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O controle externo da administração pública no Brasil

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Agenda 28/02/2014 às 07:45

No Brasil, o controle externo é função exercida atualmente por dois órgãos autônomos: o Poder Legislativo e o órgão de controle externo, com competências constitucionalmente definidas e distintas, e que compreende o controle e a fiscalização de toda a Administração Pública.

Resumo: Este artigo tem como objetivo de descrever a forma como é realizado o controle externo dos atos administrativos, tendo como base a efetivação de mecanismos que visem garantir a plena eficácia das ações de gestão governamental com base na gestão dos interesses da sociedade. Se pretende demonstrar como se tem verificado o crescimento dos sistemas de controle a partir do avanço da democracia e do desenvolvimento do Estado de Direito, levando à melhoria nas relações entre os entes públicos e privados, e entre o Estado e os cidadãos.

Palavra-chave: Direito administrativo. Controle externo. Tribunais de Contas.


1.    INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo descrever a forma como é realizado o controle externo dos atos administrativos no Brasil, demonstrando seus principais aspectos, tais como descrição do órgão responsável, composição, competência e função, dentre outros temas relevantes.

Antes de adentrar no tema específico deste artigo, faz-se necessário discorrer sobre a forma como se dá o controle da administração pública nos dias atuais, demonstrando a importância do tema no controle dos gastos públicos.

Assim, a diferenciação entre o controle interno e externo se faz relevante, pois insere os órgãos controladores que aqui serão tratados dentro do contexto atual da Administração Pública. Outro tema a ser aqui tratado é com relação aos modelos de controle externo existentes, a fim de situar a realidade do Brasil em cada um deles.

Um dos objetivos desse artigo será a análise das mudanças institucionais referentes ao tema em questão e que foram introduzidas nos novos modelos constitucionais.

O Tribunal de Contas da União – TCU adquiriu uma nova conformação e novas competências a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, deferindo a este órgão autonomia administrativa e financeira, e conferindo aos seus membros as prerrogativas e garantias dos membros do Poder Judiciário, tornando-o, assim, um órgão totalmente independente em relação a qualquer dos Poderes do Estado. A partir da promulgação dessa Constituição, o TCU viu o seu papel no contexto nacional ser bastante reforçado, passando a ter competência na fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas.

Partindo de uma nova concepção de controle da Administração Pública na atualidade, tem-se que os órgãos de controle externo podem contribuir de forma decisiva na proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos, pois o estreitamento das relações dos órgãos de controle e a sociedade tendem a incrementar a fiscalização dos gastos públicos, aumentando a efetividade das políticas sociais, bem como dos próprios serviços que são prestados pelo Estado, contribuindo para o fortalecimento da cidadania e, porque não dizer, do próprio regime democrático.

Nessa esteira de entendimento, tem-se que os órgãos de controle externo existentes nos países democráticos, vêm alcançando, cada vez mais, uma importância na defesa de direitos fundamentais assentes nas diversas Constituições, na medida em que exercem, por exemplo, a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do governo, bem como das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, eficácia e economicidade.

É de fundamental importância ressaltar que o controle da gestão, bem como da aplicação dos recursos financeiros que são auferidos pelo Estado, seja realizado de forma autônoma e independente, a fim de que esses recursos sejam convertidos em benefício da própria população deste Estado, coibindo, assim, que haja desperdício ou que tais recursos sejam, de alguma forma, desviados.

Importante asseverar que as constantes alterações no comportamento da sociedade, aliada aos grandes avanços na seara da informação, gera atualmente uma maior expectativa por parte desta mesma sociedade no tocante às soluções a serem buscadas quando constatada qualquer irregularidade na utilização dos recursos públicos, por agente do governo ou até mesmo de terceiros, e o clamor da população pede que os Governos atuem de forma célere, objetiva e eficaz.


2.             O CONTROLE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

2.1.       GENERALIDADES

Antes que se adentre no tema específico deste artigo, faz-se necessário introduzir um breve estudo acerca do tema “controle externo”, trazendo importantes conceitos que facilitarão a compreensão de como essa função é hoje tratada no Brasil.

