certo que todos têm o direito de propor demandas (correspondente ao direito de acesso à jurisdição) e, ainda, que somente têm direito à obtenção do provimento jurisdicional se e quando preenchidas as condições da ação (direito instrumental de ação), mais certo, ainda, é que o direito à tutela jurisdicional efetiva só o têm aqueles que estejam efetivamente amparados no plano do direito material.
Observa-se, em acréscimo, que essa efetividade não resulta exclusivamente da declaração da vontade concreta do direito. Analisado à luz de sua utilidade plena, processo efetivo é aquele capacitado ao cabal cumprimento de todos os escopos do sistema jurídico-processual, pois a instrumentalidade do sistema processual tem como idéia nuclear a efetividade do processo, qual seja a sua capacidade de exaurir os objetivos que o legitimam no contexto jurídico, social e político"; daí o "empenho em operacionalizar o sistema, buscando extrair dele todo o proveito que ele seja potencialmente apto a proporcionar, sem deixar resíduos de insatisfações por eliminar e sem se satisfazer com soluções que não sejam jurídica e socialmente legítimas.
Justamente por essas razões é que o processo deve representar um instrumento adequado ao atendimento, dentro do possível, de todos os direitos e demais posições jurídicas de vantagem previstos no ordenamento e ser dotado, ainda, de aptidão para assegurar à parte vitoriosa, com um mínimo dispêndio de tempo e energia, um resultado que lhe permita o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento.
Não basta, em suma, a efetividade técnica do processo-meio, na medida em que importa, ao destinatário final da tutela, a efetividade da própria tutela (processo de resultados).” (grifo nosso).
Carreira Alvim, preocupado com os julgadores, registra:[17]
“(...) não se alcança um processo ideal apenas com o aprimoramento das regras in procedendi e juízes talentosos, sem que sejam ao mesmo tempo, dotados de sensibilidade ética e social, em perfeita sintonia com os valores do seu tempo. Também não se deve esquecer que as leis, mesmo as Constituições, têm pouco valor sem aquilo que os romanos chamavam constans voluntas – os esforços, sacrifícios, a coragem daqueles que devem aplicá-las. A simplificação dos ritos processais ou a criação de novos instrumentos de acesso à justiça, enquanto alternativas para uma maior eficácia da prestação jurisdicional, só terão seu êxito assegurado se houver propósito dos juízes em aplicá-las efetivamente,pois, do contrário, todo o esforço de agilização restará inútil.Com a antecipação da tutela, o processo deixou de servir à parte não tem razão, pondo-se ao lado da que provavelmente tem o direito.”
O grande desafio do legislador na busca de uma justiça tanto quanto possível rápida e eficaz, está centrado numa técnica que assegure um mínimo de segurança com um máximo de rapidez, operando-se um deslocamento do eixo do processo, do binômio “segurança-certeza" para o da "rapidez-probabilidade". (J.E. CARREIRA ALVIM).[18]
Neste sentido, a maior revolução que se deu na legislação infraconstitucional ocorreu na lei adjetiva com a inserção da tutela antecipada, disposta em seu artigo 273, representando um grande passo no sentido de buscar uma prestação jurisdicional mais célere e eficaz, posto que a demora na prestação jurisdicional apenas se justifica quando efetivamente detectada a complexidade da demanda. Assim sendo, esta medida significa a maneira mais eficiente para a realização do desejo de todos aqueles que necessitam recorrer ao Poder Judiciário: a rápida solução de seus conflitos, racionalizando a distribuição do tempo no processo e inibindo defesas abusivas ou protelatórias, que retardem a outorga da pretensão material. Haverá uma tutela jurisdicional satisfatória, quando for possível afirmá-la como sendo tempestiva, adequada e efetiva.
A lei que introduziu a tutela antecipada em nosso ordenamento produziu uma mudança de concepção do próprio sistema processual. As medidas antecipatórias, até então previstas apenas em determinados procedimentos especiais, passaram a constituir providência alcançável em qualquer processo, representando uma nova concepção de processo civil, uma alteração nos seus rumos ideológicos, marcada pelo acentuado privilégio do princípio da efetividade da função jurisdicional.
A tutela antecipada veio para contornar a morosidade da justiça. Ela é caracterizada, principalmente, pela satisfatividade e pela celeridade. Preocupa-se em proporcionar a parte o resultado prático que ele procura obter através da própria tutela final. Trata-se de medida satisfativa, marcada, em regra, pela qualidade do provisório. Dentre seus escopos está o de dar efetividade ao princípio da tempestividade, na medida em que distribui o ônus do tempo entre as partes, observando para tanto a plausibilidade do direito alegado por estas.
A realidade social brasileira exige efetividade do processo, já que muitos não podem esperar para receber o bem da vida, sob pena de enfrentar até mesmo fome. Marinoni[19] critica aqueles que não abrem mão das garantias e ainda assim falam em efetividade, assinalando que “imaginar que as garantia nada retiram de alguém é desprezar o lado oculto do processo, o lado que não pode ser visto pelo processualista que olha apenas para o plano normativo”.
Odilon Capucho de Souza, acompanhando a idéia acima, revela:[20]
“A tutela antecipada é arma de enorme potencial para corrigir as distorções que o tempo provoca sobre a efetividade da tutela jurisdicional e compensar as deficiências específicas que o instrumento da jurisdição civil tem mostrado em cada área da sua atuação.
No que pese os problemas estruturais que atingem o Judiciário ( número inadequado de juízes e de pessoal qualificado, fruto da falta de recursos), o instituto da tutela antecipada tende a influir positivamente sobre a atual situação do Judiciário, quer porque elimina em grande parte a necessidade de propositura de ações cautelares inominadas e a conseqüente duplicação de feitos, quer porque a antecipação de tutela, uma vez concedida, representará, por si só, grande incentivo à autocomposição bilateral. Outro aspecto dentro dessa mesma ótica é o efeito moralizador expresso pela antecipação fundada no "abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu" (inciso II, do art. 273) que similarmente, fomentará de forma significativa a possibilidade de entendimento entre as partes.
O instituto da tutela antecipada evidencia a esperança de obtenção de um processo de resultados não só pelo prisma do modo de ser do processo como também pela utilidade do provimento.”
Bedaque, por outro lado, adverte que:[21]
“(...) a necessidade de solução justa para as controvérsias requer a prática de atividades que demandam tempo, especialmente para possibilitar ao juiz adequado conhecimento da realidade substancial que lhe é submetida à apreciação. Também devem as partes ter amplas condições de debater a respeito dos fatos controvertidos e questionar decisões do órgão jurisdicional, impugnando-as.”
A expectativa social contrapõe-se ao padrão do processo cognitivo. A nova feição processual está galgada na maior proximidade do cidadão com o Judiciário, sem mitigar a ampla defesa e o contraditório. O significado maior é a vitória da verossimilhança sobre a cognição exauriente.[22]
Os males causados pela demora na prestação jurisdicional ficaram bastante evidenciados, assim como o árduo, constante e bom trabalho do legislador em minimizá-los, fazendo valer os princípios constitucionais do acesso à justiça e da dignidade da pessoa humana.
Finalmente, é importante assinalar que, embora seja mais comum a concessão da tutela antecipada em favor do autor, pode ser ela concedida também a favor do réu, nos casos em ele for o titular do direito discutido no processo, como nas ações reconvencionais, nas ações dúplices e nos pedidos contrapostos.