O Colendo Superior Tribunal de Justiça, conhecido também como Tribunal da Cidadania, dentro de suas destacadas incumbências jurisdicionais, comporta, em duas específicas Turmas Julgadoras, a análise sempre pontual das relações previdenciárias, sendo um verdadeiro interpretador de toda celeuma advinda da Seguridade Social, que apesar de ganhar na Lei Excelsa, capítulo e estruturação própria, ex vi do artigo 194 e seguintes do Texto Político, por certo que é na legislação hodierna que suas diretrizes se consolidam.
No presente e singelo estudo, visou-se a análise pontual de uma prestação previdenciária por excelência, quer seja a Pensão por Morte, mas não em toda a sua extensão e abrangência.
Com efeito, mister delimitar aqui o cerne de toda a vertente discussão, sobretudo para demonstrar o acerto ou não da interpretação conferida pelo STJ, nesta reflexão não só jurídica, mas sim, a social que se é esperada, quando a abordagem envolve o pacote previdenciário.
O Sistema de Seguridade Social trabalha com regimes jurídicos, para que seus preceitos basilares, aliás, de dimensão constitucional se convalidem para os seus sujeitos protegidos.
Assim, há necessidade de alocação constitucional e sistemática, por conta da exigência de que um instrumento jurídico de suma importância seja estruturado a ponto de ser harmônico e eficaz.
Logo, não há como ventilar relação previdenciária em si, divorciada de um planejamento constitucional sistemático e protetor por excelência.
Portanto, evidente que qualquer prestação previdenciária conferida dentro de um regime específico detém nítido lastro protetivo e social, tendo em vista que o Legislador Ordinário elegeu os benefícios previdenciários como verdadeiros direitos sociais, conforme reza o artigo 06º, caput do Texto Maior.
A Pensão por Morte, atualmente alocada nos artigos 74 a 79 do Plano de Benefícios, Lei 8.213/91, bem como, nos artigos 105 a 115 do Regulamento Geral, Decreto-Lei 3.048/99, se trata de um benefício previdenciário de prestação continuada, que não depende de contribuições mínimas, mas, em regra, prescinde da qualidade de segurado e filiação do instituidor da pensão.
Pode assim ser originária, ou seja, advinda da plena relação previdenciária do falecido, quando integrante de uma das categorias de filiação ao sistema, ou derivada, quando advinda do gozo, pelo falecido, de um benefício previdenciário.
Entretanto, seus requisitos basilares nem sempre foram assim.
É que a Lei Eloy Chaves, de 1923, exigia do segurado mais de dez anos de efetivos serviços à empresa para os dependentes adquirirem o direito à pensão. Também, na Lei Orgânica da Previdência Social de 1960, a conhecida LOPS, a pensão somente se justificaria se houvesse comprovadamente a existência de doze contribuições mensais do falecido segurado.
Atualmente, como prenunciado, inexiste esta obrigação legal, de quantia mínima de contribuição do falecido, mas sim, em regra, apenas a demonstração de sua filiação ao Sistema, ou seja, sua qualidade de segurado.
Trata-se assim, de um benefício de risco, sendo desnecessário e não razoável exigir a carência, pois a morte, ao contrário da maternidade, por exemplo, se trata de um verdadeiro risco social e não contingência, sendo incerto e imprevisto o seu acontecimento, razão de que sua ocorrência, não programada por todos, deve estar inserida dentro de um pacote de proteção, para que os dependentes do falecido, se encontrem devidamente amparados.
Neste ponto, necessário o seu exaurimento para o enfrentamento do objeto central da presente reflexão.
Ocorre, que a pensão por morte atinge, é óbvio, os dependentes do falecido. Entretanto, este relacionamento jurídico não é direito com o Regime Jurídico Previdenciário em questão, mas sim reflexo, ou seja, mediante a relação previdenciária do falecido instituidor do benefício é que os dependentes são tutelados.
Trata-se, assim de relacionamento previdenciário indireto ou reflexo do dependente com o sistema previdenciário. Aqui, a diferenciação clara entre Segurado e Dependente.
De todo o modo, são ambos beneficiários da proteção, pois o artigo 01º do Plano de Benefícios não realizou nenhuma distinção a respeito.
Da mesma forma a legislação previdenciária vigente disciplina quem são esses dependentes, verdadeiros beneficiários não só da relação jurídica do instituidor, mas sim, de todo o sistema de proteção.
Com efeito, o atual artigo 16 da Lei de Benefícios e seus incisos, após sensíveis alterações legislativas, oriundas das Leis 9.032/95 e 9.528/97, objetivamente traz o rol de dependência e seus espectros legais.
Pois bem, além da adequação jurídica aos pressupostos de convalidação desta necessária dependência previdenciária, que não é automática em regra, devendo, em outras situações ser comprovada, outro ponto de partida se mostra notório dentro do campo de abrangência do benefício, aquecendo os debates e fomentando, pela jurisprudência o próprio melhoramento de modais jurídicos, quer seja, o marco inicial de observância normativa.