Primeiramente, faz-se mister ressaltar que a função “controle” está intrinsecamente interligada com o poder e, por consequência, com a administração pública. O seu objeto pode ser definido como o vetor do processo decisório na busca do redirecionamento das ações programadas (MEDAUAR, 1993, p.14), e na lição de Fernandes, os instrumentos dessa função seriam “a revisão dos atos, a anulação, a admoestação e a punição dos agentes, sempre visando a reorientação do que está em curso, para obter o aperfeiçoamento” (FERNANDES, 2003, pp.32-33). Todo o processo do controle tem uma finalidade precípua, qual seja, a de garantir que os administradores públicos atuem em consonância com princípios basilares da Administração Pública, tais como: legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, dentre outros.

Assim, pode-se definir controle na administração pública como sendo a faculdade que um determinado ente estatal tem de fiscalizar os seus próprios atos de gestão ou de outro ente, podendo se apresentar com sentido negativo ou positivo. Por sentido negativo entende-se o controle como sendo sinônimo de fiscalização, ou seja, quando a ação incide sobre pessoas. Por sentido positivo entende-se o controle capaz de realizar as atividades de gestão conforme o prévio planejamento, com vistas ao alcance dos objetivos.

O controle dos atos realizados em nome da Administração Pública faz-se imprescindível porque há interesse público na análise da eficiência dos serviços postos à disposição da população. Por isso, a Administração Pública deve atuar sempre com legitimidade, de acordo com a finalidade e o interesse coletivo na sua realização.

Nesse ensejo, referindo-se ao conceito de controle da Administração Pública, vale trazer a lume as lúcidas palavras de Carvalho Filho (2007), verbis:

Controle da Administração Pública é o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de poder.

2.2.       CONTROLE INTERNO E EXTERNO

No capítulo anterior descreveu-se, de forma genérica, conceitos acerca da função controle e, em especial, no controle da Administração Pública. De posse dessas informações, faz-se mister apresentar a classificação do controle com relação ao posicionamento do órgão controlador dentro da Administração Público. Por essa classificação tem-se que o controle pode ser interno e externo.

O controle interno é aquele realizado em cada setor da administração, decorrente da sua própria autonomia administrativa e financeira, ou seja, decorre do seu próprio poder de autotutela, permitindo à Administração Pública rever os seus próprios atos caso ilegais, inoportunos ou inconvenientes, sempre com fulcro nos princípios da legalidade, supremacia do interesse público, eficiência e economicidade.

O controle interno, também, conhecido como autocontrole, controle intra-orgânico ou controle administrativo, é uma modalidade de controle exercido pela própria Administração, tendo como objetivo a verificação da oportunidade e do mérito do ato administrativo.

Uma das funções do controle interno é verificar se as metas anteriormente fixadas na lei orçamentária alcançaram os resultados almejados, estimulando a ação dos órgãos públicos na verificação da eficácia das medidas adotadas na solução dos problemas constatados.

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No caso do controle externo tem-se que é aquele exercido por um Poder ou um órgão estranho à Administração Pública, como por exemplo, o controle exercido pelo Poder Legislativo, que faz o controle político, e pelo Tribunal de Contas, responsável pelo controle financeiro. Esse foi o modelo adotado pelos legisladores para o controle externo no Brasil.

O controle externo pode ser definido como um conjunto de ações de controle desenvolvidas por uma estrutura organizacional, contendo procedimentos, atividades e recursos próprios, alheios à estrutura controlada, e que visa à fiscalização, verificação e correção dos atos.

Nas lúcidas palavras de Guerra (2005), pode-se extrair a seguinte definição:

O controle externo é aquele desempenhado por órgão apartado do outro controlado, tendo por finalidade a efetivação de mecanismos, visando garantir a plena eficácia das ações de gestão governamental, porquanto a Administração Pública deve ser fiscalizada, na gestão dos interesses da sociedade, por órgão de fora de suas partes, impondo atuação em consonância com os princípios determinados pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, legitimidade, economicidade, moralidade, publicidade, motivação, impessoalidade, entre outro.

