3 REFLEXOS DA TUTELA ANTECIPADA NO SISTEMA PROCESSUAL
Teori Zavascki discorre sobre as implicações que a medida antecipatória acarretou no sistema processual sustentando que:[23]
“Em relação ao processo de conhecimento, o que se operou foi uma notável valorização do princípio da efetividade da função jurisdicional, ao atribuir-se ao juiz o poder de, já no curso desse processo, deferir medidas típicas de execução,a serem cumpridas inclusive mediante mandados,independentemente da propositura de nova ação, rompendo, com isso, a clássica segmentação das atividades cognitiva e executória.
Quanto à execução, é preciso que se atente para a circunstância de que o sistema original do Código foi estruturado para,mediante ação autônoma,promover execução de sentenças condenatórias.Ele não foi concebido para operar,no próprio âmbito do processo de conhecimento,atos executivos deferidos por decisão interlocutória,como são as medidas de antecipação da tutela.Ora,antecipar a tutela nada mais significa que antecipar providências executórias que podem decorrer da futura sentença de procedência. Efetiva-se a antecipação mediante atos tipicamente executivos, vale dizer, atos que importam modificações no status quo, seja provocando, seja impedindo alterações no plano dos fatos.
Quanto ao Processo cautelar, é visível a perda de seu espaço no sistema de processo, notadamente no que diz respeito às chamadas “ações cautelares inominadas”, decorrentes do art. 798 do Código de Processo Civil, cuja utilização ficou imensamente reduzida.
Integrado às “Disposições Gerais” do “Processo e do Procedimento”, o instituto da antecipação da tutela aplica-se, subsidiariamente, por força do disposto no parágrafo único do art. 272, aos procedimentos especiais e ao procedimento sumário, suprindo suas omissões, complementando-os em suas lacunas. Assim, ao menos que haja incompatibilidade ,o art. 273 (CPC) deve ser considerado como ínsito aos procedimentos especiais em geral, inclusive no da ação rescisória.” (grifo nosso).
4 PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO: NÃO É MAIS PADRÃO DOS PROCESSOS JURISIDICIONAIS CIVIS
Kazuo Watanabe, reconhecendo que o procedimento comum ordinário está ultrapassado para determinadas situações, comenta:[24]
“O procedimento comum ordinário, porque se presta à cognição integral, seja no plano horizontal, seja no plano vertical (cognição plena e exauriente portanto), é considerado o arquétipo dos processos jurisdicionais civis, o modelo para os outros processos de cognição. Por meio dele é possível, assim, acabar para sempre com o litígio entre as partes, porque a elas se permite maior extensão no desenvolvimento de suas pretensões, bem como deduzir do melhor modo possível seus sistemas de defesa.
Todavia, há situações em que o procedimento ordinário – formal, solene e, por isso mesmo, mais lento – não atende às peculiaridades da controvérsia a ser enfrentada. Para elas, indispensável a formatação de procedimento próprio, em que os atos processuais sejam amoldados e encadeados segundo a natureza da lide.”
Isto não significa dizer que o princípio do contraditório e da ampla defesa tenham sido relegados. Eles devem ser exercidos nos limites da necessidade do processo, com o escopo de fazer com que ele chegue ao seu final no menor tempo possível.
Seguindo a idéia de Watanabe e sendo ainda mais abrangente, Teori Zavascki defende quanto à tutela definitiva que: [25]
“A tutela definitiva é formada em procedimento necessariamente contraditório,de cognição exauriente,que,por mais sumário que seja, sempre demanda bom espaço de tempo entre o pedido e a entrega da prestação jurisdicional. Ocorre, todavia,que, em certas situações,os fatos conspiram contra essa demora. A dilapidação, pelo réu, do bem pretendido pelo autor, a tentativa do réu de se desfazer de seus bens para se furtar à futura execução,a necessidade de prover meios de subsistência, são exemplos bem corriqueiros a demonstrar que nem sempre a manutenção do status quo até o encerramento do processo de cognição é compatível como dever do Estado de dar a quem tem direito tudo aquilo e precisamente aquilo a que tem direito.
Em tais ocasiões, ou se promove desde logo medida para garantir a execução e para antecipar a tutela requerida, ou se terá frustrada a futura execução e o próprio direito que eventualmente vier a ser reconhecido. Ora, se o Estado assumiu o monopólio da jurisdição, proibindo a tutela de mão própria, é seu dever fazer com que os indivíduos a ela submetidos compulsoriamente não venham a sofrer danos em decorrência da demora da atividade jurisdicional.Sendo assim, é direito de quem litiga em juízo obter do Estado a entrega da tutela em tempo e em condições adequadas a preservar, de modo efetivo, o bem da vida que lhe for devido, ou,se for o caso, obter dele medida de garantia de que tal tutela será efetivamente prestada no futuro. Sem essa qualificação, a da efetividade, a tutela jurisdicional estará comprometida e poderá ser inteiramente inútil. Em situações de risco, de perigo de dano, de comprometimento da efetividade da função jurisdicional, será indispensável, por isso, alguma espécie de providência imediata, tomada antes do esgotamento das vias ordinárias.” (grifo nosso).
5 CONCEITO DE TUTELA ANTECIPADA
Teori Zavascki[26] traz em sua obra o significado de antecipar: “satisfazer total ou parcialmente o direito afirmado pelo autor, e sendo assim, não se pode confundir medida antecipatória com antecipação da sentença.” O que se antecipa são os efeitos executivos da sentença; antecipa-se a eficácia que a futura sentença pode produzir no campo da realidade dos fatos, ou ainda, antecipa-se os efeitos que a futura sentença definitiva de procedência poderá produzir no plano concreto.
