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Protestos no Brasil: o direito também brota das ruas

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Agenda 07/01/2014 às 13:18

O CASO DA BOATE KISS

Merece ser tratado à parte um caso que ainda tem seus desdobramentos no presente. É ainda uma ferida profunda que sangra. Em janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria, RS, a Boate Kiss incendiou quando estava superlotada, sendo a causa do desastre a queima de fogos de artifício no interior do prédio, por conta da encenação ou da coreografia de uma banda de música. Na conta final, morreram 242 pessoas e foram feridas 622. Em seguida apareceram as “defesas”: uns alegavam que a competência de fiscalização não era sua, mas de outro órgão, os cultores da fatalidade logo culparam o destino, aqueles que elaboraram os alvarás e laudos técnicos sustentaram que os levantamentos estavam corretos, os que acenderam os fogos disseram que não tinham a intenção ... Finalmente, como é costumeiro, foi exaustivamente empregada a palavra ‘tragédia’, embora se saiba que ela serve para descrever uma situação que se mostra inexorável, não tendo o sentido de expiadora universal de culpas.

Todavia, a casa noturna não tinha pelo menos duas saídas para a rua, como exigido nos regulamentos de segurança, mas apenas duas portas internas que se comunicavam com uma só entrada/saída. O material de isolamento utilizado não era próprio, pois altamente inflamável e, quando queimado, tóxico. Havia ainda falhas na iluminação, nos extintores de incêndio, na colocação de uma barra de ferro protetora da única porta externa e a já mencionada superlotação. Detalhes ainda estão no noticiário.

Ajuizada a ação penal, os principais acusados foram presos. Quando o recurso veio a exame pelo Tribunal de Justiça, as prisões foram revogadas. Os fundamentos acolhidos são constrangedores. Em 29/05/2013, a 1ª Câmara Criminal do TJ/RS entendeu que o douto magistrado a quo teceu longas considerações sobre o episódio da boate Kiss e suas dramáticas consequências, extravasando uma emoção consentânea com a comoção geral da comunidade, o que era compreensível e natural naquele momento, pois o Juiz também é homem e tem humanas reações, felizmente para seus jurisdicionados.”

Esse não é um argumento jurídico aceitável. Se as prisões não estavam fundadas nas hipóteses da lei, então se tratava de ato de arbítrio e faltava causa legal (justa causa) para elas. Se, por outro lado, decorriam de sentimento momentâneo reativo à comoção da comunidade, caracterizariam um comprometimento do juízo isento do magistrado de primeiro grau. Numa e noutra hipótese, portanto, o Tribunal afastou-se do exame da res in judicio deducta para fazer conjecturas de ordem subjetiva, com o agravante de produzir literatura de péssimo gosto e qualidade. Banalidades e truísmos sobre a formação do juízo. Ainda se contém no acórdão este preciosismo, completamente disparatado para quem recebe o julgamento impactado pela perda das vítimas: “Não se vislumbra na conduta dos réus elementos de crueldade, de hediondez, de absoluto desprezo pela vida humana que se encontram, infelizmente com frequência, em outros casos de homicídios e delitos vários.” (Fonte: www.jusbrasil.com.br/ ; Revista eletrônica Consultor Jurídico – www.conjur.com.br Notícias - Revogada a prisão preventiva dos quatro réus da Boate Kiss – 29/05/2013).

Seria preciso reconhecer, em primeiro lugar que, nas palavras da mãe de uma vítima, “morreram pessoas e não baratas”. O crime não foi um homicídio simples, já em si suficientemente grave. Na verdade, foi uma devastação: cena de guerra ou de atentado terrorista. Se alguém que superlota um ambiente fechado, sem aberturas de evasão suficientes para o número de frequentadores, e consente ou toma a iniciativa na queima de fogos, em prédio que não comporta essa pirotecnia sem imenso e iminente risco ... não tem desprezo pela vida humana, nos termos do acórdão, tem o quê? Apreço profundo? Em 2013, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul inventou mais um significado ”aceitável" para Kiss ? e deveria mesmo sugerir sua inserção no Dicionário Webster ? beijo da morte.

