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Aspectos relevantes do histórico do Tribunal do Júri

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Agenda 01/02/2002 às 01:00

9. JÚRI NO CÓDIGO DE PROCESSO CRIMINAL DE 1832

O Código Criminal do Império deu à instituição do Júri uma abrangência exagerada, diretamente criticada por Cândido de Oliveira Filho:

Imitando as leis inglesas, norte-americanas e francesas, deu ao Júri atribuições amplíssimas, superiores ao grau de desenvolvimento da nação, que se constituía, esquecendo-se, assim, o legislador de que as instituições judiciárias, segundo observa Mittermaier, para que tenham bom êxito, também exigem cultura, terreno e clima apropriados[30].

Segundo o estabelecido neste Código, em cada distrito havia um juiz de paz, um escrivão, oficiais de Justiça e inspetores de quarteirão. Em cada termo encontrava-se um juiz municipal, um promotor público, um escrivão das execuções, oficiais de justiça e um Conselho de Jurados. No entanto, poderiam reunir-se dois ou mais termos para formação do Conselho, sendo que a cidade principal seria aquela que proporcionasse maior comodidade para a realização das reuniões.

A mudança foi significativa, pois, a partir daquele momento estavam extintas quase todas as formas de jurisdição ordinária, restando somente o Senado, o Supremo Tribunal de Justiça, as Relações, os juízes militares, que tinham competência unicamente para crimes militares, e os juízos eclesiásticos, para tratar de matéria espiritual. Havia, ainda, os juízes de paz, aos quais cabiam os julgamentos das contravenções às posturas municipais e os crimes a que não fosse imposta a pena de multa de até cem mil-réis, prisão, degredo, ou desterro até seis meses.

Todos os crimes restantes passavam à competência dos conselhos de jurados, sendo que o primeiro deles era o Júri de acusação, com vinte e três jurados, e o segundo era o Júri de sentença, formado por doze membros.

O conselho reunia-se sob a presidência de um Juiz de Direito, após o juiz de paz da cabeça do termo ter recebido os autos de corpo de delito e formação da culpa dos criminosos, também eram formulados por juízes de paz.

Estavam aptos a serem jurados todos os eleitores com probidade e bom senso, com exceção apenas dos senadores, deputados, conselheiros e ministros de Estado, bispos, magistrados, oficiais de justiça, juízes eclesiásticos, vigários, presidentes, secretários dos governos das províncias, comandantes das armas e dos corpos de primeira linha.

O funcionamento das listas de jurados é detalhado por José Frederico Marques:

"A lista dos cidadãos aptos para serem jurados era feita, em cada distrito, por uma junta, composta do juiz de paz, do pároco e do presidente da câmara municipal, ou, na falta deste, de um vereador, ou de "um homem bom", nomeado por aqueles. A lista devia ser afixada à porta da paróquia, ou publicada na imprensa onde a houvesse, remetendo-se uma cópia às câmaras municipais e ficando outra em poder do juiz, para revisão a ser procedida no dia primeiro de janeiro de cada ano, pelo mesmo processo. Na revisão, seriam incluídas as pessoas omitidas e as que tivessem adquirido a qualidade de eleitor, eliminando-se os falecidos, os que tivessem perdido a qualidade de eleitor e os que tivessem mudado do distrito.

Das listas parciais recebidas dos distritos, as câmaras municipais, os juízes de paz e os párocos formavam uma lista geral, excluindo "os que notoriamente" não gozassem de conceito público, por falta de inteligência, integridade e bons costumes", lançando-se o nome dos escolhidos em um livro próprio e nas portas da câmara municipal, por ordem alfabética. Os interessados podiam reclamar, por terem sido inscritos ou omitidos na lista, sendo do dever das câmaras corrigi-la, eliminando ou inscrevendo seus nomes". Quinze dias depois da publicação da lista, as câmaras municipais transcreviam o nome dos alistados em pequenas cédulas, de igual tamanho, que eram conferidas pelo promotor e lançadas em uma urna em público, enquanto o secretário da câmara lia os nomes contidos na lista. A urna era conservada na sala das sessões, depois de fechada com duas chaves diversas, ficando, uma, com o presidente da câmara e, a outra, com o promotor[31].

