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Direito de família contemporâneo:

conceito de família e nova filiação

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Agenda 14/01/2014 às 12:42

III. A FILIAÇÃO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 E A NOVA FILIAÇÃO

Filho é parente em primeiro grau em linha reta, no âmbito da descendência. O Código Civil de 1916 classificava a filiação em quatro espécies. Os filhos legítimos eram aqueles concebidos na constância do casamento. Eram também considerados legítimos os nascidos até cento e oitenta dias após o início da convivência conjugal, desde que o marido tivesse ciência da gravidez antes do casamento ou tivesse assistido à lavratura do termo de nascimento sem contestar a paternidade. Equiparavam-se aos filhos legítimos os filhos legitimados, ou seja, nascidos anteriormente ao casamento dos pais e, no caso de concepção, fora do prazo de presunção legal. Ilegítimos eram os filhos que não eram fruto de casamento entre os pais, sendo que os incestuosos ou adulterinos não podiam ser objeto de reconhecimento, o que os impedia de suceder. Por fim, os filhos poderiam ser adotados, contudo, a relação de parentesco estabelecia-se somente entre adotante e adotado, a não ser no que se refere aos impedimentos matrimoniais. A evolução da matéria deu-se com a Lei do Divórcio, que determinou igualdade entre todos os filhos para fins sucessórios. A distinção entre filhos terminou, definitivamente, com a Constituição de 1.988, que proibiu qualquer forma de discriminação, estabelecendo direitos e deveres isonômicos para toda a prole. Nesse sentido, vedou-se o impedimento de reconhecimento da filiação, bem como o direito de filho desvinculado da relação de filiação. Trata-se de princípio supranacional, consagrado pela declaração Universal dos Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas de 1948. A Constituição de 1.988 prestigiou, ainda, o princípio da paternidade responsável em seu artigo 226, parágrafo 7º.

O Código Civil de 2002 também consagrou o princípio da isonomia entre os filhos, inclusive adotados, para todos os fins, e ampliou, sobremaneira, as presunções legais de paternidade. Nesse sentido, o são automaticamente reconhecidos como filhos do esposo os nascidos na constância do casamento. Todavia, consideram-se, também, filhos do marido os nascidos até cento e oitenta dias após o início da convivência conjugal. São assim considerados, ainda, os nascidos até trezentos dias após a dissolução da sociedade por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento[x]. Em vista do desenvolvimento científico e tecnológico no âmbito da medicina e da genética, estabeleceram-se, ainda, presunções legais de filiação referentes à fecundação homóloga e heteróloga, a serem analisadas mais adiante.  Contudo, caso não abrangida a hipótese pelas presunções legais, situação em que o reconhecimento é automático, é possível a inserção da paternidade biológica ao mundo jurídico pelo reconhecimento voluntário, que pode ser anterior ao nascimento ou posterior à morte do reconhecido, ou forçado (quando há decisão judicial nesse sentido).

Não se deve olvidar que, atualmente, pelo progresso da ciência, é possível identificar, com precisão, a paternidade biológica pelo exame de DNA ou mesmo pelo exame de idade gestacional. Tendo em vista que a ação declaratória de estado não prescreve, é possível que se mova ação rescisória, caso a sentença transitada em julgado, que determinou a filiação, tenha sido prolatada quando a determinação precisa da paternidade não era, ainda, possível. Entretanto, a situação deverá ser analisada no caso concreto. Afinal, hoje, muitas vezes, privilegia-se a relação de afetividade em detrimento da realidade biológica, o que pode vir a impossibilitar a anulação de registro.

O autor José Luiz Gavião de Almeida defende que é, ainda, relevante a distinção entre filhos reconhecidos e aqueles que se vinculam aos pais apenas biologicamente. Não argui, contudo, que uns devam ter mais direitos que os outros, mas, sim, que os efeitos jurídicos atribuídos a cada um são diferentes. Por exemplo, os filhos reconhecidos têm direito a procedimento especial em ação de alimentos, com fixação de alimentos provisórios, uma vez que a paternidade jurídica é pré-constituída. Por outro lado, os filhos não reconhecidos têm apenas direito a alimentos provisionais e não gozam do procedimento especial. Outro exemplo de diferença de tratamento é o fato de os filhos reconhecidos possuírem o direito de morar com o pai, caso contrário, necessitam de autorização do cônjuge para coabitação[xi].  