Insta frisar que não há qualquer hierarquia entre o controle interno e o externo. O que ocorre, na verdade, é a complementação de um sistema pelo outro. E nessa esteira de entendimento, conclui-se que o controle interno tem como principal função apoiar o controle externo, orientando as autoridades públicas no sentido de evitar o erro, efetivando um controle preventivo, colhendo subsídios mediante o controle concomitante a fim de determinar o aperfeiçoamento das ações futuras, revendo os atos já praticados, corrigindo-os antes mesmo da atuação do controle externo (MEDAUAR, 1993, p.14).

Em vista de todo o exposto, tem-se que o sistema de controle da Administração Pública é de fundamental importância para qualquer organização e deve ser entendido de forma ampla, não podendo estar limitado apenas quanto aos aspectos financeiros e administrativos, mas sim, deve ser compreendido como um conjunto de ações e métodos que devem ser implementados dentro de um determinado ente administrativo, gerando nele uma verdadeira cultura de diafaneidade, permitindo, assim, que se faça comparações entre os resultados previstos e os efetivamente realizados, sempre tendo em vista o seu fim precípuo: o interesse público.


3.             O CONTROLE EXTERNO NO BRASIL

3.1.       ORIGEM

Durante o período colonial, que durou do século XVI ao XIX o controle das contas públicas no Brasil era exercido por Portugal de forma bastante precária.

Apenas em meados do século XVIII é que foram criadas as Juntas das Fazendas das Capitanias e a Junta do Rio de Janeiro, ambas, como se disse anteriormente, jurisdicionadas a Portugal.

Essa situação começou a ser alterada com a chegada da família real portuguesa em 1808 ao Brasil, que, impelida pelo avanço das tropas francesas liderada por Napoleão Bonaparte, foi forçada a abandonar Lisboa já que as tropas portuguesas não conseguiriam impor resistência às tropas francesas.

Logo após a sua chegada ao Brasil, o príncipe regente D. João VI expediu em 28 de junho de 1808 um alvará real por meio do qual se criava o Erário Régio e o Conselho da Fazenda. O primeiro ficou encarregado da guarda dos tesouros reais e ao outro coube a responsabilidade pelo controle dos gastos públicos.

Importa observar que já havia em Portugal um Erário Régio que tinha sido criado por meio da carta de Lei de 22 de dezembro de 1761, durante o reinado de D. José I, e que representava o regime de absoluta centralização, pois ali todas as rendas da coroa davam entrada e todas as saídas para o pagamento das despesas dele proviam. Essa entidade, com sede em Lisboa, foi presidida durante 1761 e 1777 pelo Inspetor Geral do Tesouro, Sebastião José de Carvalho Melo, que ficou conhecido posteriormente como Marquês de Pombal.

Após a proclamação da independência do Brasil em relação à Portugal ocorrida em 1822, é que o Erário Régio criado por D. João VI foi transformado no órgão conhecido por Tesouro Nacional. Essa transformação se deu por meio da Constituição Imperial de 1824 (art. 170). A partir desse marco, começou-se a se defender a criação de um mecanismo de controle dos gastos públicos, com o intuito de que fosse verificada a correta execução do orçamento. Essa tese encontrou diversos opositores que viam nela uma barreira ao exercício dos poderes do monarca. Para se ter uma ideia dos argumentos de um desses opositores à época, colaciona-se a seguir trecho das palavras do Visconde de Baependi (LOPES, 1947, p.214), verbis:

(...) se o Tribunal da revisão de contas, que se pretende estabelecer, se convertesse em tribunal de fiscalização das despesas públicas antes de serem feitas em todas e quaisquer repartições, poder-se-ía colher dele proveito; mas sendo unicamente destinado ao exame das contas e documentos, exame que se faz no Tesouro, para nada servirá, salvo novidade do sistema e aumento da despesa com os nele empregados.

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A presença de diversos opositores à ideia de criação de um Tribunal de Contas no Brasil Imperial, não ofuscou a exposição de ideias dos defensores da sua criação. Alguns desses defensores foram os senadores Felisberto Caldeira Brandt, conhecido como Visconde de Barbacena, e José Inácio Borges, que, em 1826, apresentaram um projeto de lei nesse sentido.