Aqui, o motivo central que move divergentes pontos de reflexão e estimula o aprimoramento dos estudos.
O MENOR DESIGNADO. GUARDA JUDICIAL. RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA.
Especificando a reflexão, uma abordagem intrincada do campo de atuação da pensão por morte ganha relevo, sobretudo nos Tribunais.
Dentro da análise da dependência jurídica e previdenciária, a Lei de Benefícios, em sua redação original, trazia um outro rol de dependência.
Assim, o que dispunha o artigo 16 em seu parágrafo segundo: “Equiparam-se a filho, nas condições do inciso I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação”.
Ao que se vê, havia uma maior possibilidade de se ampliar os dependentes previdenciários, mediante deliberação do instituidor conforme os requisitos legais da época. Neste aspecto, o menor designado ou indicado, quando inserido no instituto da guarda judicial.
Pois bem, ocorreu que tal previsibilidade não se perdurou por muito tempo, tendo em vista que a partir de 14 de outubro de 1996, data da publicação da Medida Provisória nº 1523, reeditada e convertida na Lei 9.528/1997, o menor abrangido por guarda judicial, deixou de integrar a relação de dependentes para as finalidades do sistema, cuja exclusão se dá até a presente data.
Entretanto, citada exclusão legal, não foi bem aceita, tampouco comemorada por expressiva parcela da doutrina.
Tal defesa, aliás, lúcida e arrazoada, encontrando claro arrimo constitucional, em especial no artigo 227, § 3º da Lei Excelsa.
Ainda, a própria legislação específica ao instituto da guarda, abrangeu e estendeu esta previsibilidade constitucional.
Neste prisma a literalidade do artigo 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): “a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários”.
O Professor Wagner Balera, uma das vozes doutrinárias mais respeitadas no âmbito previdenciário, se manifestou a respeito:
“É estranhíssima a exclusão de menor sob guarda do rol de dependente, consoante dispunha a primitiva redação do § 2º do art.16. O pretexto utilizado pelo Poder Executivo para propor a exclusão foi o comum em todas as distintas fórmulas de redução de direitos sociais: a existência de fraudes”.[1]
Dando azo ao entendimento de expressivo Jurista, aliás, Mestre, Doutor e Livre-Docente pela PUC/SP, verdade que o Ministério Público Federal aforou diversas ações civis públicas em toda a federação, porém, após os esperados embates judiciais, tão somente em Minas Gerais e em Tocantins, o menor sob guarda judicial continua inserido no rol de dependentes previdenciários, por força de decisões ainda vigentes na ACP nº: 1999.38.00.004900-0 da 29ª Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Minas Gerais e na ACP nº: 1999.43.00.000326-2 do Estado de Tocantins.
Ademais, perfilhou o entendimento esposado pelo STJ de que o contido no artigo 33 do ECA não pode ser aplicado aos benefícios mantidos pelo Sistema de Seguridade Social, em especial do Regime Geral, pois há lei de benefícios específica que trata da matéria.
Em que pese uma certa pacificação atual sobre o assunto, não se pode desnaturar os combativos argumentos contrários a exclusão, que fazem uma análise racional, harmônica e axiológica da proteção social conferida ao menor e adolescente, que dentre vários direitos, primou-se também, pela extensão aos previdenciários.
A ANÁLISE DO STJ E O REQUISITO TEMPORAL DE INCIDÊNCIA. EQUIPARAÇÃO.
Passadas essas preambulares e conceituais lições, de todo necessário ao fim deste breve estudo, oportuno demonstrar o posicionamento do Colendo STJ acerca da temática.
Tal fato, aliás, ganha relevo ao que vem assentando o Tribunal da Cidadania nesta seara, conforme o seguinte e recente aresto a respeito:
“A pensão por morte a ser paga ao menor sob guarda deve observar a lei em vigor na data do óbito do segurado, pois esse é o fato gerador para a concessão do benefício previdenciário: se o falecimento ocorreu antes da edição da Medida Provisória 1.523, de 11/10/96, o recebimento está assegurado; se a morte ocorreu depois, o menor não tem direito ao benefício. A conclusão é da 05ª Turma do STJ, que definiu também que o menor sob guarda não pode mais ser equiparado ao filho de segurado para fins de dependência”.[2]
Do citado julgado do Colendo Tribunal, afere-se duas vertentes a respeito, sendo uma, no tocante a data do óbito, como ponto principal do marco temporal da incidência legislativa e de outro lado, ratifica a posição do guardião da lei federal acerca da impossibilidade da equiparação do menor sob guarda tão somente pela existência desta e da previsibilidade constitucional.
No tocante a primeira premissa, se mostra acertada a análise do Sodalício, que vai de encontro com o posicionamento doutrinário.
