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Liberdade provisória:

das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo intérprete

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Agenda 08/01/2014 às 07:08

Presume-se como verdadeira a alegação da falta de condições econômicas do acusado que pleiteia liberdade sem fiança, já que essa mazela econômica é a regra dos encarcerados brasileiros.

 Resumo: Diante da configuração de que a prisão em flagrante não pode mais ser mantida como forma de segregação cautelar por si mesma depois de desempenhadas as formalidades do auto de prisão, eis que assim determinou a reforma judicial operada pela Lei nº 12.403/2011, a presente monografia escolheu como objetivo a análise da concessão liberdade provisória mediante fiança policial ainda que haja a alegação da miserabilidade pelo acusado preso em flagrante. Prisão essa que vem sendo mantida em algumas decisões judiciais que alegam o dever de resguardar os objetivos daquela caução. A problemática se instaura a partir do momento em que o abastado pode imediatamente obter a sua liberdade, que é pressuposto e garantia, enquanto que aquele que tem poucas posses tem forma diferenciada no trato do seu direito de liberdade ante a medida cautelar imposta de forma automatizada, a fiança.  Suscita-se se a impossibilidade do pagamento dessa garantia, com a consequente permanência da segregação do acusado pobre preso em flagrante, reveste o lapso entre a fiança arbitrada pelo delegado de polícia e a chegada dos autos do flagrante às mãos do magistrado como espécie de prisão automática, eis que aquele que não apresenta condições econômicas de arcar com o valor afiançado tem permanecido segregado sem ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial. Este trabalho também mira as decisões judiciais que têm mantido a fiança nesses casos, mesmo diante da simples alegação de miserabilidade nos termos do art. 350 do CPP. No presente estudo aborda-se a inserção da prisão no sistema cautelar processual penal, o instituto da liberdade provisória antes e depois da Lei nº 12.403/2011, o art. 350 do CPP como espécie de liberdade provisória sem fiança, a fiança estipulada pelo delegado como resquício legislativo histórico, os princípios constitucionais e processuais penais que resguardam o direito à liberdade antes da certeza condenatória, a proibição da prisão por dívida, a necessidade de maior credibilidade às outras medidas cautelares diversas da prisão e da fiança e o real acolhimento da assistência jurídica gratuita para com esses presos em flagrante, que sofrem os efeitos deletérios do cárcere enquanto necessitam atender a intricada exigência judicial de provar sua condição econômica.   

Palavras-chave: PRISÃO EM FLAGRANTE - FIANÇA - LIBERDADE PROVISÓRIA - PROVA DA MISERABILIDADE - PRISÃO POR DÍVIDA - ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA - SISTEMA CAUTELAR.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1.A incidência da prisão e da liberdade no sistema cautelar. 1.1.Da prisão e seu desdobramento no curso histórico. 1.2.Dispersão legislativa da fiança criminal e da liberdade provisória. 1.3.Percepção sobre o fenômeno da “cautelarização” e sua composição. 1.3.1.Noções sobre a prisão temporária. 1.3.2.A função da prisão domiciliar. 1.3.3.Os pressupostos e requisitos de admissibilidade da prisão preventiva como inspiração aos alicerces de todas as medidas cautelares. 1.3.4.A estrutura da prisão em flagrante e a cessação de sua finalidade. 2.O instituto da liberdade provisória antes e depois da Lei nº 12.403/2011. 2.1.A relação da prisão em flagrante com o instituo da liberdade provisória. 2.2.O art. 350 do cpp como espécie da liberdade provisória sem fiança. 2.3.Não admissão da fiança x admissão da liberdade. 2.4.O novo procedimento em vigor da liberdade provisória mediante pagamento de fiança.. 2.5.Fiança estipulada pelo delegado de polícia. 3.Das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo INTÉRPRETE. 3.1.Princípios constitucionais penais e o valor da liberdade na constituição. 3.1.1.Princípio da dignidade da pessoa humana e do favor libertatis relacionados com a excepcionalidade da prisão cautelar. 3.1.2.Princípio da legalidade estrita da prisão cautelar e do devido processo legal. 3.1.3.Princípio da proporcionalidade na prisão cautelar. 3.1.4.Princípio da presunção de inocência e a restrição da liberdade individual. 3.1.5.Princípio da igualdade no tratamento dos sujeitos da fiança. 3.2.A proibição de prisão por dívida. 3.3.Da assistência do advogado ao preso provisório. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 


INTRODUÇÃO

Diante da reforma operada pela Lei nº 12.403/2011, a liberdade mediante fiança sofreu alterações drásticas, passando a entregar maior poder à autoridade policial para conceder fiança, aumentou os casos de crimes afiançáveis e alterou substancialmente o valor da fiança. A liberdade é direito e regra no Estado Democrático de Direito, por isso as medidas cautelares que restringem o status libertatis do acusado só se justificam diante da necessidade, adequação e excepcionalidade da medida.

No Brasil, parece ter permanecido como uma espécie de prisão automática, porque sem manifestação judicial para revesti-la, o lapso entre a fiança arbitrada pelo delegado de polícia e a chegada dos autos do flagrante às mãos do magistrado, eis que aquele que não apresenta condições econômicas de arcar com o valor afiançado tem permanecido segregado. Ainda que muitos considerem que essa segregação não seja tão extensiva ou duradoura, ela parece ser desmotivada, desarrazoada, fere o princípio da igualdade, da presunção de inocência e atenta contra o princípio maior, da dignidade da pessoa humana. 

Passa-se a analisar a aplicabilidade pelo magistrado do art. 350 do CPP, que permite ao juiz, após verificar a situação econômica do segregado provisoriamente, conceder a liberdade provisória sem fiança, sujeitando o acusado às obrigações constantes dos artigos 327 e 328 do CPP e a outras medidas cautelares, se for o caso.  A questão a ser discutida e analisada é se há uma diferença de tratamento entre o rico preso em flagrante e o pobre preso em flagrante. Uma apreciação sobre a diferença entre os dois em idênticas condições, flagrância em que caiba a concessão de fiança policial, indica, ao menos perfunctoriamente, que a questão é de sorte do primeiro e azar do segundo, eis que o primeiro obtém a finalidade da lei, a qual consiste em simplificar o processo de soltura de quem pode pagar a garantia real, ao passo que o segundo, sofre os efeitos deletérios da segregação, porque a prova da sua condição de miserável não tem presunção de veracidade aos olhos do judiciário. O presente trabalho vem questionar esse tratamento dado ao acusado, o que parece ferir os princípios norteadores do processo penal e da dignidade da pessoa humana. 

As novas medidas cautelares objetivam resolver o problema da superlotação dos presídios, especificamente dos que abrigam presos provisórios. Entretanto, a subsistência da prisão em flagrante após o arbitramento da fiança ao acusado pobre e a não concessão do benefício do art. 350 do CPP ferem o princípio da liberdade, que é regra, e cria uma prisão automatizada, desnecessária e sem a judicialização exigida como pano de fundo de toda prisão. A negativa da liberação da fiança nesse caso não estaria configurando caso de prisão civil por dívida? A essa automatização e falta concreta de fundamentação na denegação da liberdade provisória sem o pagamento da fiança nas condições do art. 350 do CPP não feriria os primados constitucionais?  Enfim, essa é a celeuma que gira em torno da vedação da concessão da liberdade provisória e da manutenção da prisão preventiva, a qual apresenta, nesse caso, não ser medida de ultima ratio. Igualmente se questiona se há, por parte do magistrado, falta de credibilidade na concessão das medidas cautelares diversas da prisão.