O Código Civil de 2002, ainda, ampliou o conceito de parentesco civil, passando a ser considerado parente todo aquele que integre a família, mas sustente relação de consanguinidade, o que abriu portas para a filiação socioafetiva. Nesse sentido, é civil a filiação que não seja derivada da consanguinidade, como ocorre na adoção e na inseminação artificial heteróloga, e natural a que decorre de laços biológicos. Portanto, também é civil o parentesco determinado pela relação de afinidade.

III.1. FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA

Considera-se socioafetiva a filiação quando entre a mãe e o filho, entre o pai e o filho ou, ainda, entre os pais e os filhos não existe vínculo biológico, todavia, ainda assim, há um forte liame de afeto que os une tanto em âmbito pessoal quanto patrimonial. No ordenamento civil brasileiro é admitida, em princípio, com base nos artigos 1.593 e 1.596, que determinam:

Art. 1.593. O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.

Art. 1.596. Os filhos havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.                       

Nesse sentido, o afeto surge como elemento fundamental para constituir novas modalidades familiares que merecem ampla proteção por parte do Estado. Pode-se dizer que, no direito pátrio, a filiação fundada nas relações afetivas emerge, sobretudo, na adoção, nas técnicas de reprodução assistida, homóloga ou heteróloga, e na posse do estado de filho. Possuir o estado de filho significa passar a ser tratado como se filho fosse. Caracterizam este estado, por exemplo, o uso do nome familiar, a conduta afetiva mútua entre pais e filho, a submissão ao poder familiar, a convivência harmoniosa na família, o recebimento de assistência material, imaterial, educação, resguardo, etc. Funda-se em vínculo de amor duradouro que, inclusive, gera, em terceiros, a reputação da qualidade de filho.

Em face do exposto, conclui-se que a configuração do estado de filho exige três requisitos. O primeiro é a nominatio, ou seja, o filho deve ter o apelido de família do pai. O segundo é a tractatus, isto é, o tratamento equivalente ao recebido por um filho, inclusive no que se refere à criação e á educação. Por fim, exige-se a reputatio, que se perfaz quando o indivíduo é considerado filho também pela família e pela comunidade. Entretanto, não é necessário o preenchimento de todos os requisitos para constituir-se a posse do estado de filho, uma vez que, em havendo dúvida, deve decidir-se a favor da filiação. Destacam-se, dessa forma, duas modalidades de filiação derivadas da posse do estado de filho: a adoção à brasileira e os filhos de criação[xii].                           

III.2. FILIAÇÃO DERIVADA DA POSSE DO ESTADO DE FILHO

III.2.1. ADOÇÃO À BRASILEIRA

Configura-se a adoção à brasileira quando determinada pessoa registra filho biológico de outra pessoa como se fosse seu. Ocorre, na verdade, uma adoção sem a observância dos trâmites legalmente exigidos. Todavia, mesmo diante da falsidade ideológica do registro, a jurisprudência tem decidido pela sua não anulação, ainda que haja concordância de todos os envolvidos. Afinal, ainda que inválido, o ato corresponde a uma adoção, que é irrevogável[xiii]. Além disso, uma vez assumido, voluntariamente, o papel de pai, criando-se, assim, o vínculo afetivo, não pode, mais tarde, o indivíduo denegar a sua paternidade com base no fato de não ser genitor biológico. Isto significa que a paternidade não é mais concebida, exclusivamente, sob o enfoque biológico e, sim, principalmente, pelo vínculo de afinidade a afetividade. Sendo assim, é relevante que se criem disposições legais que impeçam ações denegatórias de paternidade, quando a relação socioafetiva já estiver constituída ou, ainda, dispositivos, nos moldes dos existentes na legislação alemã. Segundo o BGB, o homem que for casado com a mãe no momento do nascimento da criança é, presumidamente, pai, ainda que, pelas circunstâncias, seja óbvio que o filho não é dele biologicamente [xiv].