O advogado Rodrigo Cavalcanti de Moraes conceitua a tutela antecipada de forma clara e objetiva:[27]
“O instituto da Tutela Antecipada pode ser conceituado como o poder/dever conferido ao juiz de antecipar a proteção jurisdicional invocada pela parte, de modo que o comando que seria proferido ao final do processo poderá ser concedido antes da sentença, desde que preenchidos os requisitos previstos no artigo 273 do Código de Processo Civil.
Trata-se de decisão interlocutória que pode ser concedida initio litis ou no decorrer do processo, sendo guerreada pelo recurso agravo de instrumento. A Tutela Antecipada é concedida mediante apreciação sumária pelo juiz, caracterizando-se como uma decisão provisória, que deverá ser substituída por uma posterior decisão de mérito. Inobstante não constar na disposição do artigo 273 do Código de Processo Civil, por construção doutrinária e jurisprudencial é admitida a concessão da tutela antecipada quando da prolação da sentença.
Convém ressaltar que a concessão da Antecipação dos efeitos da Tutela Jurisdicional constitui direito subjetivo processual da parte, não faculdade ou mero poder discricionário do juiz. O juiz quebra a marcha procedimental a fim de atender a efetividade da tutela jurisdicional, sob pena de não o fazendo tornar ineficaz uma futura sentença a ser proferida ao cabo do processo. Evolução do conceito de acesso à justiça.
A reboque dessa evolução surge o fenômeno do sincretismo processual, com a valorização da condensação, em um mesmo processo, de medidas de natureza diversas (instrumentais com satisfativas), de maneira a tornar o processo mais simples e célere.” (grifo nosso).
O advogado Mezzomo defende que:[28]
“A antecipação de tutela é uma técnica de sumarização de aplicação genérica, semelhante a que já era aplicada em alguns poucos casos de tutelas liminares específicas.
A sumarização é caracterizada pela redução do espectro de cognição no plano vertical. Como cediço, o espectro de cognição pode ser aferido nos planos horizontal e vertical.
No primeiro caso, poderemos ter cognição plena ou limitada, conforme exista redução no conjunto de questões que poderão ser controvertidas, significando questões pontos de fato ou de direito. Será plena se o objeto da demanda for a integralidade do conflito existente; será limitada (ou parcial) se a demanda tiver por objeto apenas parte do conflito.
Na segunda hipótese, quaisquer espécies de questões poderão ser discutidas no processo, porém há uma limitação na profundidade da cognição, de modo que poderá ser exauriente ou sumária. Ou seja, "no plano vertical, a cognição poderá ser exauriente (completa) ou sumária, tudo dependendo do grau de profundidade com que é realizada.
A antecipação de tutela reduz o espectro de profundidade da cognição, através do condicionamento do provimento concessivo a um juízo de verossimilhança qualificado, afastando a necessidade da cognição exauriente, implicando, portanto, na postergação do contraditório pleno.
A marca fundamental da antecipação de tutela é a satisfatividade.” (grifo do autor).
Fica patente a deficiência do modelo universal de processo com cognição plena, que tenha propósito de obter resultados mais imediatos; privilegia a segurança jurídica. A antecipação de tutela surge como uma solução ante a necessidade de se proporcionar resposta rápida e oportuna a determinadas pretensões, incompatíveis com a demora natural do processo; incompatíveis com o procedimento ordinário nos moldes clássicos, prestigiando o juízo de probabilidade, de verossimilhança, de aparência, de fumus boni iuris mais voltados para a efetividade do que para a segurança do processo.
6 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Rodrigo de Moraes[29] faz um relato histórico sobre a tutela antecipada:
“O instituto da Tutela Antecipada foi introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela Lei 8.952 de 13 de dezembro 1994, permitindo ao julgador antecipar total ou parcialmente os efeitos da tutela jurisdicional pretendida na exordial, desde que haja requerimento expresso da parte postulante.
Em decorrência de reclamos da sociedade, a Tutela Antecipada reputa-se como a decisão provisória de natureza satisfativa que objetiva fazer com que a parte não seja atingida pela inevitável demora do processo, realizando o direito alegado, desde que preenchidos os requisitos estatuídos no art. 273 do CPC.
Em face da inevitável demora do provimento jurisdicional proferido após a apreciação exauriente da matéria posta em Juízo, percebia-se que o longo trajeto a ser traçado pelo autor representava um verdadeiro prêmio para o réu, que, usando de meios postos à sua disposição, dificultava a prolação de decisão definitiva, prejudicando imensamente o autor da ação.
Diante da situação de morosidade extrema da concessão da tutela jurisdicional, passou o processo cautelar a ser utilizado por alguns juristas a fim de albergar situações urgentes, todavia, contrariando o próprio fim colimado pelo processo cautelar.
Dessa forma, a positivação da Tutela Antecipada através da Lei 8.952/1994 veio minimizar a problemática da lentidão do processo judicial, prestigiando o princípio da efetividade e celeridade da prestação jurisdicional.” (grifo nosso).
7 PRINCÍPIOS
Uma análise superficial da tutela antecipada pode conduzir ao engano de que tal instituto vai de encontro a alguns princípios constitucionais, especialmente a garantia do contraditório e da ampla defesa, vez que antecipa os efeitos da tutela jurisdicional pretendida através de uma apreciação sumária, muitas vezes sem a oitiva da parte contrária.
Todavia, tal posicionamento não pode prevalecer, visto que algumas garantias fundamentais nem sempre são absolutas havendo choque com outras também fundamentais, cabendo ao magistrado, ao jurista, ao advogado a harmonização dos dispositivos constitucionais.