J. C. Mendes de Almeida descreve como se davam as atividades do Júri:

No dia do Júri de acusação, eram sorteados sessenta juízes de fato. O juiz de paz do distrito da sede apresentava os processos de todos os distritos do termo, remetidos pelos demais juízes de paz, e, preenchidas certas formalidades legais, o juiz de direito, dirigindo a sessão, encaminhava os jurados, com os autos, para a sala secreta, onde procediam a confirmação ou revogação das pronúncias e impronúncias.

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Constituíam, assim, os jurados, o conselho de acusação. Só depois de sua decisão, podiam os réus ser acusados perante o conselho de sentença. Formavam este segundo Júri doze jurados tirados à sorte: à medida que o nome do sorteado fosse sendo lido pelo juiz de direito, podiam acusador e acusado ou acusados fazer recusações imotivadas, em número de doze, fora os impedidos[32].

No entanto, a excessiva liberalidade conferida pelo Código de Processo Criminal não poderia durar por muito tempo, o que levou o próprio senador Alves Branco, autor do Código, a propor uma reforma parcial da legislação, em setembro de 1835, principalmente no que se referia ao Júri e aos juízes de paz. Finalmente, em trinta e um de janeiro de 1842, veio do Regulamento nº 120, trazendo sérias alterações no Júri, bem como na organização judiciária nacional.

Pelo Regulamento foram criados os cargos de chefe de Polícia, ocupado por um desembargador ou um juiz de direito, e delegados e subdelegados distritais, que poderiam ser quaisquer juízes ou cidadãos. Essas autoridades receberam as funções outrora atribuídas aos juízes de paz, somando à função policial também a judiciária.

Quanto aos juízes municipais, estes eram nomeados pelo Imperador, que os escolhia entre os bacharéis em Direito com um ano de prática, pelo menos, para exercerem a função por um período de quatro anos, podendo ser removidos. A eles competia o julgamento do contrabando, quando não houvesse flagrante. Quando necessário, os juízes municipais eram substituídos por algum dos seis cidadãos notáveis escolhidos, ou pelo governo da Corte ou pelos presidentes das províncias, também por quatro anos, com essa finalidade.

O Júri de acusação foi extinto, passando para a competência dos juízes municipais, ou das autoridades policiais, desde que com a confirmação daqueles, a formação da culpa e a sentença de pronúncia.

Os delegados de polícia organizavam a lista de jurados e remetiam para os juízes de direito, o qual, juntamente com o promotor e o presidente da câmara municipal, formavam uma junta que conhecia das reclamações e fazia a lista geral de jurados. Os nomes eram depositados na urna que, agora, deveria ser fechada com três chaves diferentes, ficando cada uma com um membro da junta[33].

O juiz de direito era o responsável pela convocação do Júri, comunicando ao municipal. Qualquer um deles poderia presidir o sorteio dos quarenta e oito jurados, mas somente ao juiz de direito cabia a aplicação da pena, em conformidade com as decisões dos jurados.

Foi mantida, pela Lei nº 261, de três de dezembro de 1841, a apelação de ofício, feita pelo juiz de direito perante a Relação, órgão correspondente aos nossos atuais Tribunais de Justiça. O recurso acontecia sempre que o juiz entendesse que a decisão fora contrária à evidência das provas, caso em que era ordenada a realização de novo Júri, onde não se repetiam os juizes e nem os jurados.

Essa mesma lei, em seu art. 66, extinguiu a exigência de unanimidade de votos feita pelo Código de Processo Criminal para a aplicação da pena de morte, determinando que a decisão do Júri fosse tomada por duas terças partes dos votos, sendo as demais decisões sobre as questões propostas tomadas pela maioria absoluta, e no caso de empate, adotada a opinião mais favorável ao acusado[34].