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Por outro lado, se o indivíduo, incidindo em erro, registra uma criança como sua filha e não são criados laços afetivos, não se reconhece a adoção á brasileira e o registro deve ser anulado. Afinal, nesse caso, rompe-se a voluntariedade do ato e, consequentemente, não se pode arguir o princípio venire contra factum proprium.

III.2.2. “FILHO DE CRIAÇÃO”

O filho de criação é aquele que é amparado, criado, alimentado, defendido, educado e amado por pessoa que possui sua guarda de fato, constituindo-se a posse do estado de filho sem, contudo, caracterizar-se uma adoção formal. Trata-se, na verdade, de uma adoção de fato que, todavia, não possui embasamento legal e, por isso, ao “filho de criação” não se estenderiam, a princípio, os mesmos efeitos atribuíveis aos filhos biológicos ou formalmente adotados.

Ainda assim, não tem sido incomum o reconhecimento jurisprudencial da filiação, com todos os seus efeitos jurídicos, respaldada, unicamente, no vínculo afetivo. Entretanto, para que esta modalidade de filiação tenha fundamento legal, é necessário que o ordenamento civil reconheça a posse do estado de filho como elemento declaratório da filiação, inclusive, afetiva. Dessa maneira, não restariam, esses indivíduos, à margem da lei, da família e da sociedade, não apenas no que se refere à ordem social e patrimonial, mas também em relação a sua natureza pessoal, psíquica, moral e afetiva[xv].

De fato, é relevante reconhecer a filiação surgida do vínculo socioafetivo, tendo em vista, sobretudo, o interesse do menor. Contudo, é crescente corrente doutrinária no sentido de que não é apenas o bem-estar do filho que deve ser levado em consideração, mas também dos pais. O exemplo emblemático dessa orientação vem de julgamento proferido em Goiás. No caso em questão, uma mulher subtraiu, maliciosamente, filhos alheios e criou-os como seus, originando-se da convivência, o natural vínculo afetivo. Descoberto o paradeiro dos filhos pelos pais biológicos, decidiu-se, por bem, desconstituir o poder familiar originado da relação socioafetiva, considerando-se que, modernamente, também deve ser levado em consideração o proveito dos pais no exercício do poder familiar[xvi].

De qualquer modo, com a exceção de situações como a aludida acima, tem-se reconhecido a relação de filiação fundada, unicamente, no vínculo afetivo. Dentro deste contexto, situação interessante é a que se apresenta em relação ao padrasto e à madrasta. O casamento ou a união estável de pessoa que já possui filhos com outro indivíduo faz surgir uma relação de parentesco por afinidade, em decorrência da Lei, entre um dos cônjuges ou companheiros e o filho do outro cônjuge ou companheiro. Esse parentesco por afinidade gerado não tem, por si só, a capacidade de gerar a constituir o estado de posse de filho. Todavia, desenvolvendo-se, ao longo do tempo, verdadeiro vínculo afetivo, substituindo o genitor biológico, inclusive, no que se refere ao suporte moral e material. Origina-se, dessa forma, a filiação socioafetiva, gerando, para o pai e filho socioafetivo todos os direitos e obrigações derivados dessa condição. Nesse sentido, de acordo com a Lei 11.924/07 é possível, até mesmo, a inclusão do patronímico do padrasto pelo filho, a pedido de qualquer deles, com anuência de ambos, por decisão judicial[xvii].                  

III.3. A FILIAÇÃO E A REPRODUÇÃO ASSISTIDA

A reprodução assistida pode ser homóloga ou heteróloga. É homóloga na hipótese de os materiais genéticos pertencerem a ambos os pais. É heteróloga no caso de o material genético pertencer, exclusivamente, á mãe. Em se tratando de fecundação heteróloga, portanto, o filho é ligado ao pai somente por vínculo socioafetivo e não biológico.

De acordo com o artigo 1.597, incisos III e IV, caso a fecundação seja homologa, os filhos sempre se presumem do marido, mesmo que este tenha falecido ou que se trate de embriões excedentários. Todavia, segundo o inciso V do mesmo artigo, em caso de fecundação heteróloga, somente se presumem do marido os filhos concebidos com autorização do cônjuge.