O presente trabalho, com o escopo de verificar essas hipóteses, passa pelo estudo do campo da liberdade provisória mediante fiança, especificamente a fiança criminal arbitrada pelo delegado de polícia e mantida pelo magistrado ante a falta de condições econômicas do acusado preso em flagrante, a partir da atualização processual penal conferida pela Lei nº 12.403/2011.

O estágio sobre o assunto não se encontra tão estalado, eis que não houve tempo hábil para a doutrina discutir se o judiciário tem dado subsistência às novas medidas cautelares diversas da prisão. Entretanto, o trabalho objetiva que se dê a essas outras medidas cautelares aplicabilidade ante a liberdade provisória mediante fiança quando o acusado não a efetiva, por alegar a parca condição econômica. O tema se faz importante na medida em que envolve a privação de liberdade antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.  A fim de esclarecer tais questionamentos, utilizou-se ampla pesquisa bibliográfica e entendimento tecido na jurisprudência.

Inicialmente, buscou-se verificar a conjuntura no tratamento da liberdade, da fiança e da prisão cautelar no curso histórico da legislação constitucional e processual penal brasileira e sua inserção no quadro das medidas cautelares. A história pode fornecer os conceitos e termos operacionais que possibilitam a compreensão da realidade jurídica pesquisada. Em seguida, procurou-se verificar o procedimento da liberdade provisória antes e depois da última reforma processual penal. Por fim, averiguou-se se a fiança é limitadora da liberdade do acusado menos abastado e se ela se coaduna com os princípios constitucionais referentes às medidas cautelares e com a proibição da prisão por dívida, além de analisar a importância da defesa técnica ao acusado preso em flagrante diante do art. 350 do CPP.


1.  A INCIDÊNCIA DA PRISÃO E DA LIBERDADE NO SISTEMA CAUTELAR

1.1. Da prisão e seu desdobramento no curso histórico

A prisão, se em desconformidade com os princípios constitucionais dogmáticos, é uma forma de tolher o direito à liberdade, direito natural do homem previsto no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.

Guilherme de Souza Nucci conceitua prisão como “privação da liberdade, tolhendo-se o direito de ir e vir, através do recolhimento da pessoa humana ao cárcere” (NUCCI, 2011a p. 575). O autor do Livro Nova Prisão Cautelar, Renato Brasileiro de Lima, traz o seguinte conceito:

No sentido que mais interessa ao direito processual penal, prisão deve ser compreendida como a privação da liberdade de locomoção, com o recolhimento da pessoa humana ao cárcere, seja em virtude de flagrante delito, ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, seja em face de transgressão militar ou por força de crime propriamente militar, definidos em lei (CF, art. 5º, LXI) (LIMA R.B., 2011 p. 57)

Os motivos que dão ensejo à prisão podem ser baseados em legislação democrática que guarde unicidade entre a estrutura do seu processo penal e a Constituição ou em legislação que afronte preceitos constitucionais. Para entender qual o quadro da legislação brasileira neste assunto se faz necessária uma incursão no seu mapa histórico. Sabe-se que as legislações que vigoravam no Brasil Colônia eram as mesmas de Portugal, que tinha seu Direito Processual Penal influenciado pelo Direito Romano. 

Constitui-se em esclarecimento importante o de que, no Brasil, o Código Penal regula a prisão proveniente de condenação, estabelecendo suas espécies, formas de cumprimento e regimes de abrigo do condenado, enquanto o Código de Processo Penal regula a prisão cautelar e provisória, destinada unicamente a vigorar até quando se fizer necessária ou até a decisão absolutória ou condenatória irrecorrível.

Historicamente, a prisão não surgiu com a natureza de pena, mas de medida cautelar, no sentido de custodiar o acusado até emissão da sentença e sua execução. Aury Lopes Jr. (LOPES JR., 2011a p. 2)informa que, até o fim do século XVIII, as sanções caracterizavam-se na forma de pena morte, corporais e infamantes. Na verdade, por muito tempo, a regra era a pena de morte, mediante o uso da forca. O mencionado autor também compartilha que, na época pré-moderna, idade média, as penas tinham traços de tortura e barbaridade, não se fazendo uso da privação da liberdade como forma de pena.

Aos poucos foi se questionando a eficácia dessas medidas bárbaras e com a inspiração na prisão canônica, a qual carregava a ideia de que a pena não tem por fim a destruição do condenado, mas seu melhoramento, conjugada com o movimento que pairou sobre a Europa no Século XVII, o qual iniciou a construção de prisões voltadas para a correção dos apenados mediante o uso da disciplina e do trabalho (LOPES JR., 2011a p. 2), converteu-se a prisão-custódia em prisão-pena. O capitalismo influenciou tal conversão, uma vez que seria mais inteligível utilizar os presos como mão de obra. Realmente, o surgimento da prisão pena se deu no século XVIII e no XIX quando se consolidou como principal forma de pena.

Os traços da prisão como medida cautelar aparecem no curso histórico dos hebreus, gregos e romanos. O acusado hebreu só era preso preventivamente no caso de flagrante. A prisão preventiva era vastamente empregada na Grécia antiga.

Em Roma, após citado, se o acusado não comparecesse ante o magistrado, isso poderia levar à aplicação da prisão preventiva (LIMA M.P., 2011 p. 28). Com o advento do processo acusatório, a liberdade do acusado durante o julgamento era regra. No período Imperial Romano, as cautelares se apresentavam na forma de prisão e liberdade vigiada, sendo esta a mais utilizada. Neste período, a prisão preventiva era restrita aos casos de flagrante, confissão e crimes contra a segurança do Estado. Esse atrelamento demonstra que o objetivo da prisão preventiva era garantir a aplicação da pena definitiva.

Na idade média, perante o processo inquisitório, a prisão era sempre prévia ao processo, porquanto passou a equivaler à citação judicial, além de permitir ao inquisidor ter o acusado a sua disposição, o que facilitaria a obtenção de uma confissão por tortura. No século XIII (LIMA M.P., 2011 p. 30), sob a influência do direito canônico e o romano, fundiram-se o processo acusatório e inquisitório e surgiu lei portuguesa que restringia a prisão preventiva, trabalhando cuidadosamente essa prisão para evitar prisões ilegais. Inclusive, a lei portuguesa do ano de 1264 proibia a prisão do detido se ele apresentasse fiadores para garantir seu comparecimento em juízo, com exceções das infrações consideradas graves.

As Ordenações Afonsinas, de 1446, proibiam prisões embasadas em simples denúncias e querelas. De outro modo, as Ordenações Manoelinas previam os casos em que podia ocorrer a prisão mediante querela jurada. Já nas ordenações Filipinas, em 1603, o juiz poderia ponderar sobre a necessidade ou não da prisão.

No Brasil colônia, vigorou as Ordenações Filipinas até a promulgação, em 1832, do Código de Processo Criminal do Império. Eugenio Pacelli de Oliveira (2011 p. 572) repara que, desde o tempo da legislação imperial até as ordenações Filipinas, imperou no ordenamento processual brasileiro a regra da privação liberdade antes do trânsito em julgado, embasada no risco de não comparecimento do acusado para julgamento. Naquele tempo, a liberdade provisória era uma exceção e era concedida mediante certas garantias, sendo elas as cartas de seguro, a homenagem, os fiéis carcereiros e a fiança. Todas essas garantias eram modalidades de liberdade provisória, de natureza fidejussória, e garantiam a apresentação do preso no dia do julgamento. Observe que a liberdade não era concedida como direito, mas como mera faculdade do Poder Público.