É humilhante para um povo e para os que são participantes involuntários desse episódio, que foram chamados ao centro dos acontecimentos pelo grau de sofrimento que têm de enfrentar, é extremamente humilhante, repete-se, ter de ler um julgado tão constrangedor que, imitando a situação já examinada no “caso Pimenta Neves” (em que o juiz se aprisiona numa tendência jurisprudencial de liberar os culpados até que tenham condenação definitiva), considera apenas generalidades banais, sem a profundidade que o drama do caso examinado exige. Como consequência dessa “fluidez da modernidade líquida”, como diria o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, os acusados devem ficar soltos: nada é sólido, referências de valor foram perdidas, a etimologia da palavra consequência tem de ser reencontrada... O resultado pode vicejar nos gabinetes e salas de julgamento vergadas pelo peso da burocracia, pela pieguice de considerações que não procedem a uma análise consequente e por um distanciamento rançoso da vida real. Mas explodirá. Nas ruas, de preferência. E as pessoas atingidas pelas perdas desse crime estavam lá.

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COMO “MELAR” O MENSALÃO

1. Absolvição por estratagema da defesa – O processo conhecido como “mensalão” (Ação Penal nº 470) tornou-se muito conhecido por tramitar no Supremo Tribunal Federal, com sessões filmadas. Sua riqueza para um exame estritamente jurídico é tão grande que, por muitos anos, ele será visto e revisto sob diferentes enfoques. As questões políticas envolvidas, os métodos de partilha do poder, em particular, são igualmente ricos e têm muitas faces. Para o que interessa a este texto, um só aspecto será examinado, o da absolvição do publicitário Duda Mendonça. Ele foi denunciado pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas, pois abriu uma conta bancária no exterior, em um paraíso fiscal do Caribe, em nome de Dussseldorf Company, através da qual recebeu pagamentos relacionados com campanha política. Só fez declaração desse ganho a posteriori. A maioria dos ministros do Supremo entendeu que ele não tinha ciência de que os recursos provinham de fonte ilícita (do “mensalão”). Alguns salientaram que as normas do Banco Central, então vigentes, só exigiam a declaração dos ganhos mantidos no exterior no final do ano, e antes disso eles foram declarados.

Nesse tipo de operação financeira, e no da prestação de serviços de publicidade a partido político, ninguém pode imaginar que haja margem para ingenuidades ou ignorância da fonte dos 10 milhões e 400 mil reais repassados ao exterior. A simples conversão em dólares dessa quantia já deveria ter sido declarada quando foi feita. Todavia, aqui não é o lugar par questionar a decisão de mérito já tomada pelo Supremo. Mas é o lugar para avaliar a sua consequência. O sentimento popular a respeito de absolvições de pessoas com grande destaque social, como sendo um estratagema de defesa, faz com que se crie a visão de um Judiciário preso ao enredo das tramas, o lugar em que existem muitos descaminhos e onde a clareza, a obviedade, a verdadeira razão das coisas, não brilha. Se é possível para alguém receber milhões no exterior, lá criar uma conta disfarçada em nome de uma pessoa jurídica inexistente, que não tem função civil ou econômica; se é ainda possível converter grande soma em moeda estrangeira sem fazê-lo publicamente e, por fim, se tudo pode ser mantido em sigilo, com comunicação posterior (talvez ditada pela conveniência, diante de uma descoberta iminente e anunciada) às autoridades monetárias, se é possível tudo isso, baseado em Dostoievski (não em um criminalista, mas no seu personagem assassino Raskolnikov) qualquer um do povo poderia perguntar: “Então tudo é permitido?”.

Esta é a questão que ficou: alguém se livra de uma condenação pesada por supor-se que “não sabia” e ainda porque cumpriu o prazo para comunicar a operação à autoridade monetária. Aqui vale observar que os crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro não são regras penais em branco, isto é, aquelas que dependem de uma ‘regulamentação’ de seus parâmetros para aperfeiçoar o tipo penal descrito. Os ministros do Supremo que votaram vencidos deixaram um repto tão poderoso à maioria de sua própria Corte que o passar de muitos anos talvez não apague. Na memória popular há um vago sentimento de mal-estar, uma impressão nociva de que seguir o caminho da justiça não leva ao lugar da serena verdade que cada um, no seu íntimo, gostaria de alcançar algum dia previsível.