Apesar de a legislação civil não prever, seria possível, ainda, cogitar a filiação socioafetiva ligada à mãe, caso a reprodução assistida heteróloga se desse pela utilização de óvulo doado e fecundado por sêmen do marido, com autorização da esposa. A Lei, não prevê, também, a reprodução assistida totalmente heteróloga, ou seja, com doação de óvulo e sêmen, sendo o material genético totalmente estranho ao dos pais socioafetivos. Além desses casos, o diploma civil também é falho no que se refere à ausência de previsão quanto a presunções legais referentes à reprodução assistida operada em união estável, o que acarreta uma impressão equivocada de que não se admite a utilização desses métodos em se tratando de pessoas não casadas[xviii].

É relevante ressaltar que, em nenhuma hipótese, o doador ou doadora, ou seja, o genitor, a genitora ou ambos são concebidos, juridicamente, como pais da criança concebida. A esposa e/ou marido que consentiram com a reprodução assistida heteróloga serão considerados pais para todos os efeitos legais, ainda que, posteriormente, o doador, a doadora ou os doadores venham a ser identificados. Portanto, em caso de reprodução assistida heteróloga, é possível a filiação socioafetiva bilateral ou unilateral.

Sendo assim, ainda que, no exercício de seu direito de conhecer sua identidade genética, o indivíduo venha a descobrir quem são os doadores, não haverá declaração do estado de filho natural. Afinal, a filiação, nesse caso, é estabelecida em virtude da relação socioafetiva e não da biológica. Da mesma forma, a doadora ou doador não poderão requerer nulidade do registro de filiação em nome dos pais socioafetivos para que seja reconhecida a maternidade ou a paternidade biológica.

Por fim, cumpre ressaltar que, do consentimento, não cabe arrependimento. Portanto, a autorização para a reprodução assistida heteróloga é irretratável. Nesse sentido, não pode ser revogada e não pode ser contestada, seja pelo cônjuge, seja pelo companheiro[xix].

III.4. GESTAÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO

A gestação de substituição é conhecida, popularmente, pelo termo “barriga de aluguel”. Recentemente, o tema foi regulamentado pelo Conselho Federal de Medicina (Resolução 2.013/13), admitindo a Lei essa prática desde que com fins altruísticos e sem remuneração e desde que a doadora tenha parentesco até quarto grau com um dos pretensos pais. Caso não sejam atendidos os requisitos, o caso deverá ser levado ao Conselho Regional de Medicina local.

Nessa hipótese, o material genético é oferecido pelos pais, contudo, a gestação dá-se em mulher, parente até quarto grau de um dos cônjuges, que não faz parte do casal. Nessa hipótese, há vínculo não apenas afetivo entre o filho e os pais, mas também biológico, servindo a parturiente como instrumento de concepção e nascimento. Ainda assim, a Resolução exige contrato entre aqueles que oferecerem o material genético e a doadora temporária de útero que estabeleça, previamente, a respectiva relação de filiação.

Não se descarta, ainda, a possibilidade da doação temporária de útero pactuada entre a gestante substituta e parceiros homossexuais. Nesse caso, o material genético provirá de somente um dos parceiros da relação homoafetiva, estabelecendo-se a paternidade, exclusivamente, socioafetiva em relação ao parceiro que não forneceu o sêmen. Nessas circunstâncias, aumenta a relevância do contrato e do consentimento informado de todas as partes para evitar eventuais confusões em relação ao estado de filiação.

Existe, ainda, o que se chama de coparentalidade, derivada da gestação compartilhada, também autorizada pela Resolução 2.013/13. Nessa modalidade familiar, dois casais homossexuais, de sexos opostos, celebram acordo visando a troca de material genético, sendo que a criança assim gerada frequentará ambas as famílias. Também nesse caso é fundamental a informação e contrato que estabeleça as relações de parentesco geradas a partir da transação de materiais genéticos.

III.5. ADOÇÃO

De acordo com o autor Jorge Fujita:

“A adoção é vínculo pelo qual se promove, mediante sentença judicial constitutiva, o ingresso de uma pessoa, menor ou maior de idade, capaz ou incapaz, como filho na família do adotante, independentemente da existência entre elas de uma relação parental consanguínea ou afim, desfrutando o adotando de todos os direitos e deveres inerentes à filiação.”