Após a Revolução Francesa, em 1789, foi promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que determinava reprimir o abuso na prisão de pessoa considerada culpada e que fosse necessária a sua prisão. Como no Brasil era comum a prisão por ordem da Intendência Geral de Polícia, inclusive só era permitida a liberação do preso por esta instituição, mesmo que sobreviesse sentença de absolvição, D. João, em 1812, determinou que, sobre todos aqueles que adviessem a absolvição, deveria ser restituída a liberdade, independentemente da determinação da Intendência Geral de Polícia.

Em 1821, editou-se decreto determinando que nenhuma pessoa livre no Brasil pudesse ser presa sem ordem escrita e fundamentada da autoridade competente, exceto no caso de flagrante delito, e não podendo a autoridade expedir ordem de prisão sem proceder culpa formada por inquirição de três testemunhas.

A Constituição Imperial, 1824, dispunha que ninguém seria preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei, e que mesmo com culpa formada, ninguém poderia ser conduzido à prisão, ou nela conservado se prestasse fiança idônea, quando cabível. A partir daí, a fiança passou a ser a única modalidade de liberdade provisória e tinha natureza de garantia real e não mais de fidejussória. Exigia-se que a prisão só se fizesse perante ordem escrita do Juiz. Este ou quem tivesse requerido a prisão seriam punidos por eventual arbitrariedade. O inciso IX do art. 179 daquela Constituição tratava do termo “livrar-se solto”, que consistia na obtenção da liberdade sem pagamento da fiança se fosse crime punido com pena não superior a seis meses de prisão ou que não fosse “de desterro para fora da Comarca”.

 O Código de Processo Penal do Império previa a possibilidade de prisão sem culpa formada se o crime fosse do tipo sem fiança e devendo a ordem prisional ser emanada por autoridade competente. A “formação da culpa” funcionava como um filtro para admissibilidade da acusação, que admitida pelo juiz, tornava-se, automaticamente, ordem para prisão do réu. Essa era a prisão decorrente de pronúncia, art. 146 do Código Imperial de 1832. Este também previa a prisão sem culpa formada para os casos de flagrante delito e crimes que não coubessem fiança (CRUZ, 2011 p. 34).

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A Lei nº 261 de 1841 implantou o “policialismo judiciário”, em que a polícia prendia, acusava e pronunciava os acusados de certos crimes de menor importância. Nessa época, as funções policiais e judiciais se confundiam, até mesmo os Delegados e os Chefes de Polícia eram escolhidos dentre os Juízes de Direito e Desembargadores, respectivamente. Os Chefes de Polícia passaram a desempenhar as funções dos Juízes de Paz, processando e julgando crimes punidos com prisão, degredo ou desterro até seis meses (CRUZ, 2011 p. 35). Esse status judicial que detinha o Delegado foi influência advinda da Europa, na qual as monarquias absolutistas tinham seus juízes e os policiais fazendo parte do mesmo braço armado, subservientes aos interesses dos reis. As ordenações de Portugal, que vigeram no Brasil por mais de três séculos, retratavam esse modismo.  Além disso, a mesma inspiração foi inserta no Brasil, através do domínio holandês no nordeste brasileiro, quando se institui em Pernambuco o cargo de “escolteto”, que era uma junção entre promotor público e policial e não existia distinção entre fase judicial e policial (LIMA F.R., 2011).

No ano de 1871, foi retirada a competência dos Chefes de Polícia para julgar certas infrações penais e foi mantido o poder de se arbitrar fiança. Ainda fora criado o inquérito policial nos moldes em que até hoje é seguido. Passou-se a permitir que o promotor, delegado ou queixoso solicitassem a prisão preventiva.

As normas sobre prisão e liberdade individual permaneceram inalteradas com o advento da constituição brasileira de 1891. Essa permitiu aos Estados legislar sobre direito processual. A Constituição brasileira de 1934 acrescentou aos direitos até então resguardados nas cartas constitucionais anteriores a obrigatoriedade de imediata comunicação ao juiz competente sobre a prisão de qualquer pessoa. Entrementes, a Constituição de 1937 retirou tal garantia, certamente porque isso convinha com o poder centralizador de Vargas. 

O Código de Processo Penal de 1941 nasceu na Era Vargas, inspirada em regime fascista e totalitário, e definiu a prisão preventiva obrigatória, cabível para crimes em que se cominasse pena máxima de reclusão igual ou superior a dez anos, e ainda, havia naquele código a previsão de que o réu deveria se recolher à prisão para ter o seu recurso de apelação conhecido. Após isso, o novo documento constitucional de 1946 restabeleceu tão somente a fiança e a comunicação da prisão.

A constituição de 1967 não alterou significativamente os mencionados direitos. Um progresso foi reassumido quando, ainda em 1967, pela Lei nº 5.349, o Código de Processo Penal teve seu art. 311 alterado, expurgando a prisão preventiva obrigatória. Em 1973, a Lei Fleury, Lei nº 5.941, trouxe ao Código de Processo Penal a possibilidade de se manter em liberdade o réu pronunciado ou condenado, alterando os artigos 408, 474, 594 e 596 do CPP. A Lei nº 6.416/77 veio acrescentar o parágrafo único ao art. 310 do Código de Processo Penal, alargando a liberdade provisória sem fiança. A intenção dessa lei era de amenizar o problema da superlotação carcerária, já existente à época.

Chegou-se a atual Carta Constitucional, promulgada em 1988, a qual melhor caracterizou de quem se deveria emanar a ordem prisional, não sendo simplesmente da autoridade competente, mas da autoridade judiciária competente. O termo “judiciária” não era contemplado nas outras constituições quando se falava  da decretação da prisão. O atual documento constitucional dispensa a ordem escrita e fundamentada emanada pela autoridade judiciária competente para fins de prisão nos casos de flagrante, crimes propriamente militares e transgressões militares.

O atual texto da Constituição brasileira passou a definir algumas infrações como inafiançáveis, acarretando confusões para quem tenta conjugar a interpretação daquele com as leis infraconstitucionais. Ao alterar o art. 310 do Código de Processo Penal, a Lei nº 6.416/77 abafou o instituto da fiança, pois qualquer crime passou a ser beneficiado com a liberdade provisória sem fiança, que restou somente para entregar a possibilidade de ser solto mais rapidamente a quem fosse autuado em flagrante nos crimes punidos com prisão simples ou detenção. De outro lado, a Lei nº 9.099/95 exigia tão somente a assinatura do termo de compromisso pelo autor do fato para a sua libertação imediata.

Os esforços lançados nas últimas reformas do Código de Processo Penal o modernizaram em alguns aspectos, mas em outros o deixaram com “aparência de Frankenstein, visto que seus remendos, além de retirar-lhe unidade conceitual e a necessária configuração sistêmica, criam verdadeiras antinomias internas, difíceis de contornar [...]” (CRUZ, 2011 p. 39).

Rogerio Schietti Machado Cruz (2011 p. 39) traça conclusões úteis relativas ao processo de evolução histórica do instituto da prisão cautelar no Brasil. A primeira comporta que, até o código de 1941, a circunstância de se ser preso em flagrante não impedia colocar o autor em liberdade mediante o pagamento da fiança ou nos casos de livrar-se solto. Se não fosse caso de prisão em flagrante, o preso dependia do arbítrio judicial e da classificação do crime, já que poderia recair no caso de crime inafiançável ou não havia honrado o valor da fiança, quando cabível. Na hipótese de pronúncia do acusado, esta decisão automaticamente gerava a prisão daquele, salvo se coubesse a fiança e esta fosse prestada. Somente poderia haver prisão cautelar perante ordem escrita de autoridade competente, salvo em caso de flagrante.

Após a instituição do novo Código de 1941, a decisão sobre a atribuição da prisão preventiva do indiciado passou a ter critérios mais objetivos. O mencionado código sofreu modificações mais consistentes a partir da década de 60, firmando a atual estrutura.   