A harmonização de princípios aparentemente conflitantes requer preponderância momentânea de uns sobre os outros, sem, contudo, haver eliminação de determinado princípio.
Com efeito, deve ser destacado o direito ínsito no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, garantindo o acesso à justiça, devendo ser entendido que o direito subjetivo da parte é de receber uma tutela jurisdicional efetiva e tempestiva.
Desse modo, Humberto Theodoro Júnior[30] elucida a questão com bastante propriedade:
"É claro que o princípio do contraditório não existe sozinho, mas em função da garantia básica da tutela jurisdicional. Logo, se dentro do padrão normal o contraditório irá anular a efetividade da jurisdição, impõe-se alguma medida de ordem prática para que a tutela jurisdicional atinja, com prioridade, sua tarefa de fazer justiça a quem merece. Justamente porque o tempo inerente ao exercício do contraditório e da ampla defesa é rigorosamente oposto à necessidade da efetividade da jurisdição é que, realizando o modelo constitucional do processo, o legislador criou formas de, dependendo de uns tantos pressupostos a serem demonstrados concretamente, o juiz, sopesando-os, decidir pela preponderância de um ou de outro princípio constitucional, é dizer, de um ou de outro valor constitucional."
Ademais, é importante destacar que o exercício do direito do réu ao contraditório e à ampla defesa não é suprimido, sendo transposto para momento processual posterior, prestigiando a efetividade da tutela jurisdicional, visto que muitas vezes a citação do réu pode ocasionar a ineficácia do provimento pretendido, ou dano irreparável ou de difícil reparação diante da urgência da medida requerida.
Destarte, o entendimento de que a tutela antecipada transgride princípios constitucionais não prospera, visto que o referido instituto está amparado em garantia constitucional, como também não suprime o direito da parte à ampla defesa, de forma que atribui uma maior celeridade ao processo, ressaltando o princípio da efetividade da tutela jurisdicional.
8 REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA
8.1 Iniciativa da parte
A iniciativa da tutela é reservada à parte interessada, não podendo o magistrado determiná-la de ofício, ainda que útil ou necessária; ainda que presentes os requisitos autorizadores para concessão.
O requerimento é deduzido nos autos do processo em que se postula a tutela jurisdicional meritória, não havendo necessidade de instauração de novo procedimento, sendo concedida ou não através de decisão interlocutória ou como capítulo da sentença.
Acrescente-se que não existe preclusão para tal pedido, devendo o mesmo ser acolhido em função de haver preenchido os requisitos previstos no art. 273, de tal sorte que nada impede, por exemplo, que a prova inequívoca venha a ser produzida após a elaboração de uma perícia, possibilitando à parte postulante o requerimento da medida antecipatória.
O provimento antecipatório poderá ser concedido inaudita altera parte, desde que haja urgência e que a citação do réu possa dificultar ou impossibilitar a providência de antecipação, não se deixando de dar atenção ao princípio constitucional do contraditório, com a citação do réu, posto que apenas em casos extremos, deverá ser concedida a medida antecipatória sem a oitiva da parte contrária.
Assim, se constata que o fator determinante para concessão do provimento antecipatório é o preenchimento dos requisitos previstos no Código de Processo Civil, e não o momento de sua produção.
Rodrigo de Mores defende o ponto de vista acima mencionado, declarando que:[31]
“Ademais, nada impede que no decorrer da marcha processual a parte reitere o pedido formulado anteriormente e indeferido, vez que não se opera a preclusão pro iudicato, podendo o magistrado ao analisar a reiteração verificar que os requisitos autorizadores da medida foram produzidos no decorrer do processo. Outrossim, com o decorrer do processo o magistrado estará ainda mais familiarizado com o objeto da ação, que seria ilógico autorizar a antecipação da tutela no início da relação processual, e não permiti-la no decorrer da mesma ou na prolação da sentença, quando o julgador apreciou de forma exauriente a prova acosta aos autos.”
Laura González sustenta que: [32]
“Em princípio, a legitimidade para requerer a antecipação da tutela é do autor do processo, não tendo o réu legitimidade para tanto, exceção feita para os casos de reconvenção e nas ações dúplices.
Todavia, o réu não está impedido de requerê-la nas demandas em que se admitem pedidos contrapostos, pois o pedido inicial é para o réu, aquele formulado na contestação.
A dúvida paira a respeito da possibilidade de o réu requerer a tutela antecipatória quando não realizar pedido, ou seja, limitar-se a contestar. Nestes casos, a doutrina vem entendendo que não seria adequado aceitá-la, uma vez que o réu apenas se defende.”
Compartilhando do mesmo entendimento, Daniel Amorim sustenta:[33]
“O art. 273 do CPC fala em antecipação total ou parcial, significando que o pedido de tutela antecipada poderá ser idêntico ao pedido principal ou ainda conter apenas parte desse ou algum(s) de seus efeitos. Embora exista uma relação entre o pedido principal e o pleiteado em sede de antecipação de tutela, não se exige uma identidade absoluta entre eles, podendo o autor pleitear determinados pedidos em sede principal e de forma antecipada apenas parcela de sua pretensão. É o que ocorre, por exemplo, em situações comuns nos dias atuais em que o autor ingressa com ação para que seja declarada a inexigibilidade do débito, condenado o réu ao pagamento dos danos morais em razão de remessa indevida de nome aos órgãos de restrição de crédito e retirada de seu nome de tais cadastros. Dos três pedidos que foram cumulados, apenas o de retirada do nome dos cadastros é comumente pleiteado em sede de tutela antecipada, pela impossibilidade do primeiro ser concedido (não há certeza provisória) e da dificuldade de obtenção de tutela antecipada no segundo (as condenações em pagar quantia certa nesse caso geralmente são concedidas na sentença final, e não em sede de antecipação de tutela).