Outras tentativas de criação de um tribunal de contas no Brasil Imperial foram postas em práticas, embora todas elas tivessem sido rejeitadas. Uma dessas tentativas se deu em 1838, por meio de uma proposta do Marquês de Abrantes, que, à época, ocupava o cargo de Ministro da Fazenda. A proposta era baseada na criação de um tribunal de contas com função judicante. Outra tentativa que resultou frustrada ocorreu em 1845, já no segundo reinado, por meio da proposta do então Ministro do Império, Manoel Alves Branco.

Somente na fase Republicana, por meio de iniciativa incisiva do então Ministro da Fazenda Rui Barbosa, é que foi criado o Tribunal de Contas da União, a partir do Decreto nº 966/A, assinado em 7 de novembro de 1890.

3.2.       ANTECEDENTES

Com o início do período republicano no Brasil, se deu a promulgação da primeira Constituição Republicana em 1891, tendo sido iniciada a sua elaboração no início de 1890. Essa constituição, promulgada em 24 de fevereiro de 1891, vigorou durante toda a fase da Primeira República, tendo sido fortemente inspirada na Constituição dos Estados Unidos da América e apresentava como principal característica a forte centralização dos poderes, embora tivesse sido dada grande autonomia aos Estados-membros.

Apesar dessa primeira constituição republicana ter sido promulgada em 1891, a instalação do Tribunal de Contas se deu apenas no ano de 1893, a partir do empenho de Serzedello Corrêa, então Ministro da Fazenda do Governo de Floriano Peixoto. Uma das características marcantes desse primeiro Tribunal de Contas no Brasil foi que o mesmo era vinculado ao Poder Executivo (RAMOS, 1996), e não ao Poder Legislativo, como é o caso atual.

O sistema adotado para esse Tribunal de Contas foi o sistema belga, que previa que esse órgão seria responsável pela fiscalização de todas as receitas e despesas, mas sem prejuízo de analisar todos os demais atos que pudessem originar despesas ou mesmo que interesassem às finanças da República, incluindo todos os responsáveis, independentemente de qual ministério estivesse vinculado, “com a outorga de quitação, com a possibilidade, ainda, de ordenar o pagamento do que fosse devido, isso acaso verificasse desvios de finalidade” (GOMES JÚNIOR, 2003, pp.4-5). Por esse sistema, uma vez impugnada a despesa, o Ministro que fosse o ordenador de despesa responsável pelo ato impugnado poderia recorrer ao Presidente da República, que daria a última palavra, e, caso seu entendimento fosse contrário ao do Tribunal de Contas, esse seria obrigado a proceder o registro, mesmo que sob protesto.

O Tribunal de Contas foi alçado ao mesmo patamar do Tribunal de Justiça por meio da legislação infraconstitucional, e as decisões dele emanadas que fossem de caráter definitivo teriam força de sentença. Apenas em 1917 os seus membros passaram a ser denominados de Ministros. Na Constituição de 1891, a previsão da existência do Tribunal de Contas restou inserta no art. 89, verbis:

Art. 89 – É instituído um Tribunal de Contas para liquidar as contas de receita e despesa e verificar sua legalidade, antes de serem prestadas ao Congresso.

Importante frisar que as disposições contidas na Constituição de 1891 representou um avanço significativo no que se refere ao controle dos gastos públicos, na medida em que instituiu um órgão auxiliar para atuar com a finalidade precípua de fiscalização desses gastos. De acordo com Oliveira Araújo, “apenas com o advento da República, o Estado Brasileiro veio a incorporar, na sua estrutura, um Tribunal responsável pela verificação e pelo julgamento das contas dos responsáveis pelos bens e dinheiros públicos do país” (ARAÚJO, 2002, p.40).

Apenas com o advento da Constituição de 1934 é que o Tribunal de Contas adquire uma delimitação mais precisa no tocante às suas atribuições. Essa constituição previa a nomeação dos seus membros pelo Presidente da República, sendo aprovados previamente pelo Senado. Era considerado um órgão de cooperação, onde lhe competia acompanhar a execução orçamentária, julgar as contas dos gestores responsáveis por dinheiros e bens públicos, além do registro dos contratos e de atos de que resultasse obrigações de pagamento para o Tesouro Nacional ou por conta dele. As modalidades de controle previstas nesta constituição eram o prévio e a posteriori. Na Constituição de 1934, a previsão do Tribunal de Contas estava inserta no art. 99, conforme segue:

Art. 99 – É mantido o Tribunal de Contas, que, diretamente, ou por delegações organizadas de acordo com a lei, acompanhará a execução orçamentária e julgará as contas dos responsáveis por dinheiros e bens públicos.