1.2.  Dispersão legislativa da fiança criminal e da liberdade provisória

Embora a regra seja a da liberdade do réu, ainda mais porque está elevado a dogma constitucional o princípio da presunção de inocência, no que tange à liberdade provisória, deve-se ter em mente que a expressão “provisória” é para exprimir que o réu fica em liberdade, mas sujeito a vínculos processuais. Se esses forem descumpridos, acarretará a restrição da liberdade do réu.  Eugenio Pacelli de Oliveira (2011 p. 494) esclarece que houve equívoco do constituinte de 1988 ao utilizar o termo liberdade provisória, eis que o que é provisório é sempre a prisão, mesmo com a condenação passada em julgado, a carceragem eventualmente aplicada não será eterna, mas com prazo de duração limitado.

 A liberdade provisória é vista como uma medida intermediária entre a liberdade completa e a prisão provisória, bem como um substitutivo dessa prisão. Enquanto não é finalizado o processo, aquele que está sujeito à liberdade provisória a esse permanece vinculado. Se terminado o processo, sendo absolutória a sentença, o acusado readquire sua liberdade na totalidade (TOURINHO FILHO, 2009 p. 559). Constitucionalmente, está previsto que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança. Observe que a fiança não é um instituto autônomo, mas é uma espécie do gênero liberdade provisória.

Outrora, os tipos de caução, garantia, para concessão da liberdade provisória eram a real, que consistia em bens, ou a fidejussória, que seria a fiança propriamente dita consistente em compromisso pessoal. A fiança em caução, mediante o depósito de dinheiro ou bens, ou hipoteca, destinava-se a garantir o cumprimento das obrigações processuais. A concessão da liberdade por meio das cartas de seguro, da homenagem e da palavra de fiéis carcereiros existiu no Brasil. Entretanto, essas formas de liberdade provisória não vingaram no Código de Processo Criminal do Império, que apenas admitiu a fiança (ROCHA, et al., 2000 p. 22). 

A fiança e a liberdade provisória são tratadas no art. 5º, LXVI, da atual Constituição Federal, que dispõe que “ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”. A fiança sendo espécie da liberdade, que é gênero.

Dentro de uma evolução histórica da fiança, Antonio Scarance Fernandes (FERNANDES, 1991 p. 29) no artigo “A fiança criminal e a Constituição Federal” para a BDjurSJT divide os sistemas legais a respeito da fiança em três grupos, quais sejam: os que possibilitam a liberdade provisória com fiança em qualquer delito; os que submetem, em todos os casos, a concessão de fiança a um juízo discricionário; os que possibilitam a fiança em alguns casos e negam em outros. Esse último é o caso do Brasil.

Em uma linha temporal, podemos traçar como tratamento legal para a fiança a de que a fiança é prevista desde a antiguidade, sendo que, no Brasil, todos os textos constitucionais, exceto o de 1937, previam o referido instituto. As leis nº 6.416/77 e Lei nº 5.941, Lei Fleury, alteraram o atual Código de Processo penal ao possibilitarem a liberdade provisória sem fiança, apelação em liberdade para o réu primário e de bons antecedentes e a impossibilidade de se impedir a liberdade do réu quando houver recurso da acusação da sentença absolutória. Em 1986, foi editada a lei que define os crimes contra o sistema financeiro, nº 7.492, em que se proibia a prestação de fiança.

A atual constituição, em 1988, trouxe a fiança em vários incisos de seu art. 5º, tratando-a de forma expressa e outras vezes indireta quando aborda a prisão e a liberdade. Após, seguiu a Lei nº 7.780/89, que atualizou o valor da fiança. Em seguida, a Lei nº 8.035/90, que tratava da proibição de concessão da liberdade provisória sem fiança aos crimes contra a economia popular e de sonegação fiscal, bem como fixou valores mais elevados para a fiança. Na sequência, a Lei nº 8.072/90 tratava da proibição de fiança para os crimes hediondos, nela previstos, tortura, tráfico de drogas e para o terrorismo. A Lei nº 9.034/95, que tratava da repressão de ações praticadas por organizações criminosas, também proibia a concessão de fiança. Foi previsto na Lei nº 9.613/98 que os crimes de lavagem de dinheiro eram insuscetíveis de fiança e liberdade provisória. A mais recente inovação sobre a fiança veio por intermédio da Lei nº 12.403/2011.

Na verdade, toda essa legislação especial, principalmente as leis nº 7.492/86, 8.038/90, 8.072/90, 9.034/95, 9.613/98 e 11.343/06, dispuseram da prisão como efeito automático da sentença condenatória recorrível, sendo o ponto nevrálgico dessa disposição a incompatibilidade com o princípio da presunção de inocência do art. 5º, LVII, da Constituição Federal de 1988 (LIMA R.B., 2011 p. 328/329).

Um problema que sempre acompanhou a fiança até o período em que foi relegada ao desuso era a ausência de mecanismos que atualizassem seu valor para manter o padrão monetário, evitando que se tornasse irrisório. Também não era fácil determinar o valor da fiança, eis que a Lei nº 7.789/89 excluiu o chamado “salário-mínimo de referência”, SMR. Em seguida, a Lei nº75/89 descongelou o valor da fiança e os valores do SMR, que passaram a ser calculados em função do Bônus do Tesouro Nacional, BNT, que foi extinto em 1991. Com a extinção desse, a autoridade deveria considerar o valor do último BNT. Posteriormente, a Lei nº 8.177/91 determinava a utilização do valor do último BNT corrigido pela TR referente ao mês anterior, em real. A Lei nº 12.403/2011 revigorou a fiança, mediante a ampliação das hipóteses desta e com o aumento de seu valor, tornando mais fácil os cálculos e aplicação desse instituto.

1.3. Percepção sobre o fenômeno da “cautelarização” e sua composição

Em uma visão sobre a nomenclatura, divisão, natureza, espécies, fins e qualidades da prisão, esta pode ser classificada em prisão extrapenal, subdivida em prisão civil e prisão militar, prisão penal e prisão cautelar, também chamada de processual, provisória ou sem pena. A prisão pena advém de decisão condenatória transitada em julgado, nos termos do art. 5°, inciso LVII, da Constituição Federal. Antes da sentença passada em julgado, a prisão eventualmente decretada será considerada provisória, em razão do princípio da presunção de inocência.

A Carta Constitucional prevê, no inciso XLVI do art. 5º, como espécies de pena, que devem ser aplicadas depois de proferida sentença penal condenatória transitada em julgado, a prisão, a perda de bens, multa, prestação social alternativa e a suspensão ou interdição de direitos.

Deve-se observar que, com a tendência mundial no final do século XX de se adotar formas alternativas à prisão, opções punitivas por meio da restrição de direitos que não o da liberdade foram previstas em nosso texto constitucional. Tratados e regras internacionais, como a Regra das Nações Unidas Sobre Medidas Não-Privativas de Liberdade e as Regras de Tóquio de 1990, eram convictos em afirmar que penas substitutivas à prisão tinham a capacidade de tratar os delinquentes no interesse da sociedade. No que tange às prisões cautelares, havia o firmamento internacional de que tal acautelamento deveria ser o último recurso a ser adotado nos procedimentos penais, propondo medidas alternativas quando possíveis.