O que se deve exigir, até mesmo por coerência lógica, é que só possa ser pleiteado em sede de tutela antecipada aquilo que tiver sido pedido de forma principal, não se admitindo a antecipação de algo que, por ausência de pedido, não poderá ser concedido no final do processo. Ora, se a antecipação de tutela permite a geração de efeitos que só poderiam ser obtidos com a sentença de procedência, não se admite que algo que não possa estar contido em tal decisão final possa ser antecipado. Em razão do princípio da congruência, o juiz estará, no julgamento definitivo, adstrito ao pedido do autor, e justamente em razão disso, não poderá conceder algo que não foi pedido (julgamento extra ou ultra petita). Dessa forma, se o juiz na sentença está limitado ao pedido do autor e a antecipação de tutela deve ser confirmada em tal decisão, é impossível a concessão de tutela antecipada de algo que não tenha sido pedido de forma principal.
A tutela antecipada pode ser concedida a qualquer momento, significando dizer que a concessão poderá se dar inaudita altera parte, durante toda a fase procedimental em primeiro grau de jurisdição. Tudo dependerá da verificação da situação que exigir a antecipação de tutela. Se a mesma se verificar logo no início da demanda, da simples leitura da petição inicial, desde que preenchidos os requisitos, deverá ser concedida antecipação de tutela. Caso se percebe, entretanto, que os requisitos só foram preenchidos posteriormente, não há qualquer obstáculo para a concessão da tutela antecipada.” (grifo nosso).
8.2 Prova inequívoca e verossimilhança das alegações
“Inequívoco” é aquilo que não é equívoco; o que é evidente; claro; manifesto. Prova inequívoca, em cognição sumária, é aquela que apresenta alto grau de credibilidade. Conforme leciona Dinamarco[34] "a sabedoria do Juiz reside em dispensar os rigores absolutos de uma certeza, aceitando a probabilidade adequada e dimensionando os riscos que legitimamente podem ser enfrentados".
O leitor apressado pode concluir que apenas caiba a antecipação de tutela quando a pretensão se assente em prova documental, o que não é correto, posto que a alegação pode prescindir de prova documental quando incontroversos os fatos em que se sustenta, e a divergência consista em questão de direito.
Marinoni registra que o autor pode requerer a tutela antecipatória baseado na prova documental, testemunhal ou pericial:[35]
“e também de prova produzida em processo em que litiga ou litigou como réu – e de laudos ou pareceres de especialistas,que podem substituir, em vista da situação de urgência, a prova pericial. Pode também o autor requerer sejam ouvidas, imediata e informalmente testemunhas ou o próprio réu,bem como pedir a imediata inspeção judicial, nos termos do art. 440 do CPC.”
Segundo Kazuo Watanabe:[36]
“O juízo de verossimilhança ou de probabilidade, como é sabido, tem vários graus, que vão desde o mais intenso até o mais tênue. O juízo fundado em prova inequívoca, uma prova que convença bastante, que não apresente dubiedade, é seguramente mais intenso que o juízo assentado em mera fumaça, que somente permite a visualização de mera silhueta ou contorno sombreado de um direito.
Todavia, a prova inequívoca referida no artigo deve ser flexibilizada, ou seja, deve ser entendida como prova suficiente para provar a verossimilhança das alegações, pois caso se exigisse a prova suficiente para a declaração da existência do direito, perder-se-ia o objetivo da tutela antecipada, uma vez que estaríamos diante da própria tutela satisfativa final.
Assim, o magistrado verificará se a prova juntada pelo autor permite firme convencimento da verossimilhança das alegações, e o fará através de cognição sumária. Note-se que não se fala em certeza, mas apenas em verossimilhança, motivo pelo qual a cognição não é exauriente neste momento processual.”
Rodrigo de Moraes defende que prova inequívoca e verossimilhança das alegações são pressupostos concorrentes:[37]
“Com a redação do artigo 273, caput, do CPC, o legislador, ante a restrição a direitos fundamentais, estatuiu pressupostos para concessão do provimento antecipatório, quais sejam, prova inequívoca e verossimilhança da alegação, indissociáveis da antecipação da tutela.
Observe-se que se trata de pressupostos concorrentes, devem estar obrigatoriamente provados pelo requerente para possibilitar a concessão da medida de urgência, de modo que diferentemente da Cautelar, que exige a fumaça do bom direito, a antecipação da tutela requer prova inequívoca carreada ao pedido, possibilitando a verossimilhança da alegação.
Destaque-se que a rigidez para concessão da tutela antecipada também se apóia no fato de que, como a expressão aponta, ocorre a satisfação da pretensão em momento anterior à sentença, quando o juiz teria possibilidade de fazer uma apreciação plena da demanda posta em juízo.
A prova inequívoca indicada deve ser entendida não como uma verdade absoluta, mas sim como uma prova valiosa, apta a propiciar ao juiz o convencimento da verossimilhança do alegado, até porque poderia se entender um paradoxo falar-se em prova inequívoca e, ao mesmo tempo, em juízo sumário[38].
Ressalte-se que a referida prova inequívoca não deverá ser necessariamente documental, todavia, terá que ser clara o suficiente que não se possa duvidar de sua força probatória, a fim de que possa possibilitar ao julgador o convencimento necessário para concessão da medida.”[39] (grifo nosso).
Mezzomo compartilha do mesmo entendimento, sustentado que:[40]
“Uma das finalidades da antecipação de tutela foi coibir o uso desmesurado, e por vezes fraudulento, das cautelares satisfativas, e foram, de fato, estabelecidos requisitos mais rígidos do que os previstos para a tutela cautelar.