2. A “hipertipificação” do crime de formação de quadrilha – O crime previsto no art. 288 do Código Penal estava definido ainda nos termos da redação original, que data de 1940, quando houve o julgamento do “mensalão”. Todos os comentários relevantes sobre ele já foram feitos. Seus elementos constitutivos são bastante simples: (1) a associação, que corresponde à figura histórica do Direito Penal da societas sceleris; (2) a congregação de pelo menos quatro pessoas, número escolhido pela lei para titular o crime como quadrilha e (3) finalidade de cometer crimes (não apenas um crime de única ocasião, em coautoria).

No julgamento do “mensalão” emergiu o entendimento (defendido principalmente pela Ministra Cármen Lúcia) no sentido de exigir uma hipertipificação da quadrilha. Seria a vontade determinada e explícita de constituir o bando, uma espécie de affectio societatis que as associações para fins comerciais e civis costumam ter, mas que absolutamente nada tem a ver com Direito Penal. Assim, quatro ou mais pessoas que se reunissem para praticar crimes (fossem eles continuados, sucessivos, periódicos ou até em ocasiões determinadas) ainda precisariam ter uma “intencionalidade específica”, como se fosse esta uma segunda finalidade, para caracterizar a associação criminosa.

Nunca houve na história doutrinador relevante que sustentasse essa tese. O grande Heleno Fragoso chegou a dizer que nem mesmo é preciso que todos os integrantes da quadrilha se conheçam. O que se tem como assente é que a constituição do bando é necessária, útil ou conveniente para a concretização do crime. Sem a formação da quadrilha, ele seria impossível ou muito mais difícil de realizar. Os integrantes da quadrilha, numa situação exclusivamente de fato, colaboram com suas atribuições individuais – o concurso de seus esforços – para a finalidade visada, o cometimento dos crimes. Isto é tudo o que basta.

Outro fato processual surpreendente, relativo a esse assunto, foi o de que o Ministro Marco Aurélio absolveu três acusados de formação de quadrilha porque o quarto, ex-deputado José Janene, morreu no curso do processo. Assim, segundo ele, a quadrilha, no seu sentido literal, desintegrou-se. A respeito, o professor Lenio Luiz Streck escreveu um excelente artigo: “Morto não conta ... Mas desconta!” (Fonte: Revista eletrônica Consultor Jurídico  www.conjur.com.br, em 13/12/2012). A existência de uma quadrilha tem a ver com o momento do cometimento do crime. Não fora assim, um bando formado por dez pessoas que logo após o crime fosse desbaratado pela polícia, morrendo oito deles no confronto, já não seria uma quadrilha mas apenas uma dupla... A respeito desse assunto, assim como a propósito da lei aplicável, vigora a regra milenar tempus regit actus (o tempo da ação é que determina o ato).

Esses dois temas de duvidoso entendimento prevalente, apenas para não dizer péssimo, na abordagem que receberam pelo Supremo, entre muitos outros, passam para a população um sentimento de que são tiradas teses de uma velha cartola, de onde brotam incompreensões novas. Elas não são mais autorizadas no estágio de desenvolvimento do Direito Penal no Brasil. Não é por acaso que o jornalista Elio Gaspari tenha feito o que chamou de “Um exercício de fantasia futurológica” (Fonte: oglobo.globo.com, de 23/06/2013): no julgamento dos embargos  apresentados no processo do “mensalão”, com o novo perfil do STF que contemplará os votos de dois novos ministros, os quais não participaram da condenação havida, prosperaria a tese da “hipertipificação” da quadrilha, e os réus seriam absolvidos desse crime. Com a diminuição da pena, ficariam livres da prisão fechada (iniciando o cumprimento da pena já no regime semiaberto) todos os componentes do chamado “núcleo político”.