Esse entendimento foi sendo firmando em vários países, não podendo o Brasil ficar de fora do mesmo pensamento. A partir de então, o legislador brasileiro editou o projeto de Lei nº 4.208/2001, convertido na Lei nº 12.403/2011. Esta alterou o Código de Processo Penal brasileiro quando ampliou o rol de medidas alternativas à prisão preventiva, que recebeu um caráter subsidiário e excepcional; manteve a prisão preventiva e a temporária como sendo as únicas espécies de prisão cautelar, não sendo mais o flagrante uma espécie cautelar a ser mantida por si só; determinou como obrigatória a separação do preso provisório dos definitivamente condenados; acresceu à prisão preventiva uma nova hipótese para sua decretação, baseada no descumprimento de outras medidas cautelares impostas, bem como firmou que se o réu for primário e a pena máxima em abstrato cominada para o delito praticado for igual ou inferior a quatro anos, o juiz não terá amparo legal para decretar a prisão preventiva do acusado; revogou a prisão do réu vadio; definiu a prisão cautelar domiciliar; regulou o cabimento da liberdade provisória cumulada com outras medidas cautelares; ampliou as hipóteses de fiança e elevou o seu valor; trouxe hipóteses claras de vedação da fiança e, por fim, criou um banco de dados dos mandados de prisão a ser mantido pelo Conselho Nacional de Justiça.

A medida cautelar diversa da prisão tem por finalidade evitar dano a algum interesse coletivo e garantir a segurança pública por meio da restrição de direito individual que não seja o da liberdade. Antes do advento da Lei nº 12.403/2011, o sistema cautelar brasileiro era tomado por uma bipolaridade, eis que a liberdade provisória era a única medida alternativa à prisão. No caso de ser a prisão ilegal caberia o seu relaxamento, sem poder criar nenhuma obrigação processual ao acusado. Rogério Schietti Cruz (CRUZ, 2011 p. 131) explica que a liberdade provisória e a prisão preventiva eram medidas inconciliáveis entre si, eis que uma não substituía a outra, porquanto quem estivesse preso preventivamente ou por prisão temporária poderia ser posto em liberdade sem se sujeitar às obrigações previstas nos artigos 310, 327 e 328 do CPP, eis que a liberdade concedida era do tipo pura e simples prestada pelo relaxamento da prisão ou Habeas corpus, fundados em prisão ilegal, ou por revogação da prisão, quando esta não era mais necessária.

Enfim, a liberdade concedida nesses moldes não tinha o contorno da liberdade provisória, a qual vinculava o sujeito ao processo mediante imposição de obrigações, seja pelo compromisso de comparecimento aos atos processuais quando a liberdade é concedida sem fiança, ou por obrigação de não mudar de residência nem se ausentar por mais de oito dias sem comunicar ao juiz, quando então era prestada liberdade com fiança.

Ao se falar sobre cautelares no processo penal, não há como deixar de mencionar que existe uma celeuma doutrinária sobre a existência ou não de um processo cautelar autônomo, paralelo ao de conhecimento e do executivo.  Sistematicamente, o CPP não prevê uma ação cautelar, mas trata este assunto como medida incidental em que não há o exercício da ação. Independente da teoria a ser adotada, sabe-se que hoje existe uma série de medidas cautelares, de serventia para a ação de conhecimento e consequentemente para a de execução. As medidas cautelares visam assegurar “o normal desenvolvimento do processo e, como consequência, a eficaz aplicação do poder de punir. São medidas destinadas à tutela do processo.” (LOPES JR., 2011b, p. 57, grifo do autor).

O Código de Processo Penal brasileiro não é tão técnico no assunto medidas cautelares como se é no Código de Processo Civil. No decorrer daquele Código as medidas cautelares estão difundidas, sendo elas do tipo reais, probatórias e pessoais. As cautelares reais asseguram bens para a reparação do dano e para a satisfação das obrigações do condenado, como arrestos e sequestros. As cautelares probatórias objetivam obter prova no processo penal. Cautelares pessoais estão relacionadas com o réu e com os efeitos de seu comportamento para a ordem processual.  A Lei nº 12.403/2011 somente tratou dessa última modalidade. São medidas cautelares pessoais as prisões processuais provisórias, as novas medidas cautelares alternativas ou substitutivas da prisão processual estancadas nos artigos 319 e 320 do CPP, e a chamada contracautela, consistentes na liberdade provisória com ou sem fiança (LIMA M.P., 2011 p. 15).

As medidas cautelares pessoais diversas da prisão constam no art. 319 do CPP e são auto-explicativas conforme se vê: 

Art. 319.  São medidas cautelares diversas da prisão: 

 I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; 

 II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; 

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; 

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; 

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; 

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; 

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; 

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; 

IX - monitoração eletrônica.

Esse leque de opções proporciona ao juiz a escolha de providencias próprias para o caso concreto, sendo suficiente para tutelar a eficácia do processo. As medidas arroladas podem ser utilizadas de forma autônoma ou como vinculação da liberdade provisória, quando funciona como contracautela à prisão em flagrante, art. 321 do CPP.

O regramento geral de aplicação das medidas cautelares diversas da prisão está contemplado no art. 282 do CPP, que requer que, quando da aplicação delas, se observe a sua necessidade para o emprego da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, bem como a adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. Tal artigo engloba os atributos da necessidade, proporcionalidade e adequação que devem revestir as medidas cautelares.

A necessidade da restrição do direito é verificada sob o ponto de vista da garantia da aplicação da lei penal e da eficácia da investigação e da instrução penal. A adequação da providencia observa a gravidade e circunstancias do fato conjugadas com as condições pessoais do indiciado. Observe esses pilares da necessidade, proporcionalidade e adequação estão insertos também para a hipótese mais específica da prisão preventiva, mesmo não mencionados diretamente podem ser subtraídos do art. 312 do CPP em uma leitura mais atenta.

Ao se falar sobre medida cautelar, inevitavelmente aparecem as expressões “aparência do bom direito” e “perigo da demora”, mas em matéria processual penal, especificamente no caso das prisão cautelar e das medidas diversas dessa, deve-se pensar no acautelamento pelos pressupostos do  “fumus comissi delicti” e “periculum libertatis”, ou seja, pela exterioridade do fato delituoso, existência de elementos informativos que indiquem a ocorrência do crime e indícios suficientes da autoria do sujeito passivo da medida e necessidade concreta da medida cautelar, revestida nos fins legítimos da restrição de direito antes do tempo.  Os dois pressupostos ora mencionados devem ser exigidos inclusive nas medidas cautelares diversas da prisão para evitar possível abuso na sua aplicação (LIMA R.B., 2011 p. 39).

As medidas cautelares que levam ao cárcere provisório não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.  Tal proibição visa evitar que sejam aplicadas medidas superiores ao resultado final do processo. Da mesma forma, é considerada inadequada a aplicação de tipos de medida cautelar que restringem a liberdade às infrações de menor potencial ofensivo e também para os casos de aceitação da suspensão condicional do processo, isso porque nesses casos já há medidas acautelatórias. Aliás, as novas medidas acautelatórias da Lei nº 12.403/2011 já são conhecidas nesses institutos, suspensão condicional do processo e transação penal nos crimes de menor potencial ofensivo, inclusive, utilizadas como requisitos para gozo da pena no regime aberto. A diferença está no uso das novas medidas cautelares como forma de obstar o uso excessivo da prisão preventiva (NUCCI, 2011a p. 620).