Primeiro ponto a chamar a atenção reside na necessidade de pedido da parte, ao contrário de provimentos cautelares liminares, que podem ser tomados de ofício pelo magistrado, a teor do artigo 798 do CPC. Este fato bem revela as diferenças de perspectivas entre a tutela antecipatória e a cautelar, pois esta última, estando voltada à preservação da eficácia do processo (um interesse público indireto) justificaria a atuação oficiosa.
A antecipação pode ser total ou parcial, vale dizer, tem o juiz a faculdade de antecipar todos ou parte dos efeitos requeridos, sempre de forma fundamentada (artigo 93, inc. IX, da CF/88).
Mas não basta à parte pedir. É preciso que existam provas inequívocas que convençam da verossimilhança da alegação. Aqui parece haver um lapso do legislador, pois se fala em verossimilhança, que costumeiramente é associada à tutela cautelar e como resultante da simples plausibilidade, com prova inequívoca, associada logicamente à certeza jurídica, pois a existência de prova inequívoca induz certeza e não mera plausibilidade que é própria dos juízos sumários.
Não podemos, contudo, olvidar que pode resultar de uma cognição sumária um juízo de certeza sem problema algum. Sumariedade ou exauriência dizem com a profundidade da investigação levada a termo e não necessariamente com o grau de convencimento equivalente a probabilidade ou certeza. O que se tem é um caso de cognição sumária que leva em linha de conta prova inequívoca; o que se quer é uma evidente razoabilidade das alegações da parte postulante e a demonstração de haver perigo na demora da prestação jurisdicional da tutela final
E sobre o que incide a prova inequívoca? Observada a disciplina probatória do CPC e o artigo 273 do mesmo Estatuto, tem-se que a prova inequívoca é requerida em relação aos fatos que estão à base da pretensão. Não se tem que provar ter direito a algo. Provam-se fatos sobre os quais há de incidir o direito. Normalmente as petições trazem tentativas de provar se ter, de forma inequívoca, direito ao bem da vida, quando basta a prova dos fatos. A incidência do direito pode e deve ser referida nos argumentos, porém não é o objeto da prova inequívoca a que refere o artigo.
Assim, a incongruência fica afastada na medida em que a prova inequívoca é sobre o fato, e a verossimilhança é sobre a alegação, que é composta do fato e do direito. Ou seja, a prova inequívoca do fato não é incompatível com a verossimilhança da alegação.”(grifo nosso).
A verossimilhança (conceito subjetivo) é a razoável aceitabilidade da versão, plausibilidade ou probabilidade de ser, ou no vocabulário jurídico De Plácido e Silva: “A verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas”[41]. O subjetivismo depende de cada autor e de cada juiz. O que é verossímil para um pode não ser para outro. A percepção individual é relevante tanto para quem pleiteia, quanto para quem decide.
A verossimilhança da alegação significa que ela tem aparência de ser verdadeira. O juiz afirma apenas a probabilidade de existência do direito e não a existência em si.
8.3 Fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação
O receio a que faz alusão a lei é de um dano ainda não corrido, mas prestes a ocorrer e, para ser fundado, deve vir seguido de circunstâncias que demonstrem que a falta da tutela dará oportunidade a ocorrência do dano, e que este será irreparável ou de difícil reparação.
Conclui-se que o receio deve ser fundado, não bastando a mera conjectura, a possibilidade remota de prejuízo pela demora do procedimento. Na lição de Iberê Castro Dias,[42] “deve ficar evidenciada a dificuldade ou impossibilidade de, ao final, fazer a situação fática retornar aos moldes em que se encontrava, quando do pedido de antecipação”. É a situação que põe em xeque a utilidade prática da futura sentença ante o possível comprometimento do próprio direito afirmado na inicial.
Carreira Alvim[43] considera o receio de índole subjetiva:
“Sedo o receio um sentimento de índole subjetiva, deverá ser analisado, tratando-se de pessoa física, em função da idade, do sexo, da instrução e da condição social de quem o experimenta. É sabido que o velho sente mais temor que o moço, a mulher mais que o homem,e a criança mais que a mulher, não podendo tais circunstâncias ser desconsideradas,sob pena de ser negar a tutela a quem esteja em condições de merecê-la. Destarte, o que é temor ou receio para o velho,não o é para o moço;o que é temor para a mulher,não o é para o homem;e o que é temor para a criança,não o é para a mulher.Tratando-se de pessoa jurídica, o temor de dano irreparável depende, igualmente, das circunstâncias , podendo, por exemplo, existir para uma pequena ou microempresa,sem condições financeiras para recolher um tributo tido por inconstitucional , ou mesmo discuti-lo em juízo e não existir para um grande empresa, em condições de caucionar os respectivos valores para questionar judicialmente a sua constitucionalidade.” (grifo nosso).
Luiz Fux[44] define dano irreparável como “aquele que se manifestará na impossibilidade de cumprimento da obrigação, ou seja, o esvaziamento da utilidade da decisão vitoriosa”. (grifo nosso).
Rodrigo Moraes assinala que:[45]
“ (...) a concessão da antecipação de tutela por força do caput do artigo 273 carece da coexistência alternativamente das situações previstas nos incisos I e II. O primeiro refere-se ao “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”.
Este requisito é identificado com o periculum in mora. Duas situações, distintas e não cumulativas entre si, ensejam a antecipação dos efeitos da tutela de mérito. A primeira hipótese autorizadora dessa antecipação é o periculum in mora, que é o mesmo perigo exigido para a concessão de qualquer medida cautelar.