Especulação ou não, isso será esclarecido pelos fatos futuros; mas hoje é certo que soa muito estranha a afirmação do último ministro nomeado, Roberto Barroso, que foi “um ponto fora da curva” o Supremo ter agido com severidade no caso do “mensalão”. Oxalá o novo ministro se livre da constante lembrança com que essa frase infeliz, apreciando a conduta processual dos seus colegas que participaram do julgamento, marcará profundamente o seu nome e a sua conduta doravante. É de se esperar também que ele não se esmere em fazer uma curva em torno do ponto ...

Só a manifestação das ruas fará com que brote um novo Direito, aquele que exatamente recusa essas interpretações rarefeitas, essa superfluidade digna de uma corte de afetações, não de um tribunal moderno, essa quintessência da “natureza jurídica” rebuscada que, ao fim de tudo, soçobra em uma formidável ruína, pois não resulta em verdade nenhuma. Talvez, também, as manifestações motivem a presidência da República a nomear para a próxima vaga um grande criminalista para o Supremo, de que ele tanto precisa, há tanto tempo. Nossa Suprema Corte foi poupada na crise de estranhamento entre a população e suas principais instituições judiciais. Ainda é reconhecido que o movimento de ativismo jurisdicional lá instalado tem procurado desencadear respostas. Também subsiste a crença de que os julgamentos não precisam submergir no caos da superestrutura jurídica em que os brasileiros estão sendo crescente e angustiosamente confinados, mas os percalços e a desconfiança já são grandes. Haverá um grande risco de mudar esse quadro, e instalar-se a descrença completa, se o processo do “mensalão” tiver as condenações revertidas significativamente por meio do julgamento de embargos.


OBRAS DA COPA – O CASO MARACANÃ

Muitas notícias sobre gastos na construção de estádios ainda estão sendo divulgadas. Erros de proporção, com obras superdimensionadas, orçamentos ultrapassados e muito financiamento do BNDES, cuja destinação suscita a pergunta: os recursos não deveriam ser direcionados para a atividade produtiva? O Tesouro Nacional teve de fazer, em dezembro de 2012, através de Medida Provisória, a inversão de 15 bilhões de reais naquele banco, e no início de junho de 2013 aportou mais uma vez quantia igual (Fonte: agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-06/medida-provisoria). Além desses aspectos, todos preocupantes, sobressai um tema: a submissão servil, sem vislumbrar as prioridades do país, das autoridades governamentais aos interesses e metas da FIFA.

Estas questões vêm sendo enfocadas sob a forma de protesto. Não há explicação plausível para o fato de haver sido modificada a legislação interna, de modo que foi estabelecida por lei federal a autorização para consumo de bebidas alcoólicas nos estádios. Obviamente, contrariando as campanhas sistemáticas que são feitas contra o uso do álcool por quem dirige veículos. Havia já em legislações estaduais restrições variadas ao comércio etílico em campos de futebol, certamente motivada pelas ações de controle de tumultos e enfrentamento de torcidas, que são executadas pelas polícias militares dos Estados.

A intromissão da FIFA em questões internas do país, além das suas exigências que implicaram em gastos vultosos, foi motivo de repúdio social. Na época em que sucessivos impérios econômicos dominaram o mundo, nos séculos XIX e XX, em países que sofreram um colonialismo instalado ou imposto pelas relações internacionais, foi cunhada a expressão revoltada que, no Brasil, ganhou a versão de “lacaio do imperialismo”. Era empregada com relação a políticos que defendiam a estreita colaboração com os “Impérios” (pouco importa se fossem organizados como Repúblicas, pois imperial era a doutrina intervencionista que praticavam), e, assim, eram conhecidos como “entreguistas”. Como Juracy Magalhães que, sendo chanceler do Regime Militar, cunhou a frase famosa: “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”. Curiosas são duas situações históricas a respeito: (1) Teotônio Vilela, cuja última fase da vida foi a de um libertário, tendo embora morrido antes que terminasse o estado de exceção, dizia que termos como “lacaio do imperialismo” deveriam ser ressuscitados, pois de novo havia causa para seu uso; (2) nenhum governo emancipacionista que se conheça havia já sucumbido às exigências de um organismo internacional como agora aconteceu com o Brasil, com o agravante de que se trata de uma entidade com constituição e práticas mafiosas largamente conhecidas. Nesse caso, a submissão é pior, pois nem ao menos existe uma potência estrangeira ou uma ideologia para justificá-la, como aconteceu com a deturpação da Doutrina Monroe. Simplesmente, o que é “bom para a FIFA” passou a ser “bom para o Brail”.           