Marcellus Polastri Lima (2011 p. 7/9) resume as características fundamentais das cautelares penais em oito, além de poderem ser agregadas a outras mais específicas, como se observará nas espécies de prisões cautelares, inclusive no caso da prisão preventiva, que sustenta requisitos complementares. Na enumeração elencada pelo mencionado autor, a primeira é a característica da acessoralidade, que equivale ao atrelamento da medida cautelar ao processo principal, esse eventualmente pode não existir, se após a medida verificar que incide caso de arquivamento. A segunda equivale à preventividade, segundo a qual a medida só deve ocorrer para evitar futuros danos. Em terceiro, segue a instrumentalidade hipotética, para qual o resultado que a medida cautelar pretende garantir é incerto. Em sequência, a provisoriedade revela que a medida cautelar se justifica por situação de emergência, quando cessada essa, a medida torna-se desnecessária. A revogabilidade da medida é característica que decorre da propriedade da provisoriedade. A decisão nas medidas cautelares não faz coisa julgada material, somente formal, por isso reveste a medida cautelar do predicado da não definitividade. A referibilidade exige que a medida cautelar seja concedida mediante situação de perigo conjugado com a necessidade de proteção jurídica cautelar. O poder cautelar é concedido exclusivamente ao juiz, isso emana do atributo da jurisdicionalidade.

Da mesma forma que ocorre com a prisão preventiva, as medidas cautelares diversas da prisão podem ser impostas de forma autônoma ou substitutiva à prisão em flagrante ou, até mesmo, no lugar da prisão preventiva. Toda prisão cautelar ou outras medidas acautelatórias devem partir de ordem judicial escrita e fundamentada, com base na indispensabilidade da providência.

Retornando ao art.282 do CPP, já nos seus parágrafos está descrito o procedimento para a aplicação das medidas cautelares de natureza pessoal diversas da prisão, para as quais a decretação será de ofício pelo juiz, a requerimento das partes, por representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público. Está previsto o contraditório prévio à decretação da medida cautelar, ressalvado nos casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida. Diante da situação fática, o Juiz poderá revogar as medidas cautelares, quando desaparecer o seu suporte legitimador, substituí-las, cumulá-las ou, em último caso, impor prisão preventiva.

A urgência para as medidas cautelares deve ser inconteste quando da sua decretação, mas não pode ser justificativa única na fundamentação de eventual prisão decretada, devendo sempre respeitar os requisitos legais que cada tipo de segregação preventiva requer. Renato Brasileiro acrescenta que: “A urgência da medida cautelar pleiteada, bem como a sumariedade ou superficialidade da cognição, não podem, entretanto, servir como justificativas para o arbítrio ou qualquer forma de automatismo no tocante a decisões que decretem a segregação cautelar.” (LIMA R.B., 2011 p. 284).

 Para Guilherme de Souza Nucci (2011a p. 577) as espécies de prisão cautelar são: prisão temporária; prisão em flagrante; prisão preventiva; prisão decorrente de pronúncia; prisão consequente de sentença condenatória recorrível e a prisão na forma de condução coercitiva de réu, vítima, testemunha, perito ou de outra pessoa que se recuse, injustificadamente, a comparecer em juízo ou na polícia. Quanto a essa última, o autor a enquadra como prisão porquanto quem é conduzido coercitivamente pode ser algemado e colocado em cela até que seja ouvido pela autoridade competente, somente podendo ser realizada tal condução quando deferida pelo magistrado.

Em relação à doutrina majoritária, as modalidades de prisão cautelar são somente as três mais conhecidas, prisão em flagrante, prisão preventiva e prisão temporária. Há controvérsias acerca da natureza jurídica da prisão em flagrante. Sobre as prisões decorrentes da decisão de pronúncia e de sentença condenatória recorrível, estas foram revogadas, desde a reforma processual de 2008. A Lei 12.403/2011 se quer menciona essas prisões, o que denota a abolição delas como modalidades autônomas de prisão cautelar. A mudança legislativa de 2008 foi no sentido de que a decisão de pronúncia e a sentença condenatória recorrível exigem uma análise à luz dos pressupostos indicados no art. 312 do CPP sobre a liberdade do réu, quer para mantê-la ou suprimi-la, quer para restaurá-la.

Sobre as prisões cautelares deve-se entender que todas dependem de ordem judicial fundamentada, podem ser decretadas até a sentença condenatória e devem ser fundadas nas razões da prisão preventiva.

1.3.1. Noções sobre a prisão temporária

Da prisão temporária tem-se como importante para os fins que este trabalho propõe entender seu conceito, requisitos, procedimento e prazo. A Lei nº 7.960/89 instituiu a prisão temporária, a qual compõe espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente durante a etapa preliminar de investigações. Essas apurações durante a fase de inquérito policial configuram o objeto tutelado pela prisão temporária. Mesmo tendo sua regulamentação de forma autônoma, a temporária é considerada medida cautelar.

 Os requisitos da prisão temporária estão previstos no art. 1º da referida lei, que maneja o cabimento da temporária quando ela for imprescindível para as investigações do inquérito policial; quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade e ainda, quando houver fundadas razões de autoria ou participação nos crimes elencados no inciso III do art. 1º daquele diploma legal e no art. 2º, §4 da Lei nº 8.072/90.

Existem cinco correntes sobre a exigência desses requisitos, sendo que prevalece na doutrina e jurisprudência aquela que menciona ser possível a medida constritiva quando presente o requisito da “existência de fundadas razões de autoria ou participação nos crimes elencados naquela lei e no art. 2º, §4 da Lei nº 8.072/90” e conjugado com pelo menos um dos outro dois requisitos aludidos acima, ou seja, “quando imprescindível para as investigações do inquérito policial” ou “quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade”. A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de cinco dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade. A decisão que decretá-la deverá ser fundamentada, sob pena de nulidade, bem como deverá ser prolatada no prazo de vinte e quatro horas contadas a partir do recebimento da representação ou requerimento. No caso dos crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas e terrorismo o prazo da temporária será de no máximo trinta dias, prorrogável por igual período em caso de extrema necessidade, conforme art. 2º, §4 da Lei nº 8.072/90.

1.3.2. A função da prisão domiciliar

O capítulo IV do Título IX do Livro I do CPP, com a reforma introduzida pela Lei nº12. 403/2011, passou a dispor sobre a prisão domiciliar e a colocou como substitutiva da prisão preventiva em certas situações que demandem prova das condições previstas no art. 318 do CPP. Os casos permissivos dessa substituição ocorrem quando: o agente tenha idade superior a oitenta anos, ou o agente se encontre em estado de debilidade extrema; for o agente imprescindível para cuidar de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência, ou ainda, quando o agente for gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo gravidez de alto risco. Essa permuta visa tornar a segregação cautelar menos desumana, obrigando o agente a permanecer em sua residência, somente podendo dela se ausentar com a permissão judicial.

1.3.3.      Os pressupostos e requisitos de admissibilidade da prisão preventiva como inspiração aos alicerces de todas as medidas cautelares

A modalidade de prisão cautelar que tem seus requisitos como norte na fundamentação de todas as medidas cautelares pessoais é a prisão preventiva. Essa afirmação é certa e bem defendida por Eugenio Pacelli porque há grande identidade entre as razões para a imposição da prisão preventiva, pelo art. 312 do CPP, e de qualquer outra medida cautelar, art.282 do CPP, sendo essa uma preferência legislativa (OLIVEIRA, 2011 p. 502). Tanto no texto do art. 312 quanto no art. 282, ambos do CPP, a restrição a direito individual exige ordem escrita e fundamentada do magistrado e leva em conta a necessidade e adequação da medida, aferidas a partir da garantia da aplicação da lei penal e da conveniência da investigação ou da instrução criminal. De todo modo, com as novas regras cautelares, somente se permitirá a prisão antes do trânsito em julgado quando puder comprovar quaisquer das razões que autorizem a prisão preventiva, independente da instância em que se encontre o processo.

A preventiva é decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal, sempre que estiverem presentes os requisitos elencados no art. 313 do CPP e ocorrerem os motivos autorizadores do art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diferentes da prisão. Veja que a preventiva pode ser imposta autonomamente, quando conjugados os motivos e razões dos art. 312 e 313 do CPP,e, subsidiariamente, quando descumprida uma cautelar, conforme §4º do art. 282 do CPP.