Entretanto, se deve considerar aqui que o periculum in mora normalmente associado a este inciso não é a imediatidade, mas em um evento que deverá ocorrer durante a tramitação do processo, não necessariamente logo ao seu início. Logo, desde que o dano venha a ocorrer dentro de dois ou três anos (o destaque aqui é para a primeira instância), poderá e (deverá se preenchidos os demais requisitos), ser concedida a antecipação, preferencialmente já no despacho inicial.
Conclui-se, assim, que a imediatidade do despacho inicial se destina por óbvio àquelas situações onde realmente periculum in mora se confunde com urgência. Mas quando se fala em periculum in mora qualificado para a antecipação, tem-se o tempo provável de duração do processo, pois a antecipação se refere a tutela que será prestada ao fim deste processo.” (grifo nosso).
Marinoni, por sua vez, registra:[46]
“Dano irreparável é aquele que possui efeitos não reversíveis, podendo ser de ordem não patrimonial – como o direito à imagem -, patrimonial com função não patrimonial – como a soma em dinheiro necessária para aliviar estado de necessidade – ou simplesmente patrimonial.
Dano de difícil reparação ocorre quando as condições econômicas do réu não levam a crer que o dano será efetivamente reparado, ou quando o dano dificilmente poderá ser individualizado ou quantificado precisamente.”
A tutela antecipatória baseada no fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação há de ser concedida após a contestação. Contudo, caso a situação de perigo o exija, poderá ser deferida sem a oitiva da parte adversa.
Como já mencionado, tendo o Estado adjudicado para si a tutela dos direitos, não pode vedar a concessão da liminar antes da oitiva do réu, se a situação assim o exigir, pois é obrigado a proporcionar a adequada tutela jurisdicional.
8.4 Abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu
Iberê,[47] leciona que: “o direito à ampla defesa não é absoluto, mas mitigado pelos deveres processuais das partes (artigos 14/18).” A celeridade da prestação jurisdicional não pode ficar injustificadamente comprometida. Embora não seja necessária a ocorrência do requisito do inciso I, do artigo 273, é mister demonstrar os pressupostos delineados no seu caput e parágrafos.
Rodrigo de Moraes, nas pegadas de Teori Zavascki assevera que:
“(...) a segunda hipótese associada ao caput do artigo 273 do CPC está prevista no inciso II, e diz respeito ao “abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório”. Segundo Teori Albino Zavascki ‘são expressões fluidas, de conteúdo indeterminado, sujeitas em conseqüência, a preenchimento valorativo, caso a caso.” [48]
Mezzomo destaca que o inciso II não pode ser visto como uma punição ao réu: [49]
“Não se pode ver na hipótese uma medida punitiva. O que o legislador quis significar quando outorgou ao juiz a faculdade de antecipar os efeitos da tutela, nos casos do inc. II do art. 273 não foi, de modo algum, a consideração de que essa antecipação teria caráter punitivo contra a litigância de má-fé. O que se dá, com a conduta do réu, nestes casos, é que o índice de verossimilhança do direito do autor eleva-se para um grau que o aproxima da certeza. Se o juiz já se inclinara por considerar verossímil o direito, agora, frente à conduta protelatória do réu, ou ante o exercício abusivo do direito de defesa, fortalece-se a conclusão de que o demandado realmente não dispõe de nenhuma contestação séria a opor ao direito do autor. Daí a legitimidade da antecipação da tutela.
Importante observar que no caso do inciso II do artigo 273 não há necessidade de aferição de urgência ou de dano, pois nos casos do inciso segundo, cuida-se de aferir a plausibilidade das defesas provavelmente oponíveis à pretensão, considerando que não é justo que a parte autora espere até o fim da realização de uma cognição exauriente e plenária para ver um direto reconhecido quando, prima facie, verifica-se que este será o desfecho da demanda. Note-se: não se há aferir a urgência ou não. Invocam-se dados objetivos referentes à espécie de pretensão manejada e às prováveis defesas que lhe serão opostas.”
Rodrigo de Moraes declara que:
“(...) a priori, a referência a abuso do direito de defesa demonstra que o legislador está se referindo a atos praticados para defender-se, ou seja, atos processuais. ‘Por isso, por abuso do direito de defesa hão de ser entendidos os atos protelatórios praticados no processo, porém, em tese é admissível o pedido liminar fundado no inciso II, pois não despropositado o abuso do direito de defesa verificado fora do processo, quando há prova suficiente de que o réu fora, por exemplo, notificado várias vezes para cumprir a obrigação, tendo apresentado evasivas e respostas pedindo prazo o para o adimplemento’.”[50]
Continuando seus ensinamentos, questiona:[51]
“Mas quais as hipóteses caracterizam para os fins do artigo 273, inc. II do CPC, abuso do direito de defesa?
Uma primeira hipótese que assoma ocorre quando a contestação for deduzida apenas formalmente, sem consistência.
Outra hipótese que pode ser mencionada parece ocorrer de forma clara nos casos enquadrados na litigância de má-fé, elencados no artigo 17 do CPC. Assim sendo, se o réu maneja como defesa, por exemplo, fatos inverídicos, ou invoca leis absolutamente impertinentes, sem dúvida que está abusando do direito de defesa.
Uma terceira probabilidade de abuso do direito de defesa ou busca notória de protelação ocorre quando a defesa a ser manejada, ou já exercida, contraria entendimento jurisprudencial já consolidado.
Nestes casos, havendo previsão de medidas punitivas para as condutas elencadas como litigância de má-fé, nada obsta que resultem duas ordens de conseqüências em relação ao mesmo fato.”