A Carta de 1937, conhecida como Polaca, visto que baseada na Constituição autoritária da Polônia, foi outorgada pelo Presidente Getúlio Vargas, implantando, assim, a ditadura do Estado Novo. A principal característica dessa constituição era a enorme concentração de poderes nas mãos do chefe do Executivo, tendo um conteúdo bastante centralizador. Por esse motivo, pouca importância teve o Tribunal de Contas nessa época, tendo sido reservado a ele apenas um dispositivo na Constituição, dentro da parte destinada ao Poder Judiciário, embora dele não fizesse parte, conforme segue:

Art. 114. Para acompanhar, diretamente, ou por delegações organizadas de acordo com a lei, a execução orçamentária, julgar as contas dos responsáveis por dinheiros ou bens públicos e da legalidade dos contratos celebrados pela União, é instituído um Tribunal de Contas, cujos membros serão nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Conselho Federal. Aos Ministros do Tribunal de Contas são asseguradas as mesmas garantias que aos Ministros do Supremo Tribunal Federal.

Com o advento da Constituição de 1946 as competências do Tribunal de Contas foram ampliadas, permitindo a análise das contas das autarquias, bem como a verificação da legalidade dos contratos administrativos, das aposentadorias, reformas e pensões e de qualquer ato que resultasse obrigação de pagamento pelo Tesouro Nacional ou por conta deste. Com essa Constituição, o Tribunal de Contas restou inserto dentro do capítulo referente ao Poder Legislativo. A modalidade de controle que predominou nesse período foi a posteriori, porém, com relação à fiscalização dos contratos, esse controle poderia ser concomitante ou até mesmo prévio, caso fosse identificado a existência de algum tipo de encargo para o Tesouro Nacional. Na Constituição de 1946, a previsão do Tribunal de Contas estava inserta no art. 76, conforme segue:

Art. 76. O Tribunal de Contas tem sua sede na Capital da República e jurisdição em todo o território nacional.

§1º Os Ministros do Tribunal de Contas serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, e terão os mesmos direitos, garantias, prerrogativas e vencimentos dos juízes do Tribunal Federal de Recursos.

§2º O Tribunal de Contas exercerá, no que lhe diz respeito, as atribuições constantes do art. 97 e terá quadro próprio para o seu pessoal.

A partir da Constituição de 1946, o Tribunal de Contas passou a ter uma conformação muito parecida com a atual, e isso se pode comprovar por meio de algumas opiniões de renomados juristas, como é o caso de Pontes de Miranda, que “defendia o entendimento de que o Tribunal de Contas, frente ao texto constitucional, teria a função de julgar, sendo no plano material um órgão judiciário, e, no formal, auxiliar do Congresso Nacional” (MIRANDA, 1947, p.93), e de Themístocles Brandão Cavalcanti que afirmava que o Tribunal de Contas, nos termos da Constituição de 1946, seria um órgão de controle, sem dependência direta de nenhum dos poderes, “defendendo a atuação desse órgão como algo benéfico, ainda que naquela época não cumprisse integralmente as finalidades para as quais tinha sido criado” (RAMOS, 1996).

Com o advento da Constituição de 1946, restaurando o regime democrático no país, observa-se que o Poder Legislativo retomou seu papel na elaboração da proposta orçamentária, pois, durante o período do Estado Novo foi criado um Departamento Administrativo, cujos membros eram nomeados pelo Presidente da República, com atribuição de aprovar as propostas orçamentárias do executivo, bem como fiscalizar a sua execução.

Com a Constituição de 1967 foi mantida a disciplina referente ao Tribunal de Contas dentro do capítulo dedicado ao Poder Legislativo, o que reforçava a ideia que o mesmo seria um órgão auxiliar deste poder. Por meio dessa Constituição foi abolida a modalidade de controle prévio, passando a ser apenas a posteriori. Mas, de acordo com Semer (2000), com a instituição das inspeções e auditorias, o controle poderia ser anterior, concomitante ou posterior.