A preventiva pode ser decretada tanto na fase processual quanto na fase pré-processual, investigatória. Durante a instrução processual, é cabível a decretação da prisão preventiva de ofício pelo magistrado. Não há para a decretação dela um rol taxativo de delitos, bastando o cumprimento dos pressupostos exigidos pelo art. 313 do CPP. A antiga redação do art. 311 do CPP impunha que a preventiva somente poderia ser decretada até o final da instrução criminal, eis que na época da elaboração do CPP, o efeito automático da sentença condenatória e da decisão de pronúncia já revestia o réu da obrigatoriedade de se recolher à prisão. Na atual redação do referido artigo, a preventiva poderá ser decretada em qualquer das fases do curso do processo criminal. 

Atualmente, a iniciativa para a decretação da prisão preventiva pode ser dada ao juiz, de ofício, somente no curso da ação penal. Pela antiga redação do art. 311 do CPP, a decretação de ofício podia ocorrer também no curso da fase investigatória, o que afrontava o sistema acusatório.

Como já mencionado acerca dos caracteres gerais das medidas cautelares, os primados do “fumus comissi delicti” e o “periculum libertatis” exprimem os pressupostos de todas as medidas cautelares. Nesse cotejo, eles também embasam a própria prisão preventiva como medida acautelatória que é, art. 312 do CPP. O primeiro pressuposto, “fumus comissi delicti”, se consubstancia pela prova da materialidade e indícios suficientes de autoria ou participação. O segundo, “periculum libertatis”, configura-se na: garantia da ordem pública; da ordem econômica; conveniência da instrução criminal; garantia da aplicação da lei penal ou na impossibilidade de aplicação de qualquer outra medida cautelar.

Basta que um desses intentos formadores do “periculum libertatis” exista para que seja decretada a preventiva, a qual também exigirá uma das hipóteses de admissibilidades previstas no art. 313 do CPP. As hipóteses de admissibilidade da prisão preventiva estão elencadas no art. 313 do CPP:

Art. 313.  Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: 

I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; 

 II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;

III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; 

IV - (revogado). 

 Parágrafo único.  Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

A decretação da preventiva continua sendo cabível apenas em relação aos crimes dolosos. Caso a situação fática não preencha os mencionados requisitos, mas seja hipótese de infração penal em que se comine pena privativa de liberdade, poderá o magistrado lançar mão das medidas cautelares diversas da prisão.

Maiores explicações este estudo exige sobre o conteúdo do inciso I do art. 313 do CPP, que denota o abandono da antiga observância acerca da natureza da pena da infração: reclusão ou detenção. Agora, foi entregue notoriedade à pena máxima cominada ao delito. Logo, será cabível a preventiva independente da natureza da pena se for crime doloso em que se comine pena máxima superior a quatro anos. Isso veio ao encontro com o montante de pena fixado como limite para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito e para o início do cumprimento da pena em regime aberto, ou seja, os mesmos quatro anos dos artigos 44, inc. I, e 33, §2º, alínea c, ambos do CP. Assim, deverá o juiz analisar de início se será caso de substituição da pena nos termos do art. 44 do CP, para que evite decretar a preventiva como medida cautelar, eis que será via mais gravosa do que o resultado do processo. Nessa situação, incide a observância da proporcionalidade ou homogeneidade entre a prisão preventiva e eventual condenação a ser proferida (LIMA R.B., 2011 p. 254).

Ainda sobre o quantum da pena máxima da infração como base mínima da decretação da preventiva, deve-se atentar para os casos de concurso de crimes, qualificadoras, causas de aumento e de diminuição de pena, agravantes e atenuantes. Para os primeiros, a soma das penas nas hipóteses de concurso formal impróprio, concurso formal próprio, concurso material e crime continuado deve ser considerada para fins de decretação ou não da preventiva. As qualificadoras também serão observadas para esse mesmo fim. Se for analisar causa de aumento ou diminuição de pena, o cabimento da prisão preventiva será visto com base na causa que mais aumente ou menos diminua a pena, conforme o caso. As agravantes e atenuantes não deverão ser levadas em consideração no cálculo para auferir o máximo da pena quando da decretação da preventiva.

O autor Rogerio Schietti Cruz (2011 p. 199) ressalta que o crime mais atingido pela nova legislação foi o de furto, que pelo critério quantidade da pena não permite mais a decretação da preventiva, salvo se cometido em sua forma qualificada, em que a pena máxima passa de quatro para oito anos, ou então se for praticado em situação de concurso de crimes, material, formal ou continuado, casos em que a pena será acrescida ou somada de modo a ultrapassar o limite máximo de quatro anos.

A relação da prisão preventiva e as excludentes de ilicitude foi prevista no art. 314 do CPP. Nas excludentes de ilicitude, o juiz estará diante de provável absolvição do agente com base no art. 386, inc. VI, do CPP, não podendo então decretar a prisão preventiva se o agente praticou fato acobertado por tais excludentes. Em relação às excludentes de culpabilidade, salvo no caso específico da inimputabilidade, Renato Brasileiro de Lima (2011 p. 264) entende ser aplicável a elas a impossibilidade de se decretar preventiva, porque se o próprio CPP permite a absolvição sumária nas excludentes de culpabilidade, seria desproporcional permitir a decretação dessa prisão.

A prisão preventiva enfrenta a funesta indeterminação acerca do seu prazo de duração. Isso pode levar à antecipação da pena e ir de encontro ao requisito da provisoriedade das medidas cautelares.  A prisão cautelar que exceda prazo razoável torna-se ilegal em decorrência da violação ao princípio constitucional da razoável duração do processo. Com o advento das Leis nº 11.689/2008 e 11.719/2008, a contagem do prazo para o encerramento do processo criminal quando o acusado estiver preso foi sensivelmente alterada, mas não há como determinar um prazo único e invariável para o encerramento do processo. O prazo vai variar de acordo com a singularidade do caso. A quinta turma do STJ no HC nº 91982 CE 2007/0235934-8, decisão publicada no DJ de 04/10/2007, relatora Min. Jane Silva, desembargadora convocada do TJ/MG, consolida que:

Aplica-se o princípio da razoabilidade, para justificar o excesso de prazo, caso haja regular tramitação do feito, com eventual retardamento no julgamento do paciente causado pela complexidade do processo, decorrente da pluralidade de acusados (onze), do desmembramento do feito em relação aos pacientes, bem como pela necessidade de expedição de diversas cartas precatórias para o interrogatório dos réus. Justifica-se eventual dilação de prazo para a conclusão da instrução processual, quando a demora não é provocada pelo Juízo ou pelo Ministério Público, mas sim decorrente de incidentes do feito e devido à observância de trâmites processuais sabidamente complexos. É correto o decreto de prisão preventiva fundamentado em dados concretos do processo, evidenciando assim a periculosidade do paciente e da quadrilha que ele integra. O modus operandi do delito, que traduz a elevada periculosidade do agente e a necessidade de sua custódia, pode ser utilizado para reforçar a motivação da prisão preventiva, com base na garantia da ordem pública. Ordem denegada. (STJ,2007, p. 285)

As hipóteses que autorizam o reconhecimento do excesso de prazo na prisão cautelar estão elencadas na obra do autor Renato Brasileiro de Lima (2011 p. 276/277) e evidenciam-se pela mora processual decorrente de diligencias suscitadas exclusivamente pela atuação da acusação, ou protelação decorrente da inércia do Poder Judiciário em afronta ao direito da razoável duração do processo, ou ainda, quando a mora processual for incompatível com o princípio da razoabilidade. Configurado o excesso de prazo por essas razões caberá o relaxamento da prisão, diante de constrangimento ilegal à liberdade de locomoção.