Ficou evidenciado que além do pedido baseado no receio de dano irreparável ou de difícil reparação, a tutela antecipada poderá ser fundada em abuso do direito de defesa ou no manifesto propósito protelatório do réu. Neste caso, a antecipação ocorre devido a aspectos puramente processuais, como o comportamento inadequado do réu, permitindo a satisfação antecipada do direito do autor, com a reserva, para momento posterior ao da antecipação, do direito do réu de produzir prova, e de produzi-la em toda a extensão que lhe permite o procedimento comum. A prova inequívoca produzida pelo autor, do fato constitutivo do seu direito,permite que o juiz, com base num juízo prévio e provável ,tenha por infundados eventuais fatos impeditivos,modificativos ou extintivos que possam vir a ser alegados pelo réu.
Nesta situação, a antecipação não se vincula ao perigo concreto de dano. A medida justifica-se, pois a atitude do réu é semelhante à litigância de má-fé, o que deve ser punido, ao mesmo tempo em que o autor não pode ser prejudicado pelo retardamento indevido da prestação jurisdicional.
Carreira Alvim, no mesmo passo, declara:[52]
“Se, nos termos do art. 17, inc.I, reputa-se litigante de má-fé aquele que deduz defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso, nada mais lógico (e racional) do que antecipar a tutela se o réu abusa do seu direito de defesa,ou oferece defesa com propósito manifestamente protelatório. O inciso II, do art. 273, fruto da experiência do foro, foi a fonte de inspiração do legislador,com o objetivo de evitar que o uso das vias judiciais retardassem a prestação jurisdicional, com defesa infundada ,contrária muitas vezes até à jurisprudência sumulada em última instância. O direito processual , tanto quanto o material, comporta abusos, sendo que o cometido no processo é até mais pernicioso que o cometido contra o direito mesmo, uma vez que, além das partes,atinge o próprio Estado, na sua tarefa de distribuir justiça, tornando morosa a prestação jurisidicional.” (grifo nosso).
É preciso distribuir o ônus do tempo do processo. O autor não pode suportá-lo sozinho, pois quanto maior a demora na concessão do direito, maior é o dano do autor e maior o benefício do réu. Acaba sendo mais vantajoso esperar uma decisão desfavorável do que adimplir com pontualidade. A duração do processo não deve resultar em prejuízo do autor que tem razão.
Assim, quanto antes puder o autor usufruir seu direito, maior será a efetividade do processo, uma vez que haverá maior correspondência entre a solução judicial e a atitude esperada do réu.
Não é direito do réu, a defesa abusiva. É preciso ter em mente o que afirma Marinoni:[53] “A defesa é direito nos limites em que é exercida de forma razoável ou nos limites em que não retarda, indevidamente, a realização do direito do autor.”
A fim de configurar o abuso do direito de defesa, é preciso que o autor deixe evidenciado o seu direito e que o réu tenha apresentado defesa frágil, ou seja, na qual se perceba que o autor tem grande probabilidade de vitória, de modo que a espera para a obtenção do direito será injusta.
Bedaque ensina que:[54]
“Embora não exista perigo causado por algum acontecimento extraordinário, há o risco sempre presente de dano marginal, que o legislador houve por bem eliminar, em conseqüência do abuso de defesa ou do intuito protelatório do réu. Se o réu age dessa forma, por que sujeitar o autor às agruras do procedimento comum, para somente depois conceder-lhe a tutela?”
A regra legal, ao contrário do que se supõe, não torna obrigatória a espera da contestação para, só então, certificar-se se a defesa é ou não abusiva, para outorgar ou não a tutela antecipada. Carreira Alvim[55] cita como exemplo “as demandas múltiplas de revisão de benefício previdenciário em que os juízes conhecem, de antemão, a defesa (abusiva e protelatória) oposta pelo INSS, como propósito de retardar a decisão da causa”. Permissível é atender o requerimento de tutela antecipada nos casos de evidência, sem aguardar a defesa para considerá-la abusiva, tal como se faz quando se analisa o pedido liminar de mandado de segurança.
8.5 Reversibilidade
A cognição exigível para a antecipação da tutela é de natureza sumária, ou seja, menos aprofundada no aspecto da verticalidade. Tal circunstância determina o caráter provisório da medida, que será negada se houver perigo de irreversibilidade absoluta.
A antecipação está autorizada havendo fundado receio de que ocorrerá dano irreparável ou de difícil reparação e não será concedida se houver perigo de irreversibilidade. Tanto numa, quanto noutra hipótese há o risco, isto é, algo entre a certeza, que elimina toda e qualquer dúvida, e a impossibilidade de firmar um juízo fundado e seguro.[56] Há risco quando se tem alto grau de probabilidade, sem que se possa assegurar sua ocorrência.
Érsio Miranda revela que:[57]
“O grau de convencimento que autoriza, em termos de prova, a antecipação, é o mesmo que a desautoriza, em caso de irreversibilidade. Admitir a antecipação do que será irreversível é transformar em definitiva uma execução que dessa natureza não se pode revestir ou se colocar o executado, dada a falta da caução, sem garantia de ressarcimento.” (grifo nosso).
A exigência da irreversibilidade não pode ser levada ao extremo, sob pena de o novel instituto da tutela antecipatória não cumprir a excelsa missão a que se destina. Registre-se que muitos juízes justificam a não outorga da tutela liminar na irreversibilidade.
Não há razão para que não se admita que a antecipação de tutela produza efeitos fáticos irreversíveis. Sacrifica-se o improvável em prol do provável.