Com a Constituição de 1967 o papel atribuído ao Tribunal de Contas foi bastante reduzido, pois o país, àquela época, adentrava num período de autoritarismo, o que impedia a convivência pacífica com um órgão que fosse detentor de atribuições de fiscalização e controle das contas públicas. Durante esse período, novamente se pode perceber que a prerrogativa de apresentar leis ou emendas referentes ao orçamento que criassem ou aumentassem as despesas foram novamente retiradas da competência do Poder Legislativo. Mesmo com algumas restrições impostas pelo regime militar em vigor, o Tribunal de Contas continuou a exercer as suas funções.

3.3.       O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO – TCU E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Com o advento da Constituição de 1988 o Tribunal de Contas, incluindo aí o Tribunal de Contas da União e o dos Estados e Municípios, continuou a ser inserido, de forma orgânica, no Poder Legislativo, mas detendo autonomia constitucional, não sendo um órgão preposto a este Poder. Esse inclusive foi o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação direta de inconstitucionalidade, conforme segue:

Não são, entretanto, as cortes de contas órgãos subordinados ou dependentes do Poder Legislativo, tendo em vista que dispõem de autonomia administrativa e financeira, nos termos do artigo 73, caput, da Constituição Federal, que lhes confere as atribuições previstas no seu artigo 96, relativas ao Poder Judiciário. (Adin nº 1.140-5, Relator Ministro Sidney Sanches )

Embora a Constituição Federal de 1988, em seu art. 71, mencione que o Controle Externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União (a nível federal), é importante asseverar que essa atuação não se traduz em subordinação, pois se assim for entendido, estar-se-á confundindo a função com a natureza do órgão.

Sabe-se que a função deste Tribunal é exercer o controle financeiro e orçamentário da Administração em auxílio ao poder responsável, em última instância, por essa fiscalização. Como já citado no parágrafo anterior, o Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário no Brasil, também se posicionou da seguinte forma: “O Tribunal de Contas não é preposto do Legislativo. A função que exerce recebe diretamente da Constituição Federal, que lhe define as atribuições”.

Na definição de Gualazzi (1992), os Tribunais de Contas, no Brasil, atuam como órgão administrativo parajudicial, funcionalmente autônomo, cuja função consiste em “exercer, de ofício, o controle externo, fático e jurídico, sobre a execução financeiro-orçamentária, em face dos três poderes do Estado, sem a definitividade jurisdicional”. Não se deve confundir a função com a natureza do órgão. A Constituição Federal de 1988 dispõe que o controle externo do Congresso Nacional será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União. Dessa forma, deve-se entender que a sua função, portanto, é a de exercer o controle financeiro e orçamentário da Administração Pública Federal, em auxílio ao poder que, em última instância, é responsável por essa fiscalização.

Outro ponto que merece destaque é que a própria Constituição Federal de 1988 assegura ao Tribunal de Contas as mesmas garantias de independência do Poder Judiciário. E, assim sendo, não é possível considerá-lo subordinado ao Poder Legislativo, ou mesmo inserido na sua estrutura. A despeito de ter como função atuar em auxílio ao Poder Legislativo, o Tribunal de Contas é um órgão independente e não me mostra vinculado à estrutura de quaisquer dos três poderes.

Dessa forma, pode-se dizer que os Tribunais de Contas são órgãos públicos constitucionais, detentores de autonomia administrativa e financeira, mantendo relação de colaboração com o Poder Legislativo no que concerne ao controle externo a cargo deste, sem, no entanto, haver qualquer relação de subalternidade (RODRIGUES SOUZA, 2004, p.560). Assim, os Tribunais de Contas no Brasil atuam tanto como colaborador do Poder Legislativo, como no exercício de suas competências próprias.