Logo, para a pensão previdenciária, o evento morte determina a legislação a ser observada.
Neste sentido, o caminho trilhado pelo próprio STJ:
“...é a data do óbito, em se tratando de pensão por morte, que assinala a lei de regência do benefício”. [3]
Pois bem, evidente que em uma singular análise, fácil detectar a data do óbito, como fato gerador da incidência da proteção previdenciária ao beneficiário, desde que observados os ditames legais, pouco importando então se o requerimento do benefício se deu em datas posteriores as várias mudanças legislativas, ou mesmo, se o instituidor do benefício já percebida aposentadoria em épocas distintas de textos legais alterados no tempo.
Entretanto, intrincada e tormentosa o estudo no que pertine ao menor sob guarda judicial.
Ao que se vê, a mais recente jurisprudência do STJ reputa qualquer equiparação, mas, nem sempre foi assim.
De fato, por vários anos, mesmo em períodos posteriores a mudança na legislação que excluiu o menor sob guarda do rol de dependentes previdenciários, analisou o Superior Tribunal a questão, de forma harmoniosa e consentânea aos postulados constitucionais.[4]
Pela análise até aqui esposada, fácil conferir que grande área ainda há para percorrer a respeito, não sendo de todo unânime o entendimento exarado pelo guardião da legislação federal pelos anos.
Por certo, que há aqui um aparente confronto de normas, premissas, valores e princípios, cabendo as fontes do direito alicerçar a ciência jurídica de argumentos consolidadores, para a proclamação ou não da equiparação.
Situação inusitada é a previsibilidade de o menor tutelado continuar a ser dependente legal para efeitos previdenciários em contraponto ao menor sob guarda, já excluído.
Por este ângulo, preferiu o legislador privilegiar a tutela do que a guarda judicial, advinda por um pronunciamento do Estado, não se sabendo ao certo, os motivos da diferenciação de dois institutos de direitos civis de aproximada índole e finalidade comum, quer seja, da proteção aos interesses do infante.
Assim, por exemplo, dois menores, um tutelado e outro, submetido a uma guarda judicial, para a mesma relação previdenciária terão tratamentos díspares, em frontal ataque ao princípio isonômico, sem falar do dever público, inserto na Lei Maior que anseia pela proteção dos interesses de todos os menores.
Sabido que toda a mudança legislativa deve atingir uma finalidade específica, uma adequação social relevante, de forma a tornar o fenomênico em adequação legal, condensando em normas, valores ou princípios reputados imprescindíveis de toda a ordem jurídica.
Em que pese a atual e mais recente posição do STJ a respeito, nítido o disparate legislativo, frente a outros postulados no tocante ao menor sob aguarda.
De todo o modo, a legislação não se apresenta como única luz no fim do túnel, mas conduz o intérprete do direito ao esperado raciocínio jurídico da questão posta para análise.
Pensar friamente nesta questão, pela simples literalidade normativa, é encontrar a possibilidade de fraude, como isolada razão para o legislador operar a exclusão da equiparação.
A harmonia dos sistemas jurídicos também passa pela harmoniosa junção de normas, que devem condensar os anseios de toda uma coletividade, o que foi feito, com as premissas calcadas no texto constitucional pelo Poder Originário.
Pensar exclusivamente na fraude, como óbice para a equiparação do menor sob guarda, é reprimir e retardar sobremodo o dever de cuidado e proteção do Poder Público com o próprio menor, negando vigência ao comando constitucional específico, além de, dentre outras várias razões, confessar a fragilidade total do sistema de fiscalização do próprio Estado, mostrando sua vulnerabilidade em tempos de vultuoso crescimento da era digital e mecanismos de controle, fazendo a regra, virar a exceção.
Verdadeiramente, essa intrincada questão merece profundo debate, já que não sedimentada de vez no cenário jurídico.
Independente das correntes existentes, cabe aqui ressaltar a grande contribuição que o STJ tem conferido não só a esse assunto, mas a várias outras questões previdenciárias de alto relevo. Por isto, denominado Corte de Superposição.
Assim, em havendo plano de proteção, como antes demonstrado, alocado, aliás, em arcabouço sistêmico constitucional, razão há para que todos os destinatários desta vontade protetiva devam ser tratados de forma igual e em harmonia com as próprias premissas condensadas em normas, cujos preceitos, derivam da própria vontade dos sujeitos protegidos.·
Notas
[1] BALERA, Wagner. Legislação Previdenciária Anotada. 1ª ed. São Paulo: Conceito. 2011. p.276.
[2] Boletim Informativo nº.180/181 do IBDP, de 01/12/2011.
[3] STJ – Ag.Rg no Recurso Especial nº 627.474 – RN (2003/0216181-1) – Rel.Min. Felix Fischer.
[4] STJ - AgRg-REsp 684.077 - RJ - 5ª T. - Rel. Min. Gilson Dipp - DJU 21.02.2005.