Posteriormente, com a reforma processual de 1871, foram novamente extintos os cargos de chefe de polícia, delegado e subdelegado para a formação de culpa e pronúncia nos crimes comuns. Permaneceu apenas o chefe de polícia, nos casos de crime extremamente grave, ou quando no crime estivesse envolvida alguma pessoa que pudesse prejudicar a ação da Justiça com sua influência. As pronúncias passaram, então, para a competência dos juízes de direito, nas comarcas especiais, e dos juízes municipais, nas comarcas gerais[35].

Em 1872, com o Decreto nº 4.992, de 3 de janeiro, cada sessão do Júri passou a ser presidida pelo desembargador da Relação do distrito, designado pelo presidente segundo a ordem de antiguidade.

O Júri foi mantido com a Proclamação da República, em quinze de novembro de 1890, advindo a promulgação do Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, o qual criou a Justiça Federal, bem como o Júri Federal, composto de doze jurados, sorteados entre trinta e seis cidadãos do corpo de jurados estadual da comarca.

A competência deste Tribunal é resumida por J. C. Mendes de Almeida:

A Lei federal de 221, de 20 de novembro de 1894, tornou o corpo de jurados federais menos dependente do corpo de jurados estaduais da comarca (art. 11, da Lei nº 221; e a Lei federal nº 515, de 3 de novembro de 1898 excluiu da competência do Júri o julgamento dos crimes de moeda falsa, contrabando, peculato, falsificação de estampilhas, selos adesivos, vales postais e cupons de juros dos títulos de dívida pública da União, atribuindo-o ao juiz de secção. Finalmente, todas essas reformas foram consolidadas pelo Decreto federal nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, que constituiu, durante muitos anos, o Código de processo Civil e Criminal da justiça federal. Enumeram-se, então, todos os casos de competência do Júri.

Mais tarde, o Decreto nº 4.780, de 27 de dezembro de 1923, proclamou a incompetência do Tribunal Popular para julgamento de peculatos, falsidade, instauração clandestina de aparelhos, transmissores e interceptadores, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia, transmissão ou interceptação de radiocomunicações oficiais, violação do sigilo de correspondência, desacato e desobediência, testemunho falso, prevaricação, resistência, tirada de presos do poder da Justiça, falta de exação no cumprimento do dever, irregularidade de comportamento; peita, concussão, estelionato, furto, dano e incêndio, quando afetos ao conhecimento da justiça federal, por serem praticados contra o patrimônio da nação, interessarem, mediata ou imediatamente, à administração ou fazenda da união (art. 40 e $ 1º). Sobraram para o Júri os crimes que alei não houvesse retirado ou retirasse de sua competência[36].


10. JÚRI NA CONSTITUIÇÃO DE 1891

Após varias discussões, quando da promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, foi aprovada a emenda que dava ao art. 72, § 31, o texto "é mantida a instituição do Júri"[37].

O Júri foi, portanto, mantido, e com sua soberania[38].

Em que pesem as muitas assertivas acerca da forma que teria a instituição, em acórdão de sete de outubro de 1899, o Supremo Tribunal Federal dispôs:

"São características do Tribunal do Júri: I – quanto a composição dos jurados, a) composta de cidadãos qualificados periodicamente por autoridades designadas pela lei, tirados de todas as classes sociais, tendo as qualidades legais previamente estabelecidas para as funções de juiz de fato, com recurso de admissão e inadmissão na respectiva lista, e b) o conselho de julgamento, composto de certo numero de juizes, escolhidos a sorte, de entre o corpo dos jurados, em numero tríplice ou quádruplo, com antecedência sorteados para servirem em certa sessão, previamente marcada por quem a tiver de presidir, e depurados pela aceitação ou recusação das partes, limitadas as recusações a um numero tal que por elas não seja esgotada a urna dos jurados convocados para a sessão; II – quanto ao funcionamento, a) incomunicabilidade dos jurados com pessoas estranhas ao Conselho, para evitar sugestões alheias, b) alegações e provas da acusação e defesa produzidas publicamente perante ele, c) atribuição de julgarem estes jurados segundo sua consciência, e d) irresponsabilidade do voto emitido contra ou a favor do réu"[39].