Por conta disso, os Tribunais de Contas passaram a ocupar uma posição de destaque na sociedade brasileira atual, na medida em que essas casas, tanto a nível federal, como estadual e municipal, passaram a proteger valores constitucionais fundamentais, independentemente da estrutura do Estado. Esse entendimento pode ser corroborado com as lúcidas palavras de Moreira Neto (2003), verbis:

Os órgãos de contas alcançaram indubitavelmente sua maturidade e máxima prestância, deixando de ser apenas órgãos do Estado para serem também órgãos da sociedade no Estado, pois a ela servem não apenas indiretamente, no exercício de suas funções de controle externo, em auxílio da totalidade dos entes e órgãos conformadores do aparelho do Estado, como diretamente à sociedade, por sua acrescida e nobre função de canal do controle social, o que os situa como órgãos de vanguarda dos Estados policráticos e democráticos que adentram o século XXI.

Com o advento da Constituição de 1988, o controle exercido sobre a gestão pública passou a se operar não só sob o aspecto da legalidade, mas também com base nos princípios da legitimidade e economicidade, o que propiciou a instituição de um verdadeiro controle por resultados.

Nesse ponto, faz-se mister trazer à colação um trecho do Relatório do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello (STF, SS nº 1308-RJ, Relator: Ministro Celso de Mello, DJU de 19/10/1998):

A essencialidade dessa Instituição – surgida nos albores da República com o Decreto nº 966-A, de 7/11/1890, editado pelo Governo Provisório sob a inspiração de Rui Barbosa – foi uma vez mais acentuada com a inclusão, no rol dos princípios constitucionais sensíveis, da indeclinabilidade da prestação de contas da Administração Pública, Direta e Indireta (CF, art. 34, VII, ‘d’). A atuação do Tribunal de Contas, por isso mesmo, assume importância fundamental no campo do controle externo. Como natural decorrência do fortalecimento de sua ação institucional, os Tribunais de Contas tornaram-se instrumentos de inquestionável relevância na defesa dos postulados essenciais que informam a própria organização da Administração Pública e o comportamento de seus agentes, com especial ênfase para os princípios da moralidade administrativa, da impessoalidade e da legalidade. Nesse contexto, o regime de controle externo, institucionalizado pelo ordenamento constitucional, propicia, em função da própria competência fiscalizadora outorgada aos Tribunais de Contas, o exercício, por esses órgãos estatais, de todos os poderes – explícitos ou implícitos – que se revelem inerentes e necessários à plena consecução dos fins que lhes foram cometidos.

Outro ponto que merece ser destacado é com relação à natureza jurídica das decisões emanadas pelos Tribunais de Contas. Alguns autores pátrios entendem que a natureza jurídica dessas decisões seria judicante. E embasam essa idéia nos seguintes argumentos: as decisões podem ser de natureza judicante, mesmo que advindas de um órgão administrativo, tal como ocorre nos países que adotaram o sistema do contencioso administrativo. Nesses países, um órgão administrativo possui competência, em última instância, para dispor sobre determinado imbróglio envolvendo a Administração Pública, e, assim, afastando a possibilidade de recurso ao Poder Judiciário. Importante asseverar que essa teoria advém de parte minoritária da doutrina.

Embora seja respeitável a teoria defendida por parte minoritária da doutrina de que a natureza jurídica das decisões emanadas pelos Tribunais de Contas seria judicante, principalmente se levarmos em consideração que a própria Constituição Federal de 1988 estabeleceu, em seu inciso II do art. 71, como competência da Corte de Contas, julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público, é importante ressaltar que a parte majoritária da doutrina e da jurisprudência dos Tribunais Superiores entende que a natureza jurídica dessas decisões é administrativa, e não judicante.

E a força dessa teoria está inserida dentro da própria Constituição Federal de 1988, notadamente no seu artigo 5º, inciso XXXV, quando estabelece um sistema de jurisdição uma, também conhecido como monopólio da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário. Dessa forma, as decisões administrativas provenientes dos Tribunais de Contas estão sujeitas ao controle jurisdicional.

Importante asseverar que, embora as decisões administrativas provenientes dos Tribunais de Contas estejam sujeitas ao controle jurisdicional, como explicitado no parágrafo anterior, essas decisões tem natureza vinculatória em face da Administração Pública.

Sobre o autor
Herick Santos Santana

Advogado. Formado pela Universidade Tiradentes. Pós graduando pela mesma Instituição de Ensino.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTANA, Herick Santos. O controle externo da administração pública no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3894, 28 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26798. Acesso em: 22 dez. 2024.

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