O de suma importância nesse instituo da prisão preventiva é entender que, afora a liberdade provisória, ele era a única medida cautelar que o CPP dispunha antes das alterações legislativas trazidas pela Lei nº 12.403/2011. Os seus contornos de necessidade da cautelar e adequação da providência, vistos no âmbito da proporcionalidade da providência a ser tomada, foram utilizados pelas novas medidas cautelares insertas no art. 319 do CPP.  Ambos os tipos de cautelares, preventivas e as novas medidas cautelares diversas, são abatidos pela proibição do excesso, o dever de vislumbrar a máxima efetividade dos direitos fundamentais e o uso da ponderação na escolha entre a medida mais efetiva e menos gravosa.

1.3.4.      A estrutura da prisão em flagrante e a cessação de sua finalidade

A prisão em flagrante é conceituada como modalidade de prisão cautelar de natureza administrativa porque pode ser efetuada pela polícia judiciária e sem a necessidade de ordem escrita e fundamentada da autoridade judicial, em razão da situação de flagrância, que entrega maior probabilidade na colheita das provas da materialidade e da autoria do crime.  Está prevista constitucionalmente no art.5º, LXI da Constituição Federal e tem natureza cautelar de segregação provisória do suposto autor do crime.

Nessa modalidade de prisão cautelar, o “fumus comissi delicti” está na aparência da tipicidade. O “periculum libertatis” está na situação de flagrância da infração em desenvolvimento. O art. 310 do CPP determina que ao receber o auto de prisão em flagrante o magistrado deverá relaxar a prisão se ela for ilegal, ou converter a prisão em flagrante em preventiva se presentes os requisitos do art. 312 do CPP e se forem inadequadas as medidas cautelares previstas no art. 319, ou conceder a liberdade provisória, com ou sem fiança.

A prisão em flagrante não pode mais ser mantida como forma de segregação cautelar por si mesma depois de desempenhadas as formalidades do auto de prisão. O art. 304 do CPP trata das formalidades para lavratura do auto de prisão em flagrante, para o qual deverá o preso ser apresentado à autoridade competente que ouvirá o condutor e as testemunhas, bem como o indiciado, necessariamente nessa ordem, recolhendo-se a assinatura de todos. Ao condutor será oferecido o recibo de entrega do preso.

A pessoa detida receberá, nas vinte quatro horas seguintes à prisão, a nota de culpa, com o nome da autoridade que lavrou o auto, o nome do condutor e o das testemunhas, além dos motivos da prisão, a qual deverá ser comunicada imediatamente ao Ministério Público, à família do preso ou pessoa por ele indicada e ao juiz competente, sendo que para este deve o auto ser encaminhado nas vinte quatro horas seguintes à prisão. Se o autuado não indicar advogado, também será enviada cópia do auto de prisão à Defensoria Pública. A medida justifica-se plenamente, para que a defesa possa ser exercida desde logo.

A necessidade imediata do envio do auto de flagrante à autoridade judiciária decorre da necessidade de se averiguar a legalidade da prisão e criar uma análise sobre a necessidade da segregação do autor pela prisão preventiva, pois, na época em que o CPP foi elaborado, a prisão em flagrante por si só era fundamento para que o autor da infração permanecesse preso durante todo o processo, salvo nos casos de crimes afiançáveis ou hipóteses em que o réu se livrava solto. Houve mudança desse quadro quando, em 1977, foi acrescentado o parágrafo único ao art.310 do CPP, em que não mais se justificaria a permanência da prisão de alguém se não estivessem presentes os requisitos da preventiva. Hoje, a redação desse artigo foi alterada novamente, não se permitindo que a prisão em flagrante per si justifique a manutenção do indivíduo no cárcere.

Quanto à classificação do flagrante, primeiramente, pode-se referir ao do tipo facultativo e obrigatório.  O art. 301 do CPP prevê o primeiro, segundo o qual qualquer pessoa do povo poderá prender aquele que se encontra em flagrante delito. De outra forma é o flagrante obrigatório, incumbindo às autoridades policiais o dever de prender quem estiver na situação de flagrante delito. Existem exceções à prisão em flagrante de determinadas pessoas que em razão do cargo ou função que exercem somente podem ser presas em casos mais específicos.

O Flagrante próprio ou perfeito encontra-se na descrição do art. 302 do CPP. Este, nos incisos I e II daquele artigo, considera em flagrante delito quem está cometendo a infração penal ou acaba de cometê-la. Flagrante impróprio ou imperfeito é aquele em que o agente é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração, inc. III do art. 302 do CPP. No inciso IV do mesmo artigo está o flagrante presumido, para o qual o agente é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.

Na via do crime impossível esta o flagrante classificado como preparado ou provocado, porquanto o agente provocador induz alguém à prática de um crime para poder prendê-lo. Flagrante forjado é um tipo considerado ilegal já que se imputa conduta criminosa a um inocente. Para o flagrante esperado, a polícia ou terceiro, que não interferem nos fatos, no momento mais propício, efetiva a prisão em flagrante, normalmente próprio. A autoridade policial não provoca e nem contribui para o desdobramento dos fatos, apenas acompanha os acontecimentos.

Flagrante diferido ou retardado é a possibilidade que a polícia possui de retardar a realização da prisão em flagrante, para obter maiores informações a respeito de uma organização criminosa. A Lei nº 9.034/95 é a lei de repressão à organização criminosa e ela, em seu art. 2º, quebra a obrigatoriedade da prisão, com a finalidade de se desfazer de uma organização criminosa, quadrilha.

Essa categorização da prisão em flagrante decorre da sua finalidade, ou seja, a função primordial do flagrante é evitar que a ação delituosa possa gerar todos os seus efeitos, especificamente, evita-se a consumação do delito quando no tipo próprio do inciso I do art. 302 do CPP, ou o exaurimento do crime no caso dos demais tipos de flagrante.  Cumprida essa finalidade da prisão em flagrante, que também inclui a facilidade na coleta imediata da prova, impõe-se a necessidade de fundamentação na manutenção da segregação.

Mesmo antes do advento da lei 12.403/2011, já havia controvérsia quanto à natureza jurídica da prisão em flagrante (prisão administrativa, medida de natureza pré-cautelar ou prisão cautelar). Com a entrada em vigor da referida lei, a prisão em flagrante, por si só, não mais autoriza que o cidadão continue preso durante a persecução penal, já que de acordo com a nova redação do art. 310 do CPP, diante de uma prisão em flagrante legal, ou o juiz concede ao acusado liberdade provisória, com ou sem fiança, cumulada ou não com medida cautelar diversa da prisão, ou converte o flagrante em prisão preventiva, desde que presentes os seus pressupostos, ou pode ainda o magistrado impor somente outra medida preventiva, diversa da prisão. Portanto, segundo Renato Brasileiro (2011 p. 182), a prisão em flagrante passa a ter natureza jurídica de medida pré-cautelar.

Diante de qualquer modalidade de prisão, deve-se sempre ter cuidado para que ela não seja um recolhimento automático, eis que a nova ordem processual veio garantir a primazia da eficácia cautelar utilizando as outras medidas cautelares diversas da prisão.

Sobre a autora
Suellen da Costa Gonçalves

Servidora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Pós-Graduada pela Escola da Magistratura do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Suellen Costa. Liberdade provisória:: das distorções no campo da fiança criminal a serem corrigidas pelo intérprete. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3843, 8 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26327. Acesso em: 20 dez. 2024.

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