11. CONSTITUIÇÃO DE 1934, CARTA DE 1937 E DECRETO-LEI N 167, DE 1938

Importante inovação adveio da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 16 de julho de 1934, com a retirada do antigo texto referente ao Júri das declarações de direitos e garantias individuais, passando para a parte destinada ao Poder Judiciário, no art. 72, dizendo: "É mantida a instituição do Júri, com a organização e as atribuições que lhe der a lei"[40].

Pouco mais adiante, com a Constituição de 1937, que não se referia ao Júri, houve opiniões controvertidas no sentido de extingui-la face ao silencio da Carta. Contudo, logo foi promulgada a primeira lei nacional de processo penal do Brasil republicano, o Decreto-lei n 167, em cinco de janeiro de 1938, instituindo e regulando a instituição[41].

As alterações foram bastante significativas, uma vez que foi extinta a soberania dos veredictos de forma que, havendo injustiça na decisão, por divergência com as provas existentes nos autos ou produzidas em plenário, era aceita a apelação de mérito. Ainda, caso fosse dado provimento à apelação, o próprio Tribunal era quem deveria aplicar a pena justa ou absolver o réu, segundo os artigos 92, b e 96, do Decreto-lei 167, respectivamente.

Os resultados alcançados com as modificações foram gratificantes, houve diminuição da criminalidade e dos abusos cometidos no Tribunal do Júri e, apesar das inúmeras críticas sofridas pelo novo regulamento, muitos também foram os que elogiaram aquilo que entendiam como um grande avanço na legislação processual penal brasileira.

Em tempo, apesar de as mudanças introduzidas pelo Decreto-Lei nº 167 coincidirem com o período ditatorial, não há correspondência entre ambos, sendo que a limitação aos poderes do Júri, que coadunaram perfeitamente com o modelo brasileiro onde predominavam as provas escritas nos autos sobre o espetáculo no Tribunal, foram menos arbitrárias do que a concessão de indultos absurdos, abrindo as prisões para delinqüentes perigosos[42].


12. JÚRI NA CONSTITUIÇÃO DE 1946

Com a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946, veio a restauração da soberania do Júri, inspirada pela democracia exibida na participação do povo no processo criminal. Surge, então, o art. 141, § 28[43], onde o termo soberania não deve ser confundido com abuso de decidir contra a própria evidência dos autos, condenando ou absolvendo arbitrariamente.

Ao legislador ordinário restou a incumbência de regulamentar e estruturar juridicamente a instituição, devendo obedecer, contudo, a algumas limitações. Quanto ao funcionamento, ficou vedado o cerceamento de defesa ou o estabelecimento de julgamentos descobertos.

No que se refere à organização, o conselho deveria ser formado por um número ímpar de jurados, no mínimo três, contrariando o número par tradicionalmente utilizado, em especial a formação com doze membros.

Finalmente, as últimas limitações impostas foram quanto à competência mínima, sendo definido que, racione materiae, os crimes dolosos contra a vida eram exclusivamente julgados pelo Júri, e que não caberia a quaisquer outros órgãos judiciários reformá-los. Portanto, sendo respeitadas as características aludidas, outras matérias poderiam ser inseridas no âmbito de competências do Júri.

Assim, só seria denominado de Tribunal do Júri o órgão julgador que obedecesse rigorosamente os traços definidos pela constituição de 1946, nas disposições do art. 141, § 28. Caso contrário, estaria configurada uma inconstitucionalidade, uma vez que não era permitida à lei ordinária a criação de tribunais ou juízes não antevistos pela justiça penal dentro da Carta Magna[44].

Como o art. 101, II, "c", da Constituição de 18 de setembro de 1946[45], dava ao Supremo Tribunal competência para julgar em recurso ordinário os crimes políticos, não poderia haver decisão soberana dos órgãos inferiores em relação a estes crimes; e como o Júri não soberano a Constituição não previa, existia um obstáculo de ordem constitucional impedindo que se estendesse aos jurados o julgamento dos crimes políticos.

Sobre a autora
Lise Anne de Borba

advogada em Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BORBA, Lise Anne. Aspectos relevantes do histórico do Tribunal do Júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2695. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

O texto foi parte de monografia jurídica apresentada como requisito parcial de conclusão do curso de Direito.

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