Conforme se salientou, anteriormente, o filho adotado, atualmente, possui exatamente o mesmo status que os filhos naturais para todo e qualquer fim. A adoção, portanto, é modalidade de constituição familiar sedimentada no afeto e no amor, uma vez que, respaldado na autodeterminação e na liberdade, o adotante, em virtude do sentimento que alimenta, oferece os meios materiais e afetivos para que o adotando desenvolva plenamente suas potencialidades e sua personalidade[xx]. Além disso, ao contrário do que se verificava no Código Civil de 1.916, tanto a adoção de menores quanto de maiores de idade depende de procedimento judicial. Contudo, caso qualquer parente reclame o menor, a tutela preferirá à adoção, uma vez que, presumidamente, já está estabelecido o vínculo afetivo entre os parentes consanguíneos[xxi]. Deve-se ressaltar, ainda, que o ato de adoção, de acordo com o artigo 1.621, parágrafo 2º, do Código Civil, é irrevogável.

A Lei não traz condição quanto ao estado da pessoa no momento da adoção. Sendo assim, é, perfeitamente, possível a adoção monoparental, ou seja, feita por uma pessoa que não é casada ou não vive em união estável. Deve ser preservado, sobretudo, o melhor interesse do menor, possuindo, o adotante, condições para o adequado exercício do poder familiar e para propiciar o pleno desenvolvimento da personalidade do adotado sob o enfoque da felicidade e afetividade. Sendo assim, nada impede, ainda, que a adoção monoparental seja feita por pessoa homossexual.

Admite-se, ainda, a adoção unilateral, prevista, explicitamente, no Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 41, parágrafo primeiro:

§1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantém-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes.

Portanto, nesse caso, é rompido o vínculo de filiação com apenas um dos pais, que vem a ser substituído pelo adotante para todos os fins.  

III.5.1. ADOÇÃO POR HOMOSSEXUAIS

Alguns doutrinadores, como Regina Beatriz Tavares, posicionam-se contrariamente à adoção por parceiros homossexuais. Argumenta que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 42, parágrafo 2º, apenas autoriza a adoção por ambos os cônjuges ou concubinos, desde que um deles tenha, pelo menos, vinte e um anos de idade, comprovada a estabilidade familiar. Além disso, aponta para o artigo 1.622 do Código Civil, que estabelece que “ninguém pode ser adotado por duas pessoas, salvo se forem marido e mulher, ou viverem em união estável”.

Ocorre que em vista de recentes decisões do Supremo Tribunal de Justiça, Supremo Tribunal Federal e Conselho Nacional de Justiça, estes argumentos perderam sua força. Afinal, atualmente, de acordo com a jurisprudência e Resolução do Conselho Nacional de Justiça, não apenas é admitida a união estável entre parceiros homoafetivos como também o casamento. Nesse sentido, nada impede que os adotantes vivessem em união estável ou fossem casados.

A Constituição ou a Lei não impedem, em dispositivo algum, a adoção por parceiros homossexuais. O Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelecem, na verdade, outros requisitos, estes, sim, relevantes. Referidos diplomas legais determinam que a adoção seja efetuada tendo em vista o benefício do menor e que seja fundada em motivos legítimos. Considera-se beneficiado o menor quando é atendido o melhor interesse do menor no que se refere à ordem pessoal, moral e afetiva.

Não compreender a matéria sobre este prisma significa estar fadado à contradição. Afinal, se é verdade que um indivíduo homossexual pode adotar sozinho, uma criança, não faz sentido que este e seu parceiro não possam adota-la conjuntamente. A realidade é que, na prática, já existem muitos menores vivendo em famílias homoparentais, seja em virtude de o genitor, após separação, ter assumida sua orientação sexual e se unido à pessoa do mesmo sexo, seja pela utilização de métodos artificiais de fecundação. Sendo assim, estabelecido o vínculo afetivo e preservados os interesses fundamentais do menor, negar a homoparentalidade significa fomentar a discriminação e privar uma série de crianças que vivem na miséria de terem um lar estruturado[xxii]. 