Ensina Bedaque:[58]
“Não se pode desprezar, porém, a possibilidade de situações extremas, em que se permite a satisfatividade irreversível da tutela antecipada, sob pena de perecimento do direito. Se a única forma de evitar essa conseqüência e assegurar a efetividade do processo for antecipar efeitos irreversíveis, não se pode excluir de plano a medida.
O juiz, diante da dúvida a respeito da possibilidade de retorno ao status quo, deve identificar o interesse mais relevante, valendo-se do princípio da proporcionalidade.
Destarte, admite-se que o juiz corra o risco de causar um prejuízo irreversível ao réu. Exige-se o sacrifício de um direito improvável, a fim de prestar a adequada tutela jurisdicional, uma vez que não só a concessão, mas também a negação de uma liminar pode causar prejuízo irreversível.”
Diz Ovídio A. Baptista da Silva:[59]
“(...) casos há, de urgência urgentíssima, em que o julgador é posto ante a alternativa entre prover ou perecer o direito que, no momento, apresente-se apenas como provável, ou confortado com prova de simples verossimilhança. Em tais casos, se o índice de plausibilidade do direito for suficientemente consistente aos olhos do julgador – entre permitir sua irremediável destruição ou tutelá-lo como simples aparência -, esta última solução torna-se perfeitamente legítima. O que, em tais casos especialíssimos, não se mostrará legítimo será o Estado recusar-se a tutelar o direito verossímil, sujeitando seu titular a percorrer as agruras do procedimento ordinário, para depois, na sentença final, reconhecer a existência apenas teórica de um direito definitivamente destruído pela sua completa inocuidade prática.”
Marinoni endossa declarando que:[60]
“Admitir que o juiz não pode antecipar a tutela,quando a antecipação é imprescindível para evitar um prejuízo irreversível ao direito do autor,é o mesmo que afirmar que o legislador obrigou o juiz a correr o risco de provocar um dano irreversível ao direito que justamente lhe parece mais provável. A tutela sumária funda-se no princípio da probabilidade.Não só a lógica mas também o direito à adequada tutela jurisdicional exigem a possibilidade de sacrifício,ainda que de forma irreversível,de um direito de pareça improvável em benefício de outro que pareça provável.Caso contrário, o direito que tem a maior probabilidade de ser definitivamente reconhecido poderá ser irreversivelmente lesado.”
Assim, o juiz deve estar atento ao caso concreto, a fim de ponderar os valores jurídicos envolvidos, ou seja, valorar se o dano que a tutela antecipada pode causar não é maior que aquele que pretende evitar.
Destarte, não há como traçar regras abstratas e genéricas para solucionar a problemática, como, por exemplo, a exclusão genérica realizada pelo legislador ao redigir o parágrafo 2º, do artigo 273 CPC. A sensibilidade do juiz diante das circunstâncias do caso concreto mostrará o melhor resultado.
Como salienta Teori Albino Zavaski,[61] “em casos dessa natureza, um dos direitos colidentes será sacrificado. Caberá ao magistrado ponderar os bens e valores envolvidos e que se encontram em colisão, a fim de tutelar em favor daquele prevalente à luz do direito.”
A fim de preencher o requisito da reversibilidade, pode-se substituir a medida por perdas e danos, ou, ainda, a prestação de caução, a fim de assegurar o ressarcimento daquele que vier a sofrer os efeitos da antecipação, no caso de indeferimento da tutela final.
Desta forma, nos casos em que é inevitável a concessão de medida irreversível, pode-se adotar a prestação de caução como meio de minimizar o prejuízo da parte que está sofrendo a antecipação. A caução restabeleceria o equilíbrio entre as partes, o qual estaria ameaçado após a concessão da antecipação em favor de uma e em detrimento da outra.
8.6 Efeito de tutela final
Iberê comenta que o instituto previsto no art. 273 do Código de Processo Civil atribuiu maior efetividade às decisões judiciais, afirmando:[62]
“A concessão da medida prevista no artigo 273 presta-se a atribuir maior efetividade aos provimentos jurisdicionais, permitindo que, mesmo diante do risco de perecimento, permaneçam úteis. Portanto, como está ínsito na denominação do instituto, só poderá surtir efeito antecipado a tutela de mesma natureza que era concedida na sentença, se procedente o pedido inicial.”
Teori Zawascki ensina:[63]
“Antecipam-se os efeitos executivos da futura sentença de procedência, assim entendidos os efeitos que a futura sentença tem aptidão para produzir no plano da realidade. Em outras palavras: antecipa-se a eficácia social da sentença, não a eficácia jurídico-formal. Os efeitos antecipáveis são, assim, os potencialmente decorrentes do conteúdo da sentença de mérito, que varia segundo a natureza do pedido, e conseqüentemente, da sentença que o acolher. O conceito de efeitos ou força está relacionado com a eficácia da sentença. Assim, pois, antecipar os efeitos da tutela pretendida significa antecipar as eficácias potencialmente contidas na sentença. A antecipação de efeitos da tutela somente contribuirá para a efetividade do processo quando,pela sua natureza, se tratar de efeitos que provoquem mudanças ou que impeçam mudanças no plano da realidade fática, ou seja, quando a tutela comportar,de alguma forma,execução. Execução em sentido o mais amplo possível: pela via executiva lato sensu, pela via mandamental ou pela ação de execução propriamente dita.
(...) O cumprimento da medida ocorrerá, em regra, no âmbito da própria relação processual em que foi deferida, mediante ordens ou mandados expedidos pelo juiz. Assim, sempre que as providências determinadas para atendimento da decisão antecipatória puderem ser cumpridas diretamente pelo Estado, através de oficial de justiça, independentemente do concurso da vontade ou da participação efetiva do demandado, expedir-se-á mandado com tal finalidade”.