Esse pano de fundo não será examinado aqui, embora tenha sido relevante para as manifestações objeto deste texto, porque os principais desdobramentos não estão no plano jurídico. Por suas peculiaridades, o exame focará o caso do Estádio do Maracanã. Essa praça de esportes formava um conjunto arquitetônico com o parque aquático e o estádio de atletismo, e estava tombado pelo IPHAN desde o ano 2000, pelo interesse paisagístico e etnográfico. No mesmo parque ainda estavam situadas uma escola municipal e o Museu do Índio, este último em um prédio histórico. A pedido da Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro, o IPHAN se pronunciou a respeito da remodelação de todo espaço público para a Copa das Confederações. O superintendente do Instituto, Carlos Fernando Andrade, que é servidor do Estado do Rio de Janeiro, emitiu autorização para demolição da marquise do estádio, sua reforma e as obras em torno dele, que implicariam também na demolição dos demais prédios, exceto do Museu do Índio (embora prevista), em face da resistência de lideranças indígenas. A explicação dada pelas autoridades estaduais foi a de que era necessário adotar “normas internacionais” de segurança para a circulação de acesso. Provocado, o Conselho Consultivo do IPAHN aplicou censura ao superintendente, por ter concedido autorização incompatível com o tombamento realizado pelo Instituto, dando margem também à crítica por conflito de interesse, uma vez que o servidor comissionado no cargo federal era também funcionário público do Estado requerente daquela autorização. Mas então o estádio já havia vindo abaixo. A marquise, um êxito marcante da arquitetura brasileira dos anos 1940, virara pó. O Ministério Público ainda tentou embargar a obra, em vão. O TRF da 2ª Região, ao julgar o processo Ag Instr 20112010106930 RJ, manteve a demolição. A Defensoria Pública depois constatou os vícios das informações prestadas pelo IPHAN ao Judiciário. O valor da obra que beirava os 700 milhões superou 1 bilhão de reais (Fonte: www.jusbrasil.com.br/ tfr2maracana tombamento marquise demolição ; www.espn.com.br/oficio que autorizou mudanças no maracanã). Em resumo, o governo do Estado do Rio de Janeiro “plantou” um agente de seu interesse em produzir obras vultosas, atropelando as normas protetivas do IPHAN e, ali mesmo, foi autorizada aquela que talvez tenha sido a mais destrutiva ação governamental recente contra o patrimônio arquitetônico de uma cidade.       

O fecho dessa novela de péssimo enredo, com trapaças, humor negro, negligência, inoperância judicial, tráfico de influência, prejuízo aos cofres públicos e tantos outros desatinos, está em que o estádio seria entregue à exploração da iniciativa privada. Por muito menos que isso, apenas incendiadas pela paixão nacional, as nações pobres de El Salvador e Honduras entraram em guerra, a chamada “guerra do futebol”, em 1969, A questão que se apresenta ao Brasil não é a de fazer a guerra do Maracanã; é de como encontrar a paz diante do desperdício evitável e tão grande que aceita o adjetivo com duvidoso gosto de “faraônico”, e de como exigir o silêncio dos revoltados. Eles são muitos e sentem que o país perdeu (ao lado da seriedade, como já sabia o General De Gaulle há cinquenta anos) o senso da prioridade, e enterra alicerces inúteis na mesma medida e pressa com que enterra corpos dos desassistidos nos serviços públicos de saúde e das vítimas de crimes impunes.    

Sobre o autor
Luiz Fernando Cabeda

Desembargador do TRT da 12ª Região, inativo. Fez estágio na Escola Nacional da Magistratura da França, Seção Internacional. Autor de "A Justiça Agoniza" e "A Resistência da Verdade Jurídica".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABEDA, Luiz Fernando. Protestos no Brasil: o direito também brota das ruas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3842, 7 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26322. Acesso em: 5 nov. 2024.

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