Por fim, deve-se ressaltar que existem diversos estudos que demonstram que a orientação sexual dos pais não prejudica o desenvolvimento psíquico dos menores. Nesse sentido, resta concluir que a família homoparental deve receber a mesma proteção do Estado que receberia qualquer outra.


CONCLUSÃO

É possível afirmar, tranquilamente, que, nos dias atuais, a Lei não mais restringe as possibilidades de formação familiar. Afinal, reconhece-se que o que determina a constituição de uma família é o vínculo afetivo e as relação de suporte e apoio mútuos entre seus membros. Nesse sentido, não cabe à norma legal definir, com precisão, as hipóteses em que se forma o vínculo familiar, mas, sim, garantir que se desenvolva de maneira plena e saudável.


Notas

[i] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós-modernidade. São Paulo: Atlas. 2010. p. 31-37.

[ii] ALMEIDA, José Luiz gavião de. Direito Civil: Família. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 5-6.

[iii] Op. cit. MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós-modernidade. p. 37-47.

[iv] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós-modernidade. São Paulo: Atlas. 2010. p. 104-105.

[v] Op. cit. ALMEIDA, José Luiz gavião de. Direito Civil: Família. p. 132-133.

[vi] DIAS, Maria Berenice; LARRATÉA, Roberta Vieira. A Constituicionalização das uniões homoafetivas. In: CHINELATO, Silmara Juny de Andrade; FUJITA, Jorge; SIMÃO, José Fernando; ZUCCHI, Maria Cristina. (org.). O direito de família no terceiro milênio: Estudos em homenagem a Álvaro Villaça Azevedo. Atlas. 2010. p. 372-373.

[vii] LAGRASTA NETO, Caetano. Direito de Família. Malheiros: São Paulo. s.d. p. 133.

[viii] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós-modernidade. São Paulo: Atlas. 2010. p. 112.

[ix] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós-modernidade. São Paulo: Atlas. 2010. p. 113-117.

[x] FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. In: CHINELATO, Silmara Juny de Andrade; SIMÃO, José Fernando; ZUCCHI, Maria Cristina. (org.). O direito de família no terceiro milênio: Estudos em homenagem a Álvaro Villaça Azevedo. Atlas. 2010. p. 372-373.

[xi] Op. cit. ALMEIDA, José Luiz gavião de. Direito Civil: Família. p. 156-158.

[xii] Op. cit. FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. p. 474-475.

[xiii] Op. cit. FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. p. 482.

[xiv] Op. cit. ALMEIDA, José Luiz gavião de. Direito Civil: Família. p. 179.

[xv] Op. cit. FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. p. 484.

[xvi] Op. cit. ALMEIDA, José Luiz gavião de. Direito Civil: Família. p. 17.

[xvii] ANDRADE, Ronaldo Alves de. Reflexos jurídicos na filiação afetiva decorrentes do padrastio e do madrastio. In: CHINELATO, Silmara Juny de Andrade; SIMÃO, José Fernando; ZUCCHI, Maria Cristina. (org.). O direito de família no terceiro milênio: Estudos em homenagem a Álvaro Villaça Azevedo. Atlas. 2010. p. 505-520.

[xviii] Op. cit. FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. p. 472-473.

[xix] Op. cit. FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. p. 478-479.

[xx] Op. cit. FUJITA, Jorge. Filiação na Contemporaneidade. p. 476.

[xxi] Op. cit. ALMEIDA, José Luiz Gavião de. Direito Civil: Família. p. 21.

[xxii] MALUF, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Novas modalidades de família na pós-modernidade. São Paulo: Atlas. 2010. p. 170-176.

Sobre a autora
Erika Nicodemos

Advogada atuante na área cível, sócia do escritório Erika Nicodemos Advocacia, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com a Universidad Austral de Buenos Aires. Pós-graduada em Direito Empresarial e especialista em Direito Digital e Planejamento Sucessório pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICODEMOS, Erika. Direito de família contemporâneo:: conceito de família e nova filiação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3849, 14 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26392. Acesso em: 23 dez. 2024.

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